terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 685, 686, 687 - continua - Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 685, 686, 687 - continua
- Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 682 a 691) Seção IV – Da Extinção do Mandato –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 685. Conferindo o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Elucida o mestre Claudio Luiz Bueno de Godoy, já estabelecer, no Código anterior, que, dentre outras hipóteses, inclusive examinadas nos comentários aos artigos antecedentes, a chamada procuração em causa própria era irrevogável (art. 1.317, I). Explicita, agora, o Código Civil de 2002, que o mandato que contenha a cláusula em causa própria é irrevogável e, mais, que a sua revogação, assim, não terá eficácia, mesma consequência disposta no CC 684, mas não no CC 683, atrás enfrentados.

O mandato com a cláusula referida (in rem propriam ou in rem suam), na realidade, é instituído no interesse do mandatário. Em diversos termos, por meio desse ajuste o mandatário é nomeado para agir no seu próprio interesse, por isso que ficando dispensado de qualquer prestação de contas. Pelo mesmo motivo é que esta espécie de mandato é irrevogável e não se extingue com a morte do mandante ou do mandatário.

Sempre houve, porém, grande discussão sobre se a cláusula in rem suam chegava a implicar transferência do direito incidente sobre o objeto do negócio principal ao mandatário. Pontes de Miranda, por exemplo, sustentava que nesta espécie de mandato não se transfere, em concreto, qualquer direito de crédito e, menos ainda, a propriedade, a seu ver transmitindo-se em abstrato, um poder de disposição de direitos no interesse do mandatário, como se fosse seu o direito a transmitir, porque seu o respectivo proveito (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.700, n. I, p. 157).

Contudo, e ao revés, sempre houve posição menos restrita, a defender que o mandato em causa própria induz verdadeira transferência, cessão indireta de direitos, portanto assim sustentando-se que, a rigor, nem bem mandato é, eis que descaracterizado na sua essência e, por isso, inclusive, interpretado à luz de negócio traslativo de direitos, i.é, uma cessão, uma alienação, onerosa ou gratuita (para uma exemplificação dos defensores de uma ou outra teoria, e de seus respectivos argumentos, de forma mais detalhada, conferir: Marmitt, Arnaldo. Mandato. Rio de Janeiro, Aide, 1992, p. 45-6).

Bem de ver, porém, que o debate não é meramente acadêmico. Se se admitir que a cláusula in rem suam implica transferência de direitos, então forçoso será concluir que o instrumento deste mandato, quando obedeça aos requisitos do contrato traslativo a que se volta, vale por ele, e não só como ajuste preliminar ou preparatório, portanto sem necessidade de negócio posterior, inclusive contratado consigo mesmo, i.é, o mandatário contratando pelo mandante e por si. Assim, por exemplo, admitir-se-á, como a jurisprudência já aceitava, o registro do instrumento do mandato em causa própria, lavrado por escritura pública, para alienação de direito real imobiliário.

E, com efeito, entende-se que a própria origem dessa espécie de negócio, vindo do Direito romano, em que instituído para possibilitar, justamente, a cessão de obrigação, então contemplativa de um vínculo pessoal, por isso impassível de cessão a qual, pelo mandato em exame, se fazia de forma indireta, pois, a um procurator in rem suam, indique cuidar-se de verdadeira transferência de direitos. Ou seja, um mandato que, impropriamente, produz mais que efeitos de gestão de interesse alheio, operando, antes, efeitos mesmo traslativos de direitos, de que acaba realmente titular o mandatário.

Mais, a prática denota a utilização desta espécie negocial precisamente para transferir direitos. Certo que a redação do artigo em comento não é de todo esclarecedora quando alude à possibilidade de que o mandatário in rem suam possa transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais, como se sempre houvesse a necessidade de um negócio principal e posterior. Deve-se entender, porém, que, se atendidas as exigências de forma e conteúdo do negócio contratual principal, o mandato em causa própria já valha por ele, destarte mais que mero negócio preliminar. Isso sempre à consideração, enfim, de que o mandato em causa própria vai além da mera concessão de poderes ilimitados a mandatário dispensado de prestar contas, dado que, por seu intermédio – sendo essa função fundamental e seu efeito principal -, atribui-se ao mandatário a qualidade de dono da coisa ou do negócio sobre o qual incide o ajuste (De Plácido e Silva. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. I, p. 504). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 709-710 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na balada de Ricardo Fiuza, segundo se sabe, a procuração em causa própria (in rem proprium ou in rem suam), originária do direito romano, faz-se outorgada em exclusivo. Por ela, o mandante transfere direitos ao mandatário, para que este possa, legitimamente, alienar bens do primeiro, sem a necessidade, inclusive, de prestação de contas sobre o ocorrido, acarretando, em última análise, uma espécie de cessão indireta de direitos.

