terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 696,697,698 - Continua - Da Comissão - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 696,697,698 - Continua
- Da Comissão - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XI – Da Comissão –
(art. 693 a 709) vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 696. No desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir com cuidado e diligencia, não só para evitar qualquer prejuízo ao comitente, mas ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio.

Parágrafo único. Responderá o comissário, salvo motivo de força maior, por qualquer prejuízo que, por ação ou omissão, ocasionar ao comitente.

Na dissertação de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo consagra obrigação básica do comissário, a exemplo do que, para o mandatário, se explicita no CC 667, que é a de agir com zelo e diligência no cumprimento do encargo que lhe tiver sido cometido. Aqui se deve ressalvar, primeiro, que o cuidado e a diligência exigíveis do comissário não são tão somente os que permeiam sua forma habitual de se portar, senão aqueles suficientes e idôneos a evitar qualquer prejuízo ao comitente e, antes, a lhe garantir o proveito esperado da operação.

De outra parte, e coo já se disse no comentário ao artigo anterior, a aferição sobre esse nível de exigência não pode olvidar a circunstância eventual de o comissário ser profissional – o que pressupõe admitir-se, portanto, que a comissão pode envolver atividade não profissional (ver comentário ao CC 693). Com efeito, deve-se diferenciar o que razoavelmente se espera da forma diligente de agir de quem seja e de quem não seja um profissional. Isso sem prejuízo de obrar o comissário de acordo com as ordens recebidas, o que está no preceito antecedente, mas ao qual o vertente se agrega para explicitar que, mesmo de conformidade com as instruções do comitente, a atuação do comissário deverá ser diligente.

Nessa obrigação genérica de cuidado, impende considerar que estejam abrangidos deveres específicos que vinham dispostos no Código Comercial e que sejam compatíveis com a limitação do Código Civil acerca do objeto do encargo cometido ao comissário (CC 693). Assim, por exemplo, a obrigação de guarda e conservação da coisa adquirida e que deva ser entregue ao comitente ou dele ser recebida para venda (CC 170), dando aviso de danos porventura havidos na res (CC 171). Da mesma forma, enquadra-se a obrigação de procurar negócio a ser efetivado em condições não mais onerosas do que as correntes, no tempo e lugar da entabulação (CC 183).

O CC/2002, na mesma esteira do Código Comercial, silenciou sobre a possibilidade de o comissário, sem infringência ao dever de zeloso cumprimento da comissão, adquirir para si a coisa do comitente que lhe tenha sido entregue para venda (contrato consigo mesmo ou autocontrato). Defende-se, todavia, essa possibilidade, desde que sem abuso do comissário e com proveito ao comitente (cf. Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 559), de resto como segue hoje explicitado no mandato acerca da procuração em causa própria (CC 685).

Para Orlando Gomes, que sustenta a existência de autorização implícita de contratar consigo mesmo, possibilidade então somente afastada se houver cláusula explícita proibindo o autocontrato, condiciona-se a verificação do proveito ao comitente a que a negociação se faça sobre coisa com preços cotáveis de forma corrente, a fim de se efetivar a comparação com o preço pago pelo comissário (Contratos, 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 406). É certo, porém, que, mesmo sem essa limitação, o proveito ao comitente deve ser demonstrado, já que existe um intrínseco conflito de interesses com o comissário.

Por fim, estabelece o preceito em tela, no parágrafo único, a consequência pelo descumprimento da obrigação de zelo e diligência afeta ao comissário, impondo-lhe dever reparatório, exceto, segundo a dicção legal, se havida força maior. Na verdade, erigiu-se responsabilidade contratual do comissário por conduta culposa, de novo tal qual no mandato (CC 667), sempre ressalvada na comissão profissional, exercida por pessoa jurídica, a ocasional incidência, configurada a relação de consumo, da legislação respectiva (Lei n. 8.078/90) e da responsabilidade sem culpa lá instituída. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 721 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, não será apenas indispensável que o comissário opere em conformidade com o texto programado das ordens e instruções do comitente (CC 695). É, por igual, imperativo desempenhar a tarefa com cuidado e diligência. O desvelo e a cautela, o cuidado ativo e a presteza conjugam-se na persecução de dois propósitos bem definidos: impedir prejuízo, ainda que mínimo, ao comitente e assegurá-lo com os lucros que conforme à própria regularidade do negócio lhe seriam proporcionados. A imposição da norma é um preceito de garantia ao êxito da comissão.

O parágrafo único estabelece responsabilidade do comissário pelos prejuízos advindos de sua ação ou omissão e causados ao comitente, ressalvado motivo de força maior. Dessa forma não responderá apenas o comitente pelo excesso na comissão (falta de exação), mas, ainda, quando faltar ao desempenho de suas incumbências o mencionado cuidado ativo, importando tal inobservância em prejuízos ao comitente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 373 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o contrato de comissão impõe o dever de cuidado por parte do comissário em relação aos interesses do comitente, respondendo por perdas e danos se provocar danos por conduta culposa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 697. O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem tratar, exceto em caso de culpa e no do artigo seguinte.

No entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo estabelece a regra geral de que o risco pela solvência daquele com quem o comissário trata é do comitente. Ou, em diversos termos, o princípio é que o comissário não responde pelo cumprimento da obrigação que contratar no interesse do comitente. Não responde, enfim, pela execução ou pelo pagamento do negócio entabulado à conta do comitente.

É certo, porém, que a referida responsabilidade, que como norma geral ele não tem, poderá ser carreada ao comissário se agir com culpa na escolha daquele com quem contrata. É o que, na dicção do art. 175 do Código Comercial, se revelava pela contratação com pessoa inidônea ao tempo da entabulação. Ou seja, pessoa que se sabia ou deveria saber insolvente, não no sentido estrito, jurídico, mas sim alguém que já se prenunciava que poderia faltar ao cumprimento do ajuste, ou, da mesma forma, alguém insolvável, sem garantia suficiente a compor a responsabilidade pela obrigação contraída. Ter-se-á em hipóteses tais, verdadeiramente, a desatenção à obrigação que tem o comissário de agir com diligência e zelo. Importa, todavia, a aferição das condições subjetivas desta pessoa com que o comissário trata ao instante em que a contratação se consuma.

Por fim, remete o preceito ao artigo seguinte como contemplativa de outras hipóteses em que se quebra a regra da irresponsabilidade do comissário pelo adequado cumprimento do negócio tratado à conta do comitente. É o caso da comissão del credere, a seguir examinada. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 721 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico apresentado na postagem de Ricardo Fiuza, a redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente de CC de 1916. No entanto, o Código Comercial de 1850 traz artigo acerca do tema, de n. 175, in verbis: “Art. 175. O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem contratar em execução da comissão, se ao tempo do contrato eram reputadas idôneas; salvo nos casos do art. 179, ou obrando com culpa ou dolo”. O mencionado art. 179, por sua vez, refere-se à hipótese de comissão dei credere.

