DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 138, 139, 140 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do erro ou ignorância
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VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do
Negócio Jurídico – Seção I – Do Erro
ou Ignorância - vargasdigitador.blogspot.com
Art 138. São
anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de
erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em
face das circunstâncias do negócio. 1, 2, 3, 4
1.
Defeitos do negócio jurídico
Todo negócio jurídico é um ato de
vontade. Por essa razão, para que o negócio jurídico seja perfeitamente
formado, é necessário que essa vontade tenha sido manifestada de forma livre,
consciente e idônea pelo agente que deseja o negócio jurídico. Havendo alguma
circunstância que prejudique ou impeça que a manifestação de vontade ocorra
normalmente, o negócio jurídico será viciado e poderá ser anulado. A essas
falhas da vontade, o Código civil denomina defeitos do negócio jurídico. Os
defeitos do negócio jurídico costumam ser classificados em vícios de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo,
lesão) e vícios sociais (fraude
contra credores). Além disso, apesar de fora do respectivo capítulo do Código
Civil, a incapacidade relativa do agente também é um defeito do negócio
jurídico que leva à sua anulabilidade (CC, art 171, I). Presentes tais
defeitos, o negócio jurídico existe e é válido até que algum interessado, desde
que dentro dos prazos decadenciais estipulados (CC, arts 178 e 179) peça e
obtenha sua anulação por sentença judicial (art 177).
2.
Erro ou ignorância
Erro é a falsa e errônea percepção da
realidade. Ignorância, por sua vez, é o completo desconhecimento da realidade.
De todo modo, apesar da diferença entre esses dois conceitos, ambos foram
equiparados pelo legislador para caracterização dos vícios da vontade. O erro
permite a anulação do negócio jurídico na medida em que influencia a formação
da vontade. O erro permite a anulação do negócio jurídico na medida em que
influencia a formação e da vontade do agente que, se tivesse noção exata da
realidade não manifestaria sua vontade, ou a manifestaria de modo diverso.
3.
Os diversos tipos de “erro”
São várias as circunstâncias em que
alguém pode realizar determinado negócio jurídico fundado numa falsa percepção
das coisas. Analisando essas diversas possibilidades, diferentes classificações
surgiram. (a) o erro pode ser substancial ou acidental. Será substancial quando
a falsa percepção da realidade influenciar a própria iniciativa de realizar o
negócio jurídico. Ou seja, será substancial quando, se conhecesse perfeitamente
a realidade, o sujeito sequer teria realizado o negócio jurídico. Por outro
lado, será acidental se recair sobre circunstâncias colaterais do negócio
jurídico. Em tal caso, o perfeito conhecimento da realidade não teria impedido
o sujeito de realizar o negócio, o qual, contudo, teria sido realizado de modo
diverso. Se do erro não resultar prejuízo algum, o erro será absolutamente
irrelevante. É o que ocorre, por exemplo, com o erro em relação a qualidade não
essencial da pessoa. (b) o erro pode ainda ser de fato ou de direito. Erro de
fato é o desconhecimento dos fatos que importam para a formação da vontade do
sujeito. O erro de direito, por sua vez, é o desconhecimento ou ignorância da
lei que se mostra pertinente para a formação da vontade. (c) No que se refere à
gravidade do erro, ele pode ser escusável ou inescusável. O padrão utilizado
para a escusabilidade do erro é o do homem médio, assim considerado como sendo
o sujeito que possa representar o padrão de conhecimento e percepção da
realidade que usualmente se verifica na sociedade. O erro será escusável,
portanto, se outra pessoa que se encontrasse na situação do sujeito igualmente
seria levado a crer um falso estado das coisas. Por sua vez, será inescusável
se qualquer pessoa com um padrão médio de diligência poderia compreender que a
realidade era distinta daquela que foi percebida. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
4.
