segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.414, 1.415, 1.416 - Da Habitação – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.414, 1.415, 1.416

- Da Habitação – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo IV – Título VIII

Da Habitação  – (Art. 1.414 a 1.416) - digitadorvargas@outlook.com

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 Art. 1.414. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.

Historicamente confirma-se a observação da redação inicial do projeto — “Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente usar dela com sua família verifica-se que o relator geral no Senado restaurou a redação do Código Civil de 1916. O que confirma, também, em sua Doutrina o Deputado Relator Ricardo Fiuza - Habitação é um direito real, temporário, limitado à ocupação de imóvel residencial de terceiro, para moradia do titular e de sua família. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 722, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, Direito real de pouca utilização, pode ter origem em negócio jurídico inter vivos, levado ao registro imobiliário, negócio jurídico causa mortis, usucapião ou diretamente na lei. Expressa a lei que a habitação é espécie do gênero uso. É o uso com finalidade exclusiva de habitar ou ocupar um imóvel como moradia. Via de consequência, é vedado usar o prédio com finalidade diversa, como atividade empresarial. A quebra desse dever constitui mau uso e leva à extinção do direito real. Como bem adverte Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, é tolerada a utilização mista do imóvel, desde que preponderantemente residencial (Usufruto, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 1983, p. 205).

Note-se, porém, que, ao contrário do uso, a utilização do imóvel não está limitada pela necessidade do morador e de sua família. Embora não diga expressamente a lei, pode habitar o prédio não somente o titular do direito real, como também sua família, sendo inoperante qualquer cláusula em sentido contrário, porque importaria em quebra de entidade de estatura constitucional. O conceito de família é o mesmo do direito real de uso, inclusive o companheiro e outras pessoas que se encontram sob guarda ou dependência do habitador. Não se admite nem a alienação nem a cessão do exercício do direito real de habitação, dado o seu caráter personalíssimo. É direito real temporário e não ultrapassa a vida de seu titular.

Sem dúvida alguma, a mais frequente hipótese de direito real de habitação é a legal, prevista no CC 1.831 do Código Civil de 2002, que reza: “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

Houve significativa alteração no direito real de habitação do cônjuge sobrevivente em relação ao que dispunha o Código Civil de 1916. Tipifica-se o instituto como um verdadeiro legado ex lege. É legado porque recai sobre bem determinado. É ex lege porque independe do negócio jurídico do testamento, integrando capítulo da sucessão legítima.

Tem a norma o escopo de permitir ao cônjuge supérstite continuar a viver no lugar e entre as coisas nas quais se desenvolveu a vida familiar, ou ao menos a sua última parte. A primeira observação é a de que tem o cônjuge viúvo direito real de habitação qualquer que seja o regime de bens do casamento. Pode, portanto, não herdar quota de propriedade plena, em razão do regime de bens do casamento, mas lhe é assegurada, em qualquer hipótese, a permanência na habitação, bastando apenas que seja o único imóvel daquela natureza a inventariar. Não mais vigora, por consequência, a regra do sistema anterior, em que o direito ao instituto estava circunscrito aos casados pelo regime da comunhão universal, que não recebiam o usufruto vidual. 

Prossegue o CC 1.831 do Código Civil de 2002 afirmando que o direito real de habitação é atribuído sem prejuízo da participação que caiba ao cônjuge supérstite na herança, subordinado, somente, à existência de um único imóvel de natureza residencial no espólio. O Código Civil de 2002, ao atribuir ao viúvo, em determinadas situações, quota de propriedade plena e mais o direito real de habitação, criou um dilema que não existia no sistema de 1916. Basta imaginar a hipótese, nada acadêmica, de cônjuge supérstite que, em razão do regime de bens, concorre somente com um descendente. Caso o único bem do espólio seja um imóvel residencial, o viúvo receberia metade do imóvel como herança e mais o direito real de habitação vitalício sobre ele. Ao descendente restaria apenas a nua propriedade sobre a outra metade da herança, o que, a toda evidência, agrediria sua legítima. Nada impede, todavia, que o cônjuge supérstite renuncie ao direito real de habitação, como, de resto, assentou o Enunciado n. 271 da III Jornada de Direito Civil 2004 do CEJ da Justiça Federal: “Art. 1.831. O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança”. Não custa lembrar que o direito real de habitação, que decorre diretamente da lei, não é constituído pelo registro imobiliário, de modo que devem adquirentes de imóveis sempre tomar a cautela de exigir a renúncia do supérstite. 

Conclui-se que o CC 1.831, ao consignar expressamente que se assegura ao viúvo o direito real de habitação sem prejuízo de sua quota na herança, criou uma exceção à regra do CC 1.846 do Código Civil, que garante aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança. São normas de igual estatura, ambas cogentes, de tal modo que o princípio secular da intangibilidade da legítima ganha uma exceção, prevista na própria lei. Essa antinomia aparente deve-se, certamente, a uma desatenção do legislador, que não notou o descompasso entre a atribuição de quota de propriedade plena ao viúvo e o acréscimo do direito real de habitação, “sem prejuízo da participação que caiba ao cônjuge”. Essa expressão ampla era compatível somente com o Código de 1916, no qual o cônjuge era herdeiro de terceira classe, sem possibilidade de concorrência com classes superiores.

Além disso, o art. 1.831 do Código Civil de 2002 não mais subordina, tal como ocorria no Código de 1916, a eficácia do direito real de habitação à persistência da viuvez. Logo passou o viúvo a dispor de direito real vitalício sobre a residência do casal, podendo, inclusive, nela habitar com o novo cônjuge, o que em alguns casos gerará situações curiosas, especialmente quando os filhos do primeiro leito não mais morarem com o genitor sobrevivente, fazendo nascer conflito entre os interesses da família e do supérstite. É certo que o Projeto de Lei n. 276, de 2007, sana a omissão, fazendo retornar ao direito positivo a condição resolutiva do CC 1.611, § 2º, vale dizer, o direito real de habitação somente existe enquanto perdurar a viuvez.

Outra inconsistência notável do Código Civil de 2002 é a ausência de menção ao companheiro sobrevivente como titular do direito real de habitação. Essa omissão apenas coroa o tratamento severo - e incompreensível - que o CC 1.790 conferiu ao companheiro no direito sucessório, retirando diversas conquistas consagradas pelas Leis nºs. 8.971/94 e 9.278/96. 

Uma interpretação literal e exegética do CC 1.831 - tão ao gosto do pensamento liberal que orientou o Código de 1916 - levaria à fácil conclusão de que o direito real de habitação é prerrogativa reservada exclusivamente ao cônjuge viúvo, excluindo-se o beneficio do companheiro viúvo. Há quem sustente que o tratamento radicalmente diverso dado ao cônjuge e ao companheiro sobreviventes nada mais é do que a melhor expressão da norma constitucional, que não equiparou o casamento à união estável, mas, em vez disso, conferiu primazia ao primeiro.