Na doutrina, a cláusula legal de isenção de responsabilidade na comissão mercantil é a de não responder o comissário pela insolvibilidade de terceiros com quem contrata, correndo os riscos por conta do comitente. Entretanto, achar-se-á em culpa, p. ex., se contratar com pessoas inidôneas, como decorre, a contrario sensu do que estabelece o art. 175 do Código Comercial, ou, ainda, exclui-se a isenção, no caso da comissão dei credere, tratada pelo CC 698. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 373 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o comprador da mercadoria não pagar o preço ao comissário, este não estará obrigado a ressarcir o comitente pelo prejuízo decorrente do inadimplemento nem mesmo se o comprador for insolvente, salvo se tiver agido com culpa. A norma é supletiva. As partes podem estipular a cláusula del credere, que estabelece a solidariedade do comissário e do comprador em relação ao comitente como disposto no CC 698. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 698. Se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido.

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a cláusula del credere encerra pacto adjeto ao contrato de comissão e pode ser convencionada verbalmente, dado que é informal o próprio ajuste a que se refere, conforme acentua Sílvio Venosa (Direito civil, 3. ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 558) e já o assegurava o art. 179 do Código comercial, cujo conteúdo é, quebrando a regra geral contida no artigo antecedente, fazer do comissário um garante solidário pela solvabilidade e pontualidade daquele com quem contrata à conta – e não em nome – do comissário, como inadequadamente é aludido no artigo em comento, visto ser característica da entabulação a atuação do outorgado em nome próprio, malgrado sempre no interesse do outorgante.

Ou seja, pela cláusula del credere o comissário passa, excepcionalmente, a responder por tudo quanto se disse no artigo anterior ser-lhe estranho, em termos de responsabilidade. Passa a responder, enfim, pela boa execução do ajuste contratado no interesse do comitente, pelo seu cumprimento, pela sua completa e tempestiva satisfação. Mais, expressa a lei que essa responsabilidade é solidária, para muitos em virtude da natureza de verdadeira fiança que tem o o del credere, de resto lembrando que a fiança comercial era sempre solidária (art. 258 do Código Comercial), todavia o que não se repete no Código Civil. Já para outros ter-se-ia, no caso, uma espécie de seguro, em que o pagamento de remuneração maior ao comissário significaria mesmo um prêmio pela responsabilidade por ele assumida, uma contrapartida a cargo do comitente pelo ônus imposto ao comissário. De toda sorte, cuida-se de uma garantia que o comissário pode prestar, se assim se pactuar, e com caráter de solidariedade previsto em lei.

A remuneração maior em virtude dessa garantia não é obrigatória, conforme ressalva o próprio texto legal. Mas, para tanto, se rá necessária expressa menção do ajuste, sobretudo nos casos em que a remuneração tiver de ser arbitrada judicialmente, portanto quando já não vier estipulada em valor previamente convencionado (CC 701).

Muito se discutiu, ainda sob a égide do Código Comercial, sobre a possibilidade da comissão del credere se o negócio pactuado pelo comissário com terceiro fosse de pagamento á vista, ao argumento de que então não seria justificável uma garantia que, afinal, é remunerada. Ou, por outra, não faria sentido possibilitar uma maior remuneração ao comissário por garantia vazia, já que, pagando o terceiro à vista, seria irrelevante a questão de sua solvabilidade. Bem de ver, porém, que a contratação da cláusula del credere se faz aprioristicamente, antes da contratação do comissário com o terceiro e antes de saber quem será esse terceiro, portanto de toda sorte cabendo a garantia remunerada de que trata o artigo (ver a respeito: Fran Martins. Contratos e obrigações comerciais, 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 345). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 721-722 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina de Ricardo Fiuza diz que a Lei estipula uma remuneração compensatória, superior à convencional, tendo em conta a responsabilidade assumida pelo comissário, qual seja a de garantir a capacidade de pagamento por aqueles com quem contratar. Essa remuneração inerente à cláusula deixará de ser atribuída ao comissário, havendo disposição contratual em contrário, ao tempo em que admitida, no contrato de comissão, a referida cláusula del credere. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 373 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a cláusula del credere é a que responsabiliza o distribuidor a responder solidariamente junto ao comitente pelas obrigações assumidas pelo comprador.

De modo inusitado, o dispositivo determina que, havendo a referida solidariedade, “o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido”. Qual o parâmetro será tomado em conta par a elevação a remuneração do comissário? A regra não é impossível de ser aplicada, mas dependerá da existência de contratos nos quais o comitente haja estabelecido remuneração a algum comissário seu sem a cláusula del credere. Quanto a mais deverá ser pago ao comissário solidariamente responsável com as pessoas que contratar? O cálculo deverá levar em conta o volume e o valor total dos negócios, bem como proporção entre estes e a inadimplência os devedores. A alteração da remuneração pode, então, apesar da difícil contabilidade, ser estabelecida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 693, 694, 695 - Da Comissão - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 693, 694, 695 - Continua
- Da Comissão - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XI – Da Comissão –
(art. 693 a 709) vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.

No registro de Claudio Luiz Bueno de Godoy, com o artigo presente o CC/2002 inaugura o regramento dedicado a contratos até então tratados em normatização mercantil, codificada ou esparsa, fruto da tendência que abraçou de reunificar não o direito privado como ele era na sua origem, abrangendo o direito civil, o comercial e o trabalhista, mas o direito obrigacional, tão somente, razão inclusive de sua edição haver se prestado, de forma específica e pontual (CC 2.045), à revogação dó da primeira parte do Código comercial, exatamente aquela voltada às disposições acerca das obrigações e dos contratos comerciais.

Fê-lo, quanto a estes últimos, a começar pela comissão, que definiu como o ajuste mercê do qual alguém, denominado comissário, adquire ou aliena bens, em seu próprio nome, mas no interesse de outrem, o comitente. Era o que, no Código Comercial, previa-se no art. 165, porém com objeto mais amplo, eis que o comissário desempenhava, no seu próprio nome, malgrado no interesse do comitente, a gestão de quaisquer negócios mercantis, portanto não só os de compra e venda. Mais, explicitava a legislação comercial, no preceito citado, que a comissão era, verdadeiramente, uma espécie de mandato, porém sem a representação, vale dizer, sem que o mandatário, de resto um profissional, agisse em nome do mandante, embora sempre no seu interesse. Por isso mesmo acabou sendo comum definir-se a comissão como um mandato sem representação ou, para outros, um mandato com representação mediata ou imperfeita.