Anulação do negócio jurídico
Não
é todo e qualquer erro que permite a anulação do ato. Para que o erro possa
levar à anulação do negócio jurídico é necessário que o erro seja (a)
substancial e (b) cognoscível pelo outro contratante. Apenas o erro substancial
permite a anulação do negócio jurídico. O art 138 diz expressamente que “são anuláveis os negócios jurídicos, quando
as declarações de vontade emanarem de erro substancial”. O art 139 descreve
as hipóteses de erro substancial. Por outro lado, o erro que não resultar em
prejuízo algum ao sujeito será completamente irrelevante e não trará
consequência alguma ao negócio jurídico. Além disse, apenas terá aptidão de
anular o negócio jurídico o erro que puder ser cognoscível pelo outro
contratante. Houve, neste ponto, sensível diferença em relação ao Código Civil
de 1916. Dizia o art 86 do Código Civil de 1916 que: “são anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade
emanarem de erro substancial”. Na vigência do Código Civil de 1.916, como
se vê, bastava o vício de vontade para anular o ato. Resultando de uma falsa ou
ausente percepção da realidade, o negócio jurídico poderia ser anulado, pouco
importando a conduta do terceiro que contatava com o sujeito que manifestou sua
vontade por erro. Influenciado pela teoria
da confiança, o legislador do Código Civil de 2002 acertadamente mostrou-se
mais sensível à situação do terceiro, que contrata com o sujeito cuja vontade
foi viciada por erro. Diz o art 138 que são anuláveis os negócios jurídicos
quando o erro que tiver influenciado a vontade do sujeito “poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das
circunstâncias do negócio”. A pessoa a que se refere esse artigo,
evidentemente, não é quem externou sua vontade movido pelo erro substancial.
Afinal de contas, tivesse percebido o erro, vício algum existiria e o negócio
não poderia ser anulado. A pessoa a que se refere esse artigo é o terceiro que
contratou com o sujeito cuja vontade está viciada. A escusabilidade do erro
perdeu sua tradicional importância para caracterizar o erro com aptidão de
anular o negócio jurídico. Não é mais em relação à capacidade ordinária das
pessoas em perceber a realidade e evitar o erro que se ocupou o legislador. É a
capacidade desse terceiro que contratou com a pessoa cuja vontade está viciada
por erro que tem relevância para a anulação do negócio jurídico. Se uma pessoa
de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio, pudesse ter
percebido que estava contratando com uma pessoa cuja vontade estava
influenciada por um erro, o negócio será anulável. Neste sentido: “na sistemática do art 138, é irrelevante ser
ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança”
(Enunciado n. 12, I Jornada de Direito Civil). Confira-se, ainda, relevante
precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo: (TJ-SP, apelação n.
0007092-28.2006.8.26.0581, rel. Francisco Loureiro, j. 30.10.12), Ainda assim,
entretanto, há quem considere que o erro inescusável não dá ensejo à anulação
do negócio jurídico. (1) (Direito
Civil Comentado apud Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1) Maria Helena Diniz, Código civil anotado, 16ª ed., São
Paulo, Saraiva, 2012, p. 198
Art 139. O
erro é substancial quando: 1
I
– interessa a natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a
alguma das qualidades a ele essenciais;
II
– concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a
declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III
– sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo
único ou principal do negócio jurídico.
1.
Erro substancial
O
erro é substancial quando a falsa percepção da realidade influenciar a própria
iniciativa de realizar o negócio jurídico. Ou seja, quando o sujeito, se
conhecesse perfeitamente a realidade, sequer teria realizado o negócio
jurídico. O art 139 enumera as hipóteses em que o erro se reputa substancial. A
primeira delas é quando recair sobre a natureza do negócio, ao objeto principal
da declaração, u a alguma das qualidades a ele essenciais (inciso I). É o que
ocorre, por exemplo, quando uma pessoa imagina estar vendendo uma casa e a
outra acredita que a está recebendo por doação (natureza do negócio). Ou quando
alguém imagina que está adquirindo um terreno e recebe outro em seu lugar
(objeto principal). Ou ainda quando imagina que está comprando uma vaca
leiteira quando, em verdade, a vaca é para corte (qualidade essencial). Em tais
hipóteses, o erro essencial incide sobre o objeto do negócio jurídico. Pode
ocorrer, entretanto, que o erro essencial recaia sobre a pessoa a quem a
declaração de vontade se refere (inciso II). Em tal hipótese, o erro poderá
incidir sobre a identidade ou a qualidade da pessoa, desde que isso seja
essencial ao negócio jurídico. É o que ocorre, por exemplo, quando uma pessoa
pensa estar se associando a outra de ilibada reputação, quando, em verdade,
essa pessoa apresenta traços de comprovada inidoneidade (qualidade essencial).
