sábado, 12 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 566, 567, 568 - continua - Da Locação de Coisas – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 566, 567, 568 - continua
- Da Locação de Coisas – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo V – Da Locação de Coisas
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 566. O locador é obrigado:

I – a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças em, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário;

II – a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.

Na obviedade de Nelson Rosenvald, aprende-se que, tratando-se a locação de contrato consensual, a entrega da coisa consiste em obrigação de dar coisa certa a cargo do locador. Descumprindo-se a referida obrigação, abrem-se duas opções ao locatário. Poderá pleitear a resolução do contrato por inadimplemento, ou insistir na tutela específica da obrigação de dar (CPC/1973, art. 461-A, correspondendo ao art. 538 do CPC/2015). A inexecução do contrato também será viabilizada quando a entrega da coisa for desacompanhada das pertenças que lhe concedem utilidade e serviço (CC 93). Se as partes não convencionarem em sentido diverso, haverá uma exceção à regra do CC 94, ao preceituar que os negócios jurídicos sobre o bem principal não alcançam as pertenças.

O princípio da boa-fé objetiva indica que não é suficiente a entrega da coisa, mas sim o dever instrumental de cooperação com o locatário, aqui traduzido na necessidade de entregar a coisa em condições de cumprir perfeitamente a sua destinação, resguardando-se as legítimas expectativas do possuidor direto.

Se, em princípio, as despesas de conservação da coisa incumbem ao locador, tal obrigação poderá ser transferida ao locatário, em razão de cláusulas expressa em contrário. Ademais, o locador garantirá ao locatário o uso pacífico da coisa. Isso importa em afirmar que, durante a locação – antes do advento de seu termo ou, não havendo termo, antes do prazo da interpelação – qualquer tentativa de retomada da coisa será infrutífera, sendo certo que o locatário ajuíze ação possessória para a tutela de sua posse direta, perante o proprietário que desrespeitar a temporariedade da relação obrigacional (CC 1.197). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 614 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A obviedade da lei é apontada por Ricardo, diante da bilateralidade contatual, impondo deveres jurídicos recíprocos às partes da relação jurídica (composto contratante), a norma institui e especifica os deveres de prestação do locador, i.é, aqueles básicos defrontados com a coisa locada e os inerentes do vínculo locatício diante do locatário. Em relação ao bem objeto da locação, obriga-se o locador a entrega-lo hábil a servir à utilidade designada (RT, 771/331) e a conservá-lo estável nesse fim, enquanto o contrato vigorar. Perante o locatário, assume a garantia de prover e tornar efetivo o uso tranquilo da coisa tocada (posse mansa e pacífica), privando-se de qualquer conduta que venha arriscar o uso assegurado do bem alugado, respondendo, inclusive, pelos vícios ou defeitos do objeto, preexistentes à locação (CC 568 – r parte)

A segurança do uso pacífico da coisa envolve cinco categorias, segundo J.M. de Carvalho Santos, arrimado em Manzini e conforme registro feito por Villaça Azevedo e Lauria Tucci em clássica obra jurídica sobre o tema: “a) abstenção de todo fato que possa privar o locatário da totalidade ou de uma parte mais ou menos considerável do gozo da coisa locada; b) não mudar a forma da coisa locada; c) garantir o locatário por todos os defeitos e vício da coisa locada que impeçam o seu uso; d) responder pelos impedimentos advindos ao uso e gozo por ato da administração, ou por ato de  terceiro; e) defender o locatário das turbações causadas por terceiro à coisa locada”.

Cláusula contratual pode afastar a incidência da obrigação versada no primeiro inciso, enquanto o segundo inciso aponta obrigação legal não suscetível de ser excepcionada, isto porque pertinente à segurança da efetividade do próprio contrato. (Rogério Lauria Tucci e Alvaro Villaça Azevedo. Tratado da locação predial urbana, São Paulo, Saraiva, 1980, v. 1 (p. 196-7) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 301 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob a orientação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a entrega da coisa ao locatário em estado de servir ao uso a que ela se destina é cumprimento da obrigação contratual a cargo do locador. Além disso, é dever do locador mantê-la nesse estado e reparar os danos normais.

