Comentários
ao Código Penal – Art. 71
Crime continuado – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena
Crime Continuado (Redação dada pela Lei
na 7.209, de 11/7/1984)
Art.
71. Quando
o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da
mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro,
aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada
pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)
Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz,
considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a
pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste
Código. (Redação
dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)
Iniciando pela origem, com Bettiol, Rogério Greco. Código Penal comentado.
5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Crime continuado” – Art. 71
do CP, que afirma “A figura do crime continuado não é de data recente. As suas origens
‘políticas’ acham-se sem dúvida no favor rei que impeliu os juristas da
Idade Média a considerar como furto único a pluralidade de furtos, para evitar
as consequências draconianas que de modo diverso deveriam ter lugar: a pena de
morte ao autor de três furtos, mesmo que de leve importância. Os nossos
práticos insistiam particularmente na contextualidade cronológica da prática
dos vários crimes, para considerá-los como crime único, se bem que houvesse
também quem se preocupasse em encontrar a unidade do crime no uno impetu
com o qual os crimes teriam sido realizados. Da Idade Média, a figura do crime
continuado foi trasladada para todas as legislações [...]” (BETTIOL, Giuseppe.
Direito penal, v. II, p. 312).
Da natureza jurídica: Três principais teorias disputam o tratamento
sobre a natureza jurídica do crime continuado, a saber: a) teoria da
unidade real; b) teoria da ficção jurídica e c) teoria mista.
A teoria da unidade real entende como crime único as várias
condutas que, por si sós, já se constituiriam em infrações penais. Na
escorreita proposição de Vera Regina de Almeida Braga, “intenção e lesão únicas
dariam lugar a um único delito, composto de várias ações. O crime continuado consistiria em um ens reale”.
(BRAGA, Vera Regina de Almeida. Pena de multa substitutiva no concurso de
crimes, p. 59).
A teoria da ficção jurídica entende que as várias ações levadas a
efeito pelo agente que, analisadas individualmente, já consistiam em infrações
penais, são reunidas e consideradas fictamente como um delito único. Finalmente,
a teoria mista reconhece no crime continuado um terceiro crime, fruto do
próprio concurso.
Nossa lei penal adotou a teoria da ficção jurídica, (Conforme
esclarece Alcides da Fonseca Neto, “a natureza jurídica da continuidade
delitiva é explicada peia teoria da ficção jurídica, peia qual ela é resultante
de uma aglutinação legal tão só para fins de aplicação de uma pena, muito embora
existam, no plano ontológico, vários delitos, ou seja, a unificação não retira
a autonomia dos crimes componentes da cadeia delituosa” (O crime continuado,
p. 342), entendendo que, uma vez concluída pela continuidade delitiva, deverá a
pena do agente sofrer exasperação. O julgado HC a seguir explica:
A continuidade delitiva, segundo posição majoritária da doutrina e
da jurisprudência, é uma ficção jurídica criada para beneficiar o criminoso
eventual, de sorte que, não obstante a pluralidade de crimes, considera-se a
existência de um só, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos (delitos
da mesma espécie, condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e
subjetivos (unidade de desígnios) (STJ, HC 141239/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Mais Filho, 5ª T., DJe 15/3/2010).
Dos requisitos e consequências do Crime continuado: Requisitos:
a) mais de uma ação ou omissão; b) prática de dois ou mais
crimes, da mesma espécie; c) condições de tempo, lugar, maneira de execução
e outras semelhantes; d) os crimes subsequentes devem ser havidos como
continuação do primeiro.
Consequências: a) aplicação da pena de um só dos
crimes, se idênticas, aumentada de um sexto a dois terços; b) aplicação
da mais grave das penas, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços; c)
nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa, aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo; d) nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da mais grave das penas, se
diversas, aumentada até o triplo.
Quanto aos Crimes da mesma espécie: O agente
pode, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes da
mesma espécie. A primeira dúvida em relação ã redação do artigo em estudo é justamente
saber o que significa crimes da mesma espécie. Várias posições foram ganhando
corpo ao longo dos anos, sendo que duas merecem destaque, porque principais. A
primeira posição considera crimes da mesma espécie aqueles que possuem o mesmo
bem juridicamente protegido, ou, na linha de raciocínio de Fragoso,
"crimes da mesma espécie não são apenas aqueles previstos no mesmo artigo de
lei, mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam,
pelos fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres
fundamentais comuns”. (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p. 351).
Assim, furto e roubo, roubo e extorsão seriam da mesma espécie. A segunda posição
aduz que crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação penal,
não importando se simples, privilegiados ou qualificados, sé tentados ou consumados.