É certo que muito se combateu essa adstrição da comissão ao mandato (ver Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.723, n. 2, p. 293; Martins Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro, forense, 1984, p. 334), como também se criticou a diferenciação de ambos os contratos feita com base apenas nas relações externas deles exsurgidas, ou seja, tomando-se em consideração os efeitos produzidos, em relação às partes originárias, pelos negócios praticados pelo outorgado com terceiros, ora em seu nome, ora em nome do outorgante. E mesmo essa distinção, que se lastreia, pois, na representação, ausente na comissão, pressupõe seja ela constante no mandato, o que não é da essência dessa espécie de contrato, a despeito de se reconhecer que tenha o Código Civil pretendido assim caracterizá-lo (ver comentário ao CC 653).

O problema, no entanto, é que o Código Civil de 2002 manteve o dispositivo do art. 1.307 do CC/1916, agora CC 663, igualmente a cujo comentário se remete o leitor, e que, a rigor, alvitra a possibilidade de prática de atos por mandatário, como tal constituído, mas em seu próprio nome, e não no do mandante, posto que, para alguns, sempre de modo abusivo, desviando-se a finalidade do ajuste.

Poder-se-ia então dizer que a diferenciação estaria na natureza profissional da atuação do comissário, portanto, não se configurando a comissão, mas sim mandato sem representação, quando de uma simples ou eventual compra ou venda entabulada por alguém, em seu próprio nome, contudo no interesse de outrem, tal como o defendia, por exemplo, Orlando Gomes, apesar de que ainda na vigência da legislação anterior (Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 400).

Sustentam outros, porém, que o tratamento unificado que reservou o Código Civil de 2002 aos contratos pode ter superado essa distinção, destarte vislumbrando factível uma comissão que se poderia dizer eminentemente civil ou, se se preferir, sem implicar atividade profissional do comissário (v.g., Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3.ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 552), muito embora, não se negue, sempre se tenha apresentado a comissão como uma verdadeira forma de colaboração entre empresários. É por isso que ainda hoje se defende que o comissário deve ser um empresário, necessariamente remunerado, assim diferenciado do mandatário, mesmo quando sem representação (cf. Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, 17. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 358).

Nessa esteira, a se procurar, ainda, alguma diferenciação intrínseca, seria de cogitar justamente dessa onerosidade inerente ao contrato de comissão (CC 701), como regra ausente no mandato, posto que sem representação, se se o admite, e não só coo um desvio de sua natureza, pela prática de ato abusivo do mandatário (ver comentário ao CC 663).

Na realidade, entretanto, ainda que se reconheça que, na lógica do Código Civil, que pressupôs a representação no mandato, é esse o dado a distingui-lo da comissão, acede-se à observação de Waldírio Bulgarelli, tanto mais porque efetivada na senda da sistematização que a matéria recebeu no direito italiano (arts. 1.731 e ss do CC peninsular), fonte relevante do CC/2002 para o regramento em exame, no sentido de que mandato e comissão não guardam nenhuma nítida distinção da relação interna entre as partes contratantes (Contratos mercantis, 3. ed. São Paulo, Atlas, 1984, p. 464-8). Para o autor, e já examinando o que à época era o projeto de CC, a comissão, a exemplo do sistema italiano, não seria mais que um mandato, sem representação, mas com finalidade específica, qual seja a de cometer ao comissário tão somente a compra e venda de bens, e não outros negócios, em seu nome, embora à conta do comitente.

Daí, de um lado, a redação restritiva do artigo em comento, se comparado ao que dispunha o art. 165 do Código Comercial, permissivo da comissão para a realização de outros negócios, que não só a compra e venda, de outra parte explicando-se a remissão do CC 709 às normas atinentes ao mandato, posto de aplicação subsidiária.

De toda sorte, caracteriza-se a comissão como contrato consensual, aperfeiçoado sem exigência de forma especial; bilateral, indutivo de prestação e obrigação a ambas as partes afetas; intuitu personae, lastreado na confiança que se deposita na pessoa de quem recebe poderes para agir à conta de outrem; oneroso, devido à comissão, mesmo que não ajustada, como remuneração do comissário (CC 701). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 717 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há, antes da doutrina de Ricardo Fiuza, um Histórico, e a redação atual é a mesma do projeto. Não há artigo correspondente no CC de 1916. O Código Comercial de 1850 traz, no entanto, artigo acerca do tema, de n. 165, iii verbis: “Art. 165. A comissão mercantil é o contrato do mandato relativo a negócios mercantis, quando, pelo menos, o comissário é comerciante, sem que nesta gestão seja necessário declarar ou mencionar o nome do comitente”.

Quanto à doutrina, disciplinada pelo Código comercial, e agora trazida para o Código Civil, a comissão é contrato consensual, bilateral, oneroso, comutativo e intuitu personae, não exigindo para a sua configuração formalidades especiais. Envolve as figuras do comissário, o comerciante que realiza negócios em proveito de outrem, e do comitente, aquele que ordena e orienta o trabalho negocial executado pelo comissário em seu favor, retribuindo-lhe com remuneração correspondente. Limita-se como expresso no dispositivo em comento, aos negócios de compra e venda de bens, sem a amplitude dada anteriormente pela redação do Código Comercial (“negócios mercantis”).

A comissão, embora denomine o próprio contrato, é também utilizada para designar a contraprestação pecuniária devida ao comissário. * Direito comparado: Código Civil italiano, arts. 1,731 e 1.736. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 372 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, temos o conceito de contratos de distribuição, as características, espécies e a caracterização do contrato de comissão.

Contrato de distribuição são contratos de intermediação mediante os quais o produtor se obriga a fornecer os bens que produz ao distribuidor que, por sua vez, em nome próprio ou em nome do produtor, se obriga a vende-los a outros intermediários ou aos consumidores. Podem ser objeto de contratos de distribuição mercadorias e serviços.

São características dos contratos de distribuição: cooperação (integração, colaboração), duração (prazo determinado ou indeterminado), contrato “por” adesão, dependência econômica do distribuidor e vantagens ao distribuidor, autonomia jurídica das partes.

O artigo 3º do Código de Defesa do consumidor expressamente confere aos distribuidores a condição de “fornecedores” e respondem solidariamente por vícios do produto (CDC 18).

Os contratos de distribuição se distinguem em duas espécies conforme o distribuidor adquira ou não a propriedade dos bens a serem distribuídos: a) contratos de aproximação (sem aquisição): mandato, comissão, agencia (representação comercial), corretagem; b) contratos de intermediação (importam na aquisição da mercadoria pelo distribuidor)Ç: concessão comercial e franquia: são contratos de integração (não há subordinação).

