sábado, 19 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 148, 149, 150 – Do Dolo - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 148, 149, 150 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do Dolo
 - VARGAS, Paulo S. R. 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção II – Do Dolo -
 vargasdigitador.blogspot.com

Art 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou. 1

1.        Dolo de terceiro

Geralmente, o dolo provém do outro contratante que realiza o negócio jurídico com a vítima de seu próprio ardil. Pode ocorrer, entretanto, que um terceiro, que não seja parte do negócio jurídico, é que tenha agido com dolo visando a induzir a vítima a realizar o negócio. Distingue-se, contudo, duas situações distintas acerca da parte a quem aproveita o dolo. Pode ocorrer de a parte beneficiada saber ou dever saber do dolo desse terceiro; ou pode ocorrer ainda de a parte beneficiada não ter, nem devesse ter conhecimento do dolo do terceiro. Apenas a primeira hipótese permite a anulação do negócio jurídico. Ainda que o dolo provenha de terceiro, apenas terá lugar a anulação do negócio jurídico se a parte beneficiada agir com culpa. Tal importante alteração em relação ao Código Civil de 1916 acompanha a tendência de privilegiar a segurança das relações jurídicas e a proteção de quem contrata de boa-fé confiante nas circunstâncias negociais que lhe foram apresentadas. Por essa razão, se a parte a quem beneficia o dolo do terceiro não sabia de sua existência, nem devesse saber por força de algum dever específico de diligência, o negócio não será anulado e não responderá ela por perdas e danos. De tal modo, a vítima do dolo terá sempre direito à reparação das perdas e danos que essa conduta dolosa tiver lhe causado. Se o contratante tiver conhecimento ou devesse ter do dolo desse terceiro será com ele solidariamente responsável pela reparação do dano (CC, art 942). Se o contratante beneficiado não tiver agido com culpa, apenas o terceiro que agiu com dolo deverá responder pela reparação dos danos causados à vítima do dolo. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 17.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

O dolo de terceiro, portanto, somente ensejará a anulação do negócio se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento. Se o beneficiado elo dolo de terceiro não adverte a outra parte, está tacitamente aderindo ao expediente astucioso, tornando-se cumplice. Já dizia Clóvis que “o dolo do estranho vicia o negócio, se, sendo principal, era conhecido de uma das partes, e esta não advertiu a outra, porque, neste caso, aceitou a maquinação, dela se tornou cúmplice, e responde por sua má-fé. (Código Civil, cit., p. 275, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 419, 2010, Saraiva – São Paulo).

Assim, por exemplo, se o adquirente é convencido, maldosamente, por um terceiro de que o relógio que está adquirindo é de ouro, sem que tal afirmação tenha sido feita pelo vendedor, e este ouve as palavras de induzimento utilizadas pelo terceiro e não alerta o comprador, o negócio torna-se anulável.

Entretanto, se a parte a quem aproveite (no exemplo supra, o vendedor) não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio. Mas o lesado poderá reclamar perdas e danos do autor do dolo (CC, art 148, segunda parte), pois este praticou um ato ilícito (art 186). Se nenhuma das partes no negócio conhecia o dolo de terceiro, não há, com efeito, fundamento para anulação, pois o beneficiário, caso fosse anulado o negócio, “ver-se-ia, pois, lesado por um ato a que foi estranho e do qual nem sequer teve notícia...” (Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, v. 2, p. 264; Renan Latufo, Código Civil, cit., p. 148-149, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 419, 2010, Saraiva – São Paulo).

Incumbe ao lesado provar, na ação anulatória, que a outra parte, beneficiada pelo dolo de terceiro, dele teve ou deveria ter conhecimento.

Caio Mário, citando Ruggiero e Colin e Capitant, menciona que, nos “atos unilaterais, porém, o dolo de terceiro afeta-lhe a validade em qualquer circunstância, como se vê, por exemplo, na aceitação e renúncia de herança, na validade das disposições testamentárias”. (Instituições, cit., v. 1, p. 333-334, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).

Também Pontes de Miranda, preleciona que, “nas manifestações de vontade não receptícias, não há figurantes um em frente ao outro; de modo que não há as ‘partes’ a que se refere o art 95 (do CC/1916, correspondente ao art 148 do CC/2002). Donde ter-se de entender o referido artigo como só referente aos atos jurídicos em cujo suporte fático há manifestações bilaterais de vontade, o manifestação receptícias da vontade”. (Tratado, cit. p. 338, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).

Art 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. 1.