Esta é a posição de Aníbal Bruno quando diz que “cada ação deve fundamentalmente
constituir a realização punível do mesmo tipo legal, i. é, essas ações
repetidas devem representar dois ou mais crimes da mesma espécie, podendo reunir-se
a forma consumada com a tentativa, a forma simples com a agravada. Os bens
jurídicos podem ter o mesmo ou diverso titular”. (BRUNO, Anibal. Direito penal,
t. 2º, p. 302. Ao contrário, portanto, da posição anterior, para esta não
poderia haver continuidade entre furto e roubo, uma vez que tais infrações
penais encontram moldura em figuras típicas diferentes. Para nós, crimes da
mesma espécie são aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido. (Nesse
sentido, com maestria, sentencia Patrícia Mothé Glioche Béze: “Adotada a teoria
da ficção jurídica, que é a posição majoritária na doutrina jurisprudencial, o
crime continuado é modalidade de concurso de crimes e não haveria obstáculo
para se reconhecer como crimes da mesma espécie os que ofendem o mesmo bem
jurídico, desde que presentes os outros requisitos do crime continuado (dentre
eles a maneira de execução). Assim, podem ser crimes da mesma espécie aqueles
que estão em artigos de lei diferentes, desde que sejam semelhantes entre si,
adotando-se a teoria objetiva pura ou objetivo-subjetiva" (Concurso formal)
e crime continuado, p. 148).
Confirmando o julgado: Impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva entre os delitos de estelionato praticado
contra entidade de direito público e corrupção ativa, pois são infrações penais
de espécies diferentes, que não estão previstas no mesmo tipo fundamental. Precedentes (STJ, HC 8361 l/SP, Relª. Minª. Laurita
Vaz, 5ª T., DJe 01/3/2010).
Bem como os quatro seguintes que completam a ideia: Os crimes de
homicídio qualificado e latrocínio são espécies delituosas distintas, não se
configurando entre elas a continuidade delitiva, mas sim o concurso material
(STJ, HC 140936/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 22/2/2010).
Tendo em vista que os crimes de roubo e extorsão, apesar de serem
do mesmo gênero, são de espécies diversas, não se aplica a continuidade
delitiva (STJ, REsp. 1.052.447/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 01/o2/10).
Não se aplica a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e
latrocínio, eis que, apesar de serem do mesmo gênero, não são da mesma espécie,
pois possuem elementos-objetivos e subjetivos distintos, não havendo, portanto,
homogeneidade de execução. Precedentes desta Corte e do STF. (STJ, HC 68137/RJ, Min. Gilson Dipp, 5ª
T., DJ 12/3/2007).
Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de
estelionato, receptação e adulteração de sinal identificador de
veículo automotor, pois são infrações penais de espécies
diferentes, que não estão previstas no mesmo tipo fundamental. Precedentes do
STF e STJ (STJ, REsp. 738337/DF. REsp. 2005/0030253-6, Relª. Minª Laurita Vaz, j. 17/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 466).
A posição majoritária de nossos Tribunais Superiores é no sentido
de considerar como crimes da mesma espécie aqueles que tiverem a mesma configuração típica (simples, privilegiada ou
qualificada).
Das condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras
semelhantes: Exige o art. 71 do Código Penal que o agente atue em determinado
tempo, a fim de que sejam aplicadas as regras relativas ao crime continuado.
Também com relação a esse ponto existe divergência doutrinária e jurisprudencial,
em razão da ausência de um critério rígido para a sua aferição, pois, conforme
assevera Ney Moura Teles, “como mensurar essa quantidade de tempo, com base em
quais critérios? Este problema é de difícil solução. Não se pode realizar
análise meramente aritmética, mas entre os crimes deve mediar tempo que indique
a persistência de um certo liame psíquico que sugira uma sequência entre os
dois fatos”. (TELES, Ney Moura. Direito penal - Parte gerai, v. 2. p. 187. Não
há, portanto, como determinar o número máximo de dias ou mesmo de meses para que
se possa entender pela continuidade delitiva. Deverá, isto sim, segundo entendemos,
haver uma relação de contexto entre os fatos, para que o crime continuado não
se confunda com a reiteração criminosa. Apesar da impossibilidade de ser
delimitado objetivamente um tempo máximo para a configuração do crime
continuado, o STF já decidiu: Quanto ao fator ‘tempo’ previsto no art. 71 do
Código Penal, a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal é no
sentido de observar-se o limite de trinta dias que, uma vez extrapolado, afasta
a possibilidade de se ter o segundo crime como continuação do primeiro.