Essa conclusão, à observação, não pode prevalecer, sob a ótica civil-constitucional. Óbvio que o casamento não se equipara à união estável, podendo gerar - como gera - direitos e deveres distintos a cônjuges e companheiros. O que se discute é a possibilidade de a legislação infraconstitucional alijar, de modo tão grave, alguns direitos fundamentais anteriormente assegurados a partícipes de entidades familiares constitucionalmente reconhecidas. Como frisado anteriormente, o escopo do direito real de habitação é assegurar ao supérstite a preservação de um ambiente que lhe é caro, permitindo-lhe permanecer no imóvel residencial e entre objetos do casal, assegurando-lhe a manutenção de um bem essencial - a moradia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.484-85. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Nos apontamentos dos autores Guimarães e Mezzalira, como consta, a habitação é uma espécie de uso de bem alheio com a finalidade de estabelecer a moradia gratuita ao seu titular, o qual não poderá, assim, dar o bem em locação ou emprestá-lo, servindo, tão somente, como local de ocupação residencial, na exata forma prescrita pelo texto legal, eis que qualquer alargamento do direito traçado trataria de desnaturalizar o sentido do instituto. Tem por característica ser gratuito, temporário e personalíssimo, de conceito mais restrito, inclusive, que o próprio uso e incide unicamente sobre bem imóvel, destinado à residência do titular do direito, não podendo servir como comércio, sob pena de extinção. 

O direito de habitação pressupõe o uso de jardins, varandas e todas as benfeitorias que estejam integradas ao imóvel, salvo disposição em contrário no título constitutivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.414, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la.

Ainda no conceito de Guimarães e Mezzalira, o direito real de habitação poderá ser conferido, por sua natureza, a mais de uma pessoa beneficiária, estabelecendo-se, pois, uma pluralidade de usuários, não gerando, entretanto, qualquer dever de pagamento de aluguel entre elas, as quais exercerão em conjunto a ocupação residencial. 

Conforme o texto legal, nenhum dos usuários do direito de habitação poderá restringir ou impedir, de qualquer maneira, o direito do cobeneficiário, quando estabelecido de forma coletiva, uma vez que a ocupação do bem para fins de moradia, nesta hipótese, possui natureza plural, e não individual.

Verifica-se a aplicação do direito real de habitação nas disposições sucessórias, em favor do cônjuge viúvo, caso sob qualquer regime de bens, desde que se trate do único bem destinado à residência familiar (CC 1.831). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.415 de 2002, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Como corrobora Francisco Eduardo Loureiro, consagra o princípio da divisibilidade do direito real da habitação, que pode ser concedido a mais de uma pessoa, em partes certas ou em partes ideais. Ao contrário do que ocorre no condomínio, aquele que usa com exclusividade a coisa dada em habitação comum não tem o dever de indenizar os demais cotitulares, pagando-lhes aluguel ou retribuição pela moradia exclusiva. Cabe aos demais cotitulares excluídos da habitação apenas o ajuizamento de ação possessória, ou petitória, para garantia do direito de também habitar o prédio. Não se admite, por consequência, ação de indenização entre cotitulares, em razão de habitação exclusiva de um deles. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.487. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Expandindo a lei, Marcio de Carvalho Valente, em “O direito real de habitação legal no Direito brasileiro”, faz uma análise conceitual e tipológica da figura em questão, incluindo seus desdobramentos dogmáticos e embates na aplicação prática. O texto fornece os contornos teóricos para a abordagem do conflito com a sucessão hereditária, ultimada em artigo diverso do Autor. 

Conceitualmente, valendo-se da definição contida no CC 1.414, pode-se dizer que o dizer que o direito real de habitação consiste no direito de habitar gratuitamente casa alheia, utilizando-a como residência sua e de sua família. Esta é a redação do comando legal referido.

Com relação à sua tipologia, predomina no Direito brasileiro a subdivisão desse modelo em duas espécies: direito de habitação convencional e legal. Por convencional entende-se o direito real voluntariamente estabelecido pelo instituidor em favor do beneficiário (habitador); direito de habitação legal, é o direito real instituído automaticamente diante da situação prevista em lei, e autoriza a permanência do cônjuge supérstite na residência do imóvel no qual mantinha a união com o de cujus após seu falecimento. É esta última espécie, direito de habitação legal, que apresenta os contornos relevantes à presente abordagem, o que é objeto de análise no presente texto. 

A propósito do direito de habitação legal, decorrente de sucessão hereditária, sua instituição deriva da simples ocorrência da situação prevista em lei, i.é, pela sobrevivência de cônjuge no imóvel destinado à residência da família. Nesse contexto, não há necessidade de registrar tal direito junto ao fólio real do imóvel, a teor do que se extrai da letra do art. 167, inciso I, n. 7, Lei 6.015/73: “No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos (Remunerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975): I – o registro: redação pela Lei nº 6.216, de 1975; 7) do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito de família (Brasil, Lei n. 6015, 1973, art. 197, inciso I, n. 7). 

Quanto à aplicabilidade às uniões homossexuais – de início, vale assinalar que, alçada a igualdade de valores entre as uniões heterossexuais e as homossexuais, e assente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a plena possibilidade de celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo (Ação Direito de Inconstitucionalidade n. 4.277/DF), não há impedimento para que o direito de habitação seja conferido no caso de a união ou casamento homossexuais.

O Código Civil de 2002, ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens,, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (Brasil, Lei n. 10.406, 2002, CC 1831).

Sugere o autor, Marcio de Carvalho Valente, haver o Código Civil de 2002, ter consagrado o direito real em questão, disciplinado exclusivamente de sua aplicação ao cônjuge sobrevivo, deixando de contemplar em seu texto o companheiro supérstite, e que a omissão, para muitos estudiosos do direito, significou clara vedação do instituto nas uniões estáveis, ao fundamento de que, caso pretendesse estender o direito real de habitação ao modelo de família convencional, bastaria ao legislador acrescentar a expressão correspondente ao texto da Lei, providência que preferiu não adotar.

Por outro lado, a par da respeitabilidade dos civilistas mencionados, é certo que a grande maioria da doutrina avalizada pelo entendimento jurisprudencial, perfilha entendimento contrário. Neste enfoque, parte-se da premissa de que o parágrafo único, do art. 7º da Lei n. 9.278/1996 não foi revogado, inexistindo, ademais, qualquer fundamento hábil a tratar de forma desigual o casamento e a união estável, especialmente porque a própria Constituição Federal reconhece a união estável como genuína entidade familiar. Trilhando esta linha de raciocínio, possível identificar o entendimento de Fabio Ulhoa Coelho (2012 b, p. 167), entre outros, perfilhados a esta corrente. 

Avançando na análise da figura do habitador, agora adentrando ao elenco dos requisitos de concessão da benesse, cumpre observar que não existe qualquer exigência de que o cônjuge sobrevivo tenha participação no imóvel, ou tampouco seja herdeiro do morto, para que seja contemplado com o direito real de habitação. Em outros termos, basta que a existência de vínculo conjugal ou convivencial entre o de cujus e o favorecido, a fim de constituir ipso facto o direito de habitação do supérstite.

Sob outro vértice, cabe destacar que é plenamente possível que o direito real de habitação seja conferido a mais de uma pessoa conjuntamente. Nesse caso, porém, deve ser observado mandamento expresso no Código Civil de que a habitação por um dos habitadores jamais poderá excluir a dos demais, tampouco servir de motivo pra a cobrança de aluguel para o exercício do direito pelo outro: Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la (BRASIL, Lei n°. 10.406, 2002, art. 1.415).

