Direito Civil Comentado
- Art. 633, 634, 635 - Continua
- Do
Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial
- Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627
a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com
-
Art. 633. Ainda que o contrato fixe prazo à
restituição, o depositário entregará o depósito logo que se lhe exija, salvo se
tiver o direito de retenção a que se refere o art. 644, se o objeto for
judicialmente embargado, se sobre ele prender execução, notificada ao depositário,
ou se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida.
Como aponta Nelson
Rosenvald, mais uma vez o legislador afirma que nos contratos de depósito o
prazo é assinalado em favor do credor, excetuando-se a regra geral do CC 133. Destarte,
mesmo que o contrato possua termo, nada impedirá a pretensão antecipada à
restituição da coisa ao depositante, pois nem sempre a exigibilidade do crédito
coincide com o vencimento normal da obrigação.
Todavia, o dispositivo
descreve quatro situações excepcionais – que na verdade se resumem a três -, em
que justificadamente o depositário poderá manter a posse direta da coisa.
Primeiro, quando seja
titular de direito de retenção da coisa em razão de dispêndio com valores
líquidos de conservação do bem depositado ou prejuízos que dele advierem (CC 643
e 644).
Segundo, quando o bem
depositado se tornar litigioso, em razão de constrição sobre ele efetuada. Nesse
caso, o depositário que foi interpelado a respeito do fato ficará atento à lição
do CC 312, evitando a restituição da coisa ao depositante, sob pena de se responsabilizar
perante os credores de seu credor.
Terceiro, nos casos em
que houver suspeitas da origem ilícita do bem depositado, caberá ao depositário
comunicar à autoridade policial o fato, pois os seus deveres indisponíveis perante
a sociedade se sobrepõem ao atendimento das obrigações contratuais perante o
depositante.
De forma positiva, o legislador inovou
ao alterar a redação da norma, adotando a expressão “dolosamente obtida”, em
vez de “furtada, ou roubada”, pois é possível a prática de outras modalidades
de ilícito a partir de uma conduta dolosa (v.g., estelionato, apropriação
indébita). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 662 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/11/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Existe um histórico,
antecedendo o comentário de Ricardo Fiuza, onde o presente dispositivo foi
objeto de emenda, por parte da Câmara dos Deputados, no período inicial de
tramitação do projeto, para aprimorar a linguagem e atender a doutrina. A emenda
proposta teve em vista que a origem criminosa da coisa pode estar não só em
furto, ou roubo, mas em qualquer outro fato criminoso, como a apropriação
indébita e o estelionato. Daí a expressão “dolosamente obtida”, agora adotada. Trata-se,
em resumo, de mera repetição do CC 1.268 de 1916, com essa melhoria.
Segundo a doutrina, em
regra, ainda que celebrado por prazo determinado, o depositário deverá restituir
o objeto depositado assim que reclamado pelo depositante, mesmo antes do
vencimento do prazo estipulado. Isto pontue o depósito é realizado, como já
referido, sempre em favor deste último, cabendo-lhe, pois, escolher o momento
certo em que se extinguirá o aludido contrato.
Entretanto, a esta
obrigação do depositário, admitem-se algumas exceções: primeiro, se o
depositário tiver o direito de retenção a que se refere o CC 644, o qual será
examinado oportunamente; segundo, se o objeto estiver judicialmente embargado, “assim
entendida qualquer forma de apreensão judicial, como o arresto, sequestro ou a
penhora” (Ad Peneira de Queiroz, Direito civil: direito das obrigações,
Goiânia, Editora Jurídica IIEPC, 1999, p. 163); terceiro, se sobre o objeto
depositado pender execução, “tendo o depositário sido notificado para não abrir
mão do bem” (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro: obrigações e
contratos, 14.ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 449); quarto,
se houver razoável e fundamentada suspeita de que o objeto foi obtido por meio
criminoso pelo depositante; e quinto, se noutro depósito a coisa depositada se
fundar (CC 638).
O CC/2002, além de
alterar a redação do art. 1.268, acrescentou a esse dispositivo mais uma
hipótese de exonerar-se o depositário em caso de sua recusa a restituir a coisa
depositada. Tal hipótese consiste no fato de ele possuir o direito de retenção
do bem até o pagamento dos encargos devidos pelo depositante. Embora não previsto
no CC de 1916, art. 1.268, este já constituía um motivo de recusa à
restituição, sendo que referido pelo art. 1.279 do mesmo diploma.
Agora, com a
complementação do dispositivo em exame, note-se que tal enumeração pretendeu
ser taxativa, de modo que, fora os casos aqui expressamente previstos, não pode
o depositário recusar-se a devolver a coisa que lhe foi confiada. Essa é a
premissa. Entretanto, há ainda a ressalva à restituição do depósito prevista no
CC 638, quando noutro depósito se fundar. Para a melhor compreensão sistêmica,
cremos conveniente a remissão a este último dispositivo, tal como feia em
relação ao CC 644. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 339-340 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/11/2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Conforme esclarece Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito pressupõe
a confiança do depositante na devolução da coisa pelo depositário. Em regra, o
depósito é realizado no interesse do depositante e, por essa razão, mesmo que o
contrato seja por prazo determinado, pode o depositante reclamar a coisa depositada
a qualquer tempo. Em tal caso, havendo interesse do depositário no depósito a
prazo fixo, faz jus ao recebimento por todo prejuízo que sofrer em razão do
contrato.