O locador não deve garantir o uso pacífico da coisa contra atos próprios e de terceiros (CC 568). Obriga-se ainda, o locador, a indenizar ao locatário as benfeitorias necessárias, as úteis que tiverem sido feitas com seu consentimento e as voluptuárias a que se houver obrigado (CC 578) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 12.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.

Elucidando Nelson Rosenvald, o artigo não cuida de vícios redibitórios do bem locado (CC 441), pois faz alusão à deterioração da coisa em momento posterior à contratação, gerando a perda do sinalagma funcional do contrato que nasceu equilibrado em suas prestações.

Outrossim, a deterioração sofrida pelo bem locado decorre do fortuito, pois, em havendo culpa do locador pelo evento, ao locatário será lícita a cumulação de qualquer das alternativas assinalados no dispositivo com uma pretensão indenizatória pelos danos causados.

Em princípio, a leitura do artigo sugere que diante da depreciação da coisa seja outorgado ao locatário o direito potestativo de reduzir proporcionalmente o valor locatício, ou resolver o contrato, extinguindo a relação contratual. Mas isso poderia implicar o abuso do exercício desse poder, quando a resolução fosse exigida diante de uma insignificante avaria no bem, causada pelo decurso do tempo. Preservando o princípio da proporcionalidade, a parte final do artigo condiciona o direito potestativo extintivo à deterioração que retire da coisa “o fim a que se destinava”. Assim, somente uma significativa depreciação material da coisa ameaça a aplicação do princípio da conservação do negócio jurídico.

Não obstante o silêncio do Código Civil, aplicando-se o princípio da simetria, o locador também poderá obter a revisão judicial do preço a fim de resgatar o sinalagma funcional, demonstrando que o decurso do tempo gerou desproporção manifesta entre prestação e contraprestação (CC 317), do mesmo que se facultou na Lei, n. 8.245/91, que cuida da locação de imóveis urbanos (art. 19). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 614-615 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo com o Brilho de Ricardo Fiuza, a redução proporcional do aluguel é assegurada por lei se a coisa locada sofrer deterioração, sem culpa do locatário, cabendo-lhe por este modo, o direito de minimizar o preço da locação como forma compensatória das restrições do uso, ou, alternativamente, rescindir o contrato pelo desproveito absoluto à finalidade daquele uso. Essa opção do locador é permissivo legal, não podendo o locador objetar tal direito.

Jurisprudência: “Não tem incidência a norma prevista no CC 1.190, que autoriza ao locatário requerer a redução proporcional do aluguel ou a rescisão do contrato, na hipótese em que a reparação do imóvel deteriorado, objeto da locação, baseou-se em responsabilidade contratual. – Não agride o CC 1.206 a previsão contratual que impõe ao inquilino a conservação do prédio locado, porquanto as obras a que eludem referida cláusula referem-se à conservação do prédio locado, porquanto as obras a que aludem referida cláusula referem-se à deterioração natural do imóvel, não sendo decorrentes de fato alheio a sua conduta, como no caso do incêndio ocorrido no prédio. – Recurso especial não conhecido” (STJ, 6~T., REsp 85.929-SP, rel. Min Vicente Leal, DJ de 20.08.2001). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 302 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Completando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, se o locador violar o dever de realizar os reparos relacionados à deterioração normal da coisa, pode o locatário resolver o contrato, desde que a deterioração torne inservível ao uso a que se destina, ou pedir redução proporcional do aluguel. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 12.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 568. O locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá pelos seus vícios, ou defeitos, anteriores à locação.

Como tangencia Nelson Rosenvald, o dispositivo em relato é partido em três enfoques acautelatórios do locatário: quanto à evicção, tutela possessória e vícios redibitórios.

Sendo a evicção a perda de um bem em virtude de uma decisão que conceda o direito sobre ele a um terceiro, poderá ela se traduzir não apenas na perda da propriedade, mas na posse do bem locado. Nesse caso, será o locatário ressarcido dos prejuízos decorrentes pelo locador, caso desconhecesse o fato de a posse da coisa ser alheia ou litigiosa (CC 457).