Pelo contrato de comissão o comissário vende bens em nome próprio por conta do comitente. O contrato de comissão é o contrato de distribuição mais antigo e remonta à Idade Média, época em que comissários vendiam nas feitas produtos produzidos por seus comitentes. O comissário vende em nome próprio, isto é, vale-se da aparência de propriedade que a posse da coisa móvel lhe dá para vende-la a terceiro sem a necessidade de explicitar que a propriedade pertence ao comitente, por conta de quem o negócio é realizado. Isto significa que o preço auferido destina-se ao comitente, sem prejuízo de ser descontada a comissão devida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 694. O comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes.

Seguindo na esteira de Claudio Luiz Bueno de Godoy viu-se, já no comentário ao artigo precedente, que a característica básica da comissão, seu conteúdo mesmo, é a estabulação de negócio de compra ou venda por alguém que o faz no interesse de outrem, mas no seu próprio nome; agora se acrescenta que, via de regra, envolve coisas móveis, embora não se vedando propriamente sua pertinência a imóveis, apenas que sem maior utilidade na prática negocial, dado que, pelo sistema de registro, para agir em nome próprio deveria o comissário adquirir o bem para si, a fim de cumprir a comissão (ver a respeito: Humberto Theodoro Júnior. “Do contrato de comissão no novo Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, v. 814, p. 26-43).

De qualquer sorte, esse conteúdo voltado à entabulação de uma compra ou venda revela a própria origem do instituto, destinado a possibilitar aquisições ou alienações por quem, desde a Idade Média, não se podia fazer presente no local do negócio, com vantagens em relação ao mandato, dentre as quais a dispensa de apresentação de documento de habilitação para agir em nome alheio e a manutenção de segredo acerca das operações do comitente, protegendo-o da concorrência (ver Waldírio Bulgarelli. Contratos mercantis, 3.ed. São Paulo, Atlas, 1984, p. 455). No Brasil, foi comum sua utilização no mercado de compra e venda de café, ora por conveniência de sigilo do comitente, ora mesmo pela necessidade de presteza na entabulação, facilitada porquanto consumada em nome do comissário.

De qualquer maneira, sempre esteve envolvida no contrato a realização, pelo comissário, de negócios à conta de outrem, mas em nome próprio, de resto o que distingue a comissão da corretagem em que o corretor não entabula, tão só aproxima, as partes que serão as contratantes. Daí que na comissão há mais que uma intermediação, concorrendo mesmo a prestação de um serviço (cf. Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, 17. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 358)

Como o comissário pratica o ato em seu nome, ele próprio se obriga com quem contrata. Ou seja, comitente e terceiro não mantêm entre si nenhum vínculo direito. Um não move ação direta contra o outro, ao menos por força do contrato em si, ressalvadas, quando o caso, medidas fundadas na articulação de enriquecimento sem causa (CC 884 a 886), e pese embora a existência de princípio diverso no direito italiano – exemplo referido dada sua influência no Código Civil de 2002 -, segundo o qual ao comitente se permite a direita reivindicação de coisa móvel adquirida no seu interesse pelo comissário, em poder do alienante, preservado o direito de terceiro de boa-fé (CC 1.706).

A regra, ainda que restritiva, do CC/2002 não se altera mesmo se o comissário indica o nome do comitente, ele o está representado sem outorga de poder para tanto, o que induz necessidade de ratificação – sem a qual haverá ineficácia perante o comitente – mas, assim, em verdade, desnaturada a espécie contratual. Tanto e que, para Orlando Gomes (Contratos, 9.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 401), ratificando e tomando o comitente o negócio para si, converte-se a comissão em mandato, supondo-se, é certo, que sejam tipos diversos (ver comentário ao artigo anterior).

Ou, como acentua o próprio artigo em comento, comitente e terceiro terão ações recíprocas somente se, aliado à comissão, houver negócio jurídico de cessão de direitos que o comissário faça a um ou a outro. É, de resto, o que já continha no art. 166 do Código comercial, apenas que alusivo ao comissário, à sua firma ou razão social, decerto ao pressuposto da natureza profissional de sua atividade, o que no CC não se repete e, em princípio, possibilitaria a tese da comissão civil, não profissional, com a ressalva que se fez no comentário ao artigo anterior acerca da origem e da tradição comercial da atividade, de verdadeira colaboração entre empresários, que a comissão sempre envolveu. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 718-719 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Diz a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza que o comissário tem obrigações diretas e pessoais com os terceiros, com os quais contrata e seu próprio nome, conforme a inteligência do dispositivo, repetindo o já consagrado pelo art. 166 do Código Comercial. Fran Martins observa, a propósito: “Neste fato, reside a diferença principal entre a comissão e o mandato” (Contratos e obrigações comerciais, 13.ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 291). Outra distinção doutrinária apropriada é a que confere à comissão o seu traço nitidamente comercial, reservando-se ao mandato o negócio estritamente civil. O CC 663, entretanto, ao dispor que se o mandatário agir em seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante, ficará pessoalmente obrigado, mais aproxima, por tal consequência – convenhamos – as duas espécies contratuais. Por outro lado, desponta, ainda, o CC 709, quando preceitua aplicáveis à comissão, no que couberem, as regras sobre mandato. Diante de tal dualidade, a doutrina tem sido enriquecida por inúmeras reflexões. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 372 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, uma vez que o comissário age em nome próprio, não há vínculo jurídico entre o comitente e o terceiro a quem é vendida a mercadoria. Pode ocorrer, no entanto de o comissário ceder os direitos de que é titular a alguma das partes. Por exemplo, ele pode ceder ao comitente o crédito que tem junto ao terceiro adquirente, para que o comitente cobre diretamente do adquirente o preço da venda. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 695. O comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instruções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedi-las a tempo, proceder segundo os usos em casos semelhantes.

Parágrafo único. Ter-se-ão por justificados os atos do comissário, se deles houver resultado vantagem para o comitente, e ainda no caso em que, não admitindo demora a realização do negócio, o comissário agiu de acordo com os usos.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, malgrado atuando em nome próprio, o comissário o fará à conta, isto é, no interesse do comitente, de modo a proporcionar, com o negócio cuja prática lhe incumbe, vantagem ou proveito a quem o delega. Por isso mesmo, deve o comissário agir segundo as ordens e instruções recebidas do comitente, tal como se dá no mandato.

É certo que, na dicção da nova lei, mas não em diferente sentido do que já se continha no art. 168 do Código Comercial, pode ocorrer de terem sido omitidas as ordens ou instruções e, mais, sem que haja tempo viável para que o comissário as solicite, o que é seu dever, quando só então estará autorizado a agir, sempre no interesse do comitente, agora de acordo com os usos em casos semelhantes, ou seja, de acordo com a prática negocial, tal como faria se agisse em negócio próprio. E nessa aferição, malgrado unificado o tratamento das obrigações civis e comerciais, não se deverá olvidar do fato de ser ou não o comissário um profissional, admitida, por hipótese, essa extensão (ver comentário ao CC 693). Em diversos termos, e suposta viável a comissão civil, como se disse fugindo de sua origem, será preciso verificar o que seria razoável esperar de quem fosse e de quem não fosse um profissional no desempenho de comissão sem ordens ou instruções recebidas.

