sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185 Dos Atos Jurídicos Lícitos VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185
Dos Atos Jurídicos Lícitos
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 232)
Título II – Dos Atos Jurídicos Lícitos –
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Art 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. 1

1.        Atos jurídicos lícitos

O Código Civil acolheu a classificação dos atos jurídicos em atos jurídicos em sentido estrito e em negócios jurídicos. Enquanto que nos negócios jurídicos o sujeito pratica o ato querendo a produção de determinados efeitos jurídicos, os atos jurídicos em sentido estrito são praticados pelo sujeito com indiferença quanto ás suas consequências jurídicas. Tanto os atos jurídicos em sentido estrito quanto os negócios jurídicos são, portanto, espécies do gênero atos jurídicos lícitos. Apesar das inegáveis particularidades que os distinguem, não há dúvidas de sua semelhante natureza. Ambos são atos de vontade, merecendo, pois, a mesma disciplina jurídica no que se refere a esses pontos comuns. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Moreira Alves, discorrendo sobre o aludido dispositivo, que constitui inovação, observa que não se pode negar a existência de atos jurídicos a que os preceitos que regulam a vontade negocial não têm inteira aplicação.

Atento a essa circunstância, aduz: “O Projeto de Código Civil brasileiro, no Livro III de sua Parte Geral, substituiu a expressão genérica ato jurídico, que se encontra no Código em vigor (refere-se ao Código de 1916), pela designação específica negócio jurídico, pois é a este, e não necessariamente àquele, que se aplicam todos os preceitos ali constante. E, no tocante aos atos jurídicos lícitos que não são negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único, em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras de negócio jurídico. Seguiu-se, nesse terreno, a orientação adotada, a propósito, no art 195º do Código Civil português de 1967”. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 97-98 apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489 - pdf – parte geral).

No diapasão de Roberto Gonçalves, entendemos os atos jurídicos em geral como ações humanas lícitas ou ilícitas. Lícitos são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos jurídicos involuntários, mas impostos por esse ordenamento. Em vez de direitos, criam deveres. Hoje se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos atos jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o prejuízo – CC, arts 186, 187 e 927). (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490 - pdf – parte geral).

Ainda na linha de raciocínio de Roberto Gonçalves, os atos jurídicos lícitos dividem-se em: ato jurídico em sentido estrito, negócio jurídico e ato-fato jurídico. Como as ações humanas que produzem efeitos jurídicos demandam disciplina diversa, conforme a lei lhes atribua consequências, com base no maior ou menor relevo que confira à vontade de quem as pratica, o Código Civil de 2002 adotou a técnica moderna de distinguir, de um lado, o negócio jurídico, que exige vontade qualificada (contrato de compra e venda, p. ex.), e, de outro, os demais atos jurídicos lícitos (v. Livro III, Título I, Capítulo IV, n. 24, retro): o ato jurídico em sentido estrito ocupação decorrente da pesca, p. ex., em que basta a simples intenção de tornar-se proprietário da res nullius, que é o peixe) e o ato-fato jurídico (encontro de tesouro, que demanda apenas o ato material de achar, independentemente da vontade ou consciência do inventor). Aos dois últimos manda o Código aplicar, apenas no que couber (não se pode falar em fraude contra credores em matéria de ocupação, p. ex.), os princípios disciplinadores do negócio jurídico. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490-491 - pdf – parte geral).

