sexta-feira, 20 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 503 - Da Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 503 - Da Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1º. O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2º. A hipótese dos § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Correspondência no CPC/1973, art 468, caput, com a seguinte redação:

Art 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

Demais itens sem correspondência no CPC/1973.

1.     COISA JULGADA DA RESOLUÇÃO DA QUESTÃO PREJUDICIAL

Nos termos do art 503, caput, do CPC, a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. Essa é a regra, excepcionada pelo § 1º, que permite que a coisa julgada material alcance a resolução da questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo. A expressa menção à decisão expressamente decidida impede a coisa julgada implícita de decisão que resolve a questão prejudicial.

          Correta a conclusão do Enunciado 165 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), de que a coisa julgada da decisão da questão prejudicial independe de pedido expresso da parte, bastando para que ocorra o preenchimento dos requisitos legais. Também, correta a conclusão do Enunciado 313 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) no sentido de que os requisitos legais para a formação da coisa julgada, na circunstância ora analisada, são cumulativos. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    REQUISITOS PARA A GERAÇAO DA COISA JULGADA

Havendo, no processo, questão prejudicial, o juiz obrigatoriamente a decidirá antes de resolver o mérito, mas, para que essa decisão gere coisa julgada material, devem ser observados, no caso concreto, os requisitos previstos pelos incisos do art 503, § 1º, do CPC. O § 2º do mesmo dispositivo funciona como requisito negativo.

          Não me oponho à opção do projeto de estender a autoridade da coisa julgada à decisão da questão prejudicial, mas desconsiderar que ela faça parte dos motivos da decisão é ficção jurídica com a qual não estou disposto a conviver. Dessa forma, a questão prejudicial será resolvida na fundamentação da decisão, mas excepcionalmente fará coisa julgada material desde que preenchidos os requisitos legais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.     JULGAMENTO DO MÉRITO DEPENDER DA RESOLUÇÃO DA QUESTÃO PREJUDICIAL

Nos termos do art 503, § 1º, I, do CPC, a resolução da questão prejudicial só faz coisa julgada se dessa resolução depender o julgamento do mérito. Justamente em razão do próprio conceito de questão prejudicial, é preciso se interpretar o dispositivo legal de forma que se dê a ele alguma utilidade prática.

          Sou adeptos da distinção entre questão preliminar e prejudicial pela sua natureza, versando a primeira sobre direito processual e a segunda, sobre direito material. Ocorre, entretanto, que o tema é controvertido na doutrina e, para aqueles que entendem pela possibilidade de questão prejudicial processual, o art 503, § 1º, I, do CPC é aplicável para afastar a coisa julgada de sua resolução.

          Por outro lado, também é possível aplicar-se o dispositivo para afastar a coisa julgada de questão prejudicial resolvida obiter dictum, ou seja, que o julgador decida apenas como exercício de retórica, apenas para completar seu raciocínio decisório, sem, portanto, desempenhar papel fundamental da formação da decisão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    CONTRADITÓRIO PRÉVIO E EFETIVO

No inciso II do art 503, § 1º, do CPC, exige-se que a respeito da questão prejudicial tenha havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia. Entendo que tal exigência só cabe na hipótese de revelia, e ainda assim se o réu revel deixar de comparecer ao processo, já que tal comparecimento, mesmo tardio, poderá garantir o respeito ao contraditório. De qualquer forma, o surgimento de questão prejudicial, diante de revelia do réu, é fenômeno raro porque a controvérsia do ponto se dá em regra na contestação apresentada pelo réu, sendo apenas excepcional a controvérsia surgir de outra espécie de resposta ou por outro sujeito processual. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840/841. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO

A exigência contida no inciso III é indispensável para que a coisa julgada material não seja resultante de atividade de juízo absolutamente incompetente. Nos termos do dispositivo, o juízo deve ter competência em razão da matéria e da pessoa para resolver a questão prejudicial como questão principal. A justificável preocupação do legislador evitará, por exemplo, que uma decisão incidental proferida por juízo trabalhista, que reconhece a união estável dos réus, numa ação trabalhista movida por empregada domestica para condená-los solidariamente, faça coisa julgada material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 841. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    REQUISITO NEGATIVO

