DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185
Dos Atos Jurídicos Lícitos
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 232)
Título II – Dos Atos
Jurídicos Lícitos –
- vargasdigitador.blogspot.com
Art 185. Aos
atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que
couber, as disposições do Título anterior. 1
1.
Atos jurídicos lícitos
O Código Civil acolheu a classificação
dos atos jurídicos em atos jurídicos em
sentido estrito e em negócios
jurídicos. Enquanto que nos negócios jurídicos o sujeito pratica o ato
querendo a produção de determinados efeitos jurídicos, os atos jurídicos em
sentido estrito são praticados pelo sujeito com indiferença quanto ás suas
consequências jurídicas. Tanto os atos
jurídicos em sentido estrito quanto os negócios
jurídicos são, portanto, espécies do gênero atos jurídicos lícitos. Apesar das inegáveis particularidades que
os distinguem, não há dúvidas de sua semelhante natureza. Ambos são atos de
vontade, merecendo, pois, a mesma disciplina jurídica no que se refere a esses
pontos comuns. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Moreira
Alves, discorrendo sobre o aludido dispositivo, que constitui inovação, observa
que não se pode negar a existência de atos jurídicos a que os preceitos que
regulam a vontade negocial não têm inteira aplicação.
Atento
a essa circunstância, aduz: “O Projeto de Código Civil brasileiro, no Livro III
de sua Parte Geral, substituiu a expressão genérica ato jurídico, que se encontra no Código em vigor (refere-se ao
Código de 1916), pela designação específica negócio
jurídico, pois é a este, e não necessariamente àquele, que se aplicam todos
os preceitos ali constante. E, no tocante aos atos jurídicos lícitos que não
são negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único, em que se
determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras
de negócio jurídico. Seguiu-se, nesse terreno, a orientação adotada, a
propósito, no art 195º do Código Civil português de 1967”. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil
brasileiro, p. 97-98 apud
Roberto Gonçalves, Direito civil comentado,
2010 – pp. 489 - pdf – parte geral).
No
diapasão de Roberto Gonçalves, entendemos os atos jurídicos em geral como ações
humanas lícitas ou ilícitas. Lícitos são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados
pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem
efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no
ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos
jurídicos involuntários, mas impostos por esse ordenamento. Em vez de direitos,
criam deveres. Hoje se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos
atos jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o
prejuízo – CC, arts 186, 187 e 927). (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490 - pdf – parte geral).
Ainda na linha de raciocínio de
Roberto Gonçalves, os atos jurídicos lícitos dividem-se em: ato jurídico em
sentido estrito, negócio jurídico e ato-fato jurídico. Como as ações humanas
que produzem efeitos jurídicos demandam disciplina diversa, conforme a lei lhes
atribua consequências, com base no maior ou menor relevo que confira à vontade
de quem as pratica, o Código Civil de 2002 adotou a técnica moderna de
distinguir, de um lado, o negócio jurídico, que exige vontade qualificada
(contrato de compra e venda, p. ex.), e, de outro, os demais atos jurídicos
lícitos (v. Livro III, Título I,
Capítulo IV, n. 24, retro): o ato
jurídico em sentido estrito ocupação decorrente da pesca, p. ex., em que basta
a simples intenção de tornar-se proprietário da res nullius, que é o peixe) e o ato-fato jurídico (encontro de
tesouro, que demanda apenas o ato material de achar, independentemente da
vontade ou consciência do inventor). Aos dois últimos manda o Código aplicar, apenas no que couber (não se pode falar
em fraude contra credores em matéria de ocupação, p. ex.), os princípios
disciplinadores do negócio jurídico. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490-491 - pdf – parte geral).
Esclarecimento:
Foi apresentada
na Câmara dos Deputados, emenda supressiva do atual art 185 do Código de 2002,
a de n. 237, sob a alegação de que, além de não ter sentido prático na
contextura do Código Civil - a distinção entre negócios jurídicos e atos
jurídicos em sentido estrito é controvertida na doutrina, razão por que o
artigo seria dispensável. Na doutrina, José Paulo Cavalcanti, em candente
crítica, disse, entre outras coisas, que “cumpria ao Projeto estabelecer a
disciplina da figura supostamente autônoma, o que não fez” (Sobre o Projeto do Código Civil: Exposição
ao Instituto dos Advogados Brasileiros, Recife, 1978, p. 32, s.). A esses
argumentos, respondeu a Comissão Revisora: “Disciplinando-se uma das espécies
de ato jurídico, ou seja, o negócio jurídico (que é a mais importante delas), é
necessário dizer que, no que couber, essas regras se aplicam às demais espécies
de atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos. Como, pois, dizer-se que a
regra não tem sentido prático? E o fato de ser controvertida – como acentua a
justificativa – a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido
estrito só é verdadeiro na medida em que uns raros autores atacam a distinção,
que hoje domina francamente, e já foi acolhida pelo novíssimo Código Civil
português. Se a renitência de uns poucos for empecilho para que a ciência
avance, esta jamais progredirá. Ocupação é ato jurídico; contra é ato jurídico
– haverá quem pretenda que ambos se disciplinem exatamente pelos mesmos
princípios? É Cabível, por exemplo, falar-se em fraude contra credores em
matéria de ocupação? Um menor de 16 anos que pesca, não se torna dono do peixe?
Ou alguém pretenderá que o ato de apoderamento é nulo, como seria o contrato
celebrado por esse menor? Que a distinção entre os atos jurídicos existe, não
há dúvida de que existe, embora nem sempre seja fácil classificar um
determinado ato nesta ou naquela categoria. Mas, ninguém nega a diferença entre
direito real e direito pessoal, embora haja entre eles uma zona cinzenta” (José
Carlos Moreira Alves, A parte geral, cit.,
pp. 149-150, apud,
Roberto Gonçalves,
Direito civil comentado, 2010 – pp. 489-490 - pdf – parte geral).
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