quinta-feira, 19 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 502 - Da Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 502 - Da Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Correspondência no CPC/1973, art 467, com a seguinte redação:

Art 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

1.    COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL

Em todo processo, independentemente de sua natureza, haverá a prolação de uma sentença (ou acórdão nas ações de competência originária dos tribunais), que em determinado momento torna-se imutável e indiscutível dentro do processo em que foi proferida. Para tanto, basta que não seja interposto o recurso cabível ou ainda que todos os recursos cabíveis já tenham sido interpostos e decididos. Na excepcional hipótese de aplicação do art 496 do CPC, ainda que não seja interposta apelação contra a sentença, haverá o reexame necessário, de forma que o processo só chegará ao seu final, após essa análise obrigatória da decisão pelo tribunal de segundo grau. A partir do momento em que não form mais cabível qualquer recurso ou tendo ocorrido o exaurimento das vias recursais, a sentença transita em julgado.

          Esse impedimento de modificação da decisão por qualquer meio processual, dentro do processo em que foi proferida, é chamado tradicionalmente de coisa julgada formal, ou ainda de preclusão máxima, considerando-se tratar de fenômeno processual endoprocessual. Como se pode notar, qualquer que seja a espécie de sentença – terminativa ou definitiva – proferida em qualquer espécie de processo – conhecimento (jurisdição contenciosa e voluntária), execução, cautelar – haverá num determinado momento processual o trânsito em julgado e, como consequência, a coisa julgada formal.

          Se todas as sentenças produzem coisa julgada formal, o mesmo não pode ser afirmado a respeito da coisa julgada material. No momento do trânsito em julgado e da consequente geração da coisa julgada formal, determinadas sentenças também produzirão, nesse momento procedimental, a coisa julgada material, com projeção para o do processo, tornando a decisão imutável e indiscutível além dos limites do processo em que foi proferida. Pela coisa julgada material, a decisão não mais poderá ser alterada ou desconsiderada em outros processos.

          Essa imutabilidade gerada para fora do processo, resultante da coisa julgada material, atinge tao somente as sentenças de mérito proferidas mediante cognição exauriente, de forma que haverá apenas coisa julgada formal nas sentenças terminativas ou mesmo em sentenças de mérito, desde que proferidas mediante cognição sumaria, como ocorre para a maioria doutrinária na sentença cautelar. Como se nota, a coisa julgada material depende da coisa julgada formal, mas o inverso não acontece. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 836/837. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    COISA JULGADA TOTAL E PARCIAL

Havendo na sentença vários capítulos, a parte sucumbente poderá em seu recurso optar por impugnar todos eles (recurso total) ou somente alguns (recurso parcial). Esses diferentes capítulos poderão ser autônomos e independentes ou apenas autônomos, sendo tal distinção de suma importância para inúmeras consequências processuais, interessando, nesse momento, a formação da coisa julgada.

          Sendo os capítulos tao somente autônomos, ainda que a parte impugne somente parcela deles, não há que falar em coisa julgada do capitulo não impugnado, porque em razão do efeito expansivo objetivo externo do recurso, dependendo do resultado de seu julgamento, o capitulo não impugnado poderá ser reformado. Tome-se, como exemplo, o capítulo não impugnado que condena a parte ao pagamento das verbas de sucumbência; é natural que, sendo essa parte vitoriosa no recurso em que impugna o capítulo principal (por exemplo, sua condenação a pagar), consequentemente o capítulo referente às verbas de sucumbência, ainda que não impugnado, será reformado.

          Para considerável parcela doutrinária, sendo os capítulos autônomos e independentes, a impugnação de somente alguns deles faz com que os capítulos não impugnados transitem em julgado. Sendo capítulos de mérito, com o trânsito em julgado produzirão coisa julgada material, de forma que essa corrente doutrinária entende perfeitamente possível que a coisa julgada material se forme de maneira fragmentada, já tendo a tese tido acolhida pelo Supremo Tribunal Federal (STF, Tribunal Pleno, AP 470 QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 13.11.2013, DJe 19.02.2014) inclusive com a indicação de diferentes termos iniciais para o prazo da ação rescisória (STJ, 1ª Turma, RE 666.589/DF, rel Min. Marco Aurélio, j. 05.03.2014, DJe 03.06.2014).

          Registre-se que, apesar do correto raciocínio desenvolvido pelos renomados doutrinadores que defendem a tese da “coisa julgada parcial”, o Superior Tribunal de Justiça rejeita o entendimento, firme no sentido de que o trânsito em julgado (e por consequência a coisa julgada material nas sentenças de mérito proferidas com cognição exauriente) só ocorre após o julgamento do último recurso interposto, independentemente do âmbito de devolução desse recurso ou dos anteriores, para se evitar o inconveniente de vários trânsitos em julgado no mesmo processo (STJ, Corte Especial, Resp 736.650/MT, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 20.08.2014, DJe 01.09.2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 837. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A doutrina é unânime em associar a coisa julgada material à imutabilidade da decisão judicial de mérito que não pode ser mais modificada por recursos ou pelo reexame necessário, na específica hipótese prevista pelo art 496 do CPC. Existe, entretanto, robusta polêmica a respeito do que exatamente se torna imutável em razão do fenômeno da coisa julgada material, sendo possível destacar três correntes doutrinárias.

