DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 181, 182, 183, 184 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do
Negócio Jurídico
- vargasdigitador.blogspot.com
Art 181.
Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se
não provar que reverteu em proveito dele a importância paga. 1
1.
Irrepetibilidade das quantias pagas
aos incapazes
Como forma de proteger os incapazes do
oportunismo daqueles que queiram tirar alguma vantagem realizando negócios
jurídicos com essas pessoas presumidamente inexperientes, estipulou o
legislador que ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a
um incapaz. Afasta-se, com isso, a regra expressa segundo a qual a anulação dos
negócios jurídicos deve levar as partes ao status
quo ante (CC, art 182), como forma de desencorajar esse tipo de iniciativa.
Contudo, diante da regra que veda o enriquecimento sem causa, provando-se que a
quantia paga reverteu em proveito do menor, poderá a outra parte reaver o que
pagou em caso de anulação do negócio jurídico celebrado. (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Segundo o entendimento de Roberto
Gonçalves, o Código abre exceção em favor dos incapazes, ao dispor que “ninguém pode reclamar o que, por uma
obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito
dele a importância paga” (art 181). As obrigações contraídas com
absolutamente incapazes são nulas; e anuláveis, se a incapacidade for relativa.
Cabe ao incapaz, protegido pela lei, e não a quem com ele contratou, o direito
de pedir a anulação do negócio.
Os efeitos por este produzidos ficam
vedados a partir da anulação. Provado, porém, que o pagamento nulo reverteu em
proveito do incapaz, determina-se a restituição, porque ninguém pode
locupletar-se à custa alheia. Sem tal prova, mantém-se inalterada a situação. O
ônus da prova incumbe a quem pagou. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp.
478-479 - pdf – parte geral).
Art 182. Anulado
o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se
achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o
equivalente. 1, 2
1.
Retorno ao status quo ante
Diferentemente do que defende parte da
doutrina, ainda que com certo respaldo da jurisprudência, anulado um negócio
jurídico, devem as partes retornar ao estado em que se encontravam antes dele.
Ou seja, tanto a anulação do negócio jurídico quanto à declaração de sua
nulidade tem a mesma eficácia retroativa (ex
tunc). O artigo 182 do Código Civil é expresso quanto a isso. Deve-se,
portanto, entender que a anulabilidade referida pelo presente artigo é
empregada em seu sentido genérico, compreendendo tanto a nulidade quanto a
anulabilidade.
2.
Impossibilidade de retorno ao status quo ante
Nem sempre, contudo, será possível
devolver às partes ao estado em que se encontravam antes da realização do
negócio jurídico. Basta imaginar num negócio jurídico anulado cujo objeto fosse
a transferência de um bem infungível que veio a ser destruído. É evidente que
em tais casos mostra-se absolutamente impossível restituir as partes ao estado
em que se encontravam antes do negócio jurídico. Em tal caso, a única solução
será a conversão dessa obrigação de retorno ao estado anterior em indenização
equivalente. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
No mesmo entendimento Roberto
Gonçalves: Tratando dos efeitos da invalidação do negócio jurídico, dispõe o
art 182 do Código Civil que, “anulado o
negócio jurídico” (havendo nulidade ou anulabilidade), “restituir-se-ão as partes ao estado em que
antes dele se acharem, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas,
com o equivalente”. A parte final aplica-se às hipóteses e que a coisa não
mais existe ou foi alienada a terceiro de boa-fé. (Roberto
Gonçalves, Direito civil comentado, 2010
– p. 478 - pdf – parte geral).
Art 183. A
invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder
provar-se por outro meio. 1
1.
Invalidade do instrumento
Não se pode confundir o negócio
jurídico com o instrumento que o materializa. Negócio jurídico é a manifestação
de vontade dirigida à realização de determinados efeitos jurídicos. O
instrumento, por sua vez, é o meio utilizado pelo agente para externar essa
vontade. Nos casos em que a lei não exige forma especial para a prática do
negócio jurídico, o instrumento valerá tão somente como prova da realização do
negócio. O negócio será válido e sua existência e seu conteúdo poderão ser
provados por qualquer outro meio. Todavia, nos negócios jurídicos em que lei
exige forma especial, o instrumento é da substância do ato e sua nulidade
implicará na nulidade do negócio jurídico. Nada impede, entretanto, que diante
da nulidade do negócio jurídico formal por defeito no instrumento, haja a
conversão formal do negócio jurídico inválido em outro negócio válido (vide
comentários ao artigo 170.) (1). (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1)
Conversão do negócio
jurídico nulo
Por
meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída uma nova
qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em substituição à
qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio jurídico nulo.