1.        Dolo do representante legal ou convencional

Mesmo não sendo parte do negócio jurídico, seria impróprio considerar o representante um simples terceiro, igualmente sujeito à disciplina do art 148 do Código Civil como qualquer outro. O representante age sempre em nome do representado, não adquirindo quaisquer direitos ou deveres em nome próprio. Por essa razão, o negócio jurídico realizado pelo representante que age com dolo, seja ele legal ou convencional, será sempre passível de anulação e o representante que age com dolo será sempre responsável pela reparação das perdas e danos que causar. A diferença se dará apenas em relação à extensão da responsabilidade do representado em cada caso. Isso porque, na representação legal, o representado não tem influência alguma na escolha do representante, sequer sendo-lhe possível destituir o representante que legalmente o representa. Mostra-se injusto, portanto, responsabilizar o representado pelos atos praticados por esse representante que lhe foi importo pela lei. Sensível a essa situação, o legislador restringiu a responsabilidade do representado até o limite do proveito que teve. Inversamente, na representação convencional, em que o representado tem influência direta na escolha da pessoa designada para agir em seu nome, o representado responderá solidariamente como o representante por perdas e danos presumindo-se sua culpa in elegendo pelos atos praticados pelo representante. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 17.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

O representante de uma das partes não pode ser considerado terceiro, pois age como se fosse o próprio representado. Quando atua no limite de seus poderes, considera-se o ato praticado pelo próprio representado. Se o representante induz em erro a outra parte, constituindo-se o dolo por ele exercido na causa do negócio, este será anulável. Sendo o dolo acidental, o negócio subsistirá, ensejando a satisfação das perdas e danos.

O código de 1916 tratava, no art 96, do dolo do representante, mas não distinguia a representação legal da voluntária. O referido dispositivo não encontrava disposição semelhante em Códigos de outros países, tendo origem no art 481 do Esboço de Teixeira de Freitas.

O Código de 2002 repete a regra, mas inova ao estabelecer consequências diversas, conforme a espécie de representação: o dolo do representante legal só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; o do representante convencional acarreta a responsabilidade solidária do representado. Respondendo civilmente, tem o representado, porém, ação regressiva contra o representante. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 489 apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).

Sílvio Rodrigues já em 1974 recomendava a solução adotada pelo novo diploma, dizendo que, no caso da representação legal, a solução da lei, obrigando o representado a responder civilmente só até a importância do proveito que teve, era adequada. O tutor, o curador, o pai no exercício do pátrio poder são representantes que a lei impõe, sem que o representado, contra isso, se possa rebelar. Se estes atuam maliciosamente na vida jurídica, seria injusto que a lei sobrecarregasse com os prejuízos advindos de sua má conduta o representado que os não acolheu e que, em geral, dada a sua incapacidade, não os podia vigiar.

No caso da representação convencional, aduz o referido mestre, aquele que escolhe um representante, e lhe outorga mandato, cria um risco para o mundo exterior, pois o mandatário, usando o nome do mandante, vai agir nesse mundo de negócios criando relações de direito. Se é má a escolha, tem o mandante culpa, e o dano resultante para terceiros deve ser por ele reparado. A presunção de culpa in elegendo ou in vigilando do representado tem por consequência responsabilizá-lo solidariamente pela reparação total do dano e não apenas limitar sua responsabilidade ao proveito que teve. (Dos vícios do consentimento, p. 180, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 421, 2010, Saraiva – São Paulo).

Art 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alega-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. 1

1.        Dolo recíproco

Quando o dolo é bilateral, não há boa-fé a proteger. Ambas as partes agiram de modo reprovável e, no caso, estipula o direito que ambas devem ser apenadas com a validade do negócio. Quem agiu com dolo, buscando obter vantagem indevida à custa de terceiro, não pode invocar a condição de vítima da torpeza alheia se essa pretensa vítima se mostrou ainda mais ardilosa. Por essa razão, prevê o artigo 150 que, se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alega-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. Isso não exclui, todavia, a possibilidade de que as partes possam invocar outras causas de anulação do negócio jurídico. Apenas o dolo é que não poderá ser invocado para se obter anulação ou indenização. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 17.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Neste caso, se ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis obter vantagem em prejuízo da outra, nenhuma delas pode invocar o dolo para anular o negócio, ou reclamar indenização. Há uma compensação, ou desprezo do Judiciário, porque ninguém pode valer-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). A doutrina em geral admite, no caso de dolo bilateral, a compensação do dolo principal com o dolo acidental. Preleciona a propósito Carvalho Santos que “pouco importa que uma parte tenha procedido com dolo essencial e a outra apenas com o acidental. O certo e que ambas procederam com dolo, não havendo boa-fé, a defender. (Diferentemente dispõe o art 254º, primeira parte, do Código Civil português: “O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral”, Código Civil, cit., p. 352, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 421, 2010 Saraiva – São Paulo).