Precedentes - HC nº 62.451, relatado pelo Min. Aldir Passarinho perante a
Segunda Turma, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça, de 25 de abril de 1985, à página 5.889, e HC nº 69.305,
do qual foi Relator o Min. Sepúlveda Pertence, cujo acórdão, na 1ª T., restou
veiculado no DJe 5/6/1992 (STF, HC 69.896-4, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU
2/4/1993, p. 5.620).
Também existe controvérsia quanto à distância entre os vários
lugares nos quais os delitos foram praticados. Discute-se sobre a possibilidade
de se verificar o crime continuado somente em um mesmo bairro, em uma mesma
cidade, comarca ou em até Estados diversos. O STF já entendeu que o fato de serem
diversas as cidades nas quais o agente perpetrou os crimes (São Paulo, Santo
André e São Bernardo do Campo) não afasta a reclamada conexão espacial, pois
elas são muito próximas uma da outra, e integram, como é notório, uma única
região metropolitana (RE, Rel. Xavier de Albuquerque, RT 542/455). Em sentido
contrário, já se posicionou o extinto TACrim./SP, ao afirmar que não se
admite a continuidade delitiva entre crimes praticados em cidades diversas,
ainda que integrantes da mesma região metropolitana (Rel. Brenno Marcondes, JUTACrim./SP
84/162). A nosso ver, da mesma forma que o critério temporal, no que diz
respeito ao critério espacial deverá haver uma relação de contexto entre as
ações praticadas em lugares diversos pelo agente, seja esse lugar um bairro,
cidade, comarca ou até Estados diferentes. Nada impede que um grupo especializado
em roubo a bancos, ekzemple resolva, num mesmo dia, praticar vários
assaltos em cidades diferentes que, embora vizinhas, não pertençam ao mesmo
Estado.
A maneira de execução dos delitos, ou seja, o modus operandi
do agente ou do grupo, também é um fator importante para a verificação do crime
continuado. Um estelionatário que pratica um mesmo golpe, como o do bilhete
premiado, ou aquele que comumente leva a efeito os delitos de furto valendo-se
de sua destreza utilizam o mesmo meio de execução. O critério, contudo, não é tão
simples como se possa imaginar. O agente, embora possa ter um padrão de comportamento,
nem sempre o repetirá, o que não poderá impedir o reconhecimento da continuidade
delitiva, desde que, frisamos mais uma vez, exista uma relação de contexto, de unicidade
entre as diversas infrações penais.
Permite o Código Penal, ainda, o emprego da interpretação
analógica, uma vez que, após se referir às condições de tempo, lugar e maneira de execução, apresenta outras semelhantes.
Isso quer dizer que as condições objetivas indicadas pelo artigo devem servir de parâmetro à interpretação analógica por
ele permitida, existindo alguns julgados, conforme noticia Alberto Silva Franco,
que “têm entendido que o aproveitamento das mesmas oportunidades e das mesmas
relações pode ser incluído no conceito de condições semelhantes" (FRANCO,
Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudenciaI - Parte
gerai, v. 1, t. I, p. 1139).
Os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação
do primeiro: Exige o art. 71 do Código Penal, ainda, que, em razão das
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, ou seja, as infrações
penais posteriores devem ser entendidas como continuação da primeira. Embora
seja clara a redação do artigo, que com ela procura fazer a distinção entre o crime
continuado e a reiteração criminosa, paradoxalmente, segundo entendemos, a Exposição
de Motivos da nova parte geral do Código Penal adota a chamada teoria objetiva
no crime continuado.
Para que se possa melhor conhecer a discussão, é preciso
saber que três teorias disputam o tratamento do crime continuado,
a saber:
a) teoria objetiva;
b) teoria subjetiva; e
c) teoria
objetivo-subjetiva.
A teoria objetiva preconiza que para o reconhecimento do
crime continuado basta a presença de requisitos objetivos que, pelo art. 71 do
Código Penal, são as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes. Não há, para essa teoria, necessidade de se aferir a unidade de desígnio,
por nós denominada de relação de contexto, entre as diversas infrações penais. Presentes
os requisitos do art. 71 do Código Penal, impõe-se o reconhecimento da
continuidade delitiva, independentemente da ocorrência da unidade de desígnios.
O legislador pátrio somente exigiu requisitos de caráter objetivos, levando a
crer que se adotou tão só a teoria objetiva, desprezando-se a unidade de
desígnio como elemento da continuação delitiva (STJ, HC 120042/DF, Relª. Minª, Jane
Silva. 6ª T-, DJe 2/2/2009).
Diz a teoria subjetiva que, independentemente dos
requisitos de natureza objetiva (condições de tempo, lugar, maneira de execução
ou outras semelhantes), a unidade de desígnio ou, para nós, a relação de
contexto entre as infrações penais é suficiente para que se possa caracterizar
o crime continuado.