Embora não faça parte dos incisos do art 503 do CPC, o § 2º também prevê requisito para que a decisão de questão prejudicial produza coisa julgada material, ao exigir que não existam no processo restrições probatórias por exemplo, nos procedimentos sumários documentais, como ocorre no mandado de segurança e nos Juizados Especiais em que existem limitações à prova testemunhal e pericial ou limitações à cognição (cognição sumária em sua profundidade (sentido vertical), como ocorre na tutela provisória, e/ou limitada em sua extensão (sentido horizontal), como ocorre, por exemplo, na ação de desapropriação, consignatória e no inventario, que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

          Num processo em trâmite perante os Juizados Especiais, por exemplo, apesar da limitação no número de testemunhas e da impossibilidade de produção de prova pericial complexa, é possível que uma questão prejudicial seja resolvida com base em prova exclusivamente documental. Nesse caso, as limitações probatórias não terão afetado a resolução da questão prejudicial, de forma que, desde que preenchidos os requisitos do § 1º do art 503 do CPC, haverá formação de coisa julgada material.

          Outro exemplo, pode ser colhido na ação de desapropriação. Ainda que a defesa  nesse tipo de processo, seja limitada ao preço, admite-se também que o réu alegue, em sua contestação, a ilegalidade do decreto desapropriatório, ou seja, que alegue que a desapropriação será uma questão prejudicial exclusivamente de direito, de forma que mesmo diante das limitações cognitivas desse tipo de processo, sendo resolvida pelo juiz, deverá produzir coisa julgada material.

          E é justamente nesse ponto que me causa curiosidade a efetiva aplicabilidade do § 2º do art 503 do CPC. Sendo a solução da questão prejudicial indispensável para a solução do mérito, caso as limitações probatórias ou cognitivas do processo impeçam o juiz de decidi-la, será caso de extinção do processo sem resolução do mérito, quando obviamente, não haverá coisa julgada material alguma. Por outro lado, não sendo tais limitações um impeditivo a tal decisão, a solução da questão prejudicial fará coisa julgada material.

          Sob essa perspectiva de análise, o art 503, § 2º do CPC, é inútil, porque quando as limitações lá apontadas impedirem o juiz de formar seu convencimento pleno a respeito da questão prejudicial, será hipótese de extinção terminativa. E quando não criarem obstáculo, a coisa julgado deverá ser formada com o preenchimento dos requisitos previstos no § 1º do art 503 do CPC.

          Por fim, acredito que a limitação, ora analisada, se limite a restrições probatórias impostas pela lei. No caso de o juiz indeferir pedido de prova no caso concreto, a respeito de fato relacionado à questão prejudicial com cognição exauriente, e se indeferiu prova é porque não a atendeu necessária à formação de seu convencimento. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 841/842. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

quinta-feira, 19 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 502 - Da Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 502 - Da Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Correspondência no CPC/1973, art 467, com a seguinte redação:

Art 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

1.    COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL

Em todo processo, independentemente de sua natureza, haverá a prolação de uma sentença (ou acórdão nas ações de competência originária dos tribunais), que em determinado momento torna-se imutável e indiscutível dentro do processo em que foi proferida. Para tanto, basta que não seja interposto o recurso cabível ou ainda que todos os recursos cabíveis já tenham sido interpostos e decididos. Na excepcional hipótese de aplicação do art 496 do CPC, ainda que não seja interposta apelação contra a sentença, haverá o reexame necessário, de forma que o processo só chegará ao seu final, após essa análise obrigatória da decisão pelo tribunal de segundo grau. A partir do momento em que não form mais cabível qualquer recurso ou tendo ocorrido o exaurimento das vias recursais, a sentença transita em julgado.

          Esse impedimento de modificação da decisão por qualquer meio processual, dentro do processo em que foi proferida, é chamado tradicionalmente de coisa julgada formal, ou ainda de preclusão máxima, considerando-se tratar de fenômeno processual endoprocessual. Como se pode notar, qualquer que seja a espécie de sentença – terminativa ou definitiva – proferida em qualquer espécie de processo – conhecimento (jurisdição contenciosa e voluntária), execução, cautelar – haverá num determinado momento processual o trânsito em julgado e, como consequência, a coisa julgada formal.

          Se todas as sentenças produzem coisa julgada formal, o mesmo não pode ser afirmado a respeito da coisa julgada material. No momento do trânsito em julgado e da consequente geração da coisa julgada formal, determinadas sentenças também produzirão, nesse momento procedimental, a coisa julgada material, com projeção para o do processo, tornando a decisão imutável e indiscutível além dos limites do processo em que foi proferida. Pela coisa julgada material, a decisão não mais poderá ser alterada ou desconsiderada em outros processos.