Esclarecimento: Foi apresentada na Câmara dos Deputados, emenda supressiva do atual art 185 do Código de 2002, a de n. 237, sob a alegação de que, além de não ter sentido prático na contextura do Código Civil - a distinção entre negócios jurídicos e atos jurídicos em sentido estrito é controvertida na doutrina, razão por que o artigo seria dispensável. Na doutrina, José Paulo Cavalcanti, em candente crítica, disse, entre outras coisas, que “cumpria ao Projeto estabelecer a disciplina da figura supostamente autônoma, o que não fez” (Sobre o Projeto do Código Civil: Exposição ao Instituto dos Advogados Brasileiros, Recife, 1978, p. 32, s.). A esses argumentos, respondeu a Comissão Revisora: “Disciplinando-se uma das espécies de ato jurídico, ou seja, o negócio jurídico (que é a mais importante delas), é necessário dizer que, no que couber, essas regras se aplicam às demais espécies de atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos. Como, pois, dizer-se que a regra não tem sentido prático? E o fato de ser controvertida – como acentua a justificativa – a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito só é verdadeiro na medida em que uns raros autores atacam a distinção, que hoje domina francamente, e já foi acolhida pelo novíssimo Código Civil português. Se a renitência de uns poucos for empecilho para que a ciência avance, esta jamais progredirá. Ocupação é ato jurídico; contra é ato jurídico – haverá quem pretenda que ambos se disciplinem exatamente pelos mesmos princípios? É Cabível, por exemplo, falar-se em fraude contra credores em matéria de ocupação? Um menor de 16 anos que pesca, não se torna dono do peixe? Ou alguém pretenderá que o ato de apoderamento é nulo, como seria o contrato celebrado por esse menor? Que a distinção entre os atos jurídicos existe, não há dúvida de que existe, embora nem sempre seja fácil classificar um determinado ato nesta ou naquela categoria. Mas, ninguém nega a diferença entre direito real e direito pessoal, embora haja entre eles uma zona cinzenta” (José Carlos Moreira Alves, A parte geral, cit., pp. 149-150, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489-490 - pdf – parte geral).

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 181, 182, 183, 184 - Da Anulabilidade do Negócio Jurídico, VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 181, 182, 183, 184 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
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Art 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga. 1

1.        Irrepetibilidade das quantias pagas aos incapazes

Como forma de proteger os incapazes do oportunismo daqueles que queiram tirar alguma vantagem realizando negócios jurídicos com essas pessoas presumidamente inexperientes, estipulou o legislador que ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz. Afasta-se, com isso, a regra expressa segundo a qual a anulação dos negócios jurídicos deve levar as partes ao status quo ante (CC, art 182), como forma de desencorajar esse tipo de iniciativa. Contudo, diante da regra que veda o enriquecimento sem causa, provando-se que a quantia paga reverteu em proveito do menor, poderá a outra parte reaver o que pagou em caso de anulação do negócio jurídico celebrado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Segundo o entendimento de Roberto Gonçalves, o Código abre exceção em favor dos incapazes, ao dispor que “ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga” (art 181). As obrigações contraídas com absolutamente incapazes são nulas; e anuláveis, se a incapacidade for relativa. Cabe ao incapaz, protegido pela lei, e não a quem com ele contratou, o direito de pedir a anulação do negócio.

Os efeitos por este produzidos ficam vedados a partir da anulação. Provado, porém, que o pagamento nulo reverteu em proveito do incapaz, determina-se a restituição, porque ninguém pode locupletar-se à custa alheia. Sem tal prova, mantém-se inalterada a situação. O ônus da prova incumbe a quem pagou. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 478-479 - pdf – parte geral).

Art 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. 1, 2

1.        Retorno ao status quo ante

Diferentemente do que defende parte da doutrina, ainda que com certo respaldo da jurisprudência, anulado um negócio jurídico, devem as partes retornar ao estado em que se encontravam antes dele. Ou seja, tanto a anulação do negócio jurídico quanto à declaração de sua nulidade tem a mesma eficácia retroativa (ex tunc). O artigo 182 do Código Civil é expresso quanto a isso. Deve-se, portanto, entender que a anulabilidade referida pelo presente artigo é empregada em seu sentido genérico, compreendendo tanto a nulidade quanto a anulabilidade.