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 145, 146, 147 – Do Dolo - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 145, 146, 147 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do Dolo
 - VARGAS, Paulo S. R.
 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção II – Do Dolo 
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Art 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. 1, 2
1.        Conceito de dolo

Dolo é o emprego de um artifício malicioso utilizado para induzir ou manter alguém em erro, levando-o à prática de um negócio jurídico que não teria sido praticado sem essa maliciosa indução, como forma de obter vantagem para si próprio ou para terceiro. “O dolo civil (não penal) é a conduta de quem intencionalmente provoca, reforça ou deixa subsistir uma ideia errônea em outra pessoa, com a consciência de que esse erro terá valor determinante da emissão de sua declaração de vontade”. (1) Enquanto que o erro é uma falsa percepção da realidade ocasional e ocorrida sem a influência de terceiro, o dolo é o erro intencionalmente provocado por uma pessoa.

2.        Elementos do dolo

Para que se caracterize o dolo como vício de consentimento, apto a anular um negócio jurídico, é necessário que concorram os seguintes requisitos: (a) a intenção de induzir o declarante em erro. Se o outro contratante também desconhece a realidade e age acreditando que está prestando informações corretas e verdadeiras, não existe intenção de levar o declarante a erro. O elemento subjetivo malicioso é indispensável para a caracterização do dolo. (b) a utilização de recursos fraudulentos graves. Por outro lado, uma vez presente o elemento subjetivo, caracterizar-se-á o dolo independentemente da estratégia adotada para induzir o declarante a erro. A prestação de informações falsas, a sonegação da verdade, até mesmo o silêncio intencional a respeito de alguma circunstância relevante ao negócio jurídico podem configurar o comportamento doloso. É necessário, todavia, que o meio fraudulento empregado seja grave; que seja reprovável pela moral das práticas negociais (dolus malus). As pequenas espertezas da autopropaganda exagerada (dolus bonus), facilmente perceptíveis não autorizam a anulação do negócio jurídico (c) de todo modo, é necessário que o emprego doloso desse recurso fraudulento tenha contribuído de maneira determinante para a celebração do negócio jurídico. Se a vítima do dolo se apercebe do ardil e ainda assim realiza o negócio jurídico, não se poderá dizer que o dolo concorreu de modo determinante para a realização do negócio jurídico. Nas palavras do legislador, é necessário que o dolo seja a causa do negócio jurídico. Ou seja, é necessário que o dolo tenha sido determinante para a própria realização do negócio. Se o dolo influir apenas sobre a forma com que o negócio se concretizou (dolo acidental), não dará ensejo à anulação, mas à mera reparação das perdas e danos (CC, art 146). (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)       Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts. 138 a 184), Vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 114.

Art 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. 1

1.        Dolo acidental

Se o dolo não tiver concorrido de modo determinante para a realização do negócio jurídico, a vítima não poderá pedir sua anulação. Apenas o dolo que recaia sobre a causa do negócio jurídico justifica sua anulação. Se o dolo recair sobre elementos colaterais do negócio jurídico, este não será passível de anulação, cabendo à vítima buscar apenas a reparação das perdas e danos que tiver sofrido. É o que ocorre quando, a despeito da conduta fraudulenta do outro contratante ou de terceiro, ainda assim o negócio seria realizado, embora por outro modo.  (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

No ritmo de Roberto Gonçalves, in, “Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado pra induzir alguém à prática de um ato que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro. Consiste em sugestões ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro. (Clóvis Beviláqua, Código Civil, cit., p. 339, Caio Mario da silva Pereira, Instituições, cit., v. I, p. 332, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 413, 2010, Saraiva – São Paulo).

O dolo difere do erro porque este é espontâneo, no sentido de que a vítima se engana sozinha, enquanto o dolo é provocado intencionalmente pela outra parte ou por terceiro, fazendo com que aquela também se equivoque.

Segundo os irmãos Mazeaud, “la victime du dol non seuleument s’est trompée, mas a été trompée” (“a vítima do dolo não está só enganada, mas também foi enganada”). A rigor, o dolo não é vício de vontade, mas causa do vício de vontade. (João de Castro Mendes, Direito civil: teoria geral, v. 3, p. 158; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 487, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 413, 2010, Saraiva – São Paulo).

O dolo civil não se confunde com o dolo criminal, que é a intenção de praticar um ato que se sabe contrário à lei. No direito penal, diz-se doloso o crime quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (CP, art 18, I). Dolo civil, em sentido amplo, é todo artifício empregado para enganar alguém. Distingue-se, também, do dolo processual, que decorre de conduta processual reprovável, contrária à boa-fé e que sujeita, tanto o autor como o réu que assim procedem, a sanções várias, como ao pagamento de perdas e danos, custas e honorários advocatícios (CPC, arts 16 a 18). (Instituições de direito civil, v. I, p. 352, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 414, 2010 Saraiva – São Paulo).