A última teoria, que possui natureza híbrida, exige tanto
as condições objetivas como o indispensável dado subjetivo, ou seja, deverão
ser consideradas não só as condições de tempo, lugar, maneira de execução e
outras semelhantes, como também a unidade de desígnio ou relação de contexto
entre as ações criminosas.
Acreditamos que a última teoria – objetivo-subjetiva - é a
mais coerente com o nosso sistema penal, que não quer que as penas sejam excessivamente
altas, quando desnecessárias, mas também não tolera a reiteração criminosa. O
criminoso de ocasião não pode ser confundido com o criminoso contumaz.
Para a caracterização da continuidade delitiva, faz-se
imprescindível a comprovação da unidade de desígnios do agente, não se satisfazendo
com a só convergência dos requisitos objetivos (crimes de mesma espécie e
mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes)
(STJ, RHC 22800/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., 2/8/2010).
Para a caracterização da continuidade delitiva, é
imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva – mesmas condições
de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou
vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (teoria mista ou objetivo-subjetiva). Constatada
a reiteração criminosa, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a
incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a
habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado (STJ, HC
128756/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., Dje 29/3/2010).
Patrícia Mothé Glíoche Béze, traçando a diferença entre
crime continuado e a reiteração criminosa, assevera: “O fundamento da
exasperação da pena não visa com certeza, beneficiar o agente que, reiteradamente,
pratica crimes parecidos entre si, como o estelionatário, que vive da prática de
‘golpes’. Fundamentando-se no critério da menor periculosidade, da benignidade
ou da utilidade prática, a razão de ser do instituto do crime continuado não
coaduna com a aplicação do benefício da exasperação da pena para aquele agente
mais perigoso, que faz do crime profissão e vive deliberadamente à margem da
lei.
A habitualidade é, portanto, diferente da continuação. A
culpabilidade na habitualidade é mais intensa do que na continuação, não
podendo, portanto, ter tratamento idêntico”. (BÉZE, Patrícia Mothé Glioche.
Concurso formal e crime continuado, p. 155).
Nesse sentido, já se posicionou o STJ, conforme se
verifica nas ementas abaixo transcritas:
Para a caracterização do crime continuado não basta a
simples repetição dos fatos delituosos em breve espaço de tempo, pois a atual
teoria penal, corroborada pela jurisprudência dominante nos Tribunais Superiores,
preconiza a exigência de unidade de desígnios, em que os atos criminosos
estejam entrelaçados, ou melhor, necessário se torna levar em conta tanto os
elementos objetivos, como os subjetivos do agente. Continuidade delitiva não
reconhecida (STJ, RE 39.883-5, Rel. Min. Fláquer Scartezzini, DJU 28/2/1994, p.
2.911).
Crime continuado - Caracterização - Exigência de unidade
de desígnio ou dolo total - Para a caracterização do crime continuado, torna-se
necessário que os atos criminosos isolados apresentem-se enlaçados, os subsequentes
ligados aos antecedentes (art. 71 do CP): 'devem os subsequentes ser havidos
como continuação do primeiro’ - ou porque fazem parte do mesmo
projeto criminoso, ou porque resultam de ensejo, ainda que fortuito, proporcionado
ou facilitado pela execução desse projeto, o aproveitamento da mesma oportunidade.
(STJ, Rel. Min. Assis Toledo, DJU Í6/3/1992, p. 3.075).
A expressão contida no art. 71 do Código Penal - devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro - mais do que nos
permitir, nos obriga a chegar a essa conclusão. ("Sob a égide do antigo
paradigma causal de fato punível, o critério do legislador para determinar a
relação descontinuação deveria ser, necessariamente, objetivo e, por isso, a relação
de continuação dos fatos típicos devia ser interpretada de um ponto de vista
objetivo. Mas, adotado pelo legislador o sistema finalista como paradigma da
parte geral do Código Penal, a estrutura das ações típicas continuadas - como,
aliás, a estrutura de qualquer ação típica, inclusive das ações típicas em
concorrência material e formal -, é constituída de elementos objetivos e
subjetivos, cujo exame é necessário para determinar não só a existência de
crimes da mesma espécie, mas, também, para verificar a existência da relação de
continuação da ação típica anterior através das ações típicas posteriores”
(SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p.
340-341).
Assim se posicionou o STF nesse sentido: Penal. Crime
continuado. Código Penal, art. 71.1- Para que ocorra a continuidade delitiva é
necessário que os delitos tenham sido praticados pelos agentes, com a
utilização de ocasiões nascidas da situação primitiva, devendo existir, pois,
nexo de causalidade com relação à hora, lugar e circunstâncias (HC 68890/SP,
Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T. (DJU 30/3/2001).