Admissível, ainda, segundo observação de Sebastião de Assis Neto, que dentre a família do habitador encontrem-se também pessoas que não sejam de sua família, desde que observada a condição de inexistir onerosidade da hospedagem no imóvel. Tal premissa não enseja a conclusão, porém, de que outros herdeiros do de cujus tenham a faculdade de morar juntamente com o habitador, já que o direito de habitação envolve o uso exclusivo do imóvel. Nesse sentido são os ensinamentos de Fabio Ulhoa Coelho.

A lei não é expressa a respeito, mas deve-se reconhecer ao cônjuge sobrevivo o direito de usar todo o imóvel com exclusividade. O ascendente ou descendente coproprietário do bem não pode vir morar como cônjuge, se antes não habitava o mesmo local. Assim deve ser, porque caso contrário, o CC 1831 não teria qualquer implicação. Veja-se, ser o direito do condômino usar o bem em condomínio, desde que não exclua nenhum dos outros coproprietários. O cônjuge, portando, na condição de condômino do imóvel herdado, já titula o direito de usá-lo. Para que o gravame da habitação, que a lei determina recair sobre esse bem, tenha algum significado, é necessário reconhecer ao seu titular mais direitos do que os derivados do condomínio.

Quanto ao valor do imóvel habitando – nessa seara, cumpre advertir, inexiste limitação quanto ao valor do imóvel habitando, justamente porque a mens legis que orientou a concepção do instituto teve por escopo a manutenção ao padrão de vida que o habitador desfrutava antes da morte de seu consorte. Esse entendimento encontra ressonância no Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu, em julgamento que é alvo de severas críticas, o direito de habitação à companheira supérstite no imóvel em que vivia com o de cujus, a despeito de ter adquirido outro imóvel com a indenização recebida de seguro de vida do falecido. Este é o julgado mencionado, transcrito apenas na parte de interesse: “Direito das Sucessões. Recurso especial. Sucessão aberta na vigência do código civil de 2002. Companheira sobrevivente. Direito real de habitação. Art. 1.831 do código civil de 2002. (...). 4. No caso concreto, o fato de a companheira ter adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do falecido não resulta exclusão de seu direito real de habitação referente ao imóvel em que residia com o companheiro, ao tempo da abertura da sucessão. 5. Ademais, o imóvel em questão adquirido pela ora recorrente não faz parte dos bens a inventariar. 6. Recurso especial provido (PODER JUDICIÁRIO, Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma. Recurso Especial n°. 1.249.227/SC. Partes: Maria Ivete Blanckenburg e Mariza Schwalb Rosa. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Santa Catarina. Data do Julgamento: 17/12/2013. Data da Publicação/Fonte DJe 25/03/2014)”.

Em sentido oposto já decidiu o E. Tribunal de Justiça deste Estado de São Paulo, valendo-se de entendimento reputado mais sensato pela Turma Julgadora: Reivindicatória. Companheira sobrevivente. Direito de habitação em imóvel que servia de residência. Ré já conseguiu imóvel residencial por doação testamentária. Obtenção do bem proporciona proteção que concede moradia à companheira supérstite. Imóvel pertencente ao polo ativo não pode ampliar o direito de habitação da apelada, pois, do contrário, configuraria dupla proteção, em detrimento dos autores. Aspecto teleológico do legislador foi dar amparo de moradia a quem perdeu o companheiro por morte, e não expandir consideravelmente a proteção. Recorrida obteve moradia ante a doação, o que caracteriza que o companheiro falecido já proporcionara a habitação para a convivente. Reivindicatória apta a sobressair. !missão na posse deve prevalecer. Apelo provido (justiça Estadual, Tribunal de Justiça de São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado. Apelação n°. 9087291-46.2004.8.26.0000. Partes: Lourdes de Fátima Sanson Gasparini e Vera Lúcia Lopes Campanha, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Americana, Data de Julgamento: 28/01/2009. Data de Registro: 09/02/2009).

 

Por outro lado, aspecto que gera particular acirramento exegético é a parte final do artigo 1.831, do Código Civil, que exige que o imóvel habitando seja o único daquela natureza a inventariar, vedando, com isso e a princípio, a concepção do direito nos casos em que exista outro bem imóvel passível de divisão. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (BRASIL, Lei n°. 10.406, 2002, art. 1.831).

 

Ao abordar a relevância desta restrição, pondera Daniel Blikstein: Essa restrição se justifica, pois, havendo mais bens imóveis residenciais na herança, o consorte sobrevivente irá receber, com certeza, a título de meação ou herança, algum dos bens deixados pelo falecido, dando-se sempre preferência ao imóvel residencial da família.

Nada obstante, subsistem doutrinadores que enxergam neste trecho do dispositivo legal nítida incongruência do sistema, como é o caso de Fabio Ulhoa Coelho. A crítica em alusão tem por cerne o fato de tal requisito representar inegável benéfico para a união estável, em detrimento do casamento. Tudo porque o art. 1.831 estabelece como requisito para a outorga da habitação ao cônjuge supérstite a inexistência de outro bem desta natureza a inventariar, enquanto, por outro lado, nada alude a respeito dessa condição a Lei n. 9.278/96, em seu art. 7º, parágrafo único, ao prever o beneplácito à união estável. 

Art. 7°. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. (BRASIL, Lei n°. 9.278. 1996. art. 7º, parágrafo único). 

A solução proposta pelo doutrinador nominado seria simplesmente igualar as condições, suprimindo-se o requisito de unicidade do imóvel dessa natureza para ambos os casos, conferindo assim tratamento isonômico para ambas as situações. Veja-se, a propósito: “Por fim, observo que o art. 1.831 do CC estabelece como condição, para a instituição do direito real de habitação, que o imóvel onde reside o cônjuge sobrevivente seja o único dessa natureza a inventariar”. Pelo texto da lei, portanto, se na herança houvesse qualquer outro bem imóvel, o cônjuge sobrevivente não seria titular do direito real de habitação. Aqui, estamos diante de mais uma inconstitucionalidade do Código Civil, que trata o cônjuge de forma menos vantajosa que o companheiro. O art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96 assegura a este último o direito real de habitação, sem o condicionar à inexistência de outros imóveis na herança. Uma vez mais, não há motivos para discriminar o cônjuge na extensão desse direito sucessório (COELHO, 2012 b, p. 595).

União estável. Reconhecimento "post mortem". O reconhecimento da união estável depende de comprovação da convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição familiar (CC 1.723). Sentença de procedência. Conjunto probatório que corrobora a existência da união estável entre a autora e o falecido no período apontado na inicial. Tese de que o relacionamento consistia apenas em namoro. Descabimento. Caso em que a autora figura como dependente previdenciária do "de cujus". Eventual existência de duas residências que não macula a coabitação. Precedentes. Temática recursal desacompanhada de qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da demandante (art. 333, II, do CPC). Incidência do brocardo Allegare nihil et allegatum non probare paria sunt. Sentença mantida. União estável e direito real de habitação. Reconhecimento. Permanência da autora no imóvel utilizado pelo núcleo familiar durante a convivência. Possibilidade. Posse justa a que se dá proteção (art. 7º da Lei nº 9.278/96). Precedentes. Sentença reformada. Recurso dos réus desprovido, provido o apelo adesivo da autora.    (Justiça Estadual, Tribunal de Justiça de São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado. Apelação n°. 0065957-93.2010.8.26.0002. Partes: Romari De Brito Costa e Jurema Aparecida Buono, Relator: Rômolo Russo, São Paulo, Data de Julgamento: 19/08/2015. Data de Registro: 19/08/2015). 