          Essa imutabilidade gerada para fora do processo, resultante da coisa julgada material, atinge tao somente as sentenças de mérito proferidas mediante cognição exauriente, de forma que haverá apenas coisa julgada formal nas sentenças terminativas ou mesmo em sentenças de mérito, desde que proferidas mediante cognição sumaria, como ocorre para a maioria doutrinária na sentença cautelar. Como se nota, a coisa julgada material depende da coisa julgada formal, mas o inverso não acontece. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 836/837. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    COISA JULGADA TOTAL E PARCIAL

Havendo na sentença vários capítulos, a parte sucumbente poderá em seu recurso optar por impugnar todos eles (recurso total) ou somente alguns (recurso parcial). Esses diferentes capítulos poderão ser autônomos e independentes ou apenas autônomos, sendo tal distinção de suma importância para inúmeras consequências processuais, interessando, nesse momento, a formação da coisa julgada.

          Sendo os capítulos tao somente autônomos, ainda que a parte impugne somente parcela deles, não há que falar em coisa julgada do capitulo não impugnado, porque em razão do efeito expansivo objetivo externo do recurso, dependendo do resultado de seu julgamento, o capitulo não impugnado poderá ser reformado. Tome-se, como exemplo, o capítulo não impugnado que condena a parte ao pagamento das verbas de sucumbência; é natural que, sendo essa parte vitoriosa no recurso em que impugna o capítulo principal (por exemplo, sua condenação a pagar), consequentemente o capítulo referente às verbas de sucumbência, ainda que não impugnado, será reformado.

          Para considerável parcela doutrinária, sendo os capítulos autônomos e independentes, a impugnação de somente alguns deles faz com que os capítulos não impugnados transitem em julgado. Sendo capítulos de mérito, com o trânsito em julgado produzirão coisa julgada material, de forma que essa corrente doutrinária entende perfeitamente possível que a coisa julgada material se forme de maneira fragmentada, já tendo a tese tido acolhida pelo Supremo Tribunal Federal (STF, Tribunal Pleno, AP 470 QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 13.11.2013, DJe 19.02.2014) inclusive com a indicação de diferentes termos iniciais para o prazo da ação rescisória (STJ, 1ª Turma, RE 666.589/DF, rel Min. Marco Aurélio, j. 05.03.2014, DJe 03.06.2014).

          Registre-se que, apesar do correto raciocínio desenvolvido pelos renomados doutrinadores que defendem a tese da “coisa julgada parcial”, o Superior Tribunal de Justiça rejeita o entendimento, firme no sentido de que o trânsito em julgado (e por consequência a coisa julgada material nas sentenças de mérito proferidas com cognição exauriente) só ocorre após o julgamento do último recurso interposto, independentemente do âmbito de devolução desse recurso ou dos anteriores, para se evitar o inconveniente de vários trânsitos em julgado no mesmo processo (STJ, Corte Especial, Resp 736.650/MT, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 20.08.2014, DJe 01.09.2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 837. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A doutrina é unânime em associar a coisa julgada material à imutabilidade da decisão judicial de mérito que não pode ser mais modificada por recursos ou pelo reexame necessário, na específica hipótese prevista pelo art 496 do CPC. Existe, entretanto, robusta polêmica a respeito do que exatamente se torna imutável em razão do fenômeno da coisa julgada material, sendo possível destacar três correntes doutrinárias.

          Majoritariamente, a doutrina pátria adota o entendimento de Liebman, afirmando que a coisa julgada é uma qualidade da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis. Para essa parcela doutrinária, após o trânsito em julgado da sentença – ou acórdão – de mérito, os efeitos projetados no plano prático por essa decisão não mais poderão ser discutidos em outra demanda, ou mesmo pelo legislador, o que seria suficiente para concluir que tais efeitos não poderão ser modificados, estando protegidos pelo “manto” da coisa julgada material. A intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, portanto, seria a principal característica da coisa julgada material.

          Em crítica a essa corrente doutrinária, parcela da doutrina entende que os efeitos da sentença de mérito transitada em julgado não se tornam imutáveis, bastando para chegar a tal conclusão a verificação empírica de que tais efeitos poderão ser modificados por ato ou fato superveniente, mormente pela vontade das partes.