E também o STJ: Nos termos do art. 71 do Código Penal, aplica-se
a regra do crime continuado, quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar,
maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos
como continuação do primeiro. No caso, se os delitos de estelionato foram praticados
dentro de idêntico contexto, em harmônicas condições de tempo, lugar e maneira
de execução, guardando entre si unidade de desígnio, o fato.de ter sido praticado
contra vítimas distintas não afasta a incidência da regra da continuidade delitiva.
Precedentes do STJ (STJ, HC 114549/SP, Rel. Mín. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe
2/3/2009).
Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa: O parágrafo único do
art. 71 do Código Penal diz que nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras
do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código, permitindo expressamente,
portanto, a aplicação da ficção jurídica do crime continuado nas infrações penais
praticadas contra vítimas diferentes, cometidas com violência ou grave ameaça à
pessoa.
Com a redação trazida pela Parte Geral de 84, cai por
terra a Súmula nº 605 do STF, que dizia não se admitir a continuidade delitiva nos crimes contra a vida. Hoje, portanto, será
perfeitamente admissível a hipótese de aplicação das regras do crime continuado àquele que, por vingança, resolve exterminar
com todos os homens pertencentes a uma família rival à sua, ou, na hipótese de
roubo, julgada pelo STF, cuja ementa merece ser transcrita: Habeas corpus -
Crime de roubo qualificado em diversos apartamentos do mesmo edifício - Ocorrência
de crime continuado qualificado (CP, parágrafo único do art. 71) - Presente a pluralidade
de condutas e a de crimes dolosos da mesma espécie, praticados com emprego de
armas, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, ocorre a hipótese
de crime continuado qualificado, ou específico, previsto no par. único do art. 71
do Código Penal (STF, HC 72.280-6, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 26/4/1996, p.
13.114).
Crime continuado simples e crime continuado qualificado: A possibilidade de haver a continuidade delitiva nas
infrações penais em que o agente tenha atuado com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, contra vítimas diferentes, fez
surgir a distinção entre o crime continuado simples e o crime continuado qualificado.
Diz-se simples o crime continuado nas hipóteses do caput do art. 71 do
Código Penal; qualificado é o crime continuado previsto no parágrafo único do art. 71 do mesmo
diploma repressivo, que permite aumentar a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo.
O parágrafo único do art. 71 do Código Penal determina
sejam observadas as regras do parágrafo único do art. 70, que prevê o chamado
concurso material benéfico, bem como a do art. 75, que cuida do limite das penas.
O concurso material benéfico será visto mais adiante. A referência ao art. 75 do
Código Penal não impede de ser aplicada uma pena superior a trinta anos ao agente,
pois o mencionado artigo diz textualmente que o tempo de cumprimento das penas privativas
de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos, ou seja, à primeira
vista, o condenado não poderá cumprir ininterruptamente mais do que trinta
anos, podendo, contudo, ser condenado a uma pena bem superior àquela a que
devera efetivamente cumprir.
Em sentido contrário, a continuidade delitiva específica,
prevista no parágrafo único do art. 71 do Código Penal, relaciona-se com os crimes continuados cometidos contra os bens
personalíssimos, praticados dolosamente e com violência ou grave ameaça à pessoa, diferente da continuidade delitiva
propriamente dita, prevista no seu caput, que cuida do tratamento
jurídico penal relativo aos demais crimes praticados em continuidade delitiva.
Hipótese em que houve pluralidade delitiva de natureza dolosa e ofensa a
vítimas diferentes, com emprego de violência, merecendo tratamento penal mais
severo. Aplicabilidade da regra prevista no parágrafo único do art. 71 do
Código Penal. O acréscimo não pode ser ilimitado, i. é,
não pode superar a margem prevista para o concurso material de crimes, nem o limite
de trinta anos de reclusão (STJ, HC 69779/SP, HC 2006/0245213-0, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T„ DJ
18/6/2007, p. 283).
Consequências do crime continuado: Nas hipóteses de crime continuado simples, determina a lei
a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
No caso do chamado crime continuado qualificado, o juiz,
após considerar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, poderá
aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, até o triplo. O triplo da pena para uma das infrações cometidas pelo agente
será o teto máximo para o aumento correspondente ao crime continuado. Sendo que
seria o aumento mínimo: Fazendo-se uma interpretação sistêmica do Código Penal,
o aumento mínimo será de um sexto, o mesmo previsto para o caput do art.