Art 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. 1

1.         Omissão dolosa como modalidade de dolo

São diversos os meios fraudulentos que o ardil humano é capaz de conceber. Além da conduta positiva voltada a induzir alguém a erro, muitas vezes basta a omissão dolosa acerca de alguma circunstância importante para a realização do negócio jurídico pra que se configure o dolo. Além da conduta positiva, a conduta omissiva, consistente no silêncio de alguma informação relevante pode caracterizar o dolo do agente. É o que ocorre, por exemplo, quando alguém dolosamente omite o real estado da coisa alienada (TJ-SP, apelação 0004013-19.2004.8.26.0126, rel. Des. Salles Rossi, j. 19.09.12). Além disso, apesar de o artigo 147 referir-se ao silêncio intencional como forma de dolo apenas quando recair sobre fato ou qualidade essencial à celebração do negócio (dolo essencial), nada impede que a omissão dolosa recaia sobre elemento circunstancial (dolo acidental), justificando a reparação por perdas e danos (RT 785/243). (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Características

Já foi dito que há íntima ligação entre o erro e o dolo, porque num e noutra caso a vítima é iludida. Diferem, contudo, pelo fato de que, no erro, ela se engana sozinha, enquanto no dolo, o equívoco é provocado por outrem.

A rigor, portanto, o negócio seria anulável por erro e por dolo. Todavia, como o erro é de natureza subjetiva e se torna difícil penetrar no íntimo do autor para descobrir o que se passou em sua mente no momento da declaração de vontade, as ações anulatórias costumam ser fundadas no dolo. Ademais, esta espécie de vício do consentimento pode levar o seu autor a indenizar os prejuízos que porventura tiver causado com seu comportamento astucioso. Tais as razões, segundo Coviello, por que a lei disciplina separadamente erro e dolo. (Apud Eduardo Espínola, Dos fatos jurídicos, in Manual do Código Civil brasileiro, de Paulo de Lacerda, v. 3, 1ª parte, p. 307, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 414, 2010 Saraiva – São Paulo).

O dolo distingue-se da simulação. Nesta, a vítima é lesada sem participar do negócio simulado. As partes fingem ou simulam uma situação, visando fraudar a lei ou prejudicar terceiros. No caso do dolo, a vítima participa diretamente do negócio, mas somente a outra conhece a maquinação e age de má-fé.

O dolo também não se confunde com a fraude, embora ambos os vícios envolvam o emprego de manobras desleais. A fraude se consuma sem a participação pessoal do lesado no negócio. No dolo, este concorre para a sua realização, iludido pelas referidas manobras. Tanto a fraude como a simulação são mais graves do que o dolo, a ponto de a última trazer, como consequência, a nulidade do negócio (CC, art 167), enquanto o dolo acarreta apenas a sua anulabilidade.

A coação também apresenta maior gravidade do que o dolo, pois, não bastasse o emprego de grave ameaça, age aquela diretamente sobre a liberdade da vítima, enquanto este atua exclusivamente sobre sua inteligência. (Carmelo Scutto, Instituzioni di diritto privato: parte generale, v. I, p. 387, apud Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. I, p. 205, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 415, 2010, Saraiva – São Paulo).

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 141, 142, 143, 144 - Do erro ou ignorância - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 141, 142, 143, 144 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do erro ou ignorância
 - VARGAS, Paulo S. R.
 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção I – Do Erro ou Ignorância - vargasdigitador.blogspot.com

Art 141. A transmissão errônea da vontade por meios interposto é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta. 1

1.        Transmissão errônea da vontade por meios interpostos

É comum na sociedade moderna que a transmissão da vontade se faça por meios interpostos, e não apenas pessoalmente. É o que ocorre, nos casos em que a pessoa se utiliza de cartas, e-mails, telefone, rádio, televisão, fax, internet etc., para externar sua vontade. Em tais casos, pode ocorrer que a utilização desse meio interposto de transmissão da vontade possa, de algum modo, deturpar o conteúdo da manifestação de vontade. Para que se possa anular o negócio jurídico realizado por transmissão errônea da vontade deve-se observar os mesmos requisitos de caracterização do erro. A falha na transmissão da vontade deve-se observar os mesmos requisitos de caracterização do erro. A falha na transmissão da vontade deve recair sobre elemento substancial do negócio (CC, art 139) e que o destinatário da declaração possa perceber seu equívoco (CC, art 138). (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 15.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

No diapasão de Roberto Gonçalves, O Código Civil equipara o erro à transmissão defeituosa da vontade. Dispõe, efetivamente, o art 141:

A transmissão errônea da vontade por meios interposto é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta”.

Se o declarante não se encontra na presença do declaratário e se vale de interposta pessoa (mensageiro, núncio) ou de um meio de comunicação (fax, telégrafo, e-mail etc.) e a transmissão da vontade, nesses casos, não se faz com fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido erroneamente (mensagem truncada), caracteriza-se o vício que propicia a anulação do negócio. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 410, 2010 Saraiva – São Paulo).

