CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO
– Art 502 - Da Coisa Julgada – Vargas,
Paulo S. R.
PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO
DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM –
CAPÍTULO XIII – DA SENTENÇA E DA COISA
JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com
Art
502. Denomina-se
coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão
de mérito não mais sujeita a recurso.
Correspondência no CPC/1973, art 467,
com a seguinte redação:
Art 467. Denomina-se coisa julgada
material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais
sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
1. COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL
Em
todo processo, independentemente de sua natureza, haverá a prolação de uma
sentença (ou acórdão nas ações de competência originária dos tribunais), que em
determinado momento torna-se imutável e indiscutível dentro do processo em que
foi proferida. Para tanto, basta que não seja interposto o recurso cabível ou
ainda que todos os recursos cabíveis já tenham sido interpostos e decididos. Na
excepcional hipótese de aplicação do art 496 do CPC, ainda que não seja
interposta apelação contra a sentença, haverá o reexame necessário, de forma
que o processo só chegará ao seu final, após essa análise obrigatória da decisão
pelo tribunal de segundo grau. A partir do momento em que não form mais cabível
qualquer recurso ou tendo ocorrido o exaurimento das vias recursais, a sentença
transita em julgado.
Esse impedimento de modificação da decisão
por qualquer meio processual, dentro do processo em que foi proferida, é
chamado tradicionalmente de coisa julgada formal, ou ainda de preclusão máxima, considerando-se tratar
de fenômeno processual endoprocessual. Como se pode notar, qualquer que seja a espécie
de sentença – terminativa ou definitiva – proferida em qualquer espécie de
processo – conhecimento (jurisdição contenciosa e voluntária), execução,
cautelar – haverá num determinado momento processual o trânsito em julgado e,
como consequência, a coisa julgada formal.
Se todas as sentenças produzem coisa
julgada formal, o mesmo não pode ser afirmado a respeito da coisa julgada
material. No momento do trânsito em julgado e da consequente geração da coisa
julgada formal, determinadas sentenças também produzirão, nesse momento
procedimental, a coisa julgada material, com projeção para o do processo,
tornando a decisão imutável e indiscutível além dos limites do processo em que
foi proferida. Pela coisa julgada material, a decisão não mais poderá ser
alterada ou desconsiderada em outros processos.
Essa imutabilidade gerada para fora do
processo, resultante da coisa julgada material, atinge tao somente as sentenças
de mérito proferidas mediante cognição exauriente, de forma que haverá apenas
coisa julgada formal nas sentenças terminativas ou mesmo em sentenças de mérito,
desde que proferidas mediante cognição sumaria, como ocorre para a maioria
doutrinária na sentença cautelar. Como se nota, a coisa julgada material
depende da coisa julgada formal, mas o inverso não acontece. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 836/837. Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed.
Juspodivm).
2. COISA JULGADA TOTAL E PARCIAL
Havendo
na sentença vários capítulos, a parte sucumbente poderá em seu recurso optar
por impugnar todos eles (recurso total) ou somente alguns (recurso parcial). Esses
diferentes capítulos poderão ser autônomos e independentes ou apenas autônomos,
sendo tal distinção de suma importância para inúmeras consequências processuais,
interessando, nesse momento, a formação da coisa julgada.
Sendo os capítulos tao somente autônomos,
ainda que a parte impugne somente parcela deles, não há que falar em coisa
julgada do capitulo não impugnado, porque em razão do efeito expansivo objetivo externo do recurso, dependendo do
resultado de seu julgamento, o capitulo não impugnado poderá ser reformado. Tome-se,
como exemplo, o capítulo não impugnado que condena a parte ao pagamento das
verbas de sucumbência; é natural que, sendo essa parte vitoriosa no recurso em
que impugna o capítulo principal (por exemplo, sua condenação a pagar),
consequentemente o capítulo referente às verbas de sucumbência, ainda que não impugnado,
será reformado.
Para considerável parcela doutrinária,
sendo os capítulos autônomos e independentes, a impugnação de somente alguns
deles faz com que os capítulos não impugnados transitem em julgado. Sendo capítulos
de mérito, com o trânsito em julgado produzirão coisa julgada material, de
forma que essa corrente doutrinária entende perfeitamente possível que a coisa
julgada material se forme de maneira fragmentada, já tendo a tese tido acolhida
pelo Supremo Tribunal Federal (STF, Tribunal Pleno, AP 470 QO/MG, rel. Min.
Joaquim Barbosa, j. 13.11.2013, DJe 19.02.2014) inclusive com a indicação de
diferentes termos iniciais para o prazo da ação rescisória (STJ, 1ª Turma, RE
666.589/DF, rel Min. Marco Aurélio, j. 05.03.2014, DJe 03.06.2014).
Registre-se que, apesar do correto raciocínio
desenvolvido pelos renomados doutrinadores que defendem a tese da “coisa
julgada parcial”, o Superior Tribunal de Justiça rejeita o entendimento, firme
no sentido de que o trânsito em julgado (e por consequência a coisa julgada
material nas sentenças de mérito proferidas com cognição exauriente) só ocorre
após o julgamento do último recurso interposto, independentemente do âmbito de devolução
desse recurso ou dos anteriores, para se evitar o inconveniente de vários
trânsitos em julgado no mesmo processo (STJ, Corte Especial, Resp 736.650/MT,
rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 20.08.2014, DJe 01.09.2014). (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 837. Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed.
Juspodivm).
3. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A
doutrina é unânime em associar a coisa julgada material à imutabilidade da
decisão judicial de mérito que não pode ser mais modificada por recursos ou
pelo reexame necessário, na específica hipótese prevista pelo art 496 do CPC. Existe,
entretanto, robusta polêmica a respeito do que exatamente se torna imutável em razão
do fenômeno da coisa julgada material, sendo possível destacar três correntes
doutrinárias.
Majoritariamente, a doutrina pátria
adota o entendimento de Liebman, afirmando que a coisa julgada é uma qualidade
da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis. Para essa parcela
doutrinária, após o trânsito em julgado da sentença – ou acórdão – de mérito,
os efeitos projetados no plano prático por essa decisão não mais poderão ser
discutidos em outra demanda, ou mesmo pelo legislador, o que seria suficiente
para concluir que tais efeitos não poderão ser modificados, estando protegidos
pelo “manto” da coisa julgada material. A intangibilidade das situações
jurídicas criadas ou declaradas, portanto, seria a principal característica da
coisa julgada material.
Em crítica a essa corrente doutrinária,
parcela da doutrina entende que os efeitos da sentença de mérito transitada em
julgado não se tornam imutáveis, bastando para chegar a tal conclusão a verificação
empírica de que tais efeitos poderão ser modificados por ato ou fato
superveniente, mormente pela vontade das partes.
O efeito principal da sentença
condenatória, que é permitir a prática de atos materiais de execução, só pode
ser gerado uma vez, sendo inadmissível a existência de sucessivas execuções
fundadas numa mesma sentença. Na sentença declaratória, a certeza jurídica pode
ser afastada por ato das partes, como na hipótese de dívida declarada e
posteriormente quitada pelo devedor ou na ação de investigação de paternidade
julgada improcedente com o posterior registro voluntário realizado pelo réu da
paternidade do autor. Por fim, da sentença constitutiva, é possível voltar à
mesma situação jurídica existente antes da coisa julgada material, servindo de
exemplo o novo casamento entre pessoas divorciadas judicialmente.
Para essa corrente doutrinária, é o
conteúdo da decisão, contida em sua parte dispositiva, que se torna imutável e
indiscutível em razão da coisa julgada material. Antes da coisa julgada, a
sentença era mutável e com o fenômeno jurídico ora analisado passa por uma modificação
de sua condição jurídica, tornando-se imutável. A coisa julgada, portanto, não seria
uma qualidade da sentença que opera sobre seus efeitos, mas uma situação
jurídica que torna uma sentença imutável e indiscutível.
Para uma terceira parcela doutrinária,
firme em lições do direito alemão, toda sentença tem um elemento declaratório,
consubstanciado na aplicação da norma abstrata da lei ao caso concreto. Esse elemento
declaratório tem como efeito a certeza jurídica de que, diante dos fatos
alegados e considerados pelo juiz, o direito material conforme declarado pela
sentença existe. Nesse sentido, reconhecendo que outros efeitos da sentença poderão
ser modificados por ato e fatos supervenientes, mormente pela vontade das
partes, essa corrente doutrinária limita aos efeitos da declaração da norma
abstrata ao caso concreto, a imutabilidade própria da coisa julgada.
É interessante perceber que mesmo os
defensores da corrente doutrinária apoiada nas lições de Liebman reconhecem
que, tratando-se de direitos disponíveis, as partes poderão dispor de seu
direito, mesmo após o seu reconhecimento por meio de sentença de mérito
transitada em julgado, ou seja, da coisa julgada material. Ainda assim, esses
doutrinadores continuam a entender que a coisa julgada material é uma qualidade
da sentença que torna imutáveis os seus efeitos, à luz das condições fáticas e jurídicas
de sua prolação, ou seja, quanto a direitos e obrigações existentes ou
inexistentes à época da prolação da sentença.
Apesar da notória discussão doutrinária,
uma análise profunda das três principais correntes doutrinárias expostas é
suficiente para se notar que existem mais semelhanças do que diferenças entre
os doutrinadores. Todos reconhecem que toda sentença tem um elemento declaratório,
consubstanciado na subsunção da norma abstrata ao caso concreto, considerado
pelo aspecto de elemento que compõe o conteúdo da decisão ou que gera efeitos práticos
para fora do processo, torna-se imutável e indiscutível. Parecem também concordar
que eventos futuros referentes à vontade das partes, poderão modificar outros
efeitos gerados pela sentença, como ocorre no efeito condenatório no caso de
pagamento da dívida ou do novo casamento no caso de divórcio.
O CPC, em seu art 502, que conceitua a
coisa julgada, substitui uma palavra e uma expressão do art 467 do CPC/1973. Em
vez de prever que a coisa julgada é a eficácia da sentença que a torna imutável
e indiscutível, o dispositivo legal sugerido menciona a autoridade da sentença.
Acredito que a substituição do termo “eficácia” por “autoridade” busca deixar
clara a distinção entre coisa julgada e efeitos da decisão. Substitui também “sentença”
(espécie) por “decisão de mérito” (gênero), o que deve ser elogiado,
considerando-se que sempre houve outras decisões de mérito aptas a transitar em
julgado e produzir coisa julgada material, como as decisões monocráticas finais
de relator e acórdãos de tribunal. Por outro lado, o dispositivo implicitamente
reconhece a existência de decisões interlocutórias de mérito, com capacidade
de geração de coisa julgada material. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 837/839. Novo Código
de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
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