quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 138, 139, 140 - Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do erro ou ignorância - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 138, 139, 140 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do erro ou ignorância
 - VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção I – Do Erro ou Ignorância - vargasdigitador.blogspot.com

Art 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. 1, 2, 3, 4

1.        Defeitos do negócio jurídico

Todo negócio jurídico é um ato de vontade. Por essa razão, para que o negócio jurídico seja perfeitamente formado, é necessário que essa vontade tenha sido manifestada de forma livre, consciente e idônea pelo agente que deseja o negócio jurídico. Havendo alguma circunstância que prejudique ou impeça que a manifestação de vontade ocorra normalmente, o negócio jurídico será viciado e poderá ser anulado. A essas falhas da vontade, o Código civil denomina defeitos do negócio jurídico. Os defeitos do negócio jurídico costumam ser classificados em vícios de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão) e vícios sociais (fraude contra credores). Além disso, apesar de fora do respectivo capítulo do Código Civil, a incapacidade relativa do agente também é um defeito do negócio jurídico que leva à sua anulabilidade (CC, art 171, I). Presentes tais defeitos, o negócio jurídico existe e é válido até que algum interessado, desde que dentro dos prazos decadenciais estipulados (CC, arts 178 e 179) peça e obtenha sua anulação por sentença judicial (art 177).

2.        Erro ou ignorância

Erro é a falsa e errônea percepção da realidade. Ignorância, por sua vez, é o completo desconhecimento da realidade. De todo modo, apesar da diferença entre esses dois conceitos, ambos foram equiparados pelo legislador para caracterização dos vícios da vontade. O erro permite a anulação do negócio jurídico na medida em que influencia a formação da vontade. O erro permite a anulação do negócio jurídico na medida em que influencia a formação e da vontade do agente que, se tivesse noção exata da realidade não manifestaria sua vontade, ou a manifestaria de modo diverso.

3.        Os diversos tipos de “erro”

São várias as circunstâncias em que alguém pode realizar determinado negócio jurídico fundado numa falsa percepção das coisas. Analisando essas diversas possibilidades, diferentes classificações surgiram. (a) o erro pode ser substancial ou acidental. Será substancial quando a falsa percepção da realidade influenciar a própria iniciativa de realizar o negócio jurídico. Ou seja, será substancial quando, se conhecesse perfeitamente a realidade, o sujeito sequer teria realizado o negócio jurídico. Por outro lado, será acidental se recair sobre circunstâncias colaterais do negócio jurídico. Em tal caso, o perfeito conhecimento da realidade não teria impedido o sujeito de realizar o negócio, o qual, contudo, teria sido realizado de modo diverso. Se do erro não resultar prejuízo algum, o erro será absolutamente irrelevante. É o que ocorre, por exemplo, com o erro em relação a qualidade não essencial da pessoa. (b) o erro pode ainda ser de fato ou de direito. Erro de fato é o desconhecimento dos fatos que importam para a formação da vontade do sujeito. O erro de direito, por sua vez, é o desconhecimento ou ignorância da lei que se mostra pertinente para a formação da vontade. (c) No que se refere à gravidade do erro, ele pode ser escusável ou inescusável. O padrão utilizado para a escusabilidade do erro é o do homem médio, assim considerado como sendo o sujeito que possa representar o padrão de conhecimento e percepção da realidade que usualmente se verifica na sociedade. O erro será escusável, portanto, se outra pessoa que se encontrasse na situação do sujeito igualmente seria levado a crer um falso estado das coisas. Por sua vez, será inescusável se qualquer pessoa com um padrão médio de diligência poderia compreender que a realidade era distinta daquela que foi percebida. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