          Majoritariamente, a doutrina pátria adota o entendimento de Liebman, afirmando que a coisa julgada é uma qualidade da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis. Para essa parcela doutrinária, após o trânsito em julgado da sentença – ou acórdão – de mérito, os efeitos projetados no plano prático por essa decisão não mais poderão ser discutidos em outra demanda, ou mesmo pelo legislador, o que seria suficiente para concluir que tais efeitos não poderão ser modificados, estando protegidos pelo “manto” da coisa julgada material. A intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, portanto, seria a principal característica da coisa julgada material.

          Em crítica a essa corrente doutrinária, parcela da doutrina entende que os efeitos da sentença de mérito transitada em julgado não se tornam imutáveis, bastando para chegar a tal conclusão a verificação empírica de que tais efeitos poderão ser modificados por ato ou fato superveniente, mormente pela vontade das partes.

          O efeito principal da sentença condenatória, que é permitir a prática de atos materiais de execução, só pode ser gerado uma vez, sendo inadmissível a existência de sucessivas execuções fundadas numa mesma sentença. Na sentença declaratória, a certeza jurídica pode ser afastada por ato das partes, como na hipótese de dívida declarada e posteriormente quitada pelo devedor ou na ação de investigação de paternidade julgada improcedente com o posterior registro voluntário realizado pelo réu da paternidade do autor. Por fim, da sentença constitutiva, é possível voltar à mesma situação jurídica existente antes da coisa julgada material, servindo de exemplo o novo casamento entre pessoas divorciadas judicialmente.

          Para essa corrente doutrinária, é o conteúdo da decisão, contida em sua parte dispositiva, que se torna imutável e indiscutível em razão da coisa julgada material. Antes da coisa julgada, a sentença era mutável e com o fenômeno jurídico ora analisado passa por uma modificação de sua condição jurídica, tornando-se imutável. A coisa julgada, portanto, não seria uma qualidade da sentença que opera sobre seus efeitos, mas uma situação jurídica que torna uma sentença imutável e indiscutível.

          Para uma terceira parcela doutrinária, firme em lições do direito alemão, toda sentença tem um elemento declaratório, consubstanciado na aplicação da norma abstrata da lei ao caso concreto. Esse elemento declaratório tem como efeito a certeza jurídica de que, diante dos fatos alegados e considerados pelo juiz, o direito material conforme declarado pela sentença existe. Nesse sentido, reconhecendo que outros efeitos da sentença poderão ser modificados por ato e fatos supervenientes, mormente pela vontade das partes, essa corrente doutrinária limita aos efeitos da declaração da norma abstrata ao caso concreto, a imutabilidade própria da coisa julgada.

          É interessante perceber que mesmo os defensores da corrente doutrinária apoiada nas lições de Liebman reconhecem que, tratando-se de direitos disponíveis, as partes poderão dispor de seu direito, mesmo após o seu reconhecimento por meio de sentença de mérito transitada em julgado, ou seja, da coisa julgada material. Ainda assim, esses doutrinadores continuam a entender que a coisa julgada material é uma qualidade da sentença que torna imutáveis os seus efeitos, à luz das condições fáticas e jurídicas de sua prolação, ou seja, quanto a direitos e obrigações existentes ou inexistentes à época da prolação da sentença.

          Apesar da notória discussão doutrinária, uma análise profunda das três principais correntes doutrinárias expostas é suficiente para se notar que existem mais semelhanças do que diferenças entre os doutrinadores. Todos reconhecem que toda sentença tem um elemento declaratório, consubstanciado na subsunção da norma abstrata ao caso concreto, considerado pelo aspecto de elemento que compõe o conteúdo da decisão ou que gera efeitos práticos para fora do processo, torna-se imutável e indiscutível. Parecem também concordar que eventos futuros referentes à vontade das partes, poderão modificar outros efeitos gerados pela sentença, como ocorre no efeito condenatório no caso de pagamento da dívida ou do novo casamento no caso de divórcio.

          O CPC, em seu art 502, que conceitua a coisa julgada, substitui uma palavra e uma expressão do art 467 do CPC/1973. Em vez de prever que a coisa julgada é a eficácia da sentença que a torna imutável e indiscutível, o dispositivo legal sugerido menciona a autoridade da sentença. Acredito que a substituição do termo “eficácia” por “autoridade” busca deixar clara a distinção entre coisa julgada e efeitos da decisão. Substitui também “sentença” (espécie) por “decisão de mérito” (gênero), o que deve ser elogiado, considerando-se que sempre houve outras decisões de mérito aptas a transitar em julgado e produzir coisa julgada material, como as decisões monocráticas finais de relator e acórdãos de tribunal. Por outro lado, o dispositivo implicitamente reconhece a existência de decisões interlocutórias de mérito, com capacidade de geração de coisa julgada material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 837/839. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

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