sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185 Dos Atos Jurídicos Lícitos VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185
Dos Atos Jurídicos Lícitos
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 232)
Título II – Dos Atos Jurídicos Lícitos –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. 1

1.        Atos jurídicos lícitos

O Código Civil acolheu a classificação dos atos jurídicos em atos jurídicos em sentido estrito e em negócios jurídicos. Enquanto que nos negócios jurídicos o sujeito pratica o ato querendo a produção de determinados efeitos jurídicos, os atos jurídicos em sentido estrito são praticados pelo sujeito com indiferença quanto ás suas consequências jurídicas. Tanto os atos jurídicos em sentido estrito quanto os negócios jurídicos são, portanto, espécies do gênero atos jurídicos lícitos. Apesar das inegáveis particularidades que os distinguem, não há dúvidas de sua semelhante natureza. Ambos são atos de vontade, merecendo, pois, a mesma disciplina jurídica no que se refere a esses pontos comuns. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Moreira Alves, discorrendo sobre o aludido dispositivo, que constitui inovação, observa que não se pode negar a existência de atos jurídicos a que os preceitos que regulam a vontade negocial não têm inteira aplicação.

Atento a essa circunstância, aduz: “O Projeto de Código Civil brasileiro, no Livro III de sua Parte Geral, substituiu a expressão genérica ato jurídico, que se encontra no Código em vigor (refere-se ao Código de 1916), pela designação específica negócio jurídico, pois é a este, e não necessariamente àquele, que se aplicam todos os preceitos ali constante. E, no tocante aos atos jurídicos lícitos que não são negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único, em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras de negócio jurídico. Seguiu-se, nesse terreno, a orientação adotada, a propósito, no art 195º do Código Civil português de 1967”. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 97-98 apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489 - pdf – parte geral).

No diapasão de Roberto Gonçalves, entendemos os atos jurídicos em geral como ações humanas lícitas ou ilícitas. Lícitos são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos jurídicos involuntários, mas impostos por esse ordenamento. Em vez de direitos, criam deveres. Hoje se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos atos jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o prejuízo – CC, arts 186, 187 e 927). (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490 - pdf – parte geral).

Ainda na linha de raciocínio de Roberto Gonçalves, os atos jurídicos lícitos dividem-se em: ato jurídico em sentido estrito, negócio jurídico e ato-fato jurídico. Como as ações humanas que produzem efeitos jurídicos demandam disciplina diversa, conforme a lei lhes atribua consequências, com base no maior ou menor relevo que confira à vontade de quem as pratica, o Código Civil de 2002 adotou a técnica moderna de distinguir, de um lado, o negócio jurídico, que exige vontade qualificada (contrato de compra e venda, p. ex.), e, de outro, os demais atos jurídicos lícitos (v. Livro III, Título I, Capítulo IV, n. 24, retro): o ato jurídico em sentido estrito ocupação decorrente da pesca, p. ex., em que basta a simples intenção de tornar-se proprietário da res nullius, que é o peixe) e o ato-fato jurídico (encontro de tesouro, que demanda apenas o ato material de achar, independentemente da vontade ou consciência do inventor). Aos dois últimos manda o Código aplicar, apenas no que couber (não se pode falar em fraude contra credores em matéria de ocupação, p. ex.), os princípios disciplinadores do negócio jurídico. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490-491 - pdf – parte geral).

Esclarecimento: Foi apresentada na Câmara dos Deputados, emenda supressiva do atual art 185 do Código de 2002, a de n. 237, sob a alegação de que, além de não ter sentido prático na contextura do Código Civil - a distinção entre negócios jurídicos e atos jurídicos em sentido estrito é controvertida na doutrina, razão por que o artigo seria dispensável. Na doutrina, José Paulo Cavalcanti, em candente crítica, disse, entre outras coisas, que “cumpria ao Projeto estabelecer a disciplina da figura supostamente autônoma, o que não fez” (Sobre o Projeto do Código Civil: Exposição ao Instituto dos Advogados Brasileiros, Recife, 1978, p. 32, s.). A esses argumentos, respondeu a Comissão Revisora: “Disciplinando-se uma das espécies de ato jurídico, ou seja, o negócio jurídico (que é a mais importante delas), é necessário dizer que, no que couber, essas regras se aplicam às demais espécies de atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos. Como, pois, dizer-se que a regra não tem sentido prático? E o fato de ser controvertida – como acentua a justificativa – a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito só é verdadeiro na medida em que uns raros autores atacam a distinção, que hoje domina francamente, e já foi acolhida pelo novíssimo Código Civil português. Se a renitência de uns poucos for empecilho para que a ciência avance, esta jamais progredirá. Ocupação é ato jurídico; contra é ato jurídico – haverá quem pretenda que ambos se disciplinem exatamente pelos mesmos princípios? É Cabível, por exemplo, falar-se em fraude contra credores em matéria de ocupação? Um menor de 16 anos que pesca, não se torna dono do peixe? Ou alguém pretenderá que o ato de apoderamento é nulo, como seria o contrato celebrado por esse menor? Que a distinção entre os atos jurídicos existe, não há dúvida de que existe, embora nem sempre seja fácil classificar um determinado ato nesta ou naquela categoria. Mas, ninguém nega a diferença entre direito real e direito pessoal, embora haja entre eles uma zona cinzenta” (José Carlos Moreira Alves, A parte geral, cit., pp. 149-150, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489-490 - pdf – parte geral).

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