          O efeito principal da sentença condenatória, que é permitir a prática de atos materiais de execução, só pode ser gerado uma vez, sendo inadmissível a existência de sucessivas execuções fundadas numa mesma sentença. Na sentença declaratória, a certeza jurídica pode ser afastada por ato das partes, como na hipótese de dívida declarada e posteriormente quitada pelo devedor ou na ação de investigação de paternidade julgada improcedente com o posterior registro voluntário realizado pelo réu da paternidade do autor. Por fim, da sentença constitutiva, é possível voltar à mesma situação jurídica existente antes da coisa julgada material, servindo de exemplo o novo casamento entre pessoas divorciadas judicialmente.

          Para essa corrente doutrinária, é o conteúdo da decisão, contida em sua parte dispositiva, que se torna imutável e indiscutível em razão da coisa julgada material. Antes da coisa julgada, a sentença era mutável e com o fenômeno jurídico ora analisado passa por uma modificação de sua condição jurídica, tornando-se imutável. A coisa julgada, portanto, não seria uma qualidade da sentença que opera sobre seus efeitos, mas uma situação jurídica que torna uma sentença imutável e indiscutível.

          Para uma terceira parcela doutrinária, firme em lições do direito alemão, toda sentença tem um elemento declaratório, consubstanciado na aplicação da norma abstrata da lei ao caso concreto. Esse elemento declaratório tem como efeito a certeza jurídica de que, diante dos fatos alegados e considerados pelo juiz, o direito material conforme declarado pela sentença existe. Nesse sentido, reconhecendo que outros efeitos da sentença poderão ser modificados por ato e fatos supervenientes, mormente pela vontade das partes, essa corrente doutrinária limita aos efeitos da declaração da norma abstrata ao caso concreto, a imutabilidade própria da coisa julgada.

          É interessante perceber que mesmo os defensores da corrente doutrinária apoiada nas lições de Liebman reconhecem que, tratando-se de direitos disponíveis, as partes poderão dispor de seu direito, mesmo após o seu reconhecimento por meio de sentença de mérito transitada em julgado, ou seja, da coisa julgada material. Ainda assim, esses doutrinadores continuam a entender que a coisa julgada material é uma qualidade da sentença que torna imutáveis os seus efeitos, à luz das condições fáticas e jurídicas de sua prolação, ou seja, quanto a direitos e obrigações existentes ou inexistentes à época da prolação da sentença.

          Apesar da notória discussão doutrinária, uma análise profunda das três principais correntes doutrinárias expostas é suficiente para se notar que existem mais semelhanças do que diferenças entre os doutrinadores. Todos reconhecem que toda sentença tem um elemento declaratório, consubstanciado na subsunção da norma abstrata ao caso concreto, considerado pelo aspecto de elemento que compõe o conteúdo da decisão ou que gera efeitos práticos para fora do processo, torna-se imutável e indiscutível. Parecem também concordar que eventos futuros referentes à vontade das partes, poderão modificar outros efeitos gerados pela sentença, como ocorre no efeito condenatório no caso de pagamento da dívida ou do novo casamento no caso de divórcio.

          O CPC, em seu art 502, que conceitua a coisa julgada, substitui uma palavra e uma expressão do art 467 do CPC/1973. Em vez de prever que a coisa julgada é a eficácia da sentença que a torna imutável e indiscutível, o dispositivo legal sugerido menciona a autoridade da sentença. Acredito que a substituição do termo “eficácia” por “autoridade” busca deixar clara a distinção entre coisa julgada e efeitos da decisão. Substitui também “sentença” (espécie) por “decisão de mérito” (gênero), o que deve ser elogiado, considerando-se que sempre houve outras decisões de mérito aptas a transitar em julgado e produzir coisa julgada material, como as decisões monocráticas finais de relator e acórdãos de tribunal. Por outro lado, o dispositivo implicitamente reconhece a existência de decisões interlocutórias de mérito, com capacidade de geração de coisa julgada material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 837/839. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

quarta-feira, 18 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 497, 498, 499, 500, 501 - IV – Do Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 497, 498, 499, 500, 501 - IV – Do  Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar CoisaVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção IV – Do  Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa - vargasdigitador.blogspot.com

Art 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providencias que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

Correspondência no CPC/1973, art 461, somente o caput, com a seguinte redação:

Art 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

1.    AÇÕES QUE TENHAM COMO OBJETO OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER

Na sentença – e por consequência em todos os pronunciamentos decisórios proferidos em ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer -, o art 497, caput, do CPC, substancialmente, repete o art 461, caput, do CPC/1973 ao prever que o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

          A modificação redacional continua a levar a crer que a tutela específica e o resultado equivalente são espécies diferentes de tutela jurisdicional, quando, na realidade, a liberdade concedida ao juiz para a obtenção do resultado prático equivalente é voltada justamente para a obtenção da tutela específica dos direitos materiais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 830. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    TUTELA INIBITÓRIA

A tutela inibitória é sempre voltada para o futuro, com o porvir, tendo como objetivo impedir a prática de um ato ilícito, o que pode ocorrer de três formas: (a) evitar a prática originária do ato ilícito, ou seja, impedir em absoluto a ocorrência de tal ato, hipótese na qual a tutela preventiva será conhecida como tutela inibitória pura; (b) impedir a continuação do ato ilícito, na hipótese de ato ilícito continuado; (c) impedir a repetição de prática de ato ilícito.

          Importante notar que, mesmo que exista ato ilícito já praticado, a tutela inibitória não é voltada para essa realidade, que já faz parte do passado e, portanto, será objeto da tutela reparatória. Sempre voltada para o futuro, a tutela inibitória não diz respeito, tampouco gera seus efeitos sobre aquilo que já ocorreu.

          A tutela inibitória, apesar de reconhecer o passado, é sempre voltada para o futuro, deixando o já ocorrido a cargo da tutela reparatória. É interessante anotar, inclusive, que a tutela inibitória e a tutela reparatória podem ser objeto de pretensão de um mesmo demandante num mesmo processo. O Ministério Público pode pedir a condenação do réu a parar com a poluição e a reparar o meio ambiente já lesado pela prática do ato ilícito, enquanto uma empresa pode pedir a proibição de veiculação de propaganda ofensiva a seu nome, bem como a condenação pelos danos já suportados pela propaganda já veiculada.

          A tutela inibitória surge historicamente com o objetivo de tutelar direitos materiais que não encontravam na tutela reparatória uma proteção plena, ou, ainda pior, nenhuma proteção. Sendo promessa constitucional, a inafastabilidade da tutela jurisdicional (art 5º, XXXV, da CF), notou-se a imprescindível necessidade de admitir uma tutela ampla e genérica capaz de proteger esses direitos materiais de forma efetiva. Direitos tais como: o da integridade física, personalidade, saúde, meio ambiente, patrimônio histórico, entre outros, não encontram na tutela reparatória concretização da promessa constitucional de que nenhum direito agredido ou afrontado será excluído do Poder Judiciário. A fim de fazer valer a inafastabilidade da jurisdição, é aceita a ideia de uma tutela inibitória geral.

          Fala-se em tutela inibitória geral porque essa espécie de tutela é antiga conhecida de nosso ordenamento jurídico, mas tradicionalmente era tratada de forma específica, prevista somente para tutelar algumas situações determinadas. O mandado de segurança preventivo, o interdito proibitória, a ação cominatória, são exemplos de tradicionais espécies de tutela inibitória específica de nosso sistema. Atualmente, a tutela inibitória geral é uma realidade incontestável de nosso direito processual em virtude das previsões contidas nos arts 84 do CDC e 497 do CPC.

          Ainda que se admita que a tutela inibitória surja para preencher um vácuo deixado pela tutela reparatória, estando voltada para determinados direitos materiais que necessitavam de uma proteção preventiva por meio da jurisdição, logo se notou que, mesmo naqueles casos em que é possível e eficaz a tutela reparatória, pode ser preferível a tutela inibitória. Aplica-se, no âmbito jurídico, um antigo e conhecido brocardo popular: “melhor prevenir do que remediar”. Não é correto falar de preferencia de uma espécie de tutela, mas é indiscutível que mesmo naquelas situações em que cabível a tutela reparatória, pode, a parte, sempre que possível, optar pela tutela inibitória. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 830/831. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    TUTELA DE REMOÇÃO DO ILÍCITO