71, uma vez que não seria razoável que o juiz procedesse a aumento inferior ao determinado
na hipótese de crime continuado simples que, em tese, se configura em situação menos
grave do que a do parágrafo único.
Do concurso material benéfico: O parágrafo único do art. 71 determina que seja observada
a regra relativa ao concurso material benéfico, prevista no parágrafo único do
art. 70 do Código Penal. O mesmo raciocínio que fizemos ao analisar o concurso
formal pode ser transportado para o tema correspondente ao crime continuado. A
ficção do crime continuado, por razões de política criminal, foi criada em benefício do agente.
Assim, não seria razoável que um instituto criado com essa finalidade viesse, quando
da sua aplicação, prejudicá-lo. Se o juiz, portanto, ao levar a efeito os
cálculos do aumento correspondentes ao crime continuado, verificar que tal
instituto, se aplicado, será mais gravoso do que se houvesse o concurso
material de crimes, deverá desprezar as regras daquele e proceder ao cúmulo
material das penas.
Da Dosagem da pena no crime continuado: Da mesma forma que o concurso formal, no crime continuado,
seja simples ou qualificado, o percentual de aumento da pena varia de acordo
com o número de infrações penais praticadas.
Segundo os três próximos julgados: Para o aumento da pena
pela continuidade delitiva dentro o intervalo de 1/6 a 2/3, previsto no art. 71
do CPB, deve-se adotar o critério da quantidade de infrações praticadas. Assim,
aplica-se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações;
1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3,
para 7 ou mais infrações (STJ, H C 127679/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, 5ª T., DJe 15/12/2009).
O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz,
basicamente, quanto ao art. 71, caput do Código Penal, por força do
número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo, viola o
texto legal enfocado. Logo, no caso de sete ou mais infrações, o aumento deve
dar-se na fração de 2/3 (dois terços) (Precedentes do STF e do STJ) (REsp. 773487/GO, REsp
2005/0132289-0, 5ª T., Min. Felix Fischer, publicado no DJ em
12/2/2007, p. 294).
Uma vez reconhecida a existência de continuidade delitiva
entre os crimes praticados pelo paciente, o critério de exasperação da pena é o
número de infrações cometidas. Em se tratando de condenação por três delitos, o
aumento da pena deve, por questão de proporcionalidade, aproximar-se do mínimo
legal (HC 83632 / RJ - Rio de Janeiro, HC, 1ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa,
publicado no DJ em 23/4/2004, p. 25).
Crime continuado e novatio legis in pejus: Pode acontecer que, durante a cadeia de infrações penais
praticadas pelo agente, parte dela seja cometida durante a vigência de uma lei
nova, que agravou, par example, a situação anterior. Ou seja, parte das
infrações penais foi praticada durante a vigência da Lei A, e outra parte
durante a vigência da Lei B, sendo a lei posterior mais gravosa.
Pode-se fazer diante dessa situação o seguinte: Sabe-se que a ficção do crime continuado foi criada com
a finalidade de beneficiar o agente, desde que presentes todos os seus
requisitos, dando-se a ideia, fictamente, de infração única. Também afirmou-se,
com base no disposto na parte final do parágrafo único do art. 70 do Código Penal, que se a regra relativa a
continuidade delitiva for prejudicial ao agente, deverá eia ser desprezada, aplicando-se,
pois, o chamado concurso material benéfico. No que diz respeito à sucessão de
leis no tempo, respondendo à nossa indagação, o STF tem decidido reiteradamente
no sentido de que a lei posterior, mesmo que mais gravosa, será aplicada a toda
cadeia de infrações penais, conforme se observa nos julgados abaixo colacionados,
posição com a qual nos filiamos, haja vista que, mesmo conhecedores da nova lei
penal, os agentes que, ainda assim, insistiram em cometer novos delitos deverão
ser responsabilizados pelo todo, com base na lei nova.
Se o paciente praticou a série de crimes sob o império de
duas leis, sendo mais grave a posterior, aplica-se a nova disciplina penal a
toda ela, tendo em vista que o delinquente já estava advertido da maior
gravidade da sanção e persistiu na prática da conduta delituosa (STF, HC 76680,
Rel. Min. Ilmar Galvão, 12 T., DJU 12/6/1998).
A reiteração das decisões do Supremo Tribunal Federal
levou aquela Corte Suprema, na sessão plenária de 24 de setembro de 2003, a
aprovar a Súmula na 711, que diz:
Súmula n° 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime
continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Em sentido contrário, Alcides da Fonseca Neto assevera
que, “na sucessão de leis no tempo, para o caso de crime praticado em continuidade
delitiva, em cujo lapso sobreveio lei mais severa, deve ser aplicada lei
anterior - lex mitior (FONSECA NETO, Alcides da. O crime continuado,
p. 147), - reconhecendo-se a sua ultratividade em favor do réu (art. 5º, XL, da
CF).