O depositário
somente pode negar-se a devolver a coisa ao depositante se este não lhe pagar
qualquer quantia que lhe deva (CC 644), se houver embargo judicial, inclusive
execução notificada ao depositário, ou se houver fundada suspeita de que a
coisa foi dolosamente obtida.
A não
restituição da coisa pelo depositário sujeita-o ao pagamento de perdas e danos
(CC 652). Embora a CF, 5º, LXVII a permita, a prisão do depositário infiel foi
considerada revogado pelo STF, em razão da adesão do Brasil ao Pacto de San
José da Costa Rica (RE 466343, HC 87585, julgados em 3.12.08) (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 28.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 634. No caso do artigo antecedente, última
parte, o depositário, expondo o fundamento da suspeita, requererá que se
recolha o objeto ao Depósito Público.
Nessa norma, como
comenta o professor Nelson Rosenvald, o legislador complementa o exame do dispositivo
pregresso. Assim, se o depositário suspeitar objetivamente da origem ilícita da
coisa móvel depositada, não apenas se recusará a restituí-la ao depositante
como também solicitará o recolhimento do objeto ao depósito público.
Vê-se que o depositário deverá
expor o fundamento da suspeita perante o magistrado, não só para demonstrar com
certa segurança a veracidade de suas alegações como ainda para se exonerar de
eventual responsabilidade criminal e cível por coautoria ou participação.
A nosso viso, a propositura de ação de
consignação em pagamento (CC 335 e CPC 539), será a melhor forma de o devedor
se desvincular de responsabilidade, tanto na hipótese em apreço como nas situações
alinhavadas no artigo antecedente. Para tanto, basta conjugar os CC 633 e 634,
com o CC 635, principalmente pela inclusão do termo “outrossim”. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 662 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 28/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Como sugere a doutrina, apresentado
por Ricardo Fiuza, no caso de o depositário possuir razoável e fundamentada
suspeita de que o objeto depositado fora obtido dolosamente pelo depositante, a
lei confere àquele o poder-dever de recusar-se a restituí-lo a este último e
requer, após expor os fatos que fundamentem a sua desconfiança, seja
providenciado o recolhimento do objeto ao Depósito Público.
É importante salientar
que, “embora a lei não exija prova indubitável de que a coisa foi subtraída a
seu dono, ela requer, pelo menos, que a suspeita seja razoável” (Silvio
Rodrigues, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da
vontade, 27.ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 264), buscando, assim,
evitar a submissão do depositante a constrangimentos injustos e desnecessários.
(Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 339-340 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/11/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, se o depositário suspeitar
que a coisa foi obtida pelo depositante por meios ilícitos, o depositário
requererá seu depósito em estabelecimento público. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 28.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 635. Ao depositário será facultado,
outrossim, requerer depósito judicial da coisa, quando, por motivo plausível, não
a possa guardar, e o depositante não queira recebe-la.
Como esclarece o mestre
Nelson Rosenvald, além das hipóteses do CC 633, será viável o exercício da ação
de consignação em pagamento pelo depositário nos contratos sem prazo, quando
houver justificativa razoável no sentido da impossibilidade de guarda a coisa
em razão de evento superveniente à contratação. Outrossim, exige-se a prova da
recusa do credor à devolução antecipada.
Seriam casos de
onerosidade excessiva perante o depositário que acarretariam a resolução
antecipada, porém justificada, da relação contratual, sem que se possam exigir
perdas e danos do devedor. ilustrativamente, uma grave doença do depositário ou
de familiar; a necessidade de uma viagem urgente; algum dano ao local em que se
deu o depósito, impossibilitando a adequada conservação do bem móvel.
O artigo é necessário,
pois a desconstituição da obrigação pelo devedor mediante consignação seria
restrita às hipóteses do CC 335. Porém, nada menciona o referido dispositivo
acerca da impossibilidade superveniente do devedor em realizar o pagamento.
Mesmo nos contratos de depósito com
termo, nos quais o prazo é assinalado em favor do credor, e qualquer restituição
antecipada implica inadimplemento absoluto, será possível ao depositário
demonstrar a ocorrência do evento superveniente que justifique a resolução
antecipada do contrato. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 663 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/11/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Seguindo na esteira do
relator Ricardo Fiuza, em regra, deve o depositário devolver o objeto assim que
reclamado, mesmo que o prazo fixado ainda não se tenha ultrapassado. Porém, a
lei faculta ao depositário, desde que haja motivo plausível para não mais
continuar com a guarda da coisa, devolvê-la ao depositante e, no caso de sua
recusa em recebe-la, requerer seja providenciado o seu depósito judicial.
Anote-se, porém, indispensável
a razoabilidade do motivo determinante que leve o depositário a pretender
exonerar-se das responsabilidades pelo depósito antes admitido, “como, por
exemplo, moléstia grave, viagem que ele tenha de empreender, serviço militar
etc.” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das
obrigações, 4.ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 236). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 340 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/11/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Leciona Marco Túlio de Carvalho Rocha, que se o depositante
não requerer a coisa ao término do prazo ou, não havendo prazo, quando intimado
pelo depositário, este poderá requerer o depósito judicial da mesma se não for
do seu interesse mantê-la sob sua custódia. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 28.11.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).