O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por outro válido. Para
que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o negócio jurídico
nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses requisitos sejam
todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio jurídico, válido
em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da celebração do
negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio jurídico em
que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a nulidade. Como
se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a presença desse
terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico não poderá
interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio
jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o
suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por
exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de
doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda
estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os
resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se
permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor
Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor
superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da
nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em
lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a
finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico
em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não
exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em
26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Em suas disposições especiais, Roberto Gonçalves comenta que “A inviabilidade do instrumento não induz a
do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio” (CC,
art 183). Assim, por exemplo, a nulidade da escritura de mútuo de pequeno valor
não invalida o contrato, porque pode ser provado por testemunhas. Mas será
diferente se a escritura pública for da substância do ato, como no contrato de
mútuo com garantia hipotecária. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 478
- pdf – parte geral).
Art 184. Respeitada
a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o
prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação
principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da
obrigação principal. 1, 2
1.
Nulidade parcial do negócio jurídico
O artigo 184 do Código Civil consagra
a regra da conservação do negócio jurídico, que determina seja preservado o
negócio jurídico sempre que possível. Ou seja, sempre que sua manutenção não
contrariar a vontade das partes. Para tanto, entende-se necessário que a
conservação do negócio jurídico não implique na produção de efeitos distintos
daqueles perseguidos pela própria realização do negócio jurídico. É necessária,
portanto, a preservação do núcleo do negócio jurídico assim entendido como
sendo sua própria causa ensejadora. Para que a conservação do negócio jurídico
tenha lugar, portanto, é necessário que se possa identificar no negócio
jurídico partes autônomas e que a preservação dessas partes autônomas não venha
a contraria o escopo negocial nuclear perseguido pelas partes ao celebra o
negócio jurídico. Nesse sentido é a jurisprudência do superior Tribunal de
Justiça: “Nos termos do art 184 do CC/02,
a nulidade parcial do contrato não alcança a parte válida, desde que essa possa
subsistir autonomamente. Haverá nulidade parcial sempre que o vício invalidante
não atingir o núcleo do negócio jurídico. Ficando demonstrado que o negócio tem
caráter unitário, que as partes só teriam celebrado se válido fosse em seu
conjunto, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, não se pode cogitar de
redução e a invalidade é total. O princípio da conservação do negócio jurídico
não deve afetar sua causa ensejadora, interferindo na vontade das partes quanto
à própria existência da transação (STJ, REsp n. 981.750-MG, Rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 13.04.10).
2.
Nulidade parcial do negócio jurídico
no âmbito dos contratos complexos e dos contratos conexos
O princípio da conservação dos
negócios jurídicos pressupõe que os contratantes teriam celebrado o contrato em
análise, mesmo se ele tivesse como objeto apenas a parte que restou válida.
Diante dessa exigência, parte da doutrina entende que é impossível a incidência
do princípio da conservação do negócio jurídico no âmbito da conexão contratual
a qual pressupõe exatamente a intenção das partes de criar um vínculo de
dependência entre os diferentes contratos. Anulado, portanto, um desses
contratos, restando apenas o outro, sequer haveria conexão contratual é
exatamente isso o que diz Francisco Paulo de Crescenzo Marino, que afasta
expressamente a incidência da regra da conservação dos negócios jurídicos às
situações de conexão contratual, dizendo que “os autores que aplicam a regra da invalidade parcial à coligação
contratual acabam por sustentar que, neste âmbito, parte-se sempre da “insensibilidade
dos negócios”, salvo vontade contrária
das partes – proposição absolutamente contraditória com a noção de coligação
contratual -, ou, então, esvaziam a referida regra de seu conteúdo originário”.