Não obstante algumas respeitáveis opiniões em contrário, acreditamos ser esta espécie de procuração irrevogável, permanecendo em vigor, mesmo após a morte do mandante ou do mandatário, eis que constituiu obrigação transmissível aos competentes herdeiros.

Avulta tórrido entendimento jurisprudencial segundo o qual “a procuração em causa própria, pela sua própria natureza, dispensa o procurador de prestar contas, pois encerra uma cessão de direitos em proveito dele. E, por isto mesmo, irrevogável e presta-se à transmissão do domínio mediante transcrição no Registro Imobiliário, desde que reúna os requisitos fundamentais e sejam satisfeitas as formalidades exigidas para a compra e venda” (RT 577/214). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367-368 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, uma espécie de mandato no interesse do próprio mandatário é a procuração “em causa própria”, sendo esta a que permite o negocio consigo mesmo, previsto no CC 117. A cláusula “em causa própria” dispensa o mandatário da prestação de contas e equivale ao negócio de alienação para fins fiscais. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador.

Parágrafo único. É irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos quais se ache vinculado.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se disse por ocasião do exame do CC 682, a revogação, uma das formas de extinção do mandato, resultante de iniciativa do mandante, que destitui o mandatário do encargo conferido, deve ser a este, e a terceiros que com ele negociem, devidamente comunicada.

Com efeito, cuidando-se de unilateral resilição de contrato, dela insta tenha ciência o outro contratante, que é o mandatário, bem assim os terceiros que com ele estejam tratando. Daí afirmar-se que a revogação dimana de declaração de vontade receptícia, ou seja, que somente produz efeitos depois de conhecida pelo declaratário e por terceiros que com ele negociem. Na verdade, com a regra procura-se não só preservar a confiança de terceiros no tráfico negocial como, assegurar-se mantenha o mandatário devidamente informado das circunstâncias da outorga de poderes, cuja revogação se pretenda, corolário do solidarismo que deve permear as relações jurídicas.

Inexistente a comunicação da revogação, tem-se hipótese de verdadeiro mandato aparente, em que justificadamente há a crença, por terceiros, na condição de mandatário de alguém que assim atua, e por concorrência da conduta do mandante, que se omite na comunicação da revogação (ver comentário do CC.662, sobre o mandato aparente, seus requisitos e eventuais efeitos). O resultado, então, ausente a devida comunicação da revogação, é a vinculação do mandante por obrigações assumidas pelo mandatário diante de terceiros inscientes daquela mesma revogação. Se, porém, o mandatário tinha conhecimento da revogação, malgrado não os terceiros, embora perante estes o mandante se obrigue, pode voltar-se contra o mandatário pelos prejuízos que tenha sofrido.

A comunicação da revogação não exige forma especial, malgrado se utilize a lei da expressão notificação, a rigor uma cientificação a que se agrega uma cominação, impondo-se, isso sim, meio eficaz de conhecimento do mandatário e de terceiros. Se os terceiros são indeterminados, tem-se entendido que, ainda assim, se deva proceder à cientificação para conhecimento geral, por meio de publicações, editais, ou meio idôneo a atingir o universo de pessoas potencialmente em contato com o mandatário.

Já no parágrafo único do artigo em comento, complementa-se o princípio que se contém no CC 684, antes examinado, hipóteses, ambas, que davam redação ao inciso II do art. 1.317 do CC/1916. Ou seja, deve-se ter por ineficaz, consequência aqui omitida, mas expressa no referido CC 684, repita-se, o que consubstanciava um só preceito no Código anterior, eis que o princípio é o mesmo, a revogação de mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios entabulados e aos quais se vincule. É, por exemplo, o mandato conferido para pagamento de débitos, enfim para execução de contratos, inclusive preliminares. São, no dizer de Caio Mário, mandatos acessórios de outro contrato, ou mesmo cláusula dele constante (Instituições de direito civil, 10.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, v. III, p. 265), apenas valendo não olvidar a abusividade de previsões, desse jaez, que imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico de consumo em nome do consumidor (art. 51, VIII, da Lei n. 8.078/90 e Súmula n. 60 do STJ). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 710-711 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Considerando Ricardo Fiuza segundo já amplamente analisado, o mandatário se manifesta em nome e no exclusivo interesse do mandante, ante, inclusive, a própria essência do mandato, razão por que permanece este último como titular de direitos e obrigações oriundos desta espécie contratual. A par dessa regra, deverá o mandante responder, com seu patrimônio, perante terceiros eventualmente prejudicados em razão da vontade emitida pelo mandatário, desde que dentro do rol de poderes a este outorgados.