Segundo Carvalho Santos, essa regra só se aplica quando a diferença entre a declaração emitida e a comunicada seja procedente de mero acaso ou de algum equívoco, não incidindo na hipótese em que o intermediário intencionalmente comunica à outra parte uma declaração diversa da que lhe foi confiada. Neste caso, a parte que escolheu o emissário fica responsável pelos prejuízos que tenha causado à outra por sua negligência na escolha feita, ressalvada a possibilidade de o mensageiro responder em face daquele que o elegeu. (Código civil, cit., p. 321; Ana Luiza Maia Nevares, O erro, o dolo, a lesão e o estado de perigo do novo Código Civil, coord. Gustavo Tepedino, p. 266, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 411, 2010 Saraiva – São Paulo).

Por sua vez, Silvio Rodrigues entende que, se a vontade foi mal transmitida pelo mensageiro, há que se apurar se houve culpa in elegendo ou mesmo in vigilando do emitente da declaração. Se afirmativa a resposta, não pode tal erro infirmar o ato, por ser inescusável. (Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. I, p. 192-193, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 411, 2010 Saraiva – São Paulo).

Art 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada. 1

1.        Erro irrelevante

Se o erro não levar a nenhum prejuízo para a parte, sua ocorrência será juridicamente irrelevante. É, em outras palavras, o que diz o artigo 142. Isso porque, se o erro de indicação da pessoa ou da coisa, por seu contexto e pelas circunstâncias, não impedir sua perfeita identificação, prejuízo algum terá resultado desse erro, é o que ocorre, por exemplo, num contrato de compra e venda de um terreno em que as partes o descrevem como sendo o imóvel de n. 47, situado na esquina da rua a com a rua B. Se o verdadeiro número desse imóvel for 74, situado na esquina da rua A com a rua B. Se o verdadeiro número desse imóvel for 74, terá havido um erro na identificação da coisa. Esse erro, contudo, será juridicamente irrelevante, pois, do contexto e das circunstancias do negócio, a identificação da coisa permanece perfeitamente possível. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 15.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Buscando orientação em relação às características do erro substancial, viajamos com Roberto Gonçalves & Cia, senão vejamos:

Foi dito que substancial é o erro sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Não quis o legislador deixar, no entanto, que essas circunstâncias e aspectos relevantes constituíssem conceitos vagos, a serem definidos por livre interpretação do Juiz, preferindo especificá-los. Deixando o enunciado do art 139 do CC/2002, que nos mostra quando o erro é substancial, passamos pelo inciso III, alínea a, (Erro sobre a natureza do negócio), alínea b, (Erro sobre o objeto principal da declaração) e alínea c, (Erro sobre alguma das qualidades essenciais do objeto principal, e fixaremos nossa atenção na alínea d, (Erro quanto à identidade ou à qualidade da pessoa a quem se refere a declaração de vontade) – Concerne aos negócios jurídicos intuitu personae. Pode referir-se tanto à identidade quanto às qualidades da pessoa. Exige-se, no entanto, para ser invalidante, que tenha influído na declaração de vontade “de modo relevante” (CC, art 139, II – Segunda Parte), por exemplo: doação ou deixa testamentária a pessoa que o doador supõe, equivocadamente, ser seu filho natural ou, ainda, a que lhe salvou a vida; casamento de uma jovem de boa formação com indivíduo que vem a saber depois ser um desclassificado. (Sílvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. I, p. 190; Caio Mário da silva Pereira, Instituições, cit., v. I, p. 328; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. I, p. 197, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 402, 2010, Saraiva – São Paulo).

Essa modalidade de erro pode ocorrer em relação ao destinatário da manifestação de vontade como também ao beneficiário. Tem especial importância no casamento e nas liberalidades, como na doação e no testamento, e nos negócios onerosos celebrados intuitu personae, bem como naqueles fundados na confiança, como no mandato, na prestação de serviços e no contrato de sociedade. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 484; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 197-198, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 402, 2010, Saraiva – São Paulo).

Entretanto, o erro quanto à identidade somente é considerado essencial quando não se tem como apurar quem seja, realmente, a pessoa ou coisa a que se refere a manifestação de vontade. Segundo dispõe o art 142, “o erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada”. No direito das sucessões há regra semelhante (art 1.903).

Trata-se de erro acidental ou sanável. Por exemplo, o doador ou testador beneficia o seu sobrinho Antônio. Na realidade, não tem nenhum sobrinho com esse nome. Apura-se, porém, que tem um afilhado de nome Antônio, a quem sempre chamou de sobrinho. Ou, ainda, o autor da liberalidade se refere ao objeto, denominando-o quadro, quando em realidade é uma escultura. Trata-se de dispositivo legal que complementa o art 138, segundo o qual a anulação de um negócio só é admissível em caso de erro substancial. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 402, 2010 Saraiva – São Paulo).