O locatário é o possuidor direito do bem em virtude de relação obrigacional em que o locador mantém a posse indireta. Destarte, ele é legitimado ao ajuizamento de ação possessória autônoma perante qualquer um que pratique ameaça, turbação ou esbulho à posse (CC 1.210), sem se olvidar do exercício da autodefesa, pelos meios necessários e proporcionais à agressão. Vale dizer: tratando-se de posses paralelas, qualquer dos possuidores poderá defender o poder fático sobre a coisa, sem a necessidade de concurso processual com o outro possuidor.

Por fim, faz-se menção aos vícios redibitórios, como aqueles ocultos e anteriores à tradição, que tornem a coisa impropria ao uso a que é destinada. Exemplificando: uma pessoa loca uma vaga de garagem autônoma em julho e, no período de chuvas de dezembro, descobre uma grave infiltração que lhe acarreta dificuldades na utilização do próprio espaço.

Além das medidas peculiares de acautelamento da posse, é facultado ao locatário pleitear a própria resolução do negócio jurídico quando o vício redibitório for extenso ou a agressão à pose importar em esbulho. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 615 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Ricardo Fiuza, a posse direta do locatário sobre o bem locado não pode ser molestada, inclusive pelo locador, cumprindo este resguardá-la, notadamente de terceiros que tenham, aleguem dispor ou pretendam haver direitos sobre o objeto da locação. A coisa alugada haverá de permanecer incólume e desembaraçada, durante o tempo do contrato, como deflui da obrigação cometida ao locador pelo inciso II do CC 566 e por tal comando submete-se ele ao dever de proteger a coisa contra terceiros que pratiquem atos de embaraços ou turbativos de direito. O locador sujeita-se, ainda, a responder pelos vícios redibitórios ou pela evicção da coisa locada.

Na qualidade de possuidor direito, o locatário poderá manejar as ações possessórias para resguardar o estado de fato e o seu direito de uso contra turbações de fato, i.é, aquelas praticadas por terceiro sem qualquer pretensão de direito e sobre as quais o locador não se obriga pôr a salvo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 302 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como ilustra Marco Túlio de Carvalho Rocha, se terceiro alegar ser detentor de qualquer direito que venha a prejudicar a plena fruição da coisa pelo locatário tem o locador o dever de defender este. Desse dever deriva a responsabilidade do locador pela reparação dos danos que vier a sofrer o locatário por tais atos de terceiros. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 12.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 11 de outubro de 2019


Direito Civil Comentado - Art. 565, continua
- Da Locação de Coisas – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo V – Da Locação de Coisas
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Na ilustração de Nelson Rosenvald, no Direito Romano eram conhecidas três formas de locação: locatio conductio rei (locação de coisa); locatio conductio operarum (locação de trabalho humano); e locatio conductio operis (locação de obra).

Nesse sentido, o Código Civil de 1916, sob a rubrica “Da locação”, cuidava das três modalidades milenares de locação. Mas, com terminologia própria e adequada, o Código Civil de 2002 afasta as duas primeiras espécies de locação, convertendo-as aos contratos de prestação de serviço e empreitada.

Ademais, houve a unificação das locações civil e mercantil – esta anteriormente situada no Código Comercial de 1850 -, pois toda a matéria é agora versada no Capítulo V, do Título VI, do Livro “Do Direito das Obrigações”, relativo às várias espécies contratuais.

Significativa e a advertência do CC 2.036: “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida”. Nesse ponto, há uma curiosidade. A norma geral remete à lei especial e esta, novamente, conduz ao Código Civil. Basta perceber que a locação de imóveis urbanos é tratada na Lei n. 8.245/91, sendo que logo em seu art. 1º, parágrafo único, adverte acerca das modalidades de locação que serão regidas pelo Código Civil e leis especiais (norma de reenvio).

Destarte, o Código Civil regula a locação de vagas autônomas de garagem; espaços destinados à publicidade; locação de apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados (além da aplicação de normas do CDC); e formas de locação que não tenham sido objeto de regulamentação por legislação própria.

Além de estabelecer normas genéricas para o tratamento de espaços legislativos olvidados por microssistemas – sobretudo quanto à locação de bens móveis em que não exista relação de consumo -, não se olvide de que subsidiariamente a lei civil também será aplicada àqueles casos de omissão na norma de regência específica.