4.        Anulação do negócio jurídico

Não é todo e qualquer erro que permite a anulação do ato. Para que o erro possa levar à anulação do negócio jurídico é necessário que o erro seja (a) substancial e (b) cognoscível pelo outro contratante. Apenas o erro substancial permite a anulação do negócio jurídico. O art 138 diz expressamente que “são anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial”. O art 139 descreve as hipóteses de erro substancial. Por outro lado, o erro que não resultar em prejuízo algum ao sujeito será completamente irrelevante e não trará consequência alguma ao negócio jurídico. Além disse, apenas terá aptidão de anular o negócio jurídico o erro que puder ser cognoscível pelo outro contratante. Houve, neste ponto, sensível diferença em relação ao Código Civil de 1916. Dizia o art 86 do Código Civil de 1916 que: “são anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial”. Na vigência do Código Civil de 1.916, como se vê, bastava o vício de vontade para anular o ato. Resultando de uma falsa ou ausente percepção da realidade, o negócio jurídico poderia ser anulado, pouco importando a conduta do terceiro que contatava com o sujeito que manifestou sua vontade por erro. Influenciado pela teoria da confiança, o legislador do Código Civil de 2002 acertadamente mostrou-se mais sensível à situação do terceiro, que contrata com o sujeito cuja vontade foi viciada por erro. Diz o art 138 que são anuláveis os negócios jurídicos quando o erro que tiver influenciado a vontade do sujeito “poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”. A pessoa a que se refere esse artigo, evidentemente, não é quem externou sua vontade movido pelo erro substancial. Afinal de contas, tivesse percebido o erro, vício algum existiria e o negócio não poderia ser anulado. A pessoa a que se refere esse artigo é o terceiro que contratou com o sujeito cuja vontade está viciada. A escusabilidade do erro perdeu sua tradicional importância para caracterizar o erro com aptidão de anular o negócio jurídico. Não é mais em relação à capacidade ordinária das pessoas em perceber a realidade e evitar o erro que se ocupou o legislador. É a capacidade desse terceiro que contratou com a pessoa cuja vontade está viciada por erro que tem relevância para a anulação do negócio jurídico. Se uma pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio, pudesse ter percebido que estava contratando com uma pessoa cuja vontade estava influenciada por um erro, o negócio será anulável. Neste sentido: “na sistemática do art 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança” (Enunciado n. 12, I Jornada de Direito Civil). Confira-se, ainda, relevante precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo: (TJ-SP, apelação n. 0007092-28.2006.8.26.0581, rel. Francisco Loureiro, j. 30.10.12), Ainda assim, entretanto, há quem considere que o erro inescusável não dá ensejo à anulação do negócio jurídico. (1) (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Maria Helena Diniz, Código civil anotado, 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, p. 198
Art 139. O erro é substancial quando: 1

I – interessa a natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

1.        Erro substancial

O erro é substancial quando a falsa percepção da realidade influenciar a própria iniciativa de realizar o negócio jurídico. Ou seja, quando o sujeito, se conhecesse perfeitamente a realidade, sequer teria realizado o negócio jurídico. O art 139 enumera as hipóteses em que o erro se reputa substancial. A primeira delas é quando recair sobre a natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, u a alguma das qualidades a ele essenciais (inciso I). É o que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa imagina estar vendendo uma casa e a outra acredita que a está recebendo por doação (natureza do negócio). Ou quando alguém imagina que está adquirindo um terreno e recebe outro em seu lugar (objeto principal). Ou ainda quando imagina que está comprando uma vaca leiteira quando, em verdade, a vaca é para corte (qualidade essencial). Em tais hipóteses, o erro essencial incide sobre o objeto do negócio jurídico. Pode ocorrer, entretanto, que o erro essencial recaia sobre a pessoa a quem a declaração de vontade se refere (inciso II). Em tal hipótese, o erro poderá incidir sobre a identidade ou a qualidade da pessoa, desde que isso seja essencial ao negócio jurídico. É o que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa pensa estar se associando a outra de ilibada reputação, quando, em verdade, essa pessoa apresenta traços de comprovada inidoneidade (qualidade essencial). Ou ainda quando a pessoa imaginou encomendar uma obra de determinado artista plástico e, em verdade, fez a encomenda para outra pessoa. Os vícios quando à identidade ou qualidade da pessoa costumam ganhar particular relevância no direito de família. Por fim, o erro de direito também será essência quando, não implicar em recusa à aplicação da lei e for o motivo único ou principal do negócio jurídico (inciso III). O primeiro pressuposto para a caracterização do erro essencial de direito é que ele não pode importar em recusa à aplicação da lei, afastando a incidência de norma cogente. Desconhecer a lei, entretanto, não é sinônimo de viola-la. É comum ocorrer que determinada pessoa seja movida a realizar determinado negócio jurídico por simples desconhecimento da lei, por exemplo, imaginando ser devedora de alguém quando, em verdade não é. É necessário, entretanto, que esse erro de direito seja o motivo único ou principal do negócio jurídico. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. 1