Na quadra atinente à duração do direito de habitação, ganha relevo a distinção entre o direito de habitação convencional e legal, de acordo com ressalva já abordada em linhas anteriores. Isso porque, no que toca ao benefício convencional, é assente que o prazo de duração dependerá da manifestação da vontade e comportamento das partes, seja pelo advento do termo ou implemento da condição, ou pelo descumprimento de alguma obrigação pelo habitador.

Já com relação à duração da modalidade legal, no bojo da sucessão hereditária, importante tecer algumas considerações para a correspondente análise. Por primeiro, cumpre observar que o Código Civil de 2002, ao disciplinar o direito real de habitação do cônjuge supérstite não repetiu a limitação que havia na Codificação de 1916, que dispunha que o habitador faria jus ao direito real de habitação enquanto vivesse e permanecesse viúvo. Daí decorre a conclusão, adotada por parte dos intérpretes da norma, de que não subsiste mais impedimento para que o habitador constitua nova família no imóvel, podendo, inclusive, contrair novas núpcias enquanto beneficiário do direito, e ainda assim permanecer de forma vitalícia no bem habitando. (Marcio de Carvalho Valente, em “Direito real de habitação legal no Direito brasileiro, publicado em abril de 2016, no site Jus.com.br, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.416. São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto. 

Na teoria de Francisco Eduardo Loureiro diversas regras do usufruto se estendem à habitação. Tomem-se como exemplo a temporariedade, os deveres de guarda, conservação e restituição do habitador, a prestação de caução e as causas de extinção do direito real. A cláusula de acrescer, no caso de coabitação, deve ser expressa, tal como no usufruto. Não se estende ao direito real de habitação, em razão de sua natureza personalíssima, a possibilidade de cessão do exercício que se admite no usufruto. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.487. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

No comentário de Marcio de Carvalho Valente, descendo ao exame da extinção do direito de habitação, sob o influxo da disposição contida no artigo 1.416, do Código Civil, segundo o qual “são aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto” (BRASIL, Lei n°. 10.406, 2002), fica claro que a extinção do direito de habitação deve se dar por todas as demais formas de extinção do usufruto.

Nesse contexto, Orlando Gomes pontua que, por tal razão, “a morte do usuário, a renúncia, a destruição da coisa, a consolidação e os outros modos de extinção do usufruto são comuns ao uso e à habitação”. Assim, além das hipóteses já pontuadas em linhas anteriores, em que a extinção do direito de habitação se dá nos casos de implemento do termo ou condição, ou descumprimento das obrigações inerentes à habitação, é induvidoso que o direito em voga também se extingue no caso de morte do habitador. Nesse caso, é bem de ver, os demais membros da família que residiam no imóvel não poderão continuar habitando o bem, dada a natureza intuitu personae do direito, que marca sua essência com caráter personalíssimo.

Colhe-se manifestação de Daniel Blikstein a respeito da questão em epígrafe (2011, p. 198): Entretanto, em virtude da morte do cônjuge beneficiado com o direito real de habitação, tenha ele ou não constituído nova família, por seu caráter personalíssimo em relação aos demais sucessores do de cujus, haverá certamente a extinção da Habitação”. 

No mais, cumpre ressaltar que não implica a caducidade do instituto o simples fato de o habitador deixar de exercê-lo logo após o falecimento de seu consorte. Tal disposição, extremamente benéfica ao habitador, difere do adotado em outros ordenamentos, a teor do Direito Português, alhures examinado.

Consequência lógica da extinção do direito de habitação é a devolução do imóvel no estado de conservação em que o habitador o recebeu, como apregoa Caio Mário Da Silva Pereira: “Cessando a habitação pelo advento do termo ou implemento da condição, far-se-á restituição do prédio ao proprietário ou seus herdeiros, no estado de conservação convencionado, ou, em falta de estipulação, naquele em que foi recebido, salvo deterioração derivada do uso regular”. Por derradeiro, cabe obtemperar que a extinção do condomínio entre os herdeiros não encerra a extinção do direito real de habitação, que fica mantido apesar do encerramento da copropriedade.

Assim, com base no exposto, e em síntese, podem ser reunidas as seguintes características do direito real de habitação: a) É gratuito, sem que tal característica isente o habitador do pagamento dos tributos que recaem sobre o imóvel; b) O habitante deve ocupar pessoalmente o imóvel, junto com sua família, tratando-se de direito intuito personae; c) A habitação não abrange o amplo usufruto do imóvel, impedindo, por conseguinte, sua irrestrita fruição. No entanto, o regramento permite que o habitador exerça a fruição necessária para sua subsistência e de sua família; d) Em sua modalidade convencional, depende de registro no Cartório de Registro de Imóveis; já a habitação legal independe de registro; e) Pode ser conferido a mais de uma pessoa, as quais deverão coabitar o imóvel sem exigir aluguel das demais; f) É renunciável e g) Permite indenização por benfeitorias necessárias que o habitador realize no imóvel. (Marcio de Carvalho Valente, em “Direito real de habitação legal no Direito brasileiro, publicado em abril de 2016, no site Jus.com.br, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conclui-se o Título VIII com os comentários Guimarães e Mezzalira, lecionando que da mesma maneira observada acima em relação ao direito de uso, todos os demais dispositivos e características do usufruto são aplicáveis ao direito de habitação, por se tratar este de instituto matriz. A destinação do bem imóvel na habitação é para fins exclusivamente residencial e pessoa, o que não se aplica necessariamente no usufruto, o qual abrange, também, bens móveis. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.416 de 2002, acessado em 28.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.412, 1.413 Do Uso – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.412, 1.413

Do Uso – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo IV – Título VII

Do Uso  – (Art. 1.412 e 1.413) - digitadorvargas@outlook.com

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 Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família.

§ lº Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver. 

§ 2º As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.

Na ponderação de Francisco Eduardo Loureiro, e fica aqui registrado um alerta ao legislador (Grifo VD), o direito real de uso, de escassa utilização em nossos costumes, foi mantido no atual Código Civil com sua principal característica de usufruto restrito, em miniatura, ou limitado às necessidades do usuário ou de sua família. 

Podem ser objeto do direito real de uso coisas móveis e imóveis, desde que não consumíveis ou fungíveis. As fontes do direito real de uso podem ser a convenção, por ato inter vivos ou causa mortis, a título oneroso ou gratuito, e a usucapião; mas não contempla o Código Civil o uso decorrente diretamente da lei, como o faz com o usufruto e o direito real de habitação legal. Caso recaia sobre coisa imóvel, o registro é constitutivo do direito real.

Tal como o direito real de usufruto, o direito real de uso é sempre temporário e pode ser subordinado a termo ou condição. Podem ser titulares do direito real pessoas naturais e jurídicas, as últimas desde que destinem a coisa para suprir necessidades relativas à própria atividade. Ao contrário do usufruto, o uso não comporta cessão de exercício a terceiros, porque é personalíssimo. É também intransmissível, inter vivos ou causa mortis, salvo nos casos em que importar em consolidação e extinção do direito real.