Outrossim, excluem-se do Código Civil as locações de imóveis rurais (arrendamento rural, Lei n. 4.504/64 – Estatuto da Terra); locação de bens públicos (Decreto-lei n. 9.760/46); e o arrendamento mercantil (leasing), posto que é submetido à Lei n. 6.099/74 e resoluções do Banco Central.

Contudo, o Código Civil cuidou de delimitar o prazo prescricional trienal para o exercício da pretensão relativa ao pagamento de alugueis de prédios rústicos ou urbanos (CC 206, § 3º, I). Afastando-se da acepção ampla de locação tanto a prestação de serviço como a empreitada, restou conceituada no presente dispositivo a locação como o contrato pelo qual uma das partes, mediante contraprestação, concede à outra em caráter temporário o uso e gozo de coisa infungível.

Trata-se de contrato bilateral, gerando obrigações para ambas as partes (uso e gozo do bem em troca de retribuição pecuniária); oneroso, eis que os sacrifícios e vantagens são recíprocos; comutativo, sendo as prestações conhecidas e pré-estimadas pelas partes; e consensual, aperfeiçoando-se com o acordo de vontades, na medida em que a entrega da coisa não é pressuposto de existência, e sim fase de execução. Por fim, é contrato de duração, com execução sucessiva e renovada de prestações de dar quantia certa a cada período.

Como pressupostos de existência da locação temos: consenso dos sujeitos, coisa, temporariedade, remuneração, consensum, res, tempum pretium.

Os sujeitos do contrato são o locador (senhorio) e o locatário (inquilino). Em regra, o proprietário transmite a posse direta do bem ao locatário, reservando-se a posse indireta em razão da relação de direito obrigacional. Necessariamente não há coincidência entre a posição de locador e a de proprietário, pois mesmo um não proprietário poderá ceder o ouso e gozo da coisa em locação (sublocação) se não houver proibição contratual. Nesse caso, a posse será tripartida, cabendo a posse direta ao sublocatário e a posse indireta ao proprietário e àquele que cedeu a posse (v.g., usufrutuário que cede o exercício do usufruto a um terceiro – CC 1.393).

No condomínio, nenhum dos condôminos isoladamente poderá locar a coisa comum para terceiros sem o consenso dos outros (CC 1.314, parágrafo único). A restrição é coerente com a natureza do modelo jurídico: cada comproprietário detém uma fração ideal da coisa, que permite a sua disposição com exclusividade, mas a posse comum é de fruição de todos os condôminos, daí a necessidade do consentimento geral.

Cuidando-se de contrato consensual, é suficiente o acordo de vontades no tradicional esquema proposta/aceitação, sendo a tradição da coisa uma obrigação de coisa certa que recai sobre a pessoa do locador. Já no comodato, mútuo e depósito, a entrega da coisa é elemento de formação do negócio jurídico, tratando-se de contratos reais.

O objeto do contrato de locação será um bem móvel ou imóvel, consistente em coisa infungível e inconsumível, tendo em vista a necessidade de sua restituição ao locador, ao término do contato, com a manutenção de sua substância, preservando-se a essência. Ora, sendo os bens fungíveis e consumíveis passiveis de exaurimento, a sua cessão descaracterizaria a locação, conforme a acepção a eles conferida pelos CC 85 e 86.

A locação será contratada por prazo ou sem prazo. Em qualquer dos casos, a temporiedade é fundamental, pois a perpetuidade conduziria a uma espécie de enfiteuse, que não pode mais ser constituída a partir de 11 de janeiro de 2003 (CC 2.038)

O preço é um dos elementos essenciais da locação. Ao contrário da compra e venda, a vontade das partes quanto ao preço não importa em transmissão da propriedade, mas em cessão de posse. O aluguel é a contraprestação fundamental do locatário, a mais importante de suas obrigações. Se não houvesse a onerosidade, instalar-se-ia o comodato. A retribuição é explicada como compensação pecuniária ao proprietário que é privado da posse imediata da coisa e da percepção de seus frutos naturais e industriais. Daí servirem os pagamentos em dinheiro ou bem de outra espécie – como frutos civis, pouco importando se o locatário utiliza a coisa efetivamente ou não. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 612/613 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob magistério de Ricardo Fiuza, tem-se o contrato de locação no CC/2002, em suas modalidades básicas, ser agora tratado, na espécie, em capítulos próprios. Versa o presente sobre o da locação de coisas – locatio rerum – CC 565 a 578. No tocante ao de serviços – locotio operarwn – (CC de 1.916, arts. 1.216 a 1.235), passou este constituir novo contrato nominado, o de prestação de serviços (CC 593 a 609), e o de execução de trabalho determinado, locação de obra ou empreitada, tem sua disciplina nos CC 610 a 626.