Cumpre lembrar a tese inteligentemente defendida por Marinoni que diferencia a tutela inibitória da tutela de remoção do ilícito, reconhecendo que ambas são tutelas preventivas, voltadas para o futuro. Para o processualista paranaense, existe uma diferença entre efeitos continuados do ato ilícito e a prática continuada do ilícito. Na hipótese de o ato ser continuado, é possível imaginar uma tutela que impeça sua continuação, sendo o caso de tutela inibitória. Por outro lado, é possível que o ato ilícito faça parte do passado, não mais existindo, o que não se pode afirmar quanto aos seus efeitos, que continuam a ser gerados. Nessa hipótese, não se pode falar em evitar a continuação do ato porque o ato ilícito já foi praticado na sua totalidade, por exemplo, no caso de uma propaganda enganosa que já foi realizada e continua a gerar seus efeitos. Será o caso de tutela de remoção do ilícito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 831. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    DANO E DOLO/CULPA

A tese da tutela inibitória funda-se na exata definição de ato ilícito, cuja prática se pretende evitar. Durante muito tempo, condicionou-se a prestação de tutela jurisdicional à existência de um dano, o que até se justificava à época em que se imaginava ser a tutela reparatória a única existente. A dificuldade pode ser facilmente percebida pelo art 186 do CC, que ao conceituar o ato ilícito indica a necessidade da presença de três elementos: contrariedade ao direito, culpa ou dolo e dano. A imprecisão do dispositivo é evidente considerando-se que o ato ilícito é tao somente o ato contrário ao direito, sendo alheios ao seu conceito os elementos da culpa ou dolo e do dano. O art 186 do CC não conceitua o ato ilícito, descreve os elementos necessários para a obtenção da tutela reparatória.

          Dessa forma, a tutela reparatória, sempre voltada para o passado, buscando a reparação do prejudicado, demanda ao menos dois elementos: ato contrário ao direito e dano, considerando-se que mesmo na tutela reparatória, a culpa ou o dolo podem ser dispensados na hipótese de responsabilidade objetiva. A tutela inibitória, sempre voltada para o futuro, buscando evitar a prática do ato ilícito, preocupa-se exclusivamente com o ato contrário ao direito, sendo-lhe irrelevante a culpa ou o dolo e o dano.

          Nesse sentido, deve ser saudado o parágrafo único do art 497 do CPC ao prever que para a concessão da tutela específica que serve para inibir a prática, reiteração ou a continuação de um ilícito, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 831/832. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção IV – Do  Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa - vargasdigitador.blogspot.com

Art 498. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualiza-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

Correspondência no CPC/1973, art 461-A, caput e § 1º, com a seguinte redação:

Art 461-A. na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

§ 1º. Este referente ao parágrafo único do art 498 do CPC/2015: Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha, cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

1.    PRAZO PARA ENTREGA DA COISA

Na ação que tenha como objeto o cumprimento de uma obrigação de entregar coisa, a concessão de tutela específica significa justamente a tutela capaz de entregar a coisa pretendida ao autor. Nesse caso, antes de aplicar as medidas executivas para que sua decisão seja devidamente cumprida, cabe ao juiz fixar um prazo para o cumprimento da obrigação.

          O juiz ao fixar o prazo previsto no caput do art 498 do CPC deve atentar para a complexidade da obrigação a ser cumprida pelo destinatário da decisão judicial. Tratando-se de prazo judicial, na omissão do juiz em fixa-lo no caso concreto, aplica-se o art 218, § 3º, do CPC, ou seja, o prazo será de 5 dias. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 832. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    ENTREGA DE COISA INCERTA

Coisa incerta deve ser considerada coisa indeterminada – mas determinável -, em que a escolha tem a sua importância em razão da diferente qualidade entre os bens que poderão ser escolhidos. Recaindo a obrigação de entregar sobre coisa incerta, é preciso individualizar a coisa que será objeto do cumprimento da obrigação. O art 498, parágrafo único, do CPC, trata justamente dessa hipótese.

          Caso caiba, ao autor, a escolha, por previsão contratual ou legal, a individualização já deve ser realizada na petição inicial. Cabendo a escolha ao réu, ele a individualizará ao entregar a coisa em juízo, no cumprimento da decisão judicial no prazo fixado pelo juiz. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 832/833. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção IV – Do  Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa - vargasdigitador.blogspot.com

Art 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela especifica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Correspondência no CPC/1973, art 461. (...) 1º, com a seguinte redação:

Art. 461 (...) § 1º. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

1.    TUTELA ESPECÍFICA E PELO EQUIVALENTE PELO DINHEIRO

Tomando-se por base o critério da coincidência de resultados gerados pela prestação da tutela jurisdicional com os resultados que seriam gerados pela satisfação voluntária da obrigação, a tutela jurisdicional pode ser classificada em tutela específica e tutela pelo equivalente em dinheiro. Na primeira, a satisfação gerada pela prestação jurisdicional é exatamente a mesma que seria gerada com o cumprimento voluntário da obrigação, enquanto na segunda, a tutela jurisdicional prestada é diferente da natureza da obrigação e, por consequência, cria um resultado distinto daquele que seria criado com a sua satisfação voluntária.