No dizer de Caio Mário da Silva Pereira, a principal distinção entre os direitos reais de usufruto e de uso está em que “enquanto o usufrutuário aufere toda a fruição da coisa, ao usuário não é concedida senão a utilização reduzida aos limites de suas necessidades” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 307).

É certo que a cabeça do artigo refere que o usuário não somente usará a coisa, como também receberá os frutos, quando o exigirem as necessidades suas e de sua família. Pode receber frutos naturais e civis, mas na medida de suas necessidades. Pontes de Miranda diz que os frutos destinados ao consumo por necessidade integram o conceito de uso, e não de fruição (Tratado de direito privado. Rio de Janeiro, Borsoi, 1973, v. X IX , p. 323). 

O § 1º dá balizas ao intérprete, para que saiba até onde vão as necessidades do usuário. Note-se que somente a percepção de frutos está limitada à necessidade do usuário e de sua família, enquanto o excesso pertence ao nu-proprietário. Já o uso deve ser pessoal, mas não está contido no conceito de necessidade. Para dar parâmetros do que considera necessidade, o legislador menciona exemplificativamente os termos “local onde viver” e “condição social do usuário”. Outros fatores devem ser levados em conta, como profissão, hábitos, saúde e idade do usuário, como alerta Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (Usufruto, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 1983, p. 193). A necessidade é sempre aferida levando em conta as circunstâncias do caso concreto, lembrando a possibilidade de alteração no curso do tempo, podendo ser aumentada ou diminuída.

O § 2º do artigo em exame define o que é família, para efeito do direito real de uso. O conceito é restrito aos filhos solteiros, ao cônjuge e às pessoas que prestam serviço doméstico ao usuário, numa noção peculiar de família. Estão excluídos, portanto, filhos casados ou em regime de união estável, além de outros descendentes, ascendentes e colaterais. Discute-se se o companheiro está abrangido no conceito legal de família. Embora omissa a lei, não se vê razão plausível para que a união estável, entidade familiar de estatura constitucional, fique fora da proteção legal. O elemento fático essencial é a dependência econômica, que, segundo a mais autorizada doutrina (Pontes de Miranda, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Maria Helena Diniz), pode se estender a pessoas estranhas às linhas parentais, como afilhados e crianças que vivam às expensas do usuário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.482-83. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, este era o texto original do dispositivo constante como do projeto: “O usuário usará da coisa e perceberá seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família. ... § 2º As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros, ainda que ilegítimos, e das pessoas de seu serviço doméstico”. Emenda senatorial de autoria do relator-geral naquela Casa pretendia manter a redação do caput do art. 742 do Código Civil de 1916, que considerava de melhor estilo e clareza, além de suprimir, no § 2º , a expressão “ainda que ilegítimos”, de manifesta inconstitucionalidade. O relator parcial da matéria na Câmara dos Deputados, afirmando que a emenda não aperfeiçoava como pretendia a redação do caput e que “fruir a utilidade” é expressão técnica e semanticamente estranha, opinou, ao final, pela aprovação parcial da emenda, para que se alterasse apenas o texto do § 2o . A posição do relator-geral Ricardo Fiuza foi pelo acolhimento parcial da emenda, resultando, dai; o texto atual. 

Da doutrina que se insere pelo relator Ricardo Fiuza, o uso é diferente do usufruto, já que mais restrito que aquele. E definido como direito real temporário, podendo recair sobre coisa móvel ou imóvel. • Esta norma equipara-se aos arts. 742, 743 e 744 do Código Civil de 1916, conjugando tais dispositivos com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser-lhe aplicado o mesmo tratamento doutrinário dado aos dispositivos indicados, (i.é, que o usufrutuário estará sempre na contra mão da lei, por opressão do sistema, sendo-lhe vedado o uso de alimentos, móveis e/ou imóveis, além do estipulado, o que lhe proíbe uma convivência social além do da familiar direta. Grifo VD). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 721, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo artigo de JC Moraes, de 16 de outubro de 2009, “Uso e habitação – arts. 1.412 a 1.416”, no site jcmoraes.wordpress.com, de acordo com a doutrina, uso é o direito real sobre coisa alheia de fruição, constituído a título oneroso ou gratuito, pelo qual o usuário fica autorizado a retirar, temporariamente, todas as utilidades da coisa para atender às suas necessidades pessoais e às de sua família (utiliza-se o conceito amplo e aplica-se, portanto, ao cônjuge, filhos, empregados) *a finalidade do direito de uso é, portanto, proteção à pessoa ou à família do usuário. O uso é diferente do usufruto, já que mais restrito que aquele. E definido como direito real temporário, podendo recair sobre coisa móvel ou imóvel, corpóreas ou incorpóreas. 

O uso tem algumas características tipo: Temporariedade – dura pelo prazo do contrato ou enquanto houver necessidade pessoal ou familiar;  indivisibilidade – o titular é o usuário (atende as suas necessidades e a de seus familiares), apenas é possível dividir o uso no tempo entre várias pessoas, com horário certo para cada um; inalienabilidade: o uso não pode ser transferido a qualquer título; intuitu personae: o direito de uso é personalíssimo. Vincula-se às necessidades familiares, muito embora a ideia de família não deva sser apenas a do cônjuge, filhos solteiros e empregados domésticos, ante a necessidade de adaptação da regra aos demais filhos e sua extensão à união estável. 

Com a Lei 11.481/2007, houve a inclusão de dois novos direitos reais acrescidos no artigo 1.225, incisos XI e XII. – XI: a concessão de uso especial para fins de moradia (poder público concede direito de uso ao particular com a finalidade de moradia, desde que o particular esteja efetivamente ocupando área de até 250 m², sem interrupção e sem oposição, servindo esta para fins de moradia própria ou familiar. É obtido administrativamente junto ao órgão próprio da Administração Pública ou por ação judicial, uma vez declarada pelo juiz). * Lei 11.481/2007 e art. 290 – A da Lei 6.015/73. * Medida Provisória 2.220/2001. E XII: a concessão de direito real de uso (Poder Público, por licitação, conceder ao particular o poder de usar área pública com finalidade diversa de moradia, por um prazo previamente fixado

no edital e para cumprimento de função social ou de ordem econômica). (JC Moraes, de 16 de outubro de 2009, “Uso e habitação – arts. 1.412 a 1.416”, no site jcmoraes.wordpress.com, acessado em 23.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.413. São aplicáveis ao uso, ao que não for contrário à sua nøturen, as disposições relativas ao usufruto. 