A locação predial urbana é regida pela Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato). A de prédios rústicos é regulada pelo Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64, arts. 92 e ss.). O Decreto-lei n. 9.760/46 disciplina a locação dos próprios nacionais.

Pelo contrato de locação de coisas, uma parte transfere a posse do bem à outra, por prazo certo ou indeterminado, mediante retribuição ajustada. Trata-se de contrato oneroso, de relação continuativa, não exigindo forma solene.

Coisa não fungível ou infungível é aquela que não pode ser substituída por outra, ainda que da mesma espécie, qualidade e quantidade, a exemplo de uma obra artística. A retribuição ou remuneração, certa e determinada, pelo uso e gozo da coisa cedida é chamada de aluguel ou aluguer. As partes que integram o contrato são denominadas locador ou locutor (o que cede a coisa) e locatário ou conductor (o que usa e usufrui). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 301 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Pegando carona com Marco Túlio de Carvalho Rocha, segundo Orlando Gomes “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante contraprestação em dinheiro, a conceder à outa, temporariamente, o uso e gozo de coisa não fungível” (Contratos, n. 210, p. 305).

A locação do direito romano deu origem aos seguintes contratos típicos, além da locação de coisas: a) prestação de serviços (CC 593 a 609); b) empreitada (CC 610 a 626); c) contrato de trabalho (Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT); d) transporte (CC 730 a 756).

Atualmente, o termo é utilizado para designar, exclusivamente, a locação de coisas: a) moveis (CC 565 a 578); b) imóveis urbanos (Lei n. 8.245/91); c) imóveis rústicos ou rurais (Lei n. 4.504/64 – Estatuto da Terra, art. 95).

Locação é contrato bilateral, oneroso, consensual, impessoal, de duração. As regras sobre o contrato de locação, estabelecidas no Código Civil, valem, na íntegra, para a locação de bens móveis. Com relação a bens imóveis, as referidas regras valem em caráter supletivo, i.é, vigoram na ausência de disciplina diversa na legislação especial.

Partes na locação são o locador e locatário (nas locações de imóveis urbanos empregam-se, igualmente, senhorio e inquilino). O locador não precisa ser proprietário da coisa, basta que seja possuidor, com direitos de uso e gozo.

O adquirente da coisa, por ato inter vivos só é obrigado a respeita a locação se houver previsão contratual e se o contrato tiver sido levado a registro (CC 576, § 1º). A locação por prazo determinado transmite-se aos herdeiros das partes (CC 577) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 561, 562, 563, 564 - Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 561, 562, 563, 564
- Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção II – Da Revogação da Doação
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Art. 561. No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se aquele houver perdoado.

No entendimento de Nelson Rosenvald, em boa hora foi corrigida uma histórica omissão. Enquanto na tentativa de homicídio o doador sobrevivente poderia ajuizar ação revocatória, no crime consumado doloso, no qual o donatário alcançava o seu intento, poder-se-ia cogitar do delito perfeito, pois o ordenamento não permitia a transmissão do direito de demandar aos herdeiros do doador falecido.

Essa perplexidade é sanada pelo presente dispositivo – em conexão com o acréscimo da parte final do art. 557, I -, permitindo que os herdeiros do de cujus promovam em nome próprio a ação de revogação da doação, preservando o interesse moral da família em compensar de alguma forma a violação aos seus direitos da personalidade. Por isso, é possível a cumulação do pleito desconstitutivo com a reparação pelo dano moral.

Pelo fato de a lide não assumir contornos patrimoniais, não apenas os herdeiros chamados à sucessão imediatamente poderão ajuizar a demanda contra donatário como também outros sucessíveis mais distantes, diante da omissão dos mais próximos.