          A tutela inibitória é sempre tutela específica porque, ao evitar a prática do ato ilícito, obtém-se o status quo ante, conseguindo o demandante a criação de uma situação que será exatamente a mesma que seria criada caso o demandado tivesse voluntariamente deixado de praticar o ato ilícito. O resultado da tutela inibitória sempre será idêntico àquele que seria criado com o voluntário cumprimento da obrigação.

          Já a tutela reparatória pode ser prestada de forma específica (reparação in natura) ou pelo equivalente em dinheiro, dependendo do caso concreto. Tratando-se de obrigação inadimplida de pagar quantia certa, naturalmente a única forma de a tutela ser prestada será mediante a entrega do valor, sendo correto entender que a única forma de tutela possível nesse caso é a específica, porque, se a obrigação já é de pagar dinheiro, não seria correto dizer que a tutela foi prestada pelo equivalente em dinheiro. O dinheiro é dinheiro e não o “equivalente em dinheiro”. Registre-se apenas a atipicidade gerada pela adjudicação de bens, considerando-se que, nesse caso, a obrigação de pagar quantia certa gera a satisfação do credor por meio da entrega do bem penhorado. Nesse caso, como é evidente, não se pode falar em identidade com o cumprimento voluntário da obrigação e, tampouco, em tutela pelo equivalente em dinheiro.

          Tratando-se de obrigação inadimplida de fazer, não fazer e entrega de coisa, passa a ser possível a tutela ser prestada tanto de forma específica como pelo equivalente por dinheiro.

Nas obrigações de fazer e de não fazer, o essencial é verificar a natureza do inadimplemento. Sendo o inadimplemento definitivo, o que significa dizer que não existe mais a possibilidade de cumprimento da obrigação, a única tutela jurisdicional possível será a tutela pelo equivalente em dinheiro. Caso ainda exista a possibilidade de cumprimento, quando haverá somente um retardamento no cumprimento da prestação, a tutela poderá ser prestada de forma específica, desde que esse ainda seja o interesse do credor. Nas obrigações de entregar coisa, deve ser analisada a possibilidade de a coisa, objeto da obrigação, ser entregue por meio do processo ao demandante. Sendo isso materialmente possível, caberá tutela específica, em caso contrário, a única tutela cabível será pelo equivalente em dinheiro. Naturalmente que, tratando-se de coisa fungível, a entrega de qualquer bem de  mesma condição gera tutela específica, porque nessa espécie de obrigação não há preocupação com o bem exatamente individualizado, mas sim como as suas características gerais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 833/834. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS

Na tutela ressarcitória, a tutela específica é preferível à tutela pelo equivalente em dinheiro, porque essa espécie de tutela é a única que proporciona a efetiva reparação do dano suportado. O processo que entrega ao vitorioso exatamente aquilo que ele obteria se não precisasse do processo, em razão do cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor, certamente é o que entrega a tutela jurisdicional mais efetiva. É a consagração do antigo brocardo consagrado por Chiovenda, de que o processo será tanto melhor quanto mais aproximar seus resultados daqueles que seriam gerados pelo cumprimento voluntário da obrigação (princípio da maior coincidência possível).

          Ocorre, entretanto, que a preferência da tutela específica sobre a tutela pelo equivalente em dinheiro está condicionada à vontade do demandante, que poderá optar pela segunda espécie de tutela se assim desejar, bem como diante da impossibilidade material de obtenção da tutela específica. Para parcela da doutrina, ainda que possível, a tutela específica pode ser excluída quando não for justificável ou racional em razão de sua excessiva onerosidade (STJ, 3ª Turma, REsp 1.055.822/RJ, rel. Min. Massami Uyeda, j. 24/05/2011, DJe 26/10/2011).