Suspensão condicional
do processo: Processo Penal. Infrações
cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva.
Suspensão condicional do Processo. Art. 89 da Lei n° 9.099/95. Não aplicação. O
benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei n.
9.099/95, não é admitido nos delitos praticados em concurso material quando o
somatório das penas mínimas cominadas for superior a 1 (um) ano, assim como não
é aplicável às infrações penais cometidas em concurso formai ou continuidade
delitiva, quando a pena mínima cominada ao delito mais grave aumentada da
majorante de 1/6 (um sexto), ultrapassar o limite de um 1 (um) ano (STF, HC
83163/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJ 19/6/2009, p.
153). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ:
Comentários ao: “Crime continuado” – Art. 71 do CP, p.179-186. Ed.
Impetus.com.br, acessado em 26/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Segundo a doutrina, buscada no site www.tjdft.jus.br,
Comentários ao Crime continuado, art. 71 do CP, tem-se que:
“O crime continuado, ou delictum continuatum,
dá-se quando o agente pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, mediante
duas ou mais condutas, os quais pelas condições de tempo, lugar, modo de execução
e outras, podem ser tidos uns como continuação dos outros. Ekzemple: uma
empregada doméstica, visando subtrair o faqueiro de sua patroa, decide furtar
uma peça por dia, até ter em sua casa o jogo completo, 120 dias depois, terá
completado o faqueiro e cometido 120 furtos! Não fosse a regra do art. 71 do
CP, benéfica ao agente, a pena mínima no exemplo proposto corresponderia a 120
anos de reclusão!
Classifica-se em comum ou simples
(caput): quando presentes os requisitos acima; o específico ou
qualificado (parágrafo único): quando, além disso, tratar-se de crimes
dolosos, praticados com violência ou grave ameaça à pessoa e contra vítimas
diferentes.” (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao
120), 6ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 462).
“Há quem defina como unidade real de
crimes (crime único) e há quem prefira a tese da ficção jurídica (crime
único, por ficção). Outros ainda se referem a uma teoria supostamente mista,
que consistiria em considerar a existência de ainda outro crime, resultante da
continuação. A discussão com o devido respeito a todos os seus autores, não
oferece maiores proveitos.
Na verdade, o que resta nesse campo é o
tratamento que o ordenamento jurídico escolhe para a punibilidade de fatos
criminosos praticados pelo mesmo agente. No concurso material o critério escolhido
foi o da cumulação de crimes, reconhecendo a autonomia geral entre eles. No concurso
formal, prevaleceu a exasperação de uma das penas (a mais grave) em atenção à
unidade da conduta, embora a mais de um resultado (crime). E, no crime continuado,
como se verá, optou-se também pela regra da exasperação da pena, ainda
que evidenciada a pluralidade de ações e de crimes.
A Lei, CP, portanto, trata a questão como
se houvesse uma unidade de ações, em continuidade, fazendo, então daquilo que lhe
oferece a realidade fática – a pluralidade de fatos efetivamente
acontecidos – uma ficção normativa, considerando-as ou regulando-as como uma
mesma ação a ser punida com a pena agrava de um dos crimes.” (PACELLI, Eugênio.
Manual de direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 414).
“A conceituação legal da espécie de crime
continuado nos traz requisitos que também se encontram presentes na espécie do
concurso material ou real de crimes, pois ambos ocorrem ‘quando o agente,
mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes (...)’,
porém, a continuidade delitiva se diferencia por exigir:
1º) que os crimes cometidos sejam da
mesma espécie: crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma
tipificação legal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se
tentados ou consumados;
2º) que os crimes tenham sido
cometidos pelas mesmas condições de tempo: predomina o entendimento na jurisprudência
da possibilidade de se reconhecer a espécie de crime continuado entre infrações
praticadas em intervalo de tempo não superior a trinta dias (STF, HB 107636 e
69896);
3º) que os crimes tenham sido
cometidos com identidade de lugar: permite-se o reconhecimento da espécie
de crime continuado entre os delitos praticados na mesma rua, no mesmo bairro,
na mesma cidade ou até mesmo em cidades vizinhas (limítrofes) RT 542/455);
4º) que os crimes tenham sido
cometidos pelo mesmo modo de execução: exige-se que ocorra identidade
quanto ao modus operandi do agente ou do grupo;
5º) que os crimes subsequentes sejam
tidos como continuação do primeiro: exige-se que as ações subsequentes
devam ser tidas como desdobramento lógico da primeira, demonstrando a existência
de unidade de desígnios.