2.        Impossibilidade de retorno ao status quo ante

Nem sempre, contudo, será possível devolver às partes ao estado em que se encontravam antes da realização do negócio jurídico. Basta imaginar num negócio jurídico anulado cujo objeto fosse a transferência de um bem infungível que veio a ser destruído. É evidente que em tais casos mostra-se absolutamente impossível restituir as partes ao estado em que se encontravam antes do negócio jurídico. Em tal caso, a única solução será a conversão dessa obrigação de retorno ao estado anterior em indenização equivalente. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

No mesmo entendimento Roberto Gonçalves: Tratando dos efeitos da invalidação do negócio jurídico, dispõe o art 182 do Código Civil que, “anulado o negócio jurídico” (havendo nulidade ou anulabilidade), “restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se acharem, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas, com o equivalente”. A parte final aplica-se às hipóteses e que a coisa não mais existe ou foi alienada a terceiro de boa-fé. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 478 - pdf – parte geral).

Art 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio. 1

1.        Invalidade do instrumento

Não se pode confundir o negócio jurídico com o instrumento que o materializa. Negócio jurídico é a manifestação de vontade dirigida à realização de determinados efeitos jurídicos. O instrumento, por sua vez, é o meio utilizado pelo agente para externar essa vontade. Nos casos em que a lei não exige forma especial para a prática do negócio jurídico, o instrumento valerá tão somente como prova da realização do negócio. O negócio será válido e sua existência e seu conteúdo poderão ser provados por qualquer outro meio. Todavia, nos negócios jurídicos em que lei exige forma especial, o instrumento é da substância do ato e sua nulidade implicará na nulidade do negócio jurídico. Nada impede, entretanto, que diante da nulidade do negócio jurídico formal por defeito no instrumento, haja a conversão formal do negócio jurídico inválido em outro negócio válido (vide comentários ao artigo 170.) (1). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)       Conversão do negócio jurídico nulo

Por meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída uma nova qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em substituição à qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio jurídico nulo. O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por outro válido. Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses requisitos sejam todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio jurídico, válido em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da celebração do negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio jurídico em que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a nulidade. Como se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a presença desse terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico não poderá interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Em suas disposições especiais, Roberto Gonçalves comenta que “A inviabilidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio” (CC, art 183). Assim, por exemplo, a nulidade da escritura de mútuo de pequeno valor não invalida o contrato, porque pode ser provado por testemunhas. Mas será diferente se a escritura pública for da substância do ato, como no contrato de mútuo com garantia hipotecária. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 478 - pdf – parte geral).

Art 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. 1, 2

1.        Nulidade parcial do negócio jurídico

O artigo 184 do Código Civil consagra a regra da conservação do negócio jurídico, que determina seja preservado o negócio jurídico sempre que possível. Ou seja, sempre que sua manutenção não contrariar a vontade das partes. Para tanto, entende-se necessário que a conservação do negócio jurídico não implique na produção de efeitos distintos daqueles perseguidos pela própria realização do negócio jurídico. É necessária, portanto, a preservação do núcleo do negócio jurídico assim entendido como sendo sua própria causa ensejadora. Para que a conservação do negócio jurídico tenha lugar, portanto, é necessário que se possa identificar no negócio jurídico partes autônomas e que a preservação dessas partes autônomas não venha a contraria o escopo negocial nuclear perseguido pelas partes ao celebra o negócio jurídico. Nesse sentido é a jurisprudência do superior Tribunal de Justiça: “Nos termos do art 184 do CC/02, a nulidade parcial do contrato não alcança a parte válida, desde que essa possa subsistir autonomamente. Haverá nulidade parcial sempre que o vício invalidante não atingir o núcleo do negócio jurídico. Ficando demonstrado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só teriam celebrado se válido fosse em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, não se pode cogitar de redução e a invalidade é total. O princípio da conservação do negócio jurídico não deve afetar sua causa ensejadora, interferindo na vontade das partes quanto à própria existência da transação (STJ, REsp n. 981.750-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13.04.10).