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, estende o preceito o regime jurídico do usufruto ao uso, naquilo que não contrariar sua natureza, quanto aos direitos e deveres do usufrutuário. Algumas regras do usufruto, porém, não se estendem ao uso, como vimos acima. Tomem-se como exemplos a incredibilidade, a indivisibilidade do uso e a impossibilidade de constituição ex lege. No que se refere ao direito de acrescer, previsto no CC 1.411 anteriormente comentado, não depende ele de cláusula expressa no uso, em vista de sua indivisibilidade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.483. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada no artigo de JC Moraes, de 16 de outubro de 2009, “Uso e habitação – arts. 1.412 a 1.416”, no site jcmoraes.wordpress.com, por não existir incompatibilidade com o instituto do usufruto, a lei manda aplicar ao uso as mesmas normas daquele, de forma que o que distingue os institutos é a limitação de fruição por parte do usuário, que fica restrita às necessidades próprias e de sua família. (JC Moraes, de 16 de outubro de 2009, “Uso e habitação – arts. 1.412 a 1.416”, no site jcmoraes.wordpress.com, acessado em 23.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No estender Guimarães e Mezzalira, como mencionado anteriormente, o direito real de uso tem por finalidade precípua a garantia de subsistência do usuário e sua família, restringindo-se a destinação do instituto apenas quanto a este particular, fato diferenciador do usufruto. Assim, ressalvada esta natureza típica do uso, no mais, todas as demais características e disposições relativas ao usufruto são aplicáveis ao uso. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao art. 1.413 do CC/2002, acessado em 23.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.410, 1.411 Da Extinção do Usufruto – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado -  Art. 1.410, 1.411

Da Extinção do Usufruto – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo IV – Título VI

Da Extinção do Usufruto  – (Art. 1.410 e 1.411)

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Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: 

I — pela renúncia ou morte do usufrutuário; 

II — pelo termo de sua duração; 

III — pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV — pela cessação do motivo de que se origina 

V — pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos CC 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;

VI — pela consolidação;

VII — por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do CC 1.395; 

VIII — pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (CC 1.390 e 1.399).

Os comentários estendidos de Guimarães e Mezzalira iniciam com a Renúncia, que deverá ser feita por escritura pública se referente a bens imóveis de valor acima de trinta salários vigentes (CC 108).

Como o usufruto é temporário e, sendo estabelecido de forma vitalícia, extinguir-se-á o direito pelo falecimento do titular do uso. Caso haja dois ou mais usufrutuários, o direito vai se extinguindo em relação a cada um deles, à medida de seu falecimento, subsistindo pro parte, salvo se pactuado sua indivisibilidade, caso em que a parte de cada um acrescerá a do outro sobrevivo (Diniz, 2011, p. 382).

Termo de duração, é o tempo de vigência estabelecido ao usufruto no próprio ato constitutivo, fazendo-o extinguir ao seu término. Da mesma forma faz extinguir o direito pela ocorrência de determinada condição resolutiva pré-estabelecida ou pelo falecimento do usufrutuário antes do período previsto. 

Quanto a extinção da pessoa jurídica, a lei estabelece o prazo de trinta anos de vigência do usufruto quando se tratar de pessoa jurídica a parte beneficiária, cessando o direito de usufruto caso haja anterior dissolução da sociedade empresária. 

A cessação do motivo encerra o usufruto quando a razão de sua constituição deixa de existir, como se dá quando o benefício é constituído para custear estudos superiores de um parente próximo ou o tratamento médico alheio. 

Destruição da coisa: efetivamente, desaparecendo o bem objeto do usufruto não haverá como preservá-lo, salvo naquelas hipóteses que abrangem a desapropriação, incêndio e destruição por terceiros, quando o direito do usufrutuário se sub-roga no valor da indenização ou seguro.

Consolidação: dá-se na hipótese de o usufrutuário vir a adquirir a nua-propriedade ou vice-versa, reunindo-se os dois direitos na mão de um único titular. 

Por culpa do usufrutuário: o dispositivo elenca várias hipóteses de cessação do usufruto quando o beneficiário atua de forma culposa ou dolosa, violando o dever de cuidado que deve ter em relação do bem, assim ocorrendo nos casos de usufruto quando o beneficiário atua de forma culposa ou dolosa, violando o dever de cuidado que deve ter em relação do bem, assim ocorrendo nos casos de usufruto sobre títulos de crédito. 

O dispositivo legal não prevê um prazo certo. Assim, no caso em apreço, ocorrerá a extinção do usufruto após o decurso do prazo de dez anos do desuso, regrando o CC 205 que, no silêncio, este será o prazo prescricional a ser considerado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao art. 1.410 do CC/2002, acessado em 22.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Este artigo, como lembra Francisco Eduardo Loureiro, corresponde ao art. 739 do Código Civil de 1916, com diversas alterações, acrescentando e modificando causas de extinção do usufruto. Viu-se anteriormente que o usufruto é sempre temporário, vedada por norma cogente a perpetuidade. Há causas previstas no próprio negócio de constituição e outras na lei, que levam à extinção. 

O caput do CC 1.410 reza que, se o usufruto recai sobre coisa imóvel, a causa não opera por si só a extinção, mas deve ser levada ao registro imobiliário. O registro, salvo o caso do usufruto legal, da usucapião e com origem em sucessão hereditária, é constitutivo do direito real, de modo que, para a simetria do sistema, deve a causa extintiva ser averbada no registro imobiliário, para que produza efeito erga omnes. Note-se que a averbação da causa deve ser feita mesmo no caso de usufruto adquirido por usucapião ou sucessão hereditária, se foi este levado a registro por mandado judicial, em homenagem ao que dispõem o art. 252 da Lei n. 6.015/73 e o art. 1.245, § 2º, do Código Civil. De outro lado, a extinção do usufruto incidente sobre bens móveis se opera pela incidência da causa, independentemente de qualquer ato ulterior, por falta de previsão legal. 

Tal regra produz relevantes consequências, especialmente em relação a terceiros. Tupinambá de Castro Nascimento dá diversos exemplos de efeitos de usufruto cuja causa extintiva já se operou, mas sem averbação do cancelamento no registro imobiliário. Tome-se o caso de usufruto a termo, cujos frutos colhidos após decurso do prazo pertencem ao proprietário, mas que podem ser penhorados pelo terceiro credor do usufrutuário, enquanto não se averbar o cancelamento. Também o contrato de cessão de exercício de natureza pessoal - comodato, ou locação - entre o usufrutuário e terceiro não pode ser denunciado pelo proprietário, antes da averbação do cancelamento. Em termos diversos, o usufruto ganha uma ultratividade após o advento da causa extintiva, mas antes do cancelamento (Usufruto, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 1983, p. 121). Em relação às partes cientes da ocorrência da extinção, porém, os efeitos cessam com a causa e não com a averbação, de modo simétrico ao que ocorre com a constituição. 

A primeira causa de extinção do usufruto é a morte do usufrutuário. O usufruto é constituído sobre a cabeça do usufrutuário e a este não sobrevive, salvo no caso de usufruto simultâneo com cláusula de acrescer, que será comentado no CC 1.411 a seguir. Trata-se de causa legal e de ordem pública, prevalecendo sobre eventual causa convencional, v.g., a morte que ocorre antes do termo negocial. A morte do nu-proprietário é irrelevante, porque, salvo disposição negocial expressa em sentido contrário, seus herdeiros recebem a coisa gravada por direito real. A morte do usufrutuário pode ser real ou presumida (CC 7º) ou mesmo do caso de ausência, após operar-se a sucessão definitiva (CC 39). Não altera a questão a morte do usufrutuário causada ou buscada pelo nu-proprietário, porque não prospera o usufruto sem titular e, como direito personalíssimo, não se transmite aos herdeiros. Ocorrendo o óbito, a averbação do cancelamento do registro se faz mediante simples pedido formulado ao registrador, sem necessidade de intervenção judicial, não se aplicando o disposto no art. 725, VI, do CPC, mas sim o disposto no art. 250, III, da Lei n. 6.015/73. 