Abre-se exceção no final do dispositivo, nos casos em que, antes de falecer como consequência do crime, o doador perdoa o donatário por escrito ou através de declaração testemunhada por pessoas próximas. Caberá ao donatário demonstrar a existência do aludido perdão com base na distribuição dos ônus probatórios (CPC/1973 art. 333, com correspondência no CPC/2015 art. 373) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 609 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, a regra decorre do inciso I do art. 557 (ver comentário). A impossibilidade material de o doador exercitar a ação faz transferir aos seus herdeiros a inciativa, certo que agora autorizada, com bastante lucidez. O homicídio frustro (tentativa) serve de causa revocatória, mas o exitoso não era previsto para a revogação, sob o pálio do direito personalíssimo do doador assassinado. O perdão do doador, todavia, elide a admissibilidade da demanda. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD

Na orientação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, ao possibilitar a revogação da doação em razão de homicídio consumado do doador, cometido pelo donatário, previu o Código Civil de 2002 que os herdeiros do doador possam ajuizar a ação, mas se o doador tiver perdoado o donatário no interregno entre o fim dos atos de execução do crime e a superveniência da morte do doador, os herdeiros não poderão revoga-la. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.

Do jeito como entende Rosenvald, o artigo trata do pressuposto para a revogação da doação onerosa na espécie com encargo. Existem outras espécies de doações onerosas (v.g., doação remuneratória), mas elas não se revogam por ingratidão, conforme ressalta o CC 564.

Se o doador fixou um prazo para o cumprimento do encargo pelo donatário, a mora é automática – mora ex re -, aplicando-se o brocardo dies interpelat pro homine, pois é dispensada qualquer forma de interpelação (CC 397).

Todavia, inexistindo termo, a mora é ex persona, sendo necessária a notificação judicial do donatário para que, dentro de prazo razoável, cumpra a obrigação. A locução “prazo razoável” será aferida pelas circunstâncias. Assim, um prazo de dez dias é suficiente para que o donatário realize a pintura de um apartamento, mas não é razoável para que ministre um curso de inglês ao filho do doador.

Na mora para os encargos sem termo assinalado não se aplicará o parágrafo único do CC 397, que permite ainda a constituição em mora pela via extrajudicial. A regra geral será afastada pela especialidade do preceito em comento.

Por fim, é sempre bom lembrar que a mora é a inexecução da obrigação no tempo, local ou forma ajustados (CC 393). Apesar de a dicção do artigo sugerir que na doação com encargo ela será apenas apreciada no aspecto temporal, prevalece a visão abrangente do instituto, possibilitando o ajuizamento da ação quando, Exemplificadamente, o donatário construir um cômodo de pequenas dimensões, quando o doador havia ajustado que o quarto seria amplo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 609 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a regra decorre da parte final do CC 555. Incorrendo em mora o donatário, sujeita-se ao desfazimento integral da doação, pronunciado judicialmente, não cabendo a revogação fora de juízo, por ato unilateral do doador.

A mora do donatário onerado opera-se pelo simples vencimento do prazo para o cumprimento, facultando ao doador a ação de resolução do contrato. Não existindo prazo clausulado, o donatário incidirá em mora, quando assinalando-lhe o doador prazo razoável para o adimplemento do encargo, este escoar sem que a obrigação seja cumprida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Aprende-se com Marco Túlio de Carvalho Rocha que, se o contrato de doação estabelece prazo para o cumprimento do encargo, uma vez que este tenha sido atingido sem que o donatário tenha realizado a prestação que assumiu, fica caracterizada a mora segundo a regra dies interpelat pro homine. Não havendo prazo, deve o doador notificar o donatário, concedendo-lhe tempo razoável para cumprir o ônus. Embora o dispositivo faça referência à notificação judicial, considera-se válida a realizada por outros meios idôneos.

Caracterizada a mora do donatário para cumprimento do encargo, qual é o prazo para o doador requerer que a doação seja revogada? O CC 559 que fixa o prazo de 1 ano estabelece que o referido prazo refere-se a “qualquer desses motivos”. O Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 1.184 do Código Civil de 1916, estabeleceu que os motivos a que se referia o dispositivo eram apenas os enumerados nos artigos antecedentes, ou seja, os motivos relacionados à revogação por ingratidão. Desse modo, a revogação por descumprimento de encargo restaria sem prazo e, portanto, a ela deveria ser aplicado o prazo geral de prescrição de 20 anos. O mesmo raciocínio, aplicado ao Código Civil de 2002, leva ao prazo de 10 anos para a revogação da doação por descumprimento de encargo, por ser este o prazo geral de prescrição previsto no CC vigente, embora a hipótese seja propriamente, de decadência (STJ, 3ª T., REsp 27.019-8-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 14/6/93 (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.