Conquanto não se exija formalidade alguma para a revogação, o mandante tem a obrigação de comunica-la não só ao mandatário, avisando que o destituiu dos poderes para agir em seu nome, como também aos terceiros com quem este Ultimo contratava. José Paulo Cavalcanti, em sua obra intitulada A representação voluntária no direito civil (Recife, 1965, p. 101), averba que “a revogação deve ser comunicada aos terceiros, sendo eficazmente realizada, qualquer que tenha sido o meio pelo qual lhes tenha sido efetuada a respectiva comunicação”.

Dessa maneira, impõe-se a efetiva publicização da revogação, com os meios a tanto necessários, com o fito de dar ciência a todos os possíveis interessados, e, via obliqua, não induzir ninguém em erro. Caso não se proceda a essa comunicação, o mandante responderá, perante terceiros, pelos negócios empreendidos pelo mandatário em seu nome, ressalvando-se ao primeiro o direito de regresso contra este último, nas situações previstas.

E assente o posicionamento jurisprudencial de que “para ficar livre e isento de qualquer responsabilidade, incumbe ao mandante tornar pública a revogação, apelando para todos os meios ao seu alcance, quer avisando as pessoas com as quais mantinha negócios, quer por intermédio de editais pela imprensa” (RT 240/465 e 399/33 I). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 368 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a revogação do mandato é declaração receptícia, i.é, que somente produz efeitos no momento em que chega ao conhecimento do destinatário. Se o mandatário, ciente de da revogação utiliza o mandato para vincular o mandante em negócio com terceiros, sem dar conhecimento a este da revogação, o terceiro, ao contratar, age de boa-fé e, por isso, o negócio jurídico vincula-o reciprocamente ao mandante.

Ao utilizar procuração revogada, o mandatário age de má-fé e comete ato ilícito, ficando obrigado a indenizar o mandante pelos prejuízos que este vier a sofrer.

O mandato que contenha poderes para cumprimento ou confirmação de negócios já realizados é irrevogável. Assim, por exemplo, é ineficaz a revogação do mandato conferido para a realização de negócio definitivo que tenha sido objeto de contrato preliminar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 687. Tanto que for comunicada ao mandatário a nomeação de outro, para o mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior.

Da forma como instrui Claudio Luiz Bueno de Godoy, já se disse no comentário ao CC 682, a revogação do mandato não se efetiva sempre de maneira expressa, podendo ostentar-se tácita quando, tal qual dispõe o dispositivo em comento, o mandante nomeia outro mandatário, com isso denotando quebra da confiança que o fez nomear o anterior. Daí que não haverá revogação pela outorga de poderes gerais que suceda uma outorga de poderes especiais.

Portanto, insta que se revele situação de incompatibilidade na execução de um mesmo encargo, não se podendo presumir que o segundo mandatário tenha sido constituído para atuação conjunta com o primeiro, o que deve dimanar de disposição textual. Em compensação, como adverte Carvalho Santos, mesmo se a segunda nomeação for invalida ou não aceita já se terá operado a revogação do antecedente mandato porque evidenciada, de toda sorte, a quebra da confiança (Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 328).

Ademais, tal revogação tácita, para produzir efeitos, deve ser comunicada ao mandatário, na mesma senda da disposição do artigo anterior, a cujos comentários se remete, igualmente, como lá se disse, sem forma especial e, mais, por iniciativa não só do mandante como do nomo mandatário, ou mesmo, no exemplo do mandato judicial, ou pela juntada da nova procuração aos autos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 712 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Ricardo Fiuza, embora presente o cunho unilateral que norteia a hipótese de revogação do mandato, ao sabor da vontade de um dos contratantes, é certo que tal manifestação não pode prejudicar terceiros de boa-fé, cujos interesses devem ser resguardados, máxime quando o mandatário desconhecia a revogação, de modo a validar todos os efeitos dessa contratação.

No entanto, se, mesmo ciente da revogação, o mandatário permanece exercendo os poderes já anteriormente revogados, este é que responderá pela falta, já que decorrente de sua própria culpa.

Clóvis Beviláqua, interpretando este preceito, ponderou com a sagacidade de sempre: “A nomeação do novo procurador, para ter o efeito de revogar o anterior, deve ser para o mesmo negócio. A procuração geral para todos os negócios não revoga a especial anterior se a ela, expressamente, se não referir, e a especial posterior só revoga a geral anterior no que concerne ao seu objeto peculiar” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1919, v. 5, p. 67). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 369 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o mandante constitui outro mandatário para a prática dos mesmos atos que foram objeto de mandato anterior, este será revogado tão logo o conhecimento do segundo mandato chegue ao conhecimento do primeiro mandatário.