2.        Nulidade parcial do negócio jurídico no âmbito dos contratos complexos e dos contratos conexos

O princípio da conservação dos negócios jurídicos pressupõe que os contratantes teriam celebrado o contrato em análise, mesmo se ele tivesse como objeto apenas a parte que restou válida. Diante dessa exigência, parte da doutrina entende que é impossível a incidência do princípio da conservação do negócio jurídico no âmbito da conexão contratual a qual pressupõe exatamente a intenção das partes de criar um vínculo de dependência entre os diferentes contratos. Anulado, portanto, um desses contratos, restando apenas o outro, sequer haveria conexão contratual é exatamente isso o que diz Francisco Paulo de Crescenzo Marino, que afasta expressamente a incidência da regra da conservação dos negócios jurídicos às situações de conexão contratual, dizendo que “os autores que aplicam a regra da invalidade parcial à coligação contratual acabam por sustentar que, neste âmbito, parte-se sempre da “insensibilidade dos negócios”, salvo vontade contrária das partes – proposição absolutamente contraditória com a noção de coligação contratual -, ou, então, esvaziam a referida regra de seu conteúdo originário”. (1) Não é isso, contudo, o que tem prevalecido. A aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos depende apenas de uma análise da forma com que a anulação de um contrato inserido num contexto de conexão irá impactar na economia global da transação. Se a anulação de um dos contratos tiver aptidão de frustrar a realização da economia global da operação econômica idealizada pela estrutura de conexão será, de fato, o caso de permitir que a resolução de um contrato leva à resolução do outro. Nos demais casos, porém, em que a anulação de um dos contratos não impedir, por si só a realização dessa operação econômica deve prevalecer a regra utile per inutile non vitiatur, mantendo-se a validade e a eficácia do contrato remanescente. Deve-se, compreender, contudo, que quando as partes decidem estruturar determinada operação econômica por meio de um contrato complexo e não por meio de dois contratos conexos, manifestam claramente sua vontade negocial de estreitar a dependência entre tais diferentes conteúdos. Inversamente, ao estruturarem seus interesses em dois ou mais contratos distintos, porém conexos, há uma evidente vontade em manter uma maior distância e autonomia entre tais disposições. Uma vez que a conservação do negócio jurídico apenas tem lugar entre tais disposições. Uma vez que a conservação do negócio jurídico apenas tem lugar nos casos em que a vontade das partes permitir inferir que elas iriam querer manter válida apenas parte do conteúdo obrigacional, tais indícios da vontade das partes (de realizar um só contrato complexo ou vários contratos conexos) não podem ser desconsiderados. Parece acertada, portanto, a parte da doutrina ver em tais circunstâncias ora um indicativo da vontade das partes em conservar parte do conjunto negocial e ora um indicativo de reconhecer a nulidade de todo o seu conjunto. Assim, estando o intérprete diante de um caso de conexão contratual, a presunção (relativa) é a de que a nulidade ou a anulabilidade de um contrato não interfere na eficácia do outro, cabendo àquele que tem interesse na resolução do conjunto contratual provar a impossibilidade de atingir o fim contratual idealizado pelas partes. Por outro lado, tratando-se de um caso de contrato complexo, a presunção (sempre relativa) é a de que a nulidade ou a anulabilidade parcial do contrato levaria à resolução de todo o conjunto, cabendo a quem tiver interesse na conservação de parte do contrato provar sua viabilidade. (2) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Contratos coligados no direito brasileiro, p. 191.
(2)      Negozi collegati in funzioni di scambio (su alcuni problemi del collegamento negoziale e dela forma giuridica dele operazioni econimiche di scambio), pp. 420-423

Segundo Roberto Gonçalves nos ilustra, dispõe o art 184, primeira parte, que, “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”. Trata-se de aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur. Assim, por exemplo, se o testador, ao mesmo tempo em que dispôs de seus bens para depois de sua morte, aproveitou a cédula testamentária para reconhecer filho havido fora do casamento, invalidada esta por inobservância das formalidades legais, não será prejudicado o referido reconhecimento, que pode ser feito até por instrumento particular, sem formalidades (CC, art 1.609, II). A invalidade da hipoteca também, por falta de outorga uxória, impede a constituição do ônus real, mas é aproveitável como confissão de dívida.