A consequência do cumprimento desidioso da comissão sem ordens ou instruções é a indenizatória. Da mesma forma, recebidas ordens e instruções e delas se apartando o comissário na execução do negócio, responde por perdas e danos perante o comitente, a par de sua vinculação pessoal diante do terceiro com quem contratou. É o excesso de poderes que, no entanto, a lei considera justificável, destarte sem induzir responsabilidade indenizatória, quando haja resultado útil ao comitente, ou seja, vantagem que experimente em virtude da atuação do comissário, ou quando haja perigo de demora, vale dizer quando ruinosa ao comitente a omissão na imediata prática do negócio jurídico cometido ao comissário. De novo, verifica-se aqui o que se estabeleceu para a hipótese genérica do mandato, a teor do previsto no CC 665, a cujo comentário se remete o leitor. Tem-se então que, nessas hipóteses excepcionais, ressalvadas pelo parágrafo do preceito em comento, é superado o excesso cometido, e a comissão produz, destarte, todos os efeitos normais, como se cumprida de acordo com as ordens e instruções do comitente. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 719-720 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No relatar de Ricardo Fiuza, a inexistência instrutória ou a impossibilidade de tornar ordens em tempo hábil autoriza o comissário a proceder segundo aturaria em casos análogos ou similares, agindo, de conseguinte, de maneira igual, a tudo recomendados a diligencia e o zelo que dar-se-iam por empenho de seu interesse pessoal. O recurso aos usos e costumes também é permitido nos casos em que não se admita a demora na realização do negócio, bem assim justificados os mesmos atos, quando deles decorrer resultado vantajoso para o comitente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 372 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o comitente e o comissário podem estipular as condições para a realização dos negócios a cargo deste. Os usos e costumes são fonte subsidiária para a interpretação de tais condições. O comitente pode alterar as instruções a qualquer tempo (CC 704).

O comissário responde pelos prejuízos que causar culposamente ao comitente. Não responde, portanto, por dano proveniente de caso fortuito ou de força maior. Vale em tais casos a regra res perit domino, em desfavor do comitente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 692 - Do Mandato Judicial - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 692
- Do Mandato Judicial - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 692) Seção V – Do mandato Judicial –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 692. O mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código.

No dizer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, inova o Código Civil de 2002 na matéria concernente ao mandato judicial, mas para legar sua regulamentação, de forma primária, à legislação processual, diferentemente do que fazia o Código anterior. Isto porque o CC/1916 dava-se a regular o mandato judicial particularmente nos arts. 1.324 a 1.330, porém, como lembra Renan Lotufo (Questões relativas a mandato, representação e procuração. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 159), justamente pela inexistência de normatização processual quando de sua edição.

Certo que, nem só por revelar objeto específico, o mandato judicial deixa de ser um mandato. Mas não menos certo que a ele se aplicam regras específicas, inclusive dispostas em legislação esparsa, for do Código Civil, e não só no Código de Processo Civil, tal qual o indica a redação do artigo em comento, como também no chamado Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94).

Cuida-se, de toda sorte, de mandato outorgado a profissional para defesa de direitos e interesses do constituinte em juízo (ad judicia). Diversamente do que se afirmou nos comentários ao CC 653, envolve-se, aqui, necessariamente, a representação do outorgante pelo mandatário. Por isso mesmo, necessária a apresentação de procuração, instrumento escrito, ressalvada, todavia, a possibilidade de prática de atos urgentes, sem a sua juntada, que, entretanto, deverá ser providenciada em quinze dias, prorrogáveis por mais quinze, pena de inexistência dos atos praticados e composição de perdas e danos. É a procuração de rato, regrada no CPC 104 e art. 5º, § 1º, da Lei n. 8.906/94.

Casos de assistência judiciária e representação legal ex officio, como a dos entes públicos, dispensam apresentação de procuração. Trata-se de ajuste firmado com profissional e, por isso mesmo, presumidamente oneroso. Pagam-se, por ele, então, os honorários advocatícios, conforme o pactuado e além daqueles sucumbenciais. Na falta de pacto, haverá arbitramento judicial, em processo de conhecimento.

A concessão dos poderes gerais da cláusula ad judicia habilitam o advogado à prática dos atos do processo, ressalvado o recebimento de citação, confissão, reconhecimento do pedido, transação, desistência, renúncia, quitação ou compromisso, para o que se exigem poderes especiais (CPC 105). As causas de extinção deste mandato são as normais, ressalva feita à renúncia, necessariamente a termo, porquanto persiste a representação durante os dez dias seguintes à notificação do mandante, acerca de sua ocorrência, para evitar prejuízo (CPC 112). As causas de extinção deste mandato são as normais, ressalva feita à renúncia, necessariamente a termo, porquanto persiste a representação durante os dez dias seguintes à notificação do mandante, acerca de sua ocorrência, para evitar prejuízo (CPC 112 e 5º, § 3º, da Lei n. 8.906/94). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 716 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Com o lecionar de Ricardo Fiuza, no anterior diploma substantivo de 1916, o mandato judicial era previsto nos arts. 1.324 a 1.330. agora, entretanto, o legislador preferiu não se ocupar do tema, por demais relevante, remetendo-o para o Código de Processo Civil, ressaltando que somente se aplicarão as normas deste Código, concernentes à matéria, de modo supletivo.

A atual previsão, atribuindo à legislação processual a competência para tratar do assunto, já foi, de há muito, visualizada pelo ilustro Prof. Silvio Rodrigues, que afirmava se tratar de matéria “que se situa na fronteira entre o direito civil e o processual, talvez mais dentro dos lindes deste, do que daquele ramo da ordenação jurídica” (Direito civil, 27. ed. São Paulo, Saraiva, 2060, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 291).

Portanto, em face da expressa previsão de que o mandato judicial está, agora, subordinado às normas processuais e só supletivamente às normas processuais e só supletivamente às de caráter substantivo, estatuídas nas disposições gerais acerca do tema, deste diploma resta despiciendo tecer maiores comentários a respeito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 371 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Definindo o mandato judicial, temos a contribuição de Tales Calaza, como um contrato em espécie, pelo qual o cliente (outorgante) delegará poderes, para atuação judicial ou extrajudicial, para o advogado (outorgado). Um importante detalhe é que essa outorga pode ser feita de forma escrita (instrumentalizada pela “procuração”, ou de forma verbal.