Art 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade. 1

1.        Erro de cálculo

Erro de cálculo é o erro quanto à elaboração aritmética dos dados que identificam o objeto do negócio. É erro acidental e, portanto, não justifica a anulação do negócio jurídico, autorizando, contudo, a correção desse erro. É o que ocorre, por exemplo, num negócio jurídico em que pactuam as partes o valor R$100,00 por saca de soja, de um contrato de compra e venda de 5.000 sacas. Por um mero erro de cálculo, contudo, o vendedor entrega a mercadoria emitindo a fatura no valor de R$50.000,00. Há, em tal caso, um evidente erro de cálculo, já que o valor correto a ser faturado era o de R$500.000,00 pela mercadoria entregue, ficando ele autorizado pelo artigo 143 a retificar sua manifestação de vontade, cobrando o valor correto. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 15.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

O erro de cálculo, na definição de Massimo Bianca, citado por Renan Lotufo, é “o erro na elaboração aritimetica dos dados do objeto do negócio (errore di calcolo è solo l’errore nella elaborazione aritimetica dei dati exatamente assunti in contrato)”. Cita o mestre italiano o exemplo em que a parte fixa o preço da venda com base na quantia unitária e computa, de forma inexata, o preço global. (Diritto civile: il contrato, p. 618, apud Renan Lotufo, Código Civil comentado, v. I, p. 395, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 399, 2010 Saraiva – São Paulo).

O Código de 2002 nesse ponto inova, permitindo a retificação da declaração de vontade em caso de mero erro de cálculo, quando as duas partes têm conhecimento do exato valor do negócio.

Art 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

Tal oferta afasta o prejuízo do que se enganou, deixando o erro de ser real e, portanto, anulável. “Objetiva o referido diploma dar a máxima efetividade à consecução do negócio jurídico, concedendo às partes a oportunidade de executá-lo”. Trata-se de aplicação do princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief). (Renan Lotufo, Código Civil, cit., p. 396, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 390, 2010, Saraiva – São Paulo).

Maria Helena Diniz fornece o seguinte exemplo: “João pensa que comprou o lote n. 2 da quadra A, quando, na verdade, adquiriu o n. 2 da quadra B. Trata-se de erro substancial, mas antes de anular o negócio o vendedor entrega-lhe o lote n. 2 da quadra A, não havendo assim qualquer dano a João. O negócio será válido, pois foi possível a sua execução de acordo com a vontade real. Se tal execução não fosse possível, de nada adiantaria a boa vontade do vendedor” (Curso, cit., v. I, p. 387, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 411, 2010, Saraiva – São Paulo).

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 138, 139, 140 - Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do erro ou ignorância - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 138, 139, 140 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do erro ou ignorância
 - VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção I – Do Erro ou Ignorância - vargasdigitador.blogspot.com

Art 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. 1, 2, 3, 4

1.        Defeitos do negócio jurídico

Todo negócio jurídico é um ato de vontade. Por essa razão, para que o negócio jurídico seja perfeitamente formado, é necessário que essa vontade tenha sido manifestada de forma livre, consciente e idônea pelo agente que deseja o negócio jurídico. Havendo alguma circunstância que prejudique ou impeça que a manifestação de vontade ocorra normalmente, o negócio jurídico será viciado e poderá ser anulado. A essas falhas da vontade, o Código civil denomina defeitos do negócio jurídico. Os defeitos do negócio jurídico costumam ser classificados em vícios de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão) e vícios sociais (fraude contra credores). Além disso, apesar de fora do respectivo capítulo do Código Civil, a incapacidade relativa do agente também é um defeito do negócio jurídico que leva à sua anulabilidade (CC, art 171, I). Presentes tais defeitos, o negócio jurídico existe e é válido até que algum interessado, desde que dentro dos prazos decadenciais estipulados (CC, arts 178 e 179) peça e obtenha sua anulação por sentença judicial (art 177).

2.        Erro ou ignorância

Erro é a falsa e errônea percepção da realidade. Ignorância, por sua vez, é o completo desconhecimento da realidade. De todo modo, apesar da diferença entre esses dois conceitos, ambos foram equiparados pelo legislador para caracterização dos vícios da vontade. O erro permite a anulação do negócio jurídico na medida em que influencia a formação da vontade. O erro permite a anulação do negócio jurídico na medida em que influencia a formação e da vontade do agente que, se tivesse noção exata da realidade não manifestaria sua vontade, ou a manifestaria de modo diverso.