1.        Falso motivo

Conceitualmente, motivo é o “escopo ulterior, pessoal, individual e concreto que as partes pretendem conseguir com a celebração de um contrato”. (1) Na grande maioria das vezes, portanto, o motivo sequer chega a ser exteriorizado na declaração de vontade. Tome como exemplo alguém que queira comprar u terreno para nele construir uma casa e futuramente residir com sua esposa. O motivo que leva essa pessoa a comprar o terreno é esse escopo ulterior de construir nele sua futura residência. Esse motivo, entretanto, é absolutamente irrelevante para a validade do negócio. Se essa pessoa não vir a se casar, ainda assim esse contrato de compra e venda do imóvel permanece válido e eficaz. Todavia, quando o motivo é expresso como razão determinante para a realização do negócio, esse motivo (ordinariamente irrelevante para o direito) ganha relevância perante o direito. É o que ocorre, por exemplo, com alguém que faz uma doação a alguém com a declarada intenção de agradecer-lhe por ter salvado sua vida. O motivo determinante e conhecido da contraparte é a gratidão pelo salvamento de sua vida. Se essa pessoa não tiver salvado a vida do doador, esse motivo terá se revelado falso ou inexistente e o negócio poderá ser anulado. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Enzo Roppo, O contrato. Coimbra, Almedina, 1988, p. 190

Segundo José Carlos Moreira Alves, o Código Civil de 2002, corrige a impropriedade do art 90 do diploma de 1916, substituindo falsa causa por falso motivo.(1) O motivo do negócio, ou seja, as razões psicológicas que levam a pessoa a realiza-lo, não precisa ser mencionado pelas partes.

Motivos são as ideias, as razões subjetivas, interiores, consideradas acidentais e sem relevância para a apreciação da validade do negócio. Em uma compra e venda, por exemplo, os motivos podem ser diversos: a necessidade de alienação, investimento, edificação de moradia etc. são estranhos ao direito e não precisam ser mencionados.

O erro quanto ao objetivo colimado não vicia, em regra, o negócio jurídico, a não ser quando nele figurar expressamente, integrando-o, como sua razão essencial ou determinante, como preceitua o art 140 supratranscrito. Nesse caso, passam à condição de elementos essenciais do negócio.

O mencionado dispositivo legal permite, portanto, que as partes promovam o erro acidental a erro relevante. Os casos mais comuns são de liberalidades, com expressa declaração do motivo determinante (filiação, parentesco, p. ex.), que entretanto se revelam, posteriormente, falsos, ou de venda de fundo de comércio tendo como motivo determinante a perspectiva de numerosa freguesia, que posteriormente se verifica ser falso.

Se uma pessoa faz uma doação a outra, porque é informada de que o donatário é seu filho, a quem não conhecia, ou é a pessoa que lhe salvou a vida, e posteriormente descobre que tais fatos não são verdadeiros, a doação poderá ser anulada somente na hipótese de os referidos motivos terem sido expressamente declarados no instrumento como razão de terminante. Se não o foram, não poderá ser invalidada. Não se admite, em face da dicção do citado art 140, a anulação de negócio jurídico pela manifestação tácita da vontade. (2) (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 409/410, 2010 Saraiva – São Paulo).

(1)      José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral, cit., p. 112
(2)      Washington de Barros Monteiro, Curso, cit. v. I, p. 200-201; Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. I, p. 193-194; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 486; Maria Helena Diniz, curso, cit., v. I, p. 387; Renan Lotufo, Código Civil, cit., p. 140-141.

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