A segunda causa é a renúncia do usufrutuário, por ato unilateral, mas comunicada ao usufrutuário. Caso incida sobre coisa imóvel, a renúncia é solene, por instrumento público, e somente produz efeitos perante terceiros após averbação do cancelamento no registro imobiliário. 

A terceira causa é pela incidência do termo de duração do usufruto. Não prevalece o termo se ocorrer antes a morte do usufrutuário. Embora não diga de modo expresso a lei, também o advento de condição resolutiva, aposta de modo convencional no título constitutivo, leva à extinção do usufruto. Acrescente-se, ainda, o caso de o usufruto ter sido constituído sobre imóvel com propriedade resolúvel. Resolvido o domínio, caem todos os direitos reais concedidos na sua pendência. Mais uma vez, o advento do termo e da condição comprovável de modo documental permite o cancelamento do registro independentemente de decisão judicial.

A quarta causa é a extinção da pessoa jurídica beneficiária do usufruto, quer de direito público, quer de direito privado. As sociedades irregulares, por lhes faltar personalidade jurídica, não são usufrutuárias, mas apenas os sócios que a compõem. Coloca a lei uma causa legal, impondo que o usufruto de pessoa jurídica não pode ultrapassar trinta anos, contados da data do início do exercício. Foi o prazo reduzido de cem para trinta anos, somente incidente sobre os usufrutos constituídos na vigência do Código Civil de 2002, porque, em relação aos antigos, há ato jurídico perfeito. Nada impede que as partes convencionem prazo inferior a trinta anos. O que não se admite é a convenção por prazo superior, porque a norma é cogente, de modo que o termo é automaticamente reduzido, sem invalidar, no entanto, a própria constituição do direito real. 

A quinta causa é pela cessação do motivo que originou o usufruto. Embora divirja a doutrina tradicional a respeito, o melhor entendimento, já referendado pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 101/377), é no sentido de que a causa em exame se aplica tanto ao usufruto convencional como ao legal. O motivo a que alude a lei é o externo, determinante e comum a ambas as partes, desprezadas as razões íntimas, subjetivas e individuais. No dizer de Orlando Gomes, é a razão o móvel determinante que move as partes a realizar determinado contrato (Contratos, 12. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 61). No usufruto legal, tome-se como exemplo a cessação do poder familiar, que extingue o usufruto do pai sobre os bens dos filhos. No usufruto convencional, tome-se como exemplo, citado por Clóvis, o usufruto instituído para que o usufrutuário conclua seus estudos, ou realize determinada pesquisa científica. O cancelamento, aqui, pode exigir intervenção judicial, se a cessação do motivo determinante depender de exame de fatos não provados documentalmente e de modo cabal, inviáveis de serem aferidos pelo registrador na esfera administrativa. A alteração da redação do dispositivo provocou dúvida em doutrina, sobre a necessidade do motivo determinante ser ou não declarado no título. Razoável entender a desnecessidade do motivo determinante ser expresso, bastando que seja inequívoco e comum a ambas as partes, não sendo suficiente as simples razões íntimas e psicológicas do nu-proprietário (frs., a respeito, Carlos Alberto Garbi, Relação jurídica de direito real e usufruto, Método, 2008, p. 278). 

A sexta causa é a destruição da coisa, que causa a perda do objeto, ressalvadas as hipóteses de sub-rogação, previstas nos CC 1.407, 1.408 e 1.409, anteriormente comentados. Nos casos em que há sub-rogação - seguro, desapropriação e culpa de terceiro, que indeniza o proprietário -, o usufruto se transfere para o bem sub-rogado, com todas suas características e sem solução de continuidade. Embora fale a lei em destruição - melhor seria perecimento -, o melhor entendimento é no sentido de que não há necessidade de ser total. A perda parcial ou a deterioração grave, que comprometa a qualidade frugífera ou a possibilidade de exploração, também conduzem à extinção, pela incompatibilidade de o usufrutuário extrair as utilidades da coisa. Embora haja controvérsia na doutrina, a transformação radical da coisa não equivale à destruição, desde que persistam as qualidades frugíferas e o interesse do usufrutuário. 

A sétima causa é a consolidação, que nada mais é do que a reunião, na mesma pessoa, das qualidades de nu-proprietário e usufrutuário. Pode ocorrer em razão de o usufrutuário adquirir a nua-propriedade, por qualquer razão, ou o inverso, de o nu-proprietário adquirir o usufruto. Como viu-se no comentário ao CC 1.393, a inalienabilidade do usufruto não tem nenhuma incompatibilidade com a extinção por consolidação. O que proíbe a norma cogente é que o direito real de usufruto sobreviva sob a titularidade de terceiro, porque é personalíssimo do usufrutuário. A transmissão, porém, se admite quando provocar a extinção do usufruto por consolidação. São os casos da aquisição do usufruto a título gratuito ou oneroso pelo nu-proprietário, ou, então, de um terceiro que adquira simultaneamente a nua-propriedade e o usufruto, consolidando a propriedade em suas mãos. Não há aí propriamente alienação do direito real, mas sim modo de sua extinção por consolidação.

A oitava causa é a culpa do usufrutuário, que aliena, deteriora ou deixa arruinar os bens, ao não promover os cuidados de reparação. A novidade do inciso está em adicionar a hipótese do usufruto dos títulos de crédito, quando o usufrutuário não dá ao crédito recebido a regular aplicação prevista em lei. Constata-se que em todos os casos há inadimplemento do usufrutuário, ou na forma de abuso de exercício - alienação - ou na forma de mau uso - deterioração - dos bens entregues ao seu proveito. Viu-se em comentário ao CC 1.393 que a alienação do usufruto é nula, salvo nos casos de consolidação. O que a lei pune, portanto, é a tentativa de alienação, ainda que o nu-proprietário recupere a coisa em poder de terceiro. Já as deteriorações devem ser visíveis, duráveis e culposas. A conduta é sempre culposa, o que exige investigação de fato imputável ao usufrutuário, necessariamente na via judicial, descabendo o pedido de cancelamento direto ao oficial registrador. Além disso, não é a extinção automática, porque pressupõe a iniciativa do nu-proprietário, que, aliás, tem a opção de exigir a reparação, a extinção ou os dois pedidos cumulativos. Como alerta Carvalho Santos, tem o juiz ampla liberdade ao examinar os atos culposos do devedor, especialmente a sua gravidade. Pode, assim, determinar a extinção pura e simples, como a extinção apenas de uma parte, manter o usufrutuário na posse dos bens, mas obrigando-o a reparar os danos, ou a prestar caução, ainda quando esta tenha sido anteriormente dispensada (Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. IX). O não pagamento de tributos e despesas condominiais atribuíveis ao usufrutuário pode também colocar em risco jurídico de perda a coisa, em razão da excussão. Abre-se ao nu-proprietário a obrigação alternativa de pagar as dívidas e reavê-las do usufrutuário, ou de pedir a extinção do usufruto por conduta culposa.

Finalmente, a nona causa de extinção é o não uso, ou a não fruição da coisa em que o usufruto recai. No silêncio da lei, o prazo é o ordinário, previsto no art. 205 do Código Civil. No regime do velho Código Civil, havia na doutrina divergência sobre o prazo aplicável, se o ordinário para as pretensões pessoais (vinte anos) ou o decenal, ou quinzenal para as pretensões reais, com clara preferência pela última corrente, matéria ainda relevante, em razão de seus reflexos no direito intertemporal.