3.        Os diversos tipos de “erro”

São várias as circunstâncias em que alguém pode realizar determinado negócio jurídico fundado numa falsa percepção das coisas. Analisando essas diversas possibilidades, diferentes classificações surgiram. (a) o erro pode ser substancial ou acidental. Será substancial quando a falsa percepção da realidade influenciar a própria iniciativa de realizar o negócio jurídico. Ou seja, será substancial quando, se conhecesse perfeitamente a realidade, o sujeito sequer teria realizado o negócio jurídico. Por outro lado, será acidental se recair sobre circunstâncias colaterais do negócio jurídico. Em tal caso, o perfeito conhecimento da realidade não teria impedido o sujeito de realizar o negócio, o qual, contudo, teria sido realizado de modo diverso. Se do erro não resultar prejuízo algum, o erro será absolutamente irrelevante. É o que ocorre, por exemplo, com o erro em relação a qualidade não essencial da pessoa. (b) o erro pode ainda ser de fato ou de direito. Erro de fato é o desconhecimento dos fatos que importam para a formação da vontade do sujeito. O erro de direito, por sua vez, é o desconhecimento ou ignorância da lei que se mostra pertinente para a formação da vontade. (c) No que se refere à gravidade do erro, ele pode ser escusável ou inescusável. O padrão utilizado para a escusabilidade do erro é o do homem médio, assim considerado como sendo o sujeito que possa representar o padrão de conhecimento e percepção da realidade que usualmente se verifica na sociedade. O erro será escusável, portanto, se outra pessoa que se encontrasse na situação do sujeito igualmente seria levado a crer um falso estado das coisas. Por sua vez, será inescusável se qualquer pessoa com um padrão médio de diligência poderia compreender que a realidade era distinta daquela que foi percebida. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

4.        Anulação do negócio jurídico

Não é todo e qualquer erro que permite a anulação do ato. Para que o erro possa levar à anulação do negócio jurídico é necessário que o erro seja (a) substancial e (b) cognoscível pelo outro contratante. Apenas o erro substancial permite a anulação do negócio jurídico. O art 138 diz expressamente que “são anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial”. O art 139 descreve as hipóteses de erro substancial. Por outro lado, o erro que não resultar em prejuízo algum ao sujeito será completamente irrelevante e não trará consequência alguma ao negócio jurídico. Além disse, apenas terá aptidão de anular o negócio jurídico o erro que puder ser cognoscível pelo outro contratante. Houve, neste ponto, sensível diferença em relação ao Código Civil de 1916. Dizia o art 86 do Código Civil de 1916 que: “são anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial”. Na vigência do Código Civil de 1.916, como se vê, bastava o vício de vontade para anular o ato. Resultando de uma falsa ou ausente percepção da realidade, o negócio jurídico poderia ser anulado, pouco importando a conduta do terceiro que contatava com o sujeito que manifestou sua vontade por erro. Influenciado pela teoria da confiança, o legislador do Código Civil de 2002 acertadamente mostrou-se mais sensível à situação do terceiro, que contrata com o sujeito cuja vontade foi viciada por erro. Diz o art 138 que são anuláveis os negócios jurídicos quando o erro que tiver influenciado a vontade do sujeito “poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”. A pessoa a que se refere esse artigo, evidentemente, não é quem externou sua vontade movido pelo erro substancial. Afinal de contas, tivesse percebido o erro, vício algum existiria e o negócio não poderia ser anulado. A pessoa a que se refere esse artigo é o terceiro que contratou com o sujeito cuja vontade está viciada. A escusabilidade do erro perdeu sua tradicional importância para caracterizar o erro com aptidão de anular o negócio jurídico. Não é mais em relação à capacidade ordinária das pessoas em perceber a realidade e evitar o erro que se ocupou o legislador. É a capacidade desse terceiro que contratou com a pessoa cuja vontade está viciada por erro que tem relevância para a anulação do negócio jurídico. Se uma pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio, pudesse ter percebido que estava contratando com uma pessoa cuja vontade estava influenciada por um erro, o negócio será anulável. Neste sentido: “na sistemática do art 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança” (Enunciado n. 12, I Jornada de Direito Civil). Confira-se, ainda, relevante precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo: (TJ-SP, apelação n. 0007092-28.2006.8.26.0581, rel. Francisco Loureiro, j. 30.10.12), Ainda assim, entretanto, há quem considere que o erro inescusável não dá ensejo à anulação do negócio jurídico. (1) (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Maria Helena Diniz, Código civil anotado, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, p. 198
Art 139. O erro é substancial quando: 1