O artigo 71 do Código Penal nos fornece,
portanto, os requisitos indispensáveis à caracterização do crime continuado ou
da continuidade delitiva, que se constituem na prática de mais de uma ação ou omissão,
tendo como resultado dois ou mais crimes da mesma espécie, que pelas condições
de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os crimes subsequentes
devem ser havidos como continuação do primeiro, o que conduzirá a aplicação da
pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentadas de 1/6 até 2/3, ou a
aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada de 1/6 até 2/3, ou
ainda, nos crimes dolosos contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou
grave ameaça à pessoa, a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas,
ou a aplicação da mais grave das penas se diversas, aumentadas em quaisquer hipóteses
até o triplo.” (SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória:
Teoria e Prática. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 315).
“Crime continuado e unidade de desígnio: Há duas teorias no que diz respeito à necessidade de o crime
continuado ser praticado pelo agente com unidade de desígnio: 1ª Teoria
objetivo-subjetiva ou mista: não basta a presença dos requisitos objetivos
previstos no art. 71, caput, do CP. Reclama-se também a unidade de
desígnio, i.é, os vários crimes resultam de plano previamente elaborado
pelo agente. É a posição adotada, entre outros, por Eugênio Raúl Zaffaroni,
Magalhães Noronha e Damásio E. de Jesus, e amplamente dominante no âmbito jurisprudencial.
Esta teoria permite a diferenciação entre a continuidade delitiva e a
habitualidade criminosa. 2ª Teoria objetiva ou puramente objetiva: Basta
a presença dos requisitos objetivos elencados pelo art. 71, caput, do
CP. Sustenta ainda que, como o citado dispositivo legal apresenta apenas
requisitos objetivos, as “outras semelhantes” condições ali admitidas devem ser
de natureza objetiva, exclusivamente. Traz ainda o argumento arrolado pelo item
59 da Exposição de Motivo da Nova Parte Geral do CP: ‘O critério da teoria
puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito
das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva’. Em
suma, dispensa-se a intenção do agente de praticar os crimes em continuidade. É
suficiente a presença das semelhantes condições de índole objetiva. É a posição,
na doutrina, de Roberto Lyra, Nélson Hungria e José Frederico Marques”. (MASSON,
Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. P. 430).
“a) não se deve confundir o crime continuado
com o crime habitual. No crime continuado, há diversas condutas que, separadas,
constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica
dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. O crime habitual é,
normalmente, constituído de uma reiteração de atos, penalmente indiferentes de per
si, que constituem um todo, um delito apenas, traduzindo geralmente um modo
ou estilo de vida. Ekzemple: exercer ilegalmente a Medicina (art. 282 do
CP); estabelecimento em que ocorra exploração sexual (art. 229 do CP);
participar dos lucros da prostituta (art. 230 do CP) ou se fazer sustentar por
ela.
b) Não
se deve confundir crime continuado com o crime permanente. No crime continuado,
há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas
por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71, do Código Penal. No crime
permanente há apenas uma conduta, que se prolonga no tempo, till exempel: sequestro
ou cárcere privado (art. 148 do CP).
c) Não se deve confundir o crime continuado com a habitualidade criminosa
(perseveratio in crimine). No crime continuado, há diversas condutas
que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção
jurídica dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. o delinquente
habitual faz do crime uma profissão e pode infringir a lei várias vezes, do
mesmo modo, mas não come crime continuado com reiteração das práticas
delituosas”. (ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 13ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 192-193).
“No crime continuado, o único critério a
ser levado em conta para dosar o aumento (1/6 a 2/3, no caput, e até o
triplo, no parágrafo único, do art. 71) é o número de infrações praticadas. É a
correta lição de Fragoso. Lições de direito penal, p. 352. Sobre o
aumento, Flávio Augusto Monteiro de Barros fornece uma tabela: para 2 crimes,
aumenta-se a pena em um sexto; para 3 delitos, eleva-se em um quinto; para 4
crimes, aumenta-se em um quarto; para 5 crimes, eleva-se em um terço; para 6
delitos, aumenta-se na metade; para 7 ou mais crimes, eleva-se em dois terços.
(Direito Penal – parte geral, p. 447).” NUCCI, Guilherme de Souza. Manual
de Direito Penal, 15ª ed. Rio de Janeiro: forense, 2019, p. 488). Segundo a
doutrina, buscada no site www.tjdft.jus.br, Comentários ao Crime continuado,
art. 71 do CP, tema criado em 15/12/2019 rev. em 15/02/2020, acessado em 26/12/2022 corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).