          Segundo entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, a conversão do pedido de obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa em indenização por perdas e danos não configura julgamento extra petita, ainda que não haja pedido explícito nesse sentido (STJ, 3ª Turma, AgRg no Ag 1.397.365/SC, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 28/08/2012, DJe 18/09/2012; STJ, 3ª Turma, REsp 1.043.813/SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20/09/2011, DJe 27/09/2011). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 834. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

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Art 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.

Correspondência no CPC/1973, art 461. (...) § 2º, com a seguinte redação:

Art. 461. (...) § 2º. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da mulga (artigo 287).

1.    CUMULAÇÃO DA INDENIZAÇAO E DA MULTA

O art 500 do CPC é absolutamente correto ao prever que serão cumuláveis os valores referentes à indenização por perdas e danos e os valores gerados pela multa cominatória (astreintes) no caso de descumprimento da obrigação. O dispositivo, corretamente, considera a diferente natureza dessas verbas, já que enquanto a primeira tem natureza reparatória, ressarcindo a parte pelos danos que suportou, a segunda é uma medida executiva, que tem como objetivo pressionar a parte contrária ao cumprimento de uma obrigação.

          Dessa forma, devem ser somados os valores obtidos na conversão em perdas e danos quando a parte abre mão da tutela específica e parte para a tutela por equivalente em dinheiro, com os valores gerados pela multa no caso de descumprimento de tal obrigação, e por obviamente ocorrerá, já que se a obrigação for cumprida não haverá sua conversão em perdas e danos.

          Registre-se que, havendo a conversão da obrigação em perdas e danos, a multa imediatamente deixa de incidir, de forma que o cálculo de seu valor tomará como termo final tal conversão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 834/835. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção IV – Do  Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa - vargasdigitador.blogspot.com

Art 501. Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

Correspondência no CPC/1973,art 466-A, com a seguinte redação:

Art 466-A. condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

1.    OBRIGAÇÃO JURIDICAMENTE INFUNGÍVEL

Entre as obrigações infungíveis, existem aquelas que são naturalmente infungíveis – decorrência da característica pessoal do devedor – e aquelas em que a fungibilidade é apenas jurídica – decorrente de algum princípio jurídico -, podendo o ordenamento criar mecanismo para a obtenção de resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação.

          A obrigação de emitir declaração de vontade é de natureza infungível, mas essa é uma infungibilidade  meramente jurídica, sendo possível – e até mesmo aconselhável – que o ordenamento disponha de regras que permitam a substituição da declaração de vontade por uma decisão judicial, gerando-se os mesmos efeitos daquela. É justamente isso que faz o ordenamento processual no artigo ora comentado, prevendo que a sentença produz os mesmos efeitos que a declaração teria produzido se emitida pelo executado, o que basta para a satisfação do direito, considerando-se que, nesse caso, o aturo não tem interesse na atividade do réu em si, mas na produção de seus efeitos, o que pode ser obtido por meio de decisão judicial. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 835. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA

Existe séria divergência a respeito da natureza da sentença prevista no art. 501 do CPC, que produzirá após o trânsito em julgado todos os efeitos da declaração não emitida. Para parcela doutrinária, a sentença tem natureza constitutiva, apta a criar uma nova situação jurídica, justamente aquela que teria sido criada se o devedor tivesse cumprido voluntariamente sua obrigação. Para outra corrente doutrinária, a sentença é condenatória. Há ainda doutrinadores que entendem tratar-se de sentença executiva lato sensu, não sendo necessária a execução para a sua satisfação.

          Observe-se que em razão de expressa previsão legal, e aqui pouco importa a natureza que se acredite ter tal sentença, a mesma somente passará a gerar efeitos após o trânsito em julgado. Nesse caso, portanto, independentemente do efeito em que eventual recurso seja recebido, não será possível em nenhuma hipótese a execução provisória, pois não há no caso eficácia provisória dessa sentença (nesse aspecto, existe semelhança com a sentença penal condenatória). A satisfação do direito reconhecido nessa espécie de sentença dispensa qualquer ato material de execução, considerando-se que o direito do autor estará atendido com o mero trânsito em julgado da sentença de procedência. Não é cabível, por desnecessário, a aplicação de astreintes ou de qualquer outra medida de execução indireta ou por sub-rogação, considerando-se que o ofício expedido pelo juízo para eventual registro no Cartório de Imóveis não é propriamente um ato executivo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 835/836. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).