Raciocinando na esteira de Nelson Rosenvald, quando se afirma que a revogação por ingratidão não prejudicará os direitos adquiridos por terceiros, não estamos apenas diante de uma opção legislativa pela tutela da aparência e da boa-fé dos terceiros que praticaram negócios jurídicos com aquele que ostentava a posição de proprietário.

Com efeito, tanto a revogação por ingratidão como a praticada por inexecução do encargo representam situações que se verificam na fase de execução contratual, não em sua gênese. Representam o inadimplemento de uma doação pelo descumprimento da obrigação principal do devedor (encargo), como pelo dever anexo de proteção (ingratidão), ofendendo o princípio da boa-fé objetiva.

Assim, ambas as formas de revogação representam a ineficácia superveniente de um negócio jurídico válido. Daí que serão preservados todos os direitos adquiridos por terceiros, na medida em que não se nulifica ou anula um negócio jurídico que é válido na origem. De fato, apenas a anulação do negócio restitui as partes ao estado em que se encontravam primitivamente (CC 182).

Ademais, o CC 1.360 consagra a propriedade ad tempus, diferenciando-a da propriedade resolúvel do CC 1.359. Naquela, a propriedade não está sujeita a termo ou condição, mas é potencialmente revogável em razão de evento superveniente (v.g., ingratidão e inexecução do encargo). Assim, o terceiro que a adquiriu “será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor” (CC 1.360).

Quanto aos frutos recebidos pelo donatário, aplica-se à temática a mesma estrutura da divisão dos frutos conforme a boa-fé ou má-fé do possuidor (CC 1.214 a 1.216). Assim, antes da citação válida, o possuidor desconhece a demanda e mantém a boa-fé, sedo todos os frutos colhidos de sua propriedade. Porém, os frutos posteriores serão considerados pendentes e, portanto, devolvidos ao final da lide, caso julgada procedente a pretensão do doador.

A parte final do dispositivo esclarece que, na impossibilidade de restituição do bem in natura, por destruição, perda ou alienação, ficará obrigado o donatário a arcar com a indenização representativa de meio-termo do seu valor, como uma espécie de valor razoável entre o valor máximo e o mínimo encontrados no mercado no período em que o bem esteve com o donatário. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 610 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina de Ricardo Fiuza mostra que os direitos adquiridos por terceiros não são prejudicados, porquanto os efeitos da revogação não retroagem (ex nunc). O donatário é obrigado ao pagar os frutos percebidos, uma vez litigiosa a coisa pela citação válida (CPC/1972, art. 219, com correspondência no CPC/2015, art. 240), dispensando de restituir os anteriores àquele ato processual. O CC/2002 inova bem a matéria, obrigado o donatário a partir de quando formada a relação jurídico-processual e não mais quando instalada a lide pela contestação deste, como refere, com desacerto o CC de 1916.

Dar-se-á a indenização em caso de impossível restituição em espécie, como sucede por não prejudicar direitos de terceiros, apurando-se o quantum indenizatório pela média do valor que a coisa doada experimentou ao longo do período compreendido entre a liberalidade prestada e a revogação da doação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o artigo aponta para a segurança das relações jurídicas e visando à proteção da boa-fé objetiva, não permitindo a lei que terceiros a quem o bem doado tenha sido transferido seja atingido por eventual revogação da doação. Não fica isento, no entanto, o donatário que tiver alienado o bem, pois fica obrigado a pagar ao doador o valor da coisa. O donatário fica obrigado, igualmente, a devolver os frutos percebidos após sua citação válida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 564. Não se revogam por ingratidão:

I – as doações puramente remuneratórias;
II – as oneradas com encargo já cumprido;
III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;
IV -  as feitas para determinado casamento.