I – interessa a natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

1.        Erro substancial

O erro é substancial quando a falsa percepção da realidade influenciar a própria iniciativa de realizar o negócio jurídico. Ou seja, quando o sujeito, se conhecesse perfeitamente a realidade, sequer teria realizado o negócio jurídico. O art 139 enumera as hipóteses em que o erro se reputa substancial. A primeira delas é quando recair sobre a natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, u a alguma das qualidades a ele essenciais (inciso I). É o que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa imagina estar vendendo uma casa e a outra acredita que a está recebendo por doação (natureza do negócio). Ou quando alguém imagina que está adquirindo um terreno e recebe outro em seu lugar (objeto principal). Ou ainda quando imagina que está comprando uma vaca leiteira quando, em verdade, a vaca é para corte (qualidade essencial). Em tais hipóteses, o erro essencial incide sobre o objeto do negócio jurídico. Pode ocorrer, entretanto, que o erro essencial recaia sobre a pessoa a quem a declaração de vontade se refere (inciso II). Em tal hipótese, o erro poderá incidir sobre a identidade ou a qualidade da pessoa, desde que isso seja essencial ao negócio jurídico. É o que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa pensa estar se associando a outra de ilibada reputação, quando, em verdade, essa pessoa apresenta traços de comprovada inidoneidade (qualidade essencial). Ou ainda quando a pessoa imaginou encomendar uma obra de determinado artista plástico e, em verdade, fez a encomenda para outra pessoa. Os vícios quando à identidade ou qualidade da pessoa costumam ganhar particular relevância no direito de família. Por fim, o erro de direito também será essência quando, não implicar em recusa à aplicação da lei e for o motivo único ou principal do negócio jurídico (inciso III). O primeiro pressuposto para a caracterização do erro essencial de direito é que ele não pode importar em recusa à aplicação da lei, afastando a incidência de norma cogente. Desconhecer a lei, entretanto, não é sinônimo de viola-la. É comum ocorrer que determinada pessoa seja movida a realizar determinado negócio jurídico por simples desconhecimento da lei, por exemplo, imaginando ser devedora de alguém quando, em verdade não é. É necessário, entretanto, que esse erro de direito seja o motivo único ou principal do negócio jurídico. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. 1

1.        Falso motivo

Conceitualmente, motivo é o “escopo ulterior, pessoal, individual e concreto que as partes pretendem conseguir com a celebração de um contrato”. (1) Na grande maioria das vezes, portanto, o motivo sequer chega a ser exteriorizado na declaração de vontade. Tome como exemplo alguém que queira comprar u terreno para nele construir uma casa e futuramente residir com sua esposa. O motivo que leva essa pessoa a comprar o terreno é esse escopo ulterior de construir nele sua futura residência. Esse motivo, entretanto, é absolutamente irrelevante para a validade do negócio. Se essa pessoa não vir a se casar, ainda assim esse contrato de compra e venda do imóvel permanece válido e eficaz. Todavia, quando o motivo é expresso como razão determinante para a realização do negócio, esse motivo (ordinariamente irrelevante para o direito) ganha relevância perante o direito. É o que ocorre, por exemplo, com alguém que faz uma doação a alguém com a declarada intenção de agradecer-lhe por ter salvado sua vida. O motivo determinante e conhecido da contraparte é a gratidão pelo salvamento de sua vida. Se essa pessoa não tiver salvado a vida do doador, esse motivo terá se revelado falso ou inexistente e o negócio poderá ser anulado. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Enzo Roppo, O contrato. Coimbra, Almedina, 1988, p. 190

Segundo José Carlos Moreira Alves, o Código Civil de 2002, corrige a impropriedade do art 90 do diploma de 1916, substituindo falsa causa por falso motivo.(1) O motivo do negócio, ou seja, as razões psicológicas que levam a pessoa a realiza-lo, não precisa ser mencionado pelas partes.

Motivos são as ideias, as razões subjetivas, interiores, consideradas acidentais e sem relevância para a apreciação da validade do negócio. Em uma compra e venda, por exemplo, os motivos podem ser diversos: a necessidade de alienação, investimento, edificação de moradia etc. são estranhos ao direito e não precisam ser mencionados.

O erro quanto ao objetivo colimado não vicia, em regra, o negócio jurídico, a não ser quando nele figurar expressamente, integrando-o, como sua razão essencial ou determinante, como preceitua o art 140 supratranscrito. Nesse caso, passam à condição de elementos essenciais do negócio.

O mencionado dispositivo legal permite, portanto, que as partes promovam o erro acidental a erro relevante. Os casos mais comuns são de liberalidades, com expressa declaração do motivo determinante (filiação, parentesco, p. ex.), que entretanto se revelam, posteriormente, falsos, ou de venda de fundo de comércio tendo como motivo determinante a perspectiva de numerosa freguesia, que posteriormente se verifica ser falso.

Se uma pessoa faz uma doação a outra, porque é informada de que o donatário é seu filho, a quem não conhecia, ou é a pessoa que lhe salvou a vida, e posteriormente descobre que tais fatos não são verdadeiros, a doação poderá ser anulada somente na hipótese de os referidos motivos terem sido expressamente declarados no instrumento como razão de terminante. Se não o foram, não poderá ser invalidada. Não se admite, em face da dicção do citado art 140, a anulação de negócio jurídico pela manifestação tácita da vontade. (2) (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 409/410, 2010 Saraiva – São Paulo).

(1)      José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral, cit., p. 112
(2)      Washington de Barros Monteiro, Curso, cit. v. I, p. 200-201; Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. I, p. 193-194; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 486; Maria Helena Diniz, curso, cit., v. I, p. 387; Renan Lotufo, Código Civil, cit., p. 140-141.