Ou ainda quando a pessoa imaginou encomendar uma obra de determinado artista
plástico e, em verdade, fez a encomenda para outra pessoa. Os vícios quando à
identidade ou qualidade da pessoa costumam ganhar particular relevância no
direito de família. Por fim, o erro de direito também será essência quando, não
implicar em recusa à aplicação da lei e for o motivo único ou principal do
negócio jurídico (inciso III). O primeiro pressuposto para a caracterização do
erro essencial de direito é que ele não pode importar em recusa à aplicação da
lei, afastando a incidência de norma cogente. Desconhecer a lei, entretanto,
não é sinônimo de viola-la. É comum ocorrer que determinada pessoa seja movida
a realizar determinado negócio jurídico por simples desconhecimento da lei, por
exemplo, imaginando ser devedora de alguém quando, em verdade não é. É
necessário, entretanto, que esse erro de direito seja o motivo único ou
principal do negócio jurídico. (Direito
Civil Comentado apud Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Art 140. O
falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão
determinante. 1
1.
Falso motivo
Conceitualmente,
motivo é o “escopo ulterior, pessoal,
individual e concreto que as partes pretendem conseguir com a celebração de um
contrato”. (1) Na grande maioria das vezes, portanto, o motivo
sequer chega a ser exteriorizado na declaração de vontade. Tome como exemplo
alguém que queira comprar u terreno para nele construir uma casa e futuramente
residir com sua esposa. O motivo que leva essa pessoa a comprar o terreno é
esse escopo ulterior de construir nele sua futura residência. Esse motivo,
entretanto, é absolutamente irrelevante para a validade do negócio. Se essa
pessoa não vir a se casar, ainda assim esse contrato de compra e venda do imóvel
permanece válido e eficaz. Todavia, quando o motivo é expresso como razão
determinante para a realização do negócio, esse motivo (ordinariamente
irrelevante para o direito) ganha relevância perante o direito. É o que ocorre,
por exemplo, com alguém que faz uma doação a alguém com a declarada intenção de
agradecer-lhe por ter salvado sua vida. O motivo determinante e conhecido da
contraparte é a gratidão pelo salvamento de sua vida. Se essa pessoa não tiver
salvado a vida do doador, esse motivo terá se revelado falso ou inexistente e o
negócio poderá ser anulado. (Direito
Civil Comentado apud Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 14.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1) Enzo Roppo, O contrato. Coimbra, Almedina, 1988, p. 190
Segundo José Carlos Moreira Alves, o
Código Civil de 2002, corrige a impropriedade do art 90 do diploma de 1916,
substituindo falsa causa por falso motivo.(1) O motivo do
negócio, ou seja, as razões psicológicas que levam a pessoa a realiza-lo, não
precisa ser mencionado pelas partes.
Motivos são as ideias, as razões
subjetivas, interiores, consideradas acidentais e sem relevância para a
apreciação da validade do negócio. Em uma compra e venda, por exemplo, os motivos
podem ser diversos: a necessidade de alienação, investimento, edificação de
moradia etc. são estranhos ao direito e não precisam ser mencionados.
O erro quanto ao objetivo colimado não
vicia, em regra, o negócio jurídico, a não ser quando nele figurar
expressamente, integrando-o, como sua razão essencial ou determinante, como
preceitua o art 140 supratranscrito. Nesse caso, passam à condição de elementos
essenciais do negócio.
O mencionado dispositivo legal
permite, portanto, que as partes promovam o erro acidental a erro relevante. Os
casos mais comuns são de liberalidades, com expressa declaração do motivo
determinante (filiação, parentesco, p. ex.), que entretanto se revelam,
posteriormente, falsos, ou de venda de fundo de comércio tendo como motivo
determinante a perspectiva de numerosa freguesia, que posteriormente se
verifica ser falso.
Se
uma pessoa faz uma doação a outra, porque é informada de que o donatário é seu
filho, a quem não conhecia, ou é a pessoa que lhe salvou a vida, e posteriormente
descobre que tais fatos não são verdadeiros, a doação poderá ser anulada
somente na hipótese de os referidos motivos terem sido expressamente declarados
no instrumento como razão de terminante. Se não o foram, não poderá ser
invalidada. Não se admite, em face da dicção do citado art 140, a anulação de
negócio jurídico pela manifestação tácita da vontade. (2) (Direito
Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v.
I, p. 409/410, 2010 Saraiva – São Paulo).
(1) José Carlos Moreira Alves, A Parte Geral, cit., p. 112
(2) Washington de Barros Monteiro, Curso, cit. v. I, p. 200-201; Silvio
Rodrigues, Direito civil, cit., v. I,
p. 193-194; Francisco Amaral, Direito
civil, cit., p. 486; Maria Helena Diniz, curso, cit., v. I, p. 387; Renan Lotufo, Código Civil, cit., p. 140-141.
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