(1) Não é isso, contudo, o que tem prevalecido. A aplicação do
princípio da conservação dos negócios jurídicos depende apenas de uma análise
da forma com que a anulação de um contrato inserido num contexto de conexão irá
impactar na economia global da transação. Se a anulação de um dos contratos
tiver aptidão de frustrar a realização da economia global da operação econômica
idealizada pela estrutura de conexão será, de fato, o caso de permitir que a
resolução de um contrato leva à resolução do outro. Nos demais casos, porém, em
que a anulação de um dos contratos não impedir, por si só a realização dessa
operação econômica deve prevalecer a regra utile
per inutile non vitiatur, mantendo-se a validade e a eficácia do contrato
remanescente. Deve-se, compreender, contudo, que quando as partes decidem
estruturar determinada operação econômica por meio de um contrato complexo e
não por meio de dois contratos conexos, manifestam claramente sua vontade
negocial de estreitar a dependência entre tais diferentes conteúdos.
Inversamente, ao estruturarem seus interesses em dois ou mais contratos
distintos, porém conexos, há uma evidente vontade em manter uma maior distância
e autonomia entre tais disposições. Uma vez que a conservação do negócio
jurídico apenas tem lugar entre tais disposições. Uma vez que a conservação do
negócio jurídico apenas tem lugar nos casos em que a vontade das partes
permitir inferir que elas iriam querer manter válida apenas parte do conteúdo
obrigacional, tais indícios da vontade das partes (de realizar um só contrato
complexo ou vários contratos conexos) não podem ser desconsiderados. Parece
acertada, portanto, a parte da doutrina ver em tais circunstâncias ora um
indicativo da vontade das partes em conservar parte do conjunto negocial e ora
um indicativo de reconhecer a nulidade de todo o seu conjunto. Assim, estando o
intérprete diante de um caso de conexão contratual, a presunção (relativa) é a
de que a nulidade ou a anulabilidade de um contrato não interfere na eficácia
do outro, cabendo àquele que tem interesse na resolução do conjunto contratual
provar a impossibilidade de atingir o fim contratual idealizado pelas partes.
Por outro lado, tratando-se de um caso de contrato complexo, a presunção
(sempre relativa) é a de que a nulidade ou a anulabilidade parcial do contrato
levaria à resolução de todo o conjunto, cabendo a quem tiver interesse na
conservação de parte do contrato provar sua viabilidade. (2) (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1) Contratos
coligados no direito brasileiro, p. 191.
(2)
Negozi collegati in funzioni di
scambio (su alcuni problemi del collegamento negoziale e dela forma giuridica
dele operazioni econimiche di scambio), pp. 420-423
Segundo
Roberto Gonçalves nos ilustra, dispõe o art 184, primeira parte, que, “respeitada a intenção das partes, a
invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se
esta for separável”. Trata-se de aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur. Assim,
por exemplo, se o testador, ao mesmo tempo em que dispôs de seus bens para
depois de sua morte, aproveitou a cédula testamentária para reconhecer filho
havido fora do casamento, invalidada esta por inobservância das formalidades
legais, não será prejudicado o referido reconhecimento, que pode ser feito até
por instrumento particular, sem formalidades (CC, art 1.609, II). A invalidade
da hipoteca também, por falta de outorga uxória, impede a constituição do ônus
real, mas é aproveitável como confissão de dívida.
O referido art 184
ainda prescreve, na segunda parte, que “a
invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a
destas não induz a da obrigação principal”. A regra consiste em aplicação
do princípio acessorium sequitur suum
principale, acolhido pelo Código Civil. Assim, a nulidade da obrigação
principal acarreta a nulidade da cláusula penal e da dívida contratada acarreta
a da hipoteca, Mas a nulidade da obrigação acessória não importa a da obrigação
principal. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 479 - pdf – parte geral).
A teoria das nulidades do negócio
jurídico sofre algumas exceções, quando aplicada ao casamento. Assim, embora os
negócios nulos não produzam efeitos, o casamento putativo produz alguns.
Malgrado a nulidade deva ser decretada de ofício pelo juiz, a decretação de
nulidade do casamento do enformo mental que não tenha o necessário
discernimento, e do celebrado com infringência a impedimento, pode ser
promovida mediante ação direita, por qualquer interessado, ou pelo Ministério
Público (CC, art 1.549).
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