Na esteira de pensamento de Nelson Rosenvald, a norma prevê situações em que a doação não poderá ser revogada, não obstante tenha o donatário praticado uma das condutas vislumbradas no CC 557. A solução da lei se justifica, uma vez que as quatro hipóteses selecionadas retratam doações vinculadas a determinados objetivos do doador, ao contrário do que ocorre na doação pura.

Mas o fato de a norma vedar a revogação da doação nas referidas situações não implica total isenção de responsabilidade do donatário. Além de eventual sanção penal, poderá o doador – ou seus familiares quando vítimas ou sucessores – ajuizar ação de reparação pelo dano moral consequente à ofensa aos direitos da personalidade, além da indenização pelos danos materiais por prejuízos causados na órbita econômica.

As doações puramente remuneratórias são aquelas relacionadas a uma compensação ao donatário em virtude de serviços por ele realizados, sem que exista uma contraprestação exigível (CC 540). O dever moral – não o jurídico – impele o doador a realizar a doação. Contudo, se a remuneração ultrapassar o custo normal do serviço, o excedente não será configurado como doação onerosa e será passível de revogação por ingratidão. Assim, se entrego uma joia avaliada em R$ 3.000,00 para compensar um médico por um tratamento habitualmente remunerado em R$ 500,00, eventual ingratidão poderá ser revogada no limite de R$ 2.500,00.

As doações com encargo ou modo impõem ao devedor a realização de determinadas obrigações, sob pena de revogação por seu inadimplemento (CC 562). Mas, tendo sido o encargo comprovadamente cumprido no tempo, locar e forma devidos, a doação adquire o traço da irrevogabilidade.

A outro giro, quando a doação é efetivada em cumprimento de obrigação natural, também é incabível a adoção da ação revocatória. Lembre-se de que as obrigações civis são compostas de dois elementos: débito e responsabilidade. Nas obrigações naturais há um débito desprovido de responsabilidade, pois não há exigibilidade da prestação para o credor. O seu direito subjetivo violado não é dotado de pretensão, portanto não pode agir contra o devedor no sentido de constrange-lo a pagar. Porém, se houver o pagamento voluntário, ele será irrepetível (CC 882), pois havia um débito, seja ele jurídico (dívida prescrita), seja moral (dívida de jogo não legalizado). Portanto, se alguém utilizar a forma da doação para pagar obrigação natural, certamente não poderá revoga-la por ingratidão.

No mais, a doação feita em contemplação de determinado casamento não poderá ser revogada, pois a lei não quer criar embaraços para os cônjuges, preservando o matrimonio. Entendemos que esse inciso é inócuo e não reflete a atualidade do direito de família, que se preocupa com a preservação das pessoas e não de instituições. Em outras palavras, a ingratidão de um cônjuge a outro eventualmente propicia separação judicial, reparação por danos materiais e morais e ação penal. Qual a razão de afastar a revogação da doação, quando já não mais existe o afeto que a provocou? (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 610/611 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

São insuscetíveis de revogação por ingratidão, no magistério de Ricardo Fiuza, as doações puramente remuneratórias, i.é, aquelas que remuneram um serviço prestado pelo donatário, no que não exceder ao valor de tal serviço (CC 264, I)

Refere o CC 264, II, às doações com encargo já cumprido, ou seja, com a condição satisfeita, diferentemente ao mesmo inciso incluído em artigo no Código anterior que as aponta na espécie, tenha ou não sido cumprida a incumbência. É evidente a importância do acréscimo. Cumprindo o encargo, a exemplo daquele importo a benefício de terceiro ou do interesse social, não há de se revogar a doação.

A doação decorrente da liberalidade feita para atendimento de obrigação não exigível (v.g., dívida de jogo ou dívida prescrita) também não pode ser revogada por ingratidão (CC 264, III).

No caso de doação feita em contemplação de casamento (casamento futuro), ela se torna irrevogável, com a celebração deste, tendo alcançado o fim a que se propôs (CC 264, IV) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 299 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Em explicação sucinta Marco Túlio de Carvalho Rocha expõe que a regra é ter o doador o direito de revogar a doação por ingratidão. As exceções são as enumeradas no presente artigo e têm comum o fato de o donatário ter realizado ato relevante que motivou a doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).