O início do mandato judicial pode se dar em dois momentos. Caso o advogado seja constituído, ou se seja, o cliente escolha seu advogado, o início do mandato se dará com a assinatura do instrumento de outorga de poderes, i.é, com a assinatura da procuração. Caso o advogado seja nomeado, ou seja, o juiz o advogado para representar um cliente, o mandato terá início no ato da nomeação.

Ainda sobre a nomeação (ato de juiz nomear advogado para um cliente), esta pode ocorrer de duas formas: “apud acta” ou “ad hoc”. A nomeação “apud acta” é o chamado mandato tácito. Ela ocorre quando o advogado acompanha seu cliente em audiência e os poderes para o foro são outorgados verbalmente na própria audiência, sendo registrado em ata. A nomeação “ad hoc” é a chamada nomeação para o ato. Ela ocorre quando o juiz nomeia um advogado para praticar um ato, como uma audiência (normalmente ocorre na falta de defensor público na comarca). Este tipo de nomeação limita a responsabilidade do advogado para o ato praticado e dispensa procuração.

Obs.: Apenas será possível declinar a nomeação “ad hoc” se o advogado apresentar justo motivo. Sob pena de incorrer em infração disciplinar.

Sobre o instituto da representação processual, nos termos do CPC 103, há algumas nuances que devem ser observadas. Algumas observações importantes são: o mandato judicial só pode ser outorgado para advogado inscrito nos quadros da OAB; o advogado pode postular em causa própria; e há hipóteses em que pode se postular em juízo sem necessidade de constituir advogado, é o chamado “jus postulandi”

Para defender os interesses do cliente em juízo e começar a manifestar no processo, o advogado deve, antes de iniciar, juntar procuração assinada pelo cliente nos autos. Admite-se, no entanto, que o advogado postule sem procuração juntada nos autos nos casos de emergência, sendo que deve apresentar procuração em 15 dias após o ato (prazo este prorrogável por igual período), sob pena de ineficácia do ato (ato existe, mas tem eficácia limitada; não atinge terceiros de boa-fé).

Sobre a procuração (mandato instrumentalizado) há algumas observações a serem feitas: a procuração deve conter endereço físico e eletrônico do advogado; a defensoria pública é dispensada de apresentar procuração; caso o advogado integre sociedade, a procuração deve conter o nome e o número de registro dessa; a procuração tem eficácia em todas as fases do processo, inclusive incidentes, exceto se disposto expressamente no sentido contrário;

O mandato judicial pode ser extinto por meio de algumas formas: A primeira é com a assinatura de um substabelecimento sem reserva de poderes pelo advogado (devendo ter anuência do cliente). A segunda hipóteses é a revogação, sendo este um ato unilateral do cliente, que pode ser feito independente de motivo, garante o direito de honorários proporcionais ao advogado e o cliente deve constituir novo procurador no mesmo ato, sob pena de, se não o fizer em 15 dias, o juiz ordenará a suspensão do processo. A terceira hipótese é a renúncia, sendo este ato unilateral do advogado, não podendo ser motivado, devendo ser específica para cada processo, podendo ser realizada a qualquer tempo, exigindo comunicação ao cliente sendo que, após realizada, o advogado ainda deverá ficar responsável pela causa pelo prazo de 10 dias, salvo se for substituído antes de findo este prazo. A quarta e última hipótese é o arquivamento dos autos, em que será presumida a extinção do mandato. (Tales Calaza, Advogado no escritório Rocha & Gonçalves Advogados Associados, com o Título Mandato Judicial, apud Jusbrasil.com, acesso em 27.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 688, 689, 690, 691 - Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 688, 689, 690, 691
- Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 682 a 691) Seção IV – Da Extinção do Mandato –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 688. A renúncia do mandato será comunicada ao mandante, que, se for prejudicado pela sua inoportunidade, ou pela falta de tempo, a fim de prover à substituição do procurador, será indenizado pelo mandatário, salvo se este provar que não poderia continuar no mandato sem prejuízo considerável, e que não lhe era dado substabelecer.

Da mesma forma que o contrato de mandato pode ser unilateralmente resilido por vontade do mandante, poderá sê-lo por iniciativa do mandatário, o que se dá mediante a renúncia, terminologia criticada, por mais se referir à abdicação dos poderes outorgados, quando, por meio dela, no caso dá-se a rigor, a extinção do contrato de mandato (ver, por todos: Renan Lotufo. Questões relativas a mandato, representação e procuração. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 117).

De toda sorte, porém, a opção terminológica foi sempre coerente com a adstrição, em que laborou o Código Civil, do mandato à representação (ver comentário ao CC 653). Trata-se, tanto quanto a revogação, de declaração de vontade receptícia, portanto que exige comunicação ao mandante, a partir de cuja ciência passa a produzir efeitos e antes do que permanece o mandatário obrigado pelos encargos resultantes do ajuste.

Se se cuidar de mandato judicial, o efeito da renúncia dá-se, ademais do pressuposto da cientificação, a termo, porquanto somente depois do transcurso de dez dias, durante os quais, se necessário para evitar prejuízo ao mandante, o mandatário continuará a representá-lo (CPC 112 e 5º, § 3º, da Lei n. 8.906/94), Estatuto da Advocacia).

A cientificação da renúncia pode se dar por qualquer forma que seja eficaz ao fim a que se destina. Excepcionalmente, nas mesmas hipóteses em que for irrevogável, bem assim quando se o pactuar, poderá o mandato ser irrenunciável. Não é, decerto, a regra, que permite a renúncia, inclusive imotivada. Mas, apesar disso, explicita o Código Civil, na mesma esteira da Legislação anterior, que a renúncia não pode ser inoportuna ou abrupta, i.é, sem tempo de substituição do mandatário. Malgrado se considere inoportuna a renúncia sempre que não haja tempo suficiente para a substituição do mandatário, revelando-se, assim, ex abrupto, como indica o significado semântico do termo, juridicamente a inoportunidade vai além e pode se revelar mesmo com tempo razoável de aviso prévio, mas porque, por exemplo, já iniciada a execução do ajuste de modo a inviabilizar, de forma igualmente proveitosa, a ultimação pelo próprio mandante ou por outro mandatário.

Pois desde que se tenha evidenciado o que se deve considerar uma abusiva renúncia, a exemplo do que se viu a propósito da revogação (ver comentário ao CC 682), impõe-se a consequência indenizatória. Ressalva o Código Civil, todavia, que esse corolário reparatório não se verificará se a despeito da inoportunidade, até, demonstrar o mandatário que não poderia continuar na execução do ajuste sem considerável prejuízo e, o que representa inovação da nova legislação, se demonstrar ainda que não lhe era dado substabelecer. Ou seja, deve o mandatário, para se furtar à consequência indenizatória de sua renúncia, comprovar, a uma, que lhe era inviável continuar na execução do mandato sem grave prejuízo, de qualquer natureza, para si, para pessoas próximas ou mesmo para o objeto do mandato, a duas impondo-se-lhe a demonstração de que não lhe era possível, por qualquer motivo razoável, portanto não só a vedação contratual, substabelecer.