O referido art 184 ainda prescreve, na segunda parte, que “a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”. A regra consiste em aplicação do princípio acessorium sequitur suum principale, acolhido pelo Código Civil. Assim, a nulidade da obrigação principal acarreta a nulidade da cláusula penal e da dívida contratada acarreta a da hipoteca, Mas a nulidade da obrigação acessória não importa a da obrigação principal. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 479 - pdf – parte geral).

A teoria das nulidades do negócio jurídico sofre algumas exceções, quando aplicada ao casamento. Assim, embora os negócios nulos não produzam efeitos, o casamento putativo produz alguns. Malgrado a nulidade deva ser decretada de ofício pelo juiz, a decretação de nulidade do casamento do enformo mental que não tenha o necessário discernimento, e do celebrado com infringência a impedimento, pode ser promovida mediante ação direita, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público (CC, art 1.549).

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 178, 179, 180 - Da Anulabilidade do Negócio Jurídico, VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 178, 179, 180 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
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Art 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: 1, 2

I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

1.        Natureza do prazo

O Código Civil de 1916 não fazia distinção técnica entre prescrição e decadência, atribuindo a todos os prazos a natureza de prazos prescricionais. Assim ocorrida também com os prazos para anulação de negócios jurídicos. Dizia o artigo 178 do Código Civil de 1916 que prescrevia em quatro anos “a ação de anular ou rescindir os contratos, para a qual se não tenha estabelecido menor prazo; contado este: a) no caso de coação, do dia em que ela cessar; b) no de erro, dolo, simulação ou fraude, do dia em que se realizar o ato ou o contrato; c) quanto aos atos dos incapazes, do dia em que cessar a incapacidade”. Corrigindo esse equívoco, diante da evidente natureza constitutiva do provimento judicial que reconhece a anulação dos negócios jurídicos, o Código civil de 2002 corretamente atribuiu a tais prazos a explícita natureza de um prazo decadencial.

2.        Os prazos estabelecidos para anulação dos negócios jurídicos

Diferentemente do que ocorre com o erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo e a lesão (inciso II), que se aperfeiçoam e se caracterizam com a própria celebração do negócio jurídico, a coação (inciso I) e a incapacidade podem se alongar, perdurando por um longo período de tempo. Reconhecendo esse fato, acertadamente o artigo 178 afirmou que o prazo decadencial de quatro anos para pleitear a anulação do negócio jurídico no caso de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, conta-se do dia em que se realizou o negócio jurídico. Por outro lado, nos casos de coação ou de incapacidade, o prazo decadencial de quatro anos para pleitear a anulação do negócio jurídico conta-se a partir da data em que cessar esse estado que justificava a anulação. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. 1

1.        Prazo geral de decadência

Nem só por vícios de consentimento que se pode anular um negócio jurídico. Diversos negócios jurídicos específicos apresentam particularidades específicas que podem justificar sua anulação. Em algumas delas o legislador previu prazos específicos (CC, art 45, parágrafo único), em outras delas foi omisso (CC, art 117). Para todas essas hipóteses em que o legislador dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, aplica-se a regra geral estipulada pelo presente artigo 179 segundo a qual esse prazo será de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. 1

1.        Impossibilidade de o relativamente incapaz invocar essa condição se dolosamente a omitiu

A regra segundo a qual os negócios jurídicos realizados por relativamente incapazes são anuláveis tem por escopo proteger o menor presumivelmente mais frágil, inábil e inexperiente ao realizar um negócio jurídico com alguém. Tal regra, contudo, jamais pode ser subvertida e dolosamente utilizada por esse menor para simplesmente e convenientemente se desobrigar de uma prestação que assumiu. Trata-se de uma expressão da proibição do venire contra factum proprium como princípio geral do direito, a qual repudia que alguém defenda uma posição jurídica em contradição com um comportamento assumido anteriormente. Por essa razão, caso o menor, entre dezesseis e dezoito anos, dolosamente tenha ocultado sua idade ao realizar um negócio jurídico com alguém, não poderá ulteriormente invocar essa condição para eximir-se da obrigação assumida. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).