Deve haver distinção entre duas situações. A primeira é a inércia do usufrutuário de exercer a pretensão contra a violação de seu direito subjetivo de tirar o proveito do objeto do direito real de gozo e fruição. Em tal hipótese, o que se perde não é o direito material de usufruto, mas sim a pretensão de obter ou reaver o bem objeto do usufruto. Tanto isto é verdade, que se o bem objeto do usufruto cuja pretensão se encontra prescrita for voluntariamente entregue ao usufrutuário, não pode este ser compelido a devolvê-lo, tal como ocorre no pagamento de dívida prescrita. O prazo em tal hipótese será prescricional de dez anos e começa a correr da data em que deveria ter sido entregue o bem ao usufrutuário, ou da data em que o usufrutuário praticou o último ato de proveito em relação ao bem usufruído. Nada impede, de outro lado, que corra contra o nu-proprietário e contra o usufrutuário a prescrição aquisitiva por posse ad usucapionem de terceiro, pelos prazos previstos nos CC 1.238 a 1.242 e 1.260 /1.261, de acordo com a natureza da coisa possuída.

A segunda situação é o simples não exercício do direito pelo usufrutuário, sem qualquer resistência do nu-proprietário ou de terceiros. Não há aqui pretensão, pois não houve violação a direito subjetivo, e o prazo será decadencial de dez anos, com termo inicial na data em que poderia o usufrutuário exercer o direito. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.476-79. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Como exposto até aqui e da forma projetada na Doutrina de Ricardo Fiuza, este artigo trata das causas extintivas do usufruto, enumerando-o taxativamente, ressaltando que a extinção se opera quando houver cancelamento do usufruto no Cartório de Registro de Imóveis competente. O usufruto é uma servidão pessoal, está vinculada à pessoa, e com ela se extingue. A morte extingue necessariamente o usufruto, pois é da natureza do usufruto que o nu-proprietário e o usufrutuário coexistam. O termo de duração (inicial e final), ou qualquer outra condição (suspensiva ou resolutiva) imposta ao usufruto, deve ser determinado no título que o constituiu, fixando-se um momento específico para a sua extinção, ou determinando se está ele sujeito à ocorrência de uma condição. Se o imóvel ruir ou for devastado por um incêndio, destruindo completamente a coisa, extingue-se também o usufruto. Se a destruição for parcial, o usufruto subsistirá na parte restante do prédio. A consolidação da propriedade corre quando o usufrutuário adquire o domínio do bem, reunindo o direito de uso e gozo separados pelo usufruto. Na hipótese inversa, o nu-proprietário readquire a plena propriedade. É causa também de extinção do usufruto quando, por culpa do usufrutuário, deixar ele de cumprir uma de suas obrigações principais, v. g., velar pela coisa e mantê-la em bom estado. Opera-se ainda a extinção quando o usufrutuário perfeito aliena o bem.  Este artigo inova ao reduzir para trinta anos o prazo do usufruto constituído em favor de pessoa jurídica e ao prever a extinção do usufruto pelo não-exercício de seu direito. Equipara-se aos arts. 739 e 741 do Código Civil de 1916, conjugando esses dispositivos com considerável melhora da redação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 720, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 22/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.411. Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente.

O artigo em exame corresponde ao art. 740 do Código Civil de 1916, com alteração apenas formal em sua redação, sem nenhuma mudança substancial. Como leciona Francisco Eduardo Loureiro, disciplina o preceito a extinção do usufruto simultâneo e a exceção ao princípio de que o usufruto se extingue necessariamente com a morte do usufrutuário. 

Prevê a norma que, no caso de usufruto simultâneo ou conjuntivo, qual seja, aquele constituído em favor de uma pluralidade de usufrutuários, a um só tempo, a extinção será feita parte a parte, em relação a cada um dos que falecerem. Essa é a regra geral, que consolida quotas de propriedade plena nas mãos do nu-proprietário, na medida em que forem falecendo os usufrutuários. 

A exceção a tal regra está na possibilidade de estipulação expressa de cláusula de acrescer, pela qual a parte ideal do usufruto cabente ao usufrutuário falecido não se consolida nas mãos do nu-proprietário, mas, ao invés, se soma à parte do usufrutuário sobrevivente, de tal modo que subsiste íntegra até que o último usufrutuário venha a falecer. 

Não se admite por norma cogente, porém, a figura do usufruto sucessivo, pela qual, com a morte de um usufrutuário, ou cousufrutuário, sua parte se transmite a terceiro que até então gozava dessa qualidade. Em termos diversos, não se admite que, com a morte de um usufrutuário, alguém que até então não o era passe a sê-lo, recebendo o direito do falecido. Lembre-se de que, no caso de usufrutos legados conjuntamente a favor de duas ou mais pessoas, a parte do que faltar acresce aos colegatários, independentemente de disposição expressa no testamento, por força do que dispõe o CC 1.946. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.481. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Para Guimarães e Mezzalira, valem aqui os comentários traçados anteriormente, ou seja, na hipótese de constituição de dois ou mais usufrutuários. Neste caso, o direito vai se extinguindo em relação a cada um deles, à medida de seu falecimento, subsistindo pro parte, salvo se pactuado no título a sua indivisibilidade, circunstância na qual a parte de cada um acrescerá a do outro sobrevivo (Diniz, 2011, p. 382). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao art. 1.411 do CC/2002, acessado em 22.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Em obra de Ademar Fionarelli, “O usufruto no Código Civil de 2002 e A proibição de alienar o direito” no site www.irib.org.br, o CC 1.411 manteve a mesma redação do artigo 740 do Código de 1.916. No sucessivo (não admitido), para solidificar o entendimento, o usufrutuário exerce sozinho o direito de usar e gozar do bem e por sua morte ou por certa condição ou termo, transmitir a outrem ou seu sucessor.

No simultâneo, configura-se a pluralidade de usufrutuários, que a um só tempo gozam da coisa usufruída, com a possibilidade de inserção de cláusula de acrescer, se convencionada, ao usufrutuário sobrevivente. Indispensável que no ato da constituição sejam declinados os nomes de todos os usufrutuários e de forma expressa a subsistência do mesmo usufruto em favor dos demais. Não estipulada a cláusula de acrescer, pela superveniência da morte de um dos usufrutuários, consolida-se na pessoa do nu-proprietário a plena propriedade da parte ideal do usufrutuário falecido.

O registrador há que estar atento para a elaboração correta da averbação ou do cancelamento parcial do usufruto e união ao nu-proprietário ou a de acrescer ao cônjuge ou usufrutuários sobrevivos, de maneira que os respectivos titulares exerçam na plenitude seus legítimos direitos.

A execução do contrato, na forma estabelecida, reclama a imperiosa averbação, ocorrência que altera substancialmente o registro. Daí o alerta para a correta interpretação da vontade das partes no mesmo contrato.

Sobre os vários modelos de atos (averbações e registros) do aqui tratado, reporta-se o autor ao já inserido na obra Direito Registral Imobiliário, ed. Sérgio Fabris – 2001 – IRIB – págs. 379/442 e de 508/513, de sua autoria. (Ademar Fionarelli, “O usufruto no Direito Civil de 2002 e .A proibição de alienar o direito” no site www.irib.org.br, acessado em 22.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).