Veja—se, enfim, que toda essa sistemática, à semelhança do que se dá quanto à revogação do mandato, é típica revelação, de novo aqui, do princípio da boa-fé objetiva, vale dizer, de um padrão de comportamento leal e solidário com que devem as partes obrar em sus relações, assim permeadas pela eticidade que dá sustento, de maneira muito especial, à nova legislação. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 713 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, da mesma forma que a lei faculta ao mandante revogar unilateralmente os poderes confiados ao mandatário, sem a necessidade de qualquer justificativa plausível, a este último se permite, outrossim, a renúncia do mandato a si conferido. Daí infere-se que a revogação e a renúncia são institutos similares, cujas características se identificam sobremaneira.

Dessa assertiva preambular, enaltecendo a simetria dos institutos, percebe-se que o mandatário, a exemplo do mandante, pode exercer essa faculdade, livremente e a qualquer tempo, sem precisar motivar a renúncia, ou melhor, sem indicar quais os motivos que o levaram a abrir mão do negócio.

É exato dizer que a renúncia não se sujeita a nenhum tipo de restrição, exceto o limite temporal, ou seja, deverá ser comunicada ao mandante, a tempo de permitir a sua substituição. Deve, pois, ser dirigida ao mandante, oportunamente e à custa do renunciante, a fim de que o primeiro providencie a substituição do segundo, de modo a não acarretar maiores prejuízos ao constituinte.

Se o mandante vier a sofrer prejuízos com a apresentação tardia, extemporânea, da renúncia, ao mandatário competirá compô-los, mediante o pagamento de indenização, salvo se se comprovar a impossibilidade de este último continuar o encargo sem danos razoáveis para si, porque justo não seria alguém suportar quaisquer ônus, apenas em benefício de outrem, ou se não lhe era dado substabelecer.

Situação pontual nos oferece o mestre Silvio rodrigues, quando, com precisão, leciona que: “a regra de livre resilição do contrato deixa de se aplicar quando o mandato visa assegurar, simultaneamente, tanto um interesse do mandante quanto um do mandatário, porque nesta hipótese o negócio adquire um aspecto sinalagmático, que desvirtua sua feição ordinária”. E arremata, ao final: “enquanto a regra da indenização é verdadeira para o gratuito, não pode sê-lo para a do mandato oneroso. O caráter especulativo do mandato oneroso impõe ao mandatário a responsabilidade pelos prejuízos que sua deserção provocar, ainda que prove ter renunciado o mandato para evitar prejuízo considerável” (Direito civil, 27.ed. São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, p. 289). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 369 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a renúncia é manifestação de vontade receptícia originada pelo mandatário, por ser receptícia, a renúncia somente torna-se eficaz ao chegar ao conhecimento do mandante. Embora seja um direito potestativo do mandatário, deve ser exercido segundo o princípio da boa-fé objetiva, i.é, de modo a não causar prejuízos ao mandante. Caso o mandatário aja culposamente ao renunciar, fica obrigado a indenizar o mandante pelos prejuízos que este vier a sofrer em razão desse ato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 26.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 689. São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa.

Na cartilha de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o mesmo princípio que se contém nos dispositivos dos CC 686 e 688, acerca de atos praticados após a revogação ou renúncia do mandato, não comunicadas, inspira a edição da regra vertente, haurida já da previsão do CC/1916. Com efeito, aqui, de maneira geral, assenta-se a orientação segundo a qual as causas extintivas do mandato, a rigor, produzem o respectivo efeito, de forma exauriente, desde que delas cientes mandatário e terceiros que com ele negociem. Ou seja, enquanto o mandatário ignorar a ocorrência de qualquer das causas de extinção do mandato, mesmo as legais ou naturais, não se extrairá daí qualquer efeito diante de terceiro de boa-fé, vale dizer, terceiro que também ignora a cessação do ajuste.

Apenas que, em se tratando de revogação ou renúncia, também hipóteses extintivas, posto que voluntárias, previu-se regra específica, todavia não de diverso princípio que anima a disposição do artigo em comento, atinente à morte ou às demais causas extintivas elencadas do CC 682. Veja-se que mesmo causas que induzem a extinção legal e automática, ignoradas pelo mandatário, não podem ser opostas a terceiros de boa-fé. Ou seja, tem-se regra que visa a preservar a confiança de terceiros, inscientes da causa extintiva do mandato, portanto perante quem elas não poderão ser opostas, se tiverem negociado com o mandatário igualmente de boa-fé.

Quanto ao fato de, aqui, exigir-se a insciência também do mandatário, o que se dispensa no CC 686, importa acentuar que, lá, pressupôs-se incúria do mandante, que não cuidou de comunicar a revogação também a terceiros. Em diversos termos, perante terceiros ostentou-se mandato aparente, mas com concorrência culposa do mandante (ver comentário ao CC 662). Não é este o caso das hipóteses extintivas outras, subjacentes ao artigo em tela. Por isso é que, pelo seu preceito, serão ineficazes os atos praticados pelo mandatário, mas ciente da extinção do mandato, mesmo perante terceiros de boa-fé (v.g., Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.690, n. 4, p. 93). Ter-se-á, afinal, nesta situação, mandatário já despido de poderes, mas que atua sem qualquer participação culposa do mandante, que possa criar quadro de justificada aparência, perante terceiros, de poderes ainda vigentes.

Por fim, assente-se que embora persista o Código atual, destarte tal como estava na redação do art. 1.321 do Código Civil anterior, a mencionar a validade dos atos do mandatário insciente da extinção, a bem dizer o caso é de eficácia destes mesmos atos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 714 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, sabemos que o mandato, por possuir índole personalíssima, extingue-se com a morte ou incapacidade de qualquer das partes, sem a faculdade de transferência das obrigações ou dos direitos aos herdeiros, exceto se houver estipulação em contrário nesse sentido. Cuida este dispositivo de excepcionalizar o cunho personalíssimo do mandato, quando, pretendendo mitigar o rigorismo desse axioma, dispõe que os negócios celebrados com terceiros de boa-fé pelo mandatário, insciente da morte do mandante, reputam-se válidos e eficazes, a ponto de obrigarem os herdeiros deste último.

Confira-se, a propósito, a jurisprudência a respeito: “se o mandante falecer, o mandato só cessará quando o procurador tiver ciência do ocorrido, sendo válidos os negócios que praticar enquanto ignorar o fato. O mesmo se diga se outra fora causa extintiva do mandato” (RT 277/251 e 210/184). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 370 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o Código civil de 2002 prestigiou, em matéria de declarações de vontade, a teoria da confiança, que determina o prevalecimento da declaração de vontade sobre a vontade íntima do declarante sempre que a disjunção entre ambas não seja perceptível para o declaratário. Este dispositivo prestigia a confiança do mandatário e de terceiros com quem este venha a contratar em nome do mandante, ao assegurar a validade dos atos praticados após evento que determine a extinção do mandato, desde que a causa de extinção não seja do conhecimento de nenhum destes. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 26.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 690. Se falecer o mandatário, pendente o negócio a ele cometido, os herdeiros, tendo ciência do mandato, avisarão o mandante, e providenciarão a bem dele, como as circunstâncias exigirem.

No discorrer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a morte de qualquer das partes, como se viu, extingue o mandato (CC 682, II). Tem-se assim que, falecido o mandatário, estará cessado o contrato. Porém, igualmente tal qual já ressaltado no comentário ao artigo mencionado, mesmo post mortem o mandato pode ainda produzir efeitos, malgrado de forma excepcional.

Pois uma destas exceções, e no caso instituída no próprio interesse do mandante, está na disposição do artigo em comento. Por ela, impõe-se aos herdeiros do mandatário, desde que cientes do mandato, ainda pendente, e do paradeiro do mandante, dar aviso a este da morte daquele. Mais, impõe-se-lhe ainda a prática de atos conservatórios ou ultimação mesmo de negócios pendentes, sempre que houver perigo de demora (ver comentário ao artigo seguinte). O preceito não se aplica aos herdeiros de mandatário que o fosse em causa própria, transmitida, a rigor, com a morte, a própria titularidade do objeto do mandato, mercê da verdadeira cessão que esta espécie de mandato encerra (CC 685).

De outra parte, e ao revés, sustentam alguns autores que a interpretação da providência aqui estabelecida deva se dar de forma extensiva, para abarcar outras hipóteses de cessação do mandato, mas por causa atribuível, atinente ao mandatário. Assim, por exemplo, nas hipóteses de interdição ou falência do mandatário, caberia aos respectivos representantes dar aviso ao mandante e tomar as providências previstas no artigo seguinte (ver, por todos: J. M. Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 335). A omissão dos herdeiros em dar aviso e tomar as medidas devidas a bem do mandante, como e quando o exige o artigo em tela e o subsequente, submete-os à composição dos danos daí advindos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 714 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No aponte de Fiuza, o mandato se extingue com a morte do mandatário, ainda que seus herdeiros tenham habilitação para executá-lo. De fato, o óbito do mandatário acarreta idêntico resultado extintivo, exatamente pelo caráter intuitu personae do negócio a que se vincula, fundado em características inerentes, peculiares à sua pessoa, as quais, aliás, servem para justificar a escolha do mandante.

Desaparecidas tais características com a morte do constituído, não subsistem os motivos para a permanência do contrato, sem se cogitar, daí, da possibilidade de sua transmissão hereditária, mas presente, ainda, a obrigação de prestar contas por parte dos herdeiros do mandatário (RF 142/235).

Diante disso, falecendo o mandatário e pendente o negócio a ele cometido, hão de se tomar algumas providências, sempre no intuito de resguardar os interesses do mandante. Assim, os herdeiros terão a obrigação de avisar ao constituinte o óbito e providenciarão a bem dele, de acordo com o que as circunstâncias exigirem no caso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 370 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como complementam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a morte do mandatário determina a extinção do mandato, pois este é contrato personalíssimo, que implica, ordinariamente, a confiança do mandante no mandatário. Embora a qualidade de represente não se transmita ao herdeiro do mandatário, este tendo conhecimento do óbito e do mandato, tem o dever de comunica-lo ao mandante e de tomar providências eventualmente necessárias para evitar prejuízos ao mandante, sob pena de ser responsabilizado civilmente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 26.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 691. Os herdeiros, no caso do artigo antecedente, devem limitar-se às medidas conservatórias, ou continuar os negócios pendentes que se não possam demorar sem perigo, regulando-se os seus serviços dentro desse limite, pelas mesmas normas a que os do mandatário estão sujeitos.

No arremate de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo complementa a regra da disposição precedente, esclarecendo quais são os atos que devem os herdeiros do mandatário falecido praticar, quando pendente o negócio que a este se cometera. Isto, reitere-se, sempre que os herdeiros tenham ciência do mandato, por ocasião do falecimento do mandatário. Pois sendo assim, impõe-se-lhe, primeiro, a tomada de medidas conservatórias, ou seja, que tendam apenas a acautelar o negócio cometido ao mandatário falecido, enquanto o mandante, avisado, não nomeia substituto. São, enfim, providências de mera custódia do objeto do mandato, a fim de evitar seu perecimento.

Compreende-se a limitação erigida pela lei na exata medida em que os herdeiros do mandatário não assumem, propriamente, sua posição contratual. Não são ou não se tornam mandatários. Tanto assim que, mesmo sejam necessárias mais que medidas simplesmente acautelatórias, portanto quando prevê a lei devam os herdeiros praticar verdadeiros atos de execução do mandato, também são impostos limites. Na realidade, somente praticarão atos de execução do ajuste quando houver perigo de demora, vale dizer, quando a interrupção do cumprimento do mandato puder comprometer o proveito ou interesse do mandante. Tal como, de resto, já se acentuou nos comentários – a que se remete – ao CC 674, que guarda o mesmo princípio. E, por fim, se assim for necessário, pela urgência verificada, os herdeiros agirão conforme as regras contratuais e legais que seriam aplicáveis à própria atuação do mandatário falecido. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 715 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Concluindo com Ricardo Fiuza, todas as precauções elencadas no artigo anterior não podem ser concebidas, de forma absoluta, sem qualquer margem de limitação: com a morte do mandatário e pendente ainda o negócio a ele incumbido, deverão os herdeiros tomar providências no escopo de resguardar os interesses do mandante, só que limitadas ou às medidas conservatórias ou à continuidade dos negócios ainda pendentes, ou seja, apenas daqueles cujo sobrestamento importaria perigo, regulando-se os seus serviços, dentro desse limite, pelas mesmas normas a que os do mandatário estavam submetidos, antes de falecer. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 371 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Finalizando com Direito.com, a morte do mandatário extingue o mandato. O CC 690 determina, no entanto, que os herdeiros do mandatário realizem atos necessários a evitar prejuízos ao mandante. O CC 691 esclarece que entre os atos que os herdeiros devam praticar inclui-se a realização de negócios jurídicos pendentes, desde eu estejam incluídos nos poderes do mandato extinto. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 26.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).