A regra é de caráter supletivo. É válida a ressalva de ratificação do primeiro mandato aposta no segundo mandato de modo a permitir que ambos vigorem simultaneamente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 682, 683, 684 - continua - Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 682, 683, 684 - continua
- Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 682 a 691) Seção IV – Da Extinção do Mandato –
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Art. 682. Cessa o mandato:

I – pela revogação ou pela renúncia;
II – pela morte ou interdição de uma das partes;
III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer;
IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

Conforme leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código, no artigo presente, tal como disposto pelo CC/1916 no art. 1.316, e mercê de idêntica redação, dispõe sobre as causas de extinção do contrato de mandato, a começar por duas que se podem dizer voluntárias: a revogação e a renúncia.

A revogação é ato unilateral por meio do qual o mandante exerce faculdade potestativa de destituir o mandatário do encargo que lhe havia cometido. Essa potestade é da essência do mandato, ressalvadas as hipóteses excepcionais a seguir examinadas (CC 683 a 685), se, afinal, o contrato é daqueles fiduciários, portanto baseados em confiança, a qual pode desaparecer, ademais instituído no interesse do mandante, também passível de cessação. Não há forma especial, nem mesmo aquela por que consumado o mandato, para a revogação, que pode ser total ou parcial, bem assim expressa ou tácita, como quando o mandante nomeia outro mandatário para cumprir o mesmo encargo (CC 687), ou quando ele próprio pratica o ato para o que havia outorgado poderes. A revogação deve ser comunicada ao mandatário e a terceiros (CC 686). Se existente mandato com procuração lavrada por escritura pública, a revogação deve ser averbada no mesmo instrumento e, se lavada a efeito em outras notas, deve haver comunicação ao tabelionato em que consumado o ato revogado, para a referida averbação (no Estado de São Paulo há determinação administrativa a respeito, consubstanciada nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça – Provimento CG n. 58/89, nesta parte com redação dada pelos Provimentos n. 13/94 e 21/994 -, Capítulo XIV, itens 22.1 a 22.3). os efeitos da revogação são ex nunc e, portanto, não afetam os negócios já entabulados pelo mandatário.

Havendo mais de um mandante, a revogação por um só não desfaz a relação existente com os demais, salvo se o negócio cometido ao mandatário for indivisível. Se o negócio principal não for de interesse comum dos mandantes, a revogação por um deles, da mesma forma, não afeta os demais, a rigor tratando-se de relações individualizadas, ainda que instrumentalizadas por ato único.

O mandante que revoga o mandato sujeita-se ao ressarcimento das despesas adiantadas pelo mandatário, sem prejuízo, na advertência de Caio Mário da Silva Pereira, mesmo que o mandato seja por prazo indeterminado, de indenização se, malgrado discricionária (ad nutum), sua conduta for abusiva (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, v. III, p. 263), lembrando-se que, hoje, a teoria do abuso não se liga apenas aos atos dolosos, deliberados ou propositadamente voltados a causar danos (CC 187). Destarte, ao caso, entende-se, deve ser aplicado o mesmo princípio de solidarismo, de boa-fé objetiva que anima a previsão do CC 473, parágrafo único.

Já se o mandato for oneroso, tem-se entendido que o mandante submete-se à composição dos prejuízos causados pelo exercício da revogação, quando não se justificar por conduta culposa do mandatário (ver, por todos: De Plácido e Silva. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. II, p. 837), de resto como sucede no Direito italiano, em que, textualmente, se estatui obrigação indenizatória afeta ao mandante que revoga, sem justa causa, mandato oneroso, conferido por tempo determinado ou para determinado negócio, estabelecendo, mais, igual indenização quando o ajusto seja por prazo indeterminado, porém revogado sem razoável aviso prévio (CC 1.725). Tudo sem prejuízo de, ainda no mandato oneroso, se pagar a remuneração proporcional ao quanto já cumprido do ajuste, quando revogado depois de iniciada a sua execução. E sem prejuízo, ainda, da indenização que, em caso de revogação de mandato irrevogável, se prevê no artigo seguinte.

Outra causa voluntária de extinção do mandato é a renúncia, ato unilateral praticado pelo mandatário, cuja possibilidade se funda nos mesmos pressupostos que fazem da revogabilidade a regra no mandato. Mas, também aqui, excepcionalmente, pode haver a irrenunciabilidade, que se considera ocorrer nos mesmos casos em que o mandato for irrevogável (cf. De Plácido e Silva. Op. cit., p. 870-1). A renúncia não guarda exigência de forma especial, podendo-se mesmo inferir a respectiva intenção do mandatário a partir de sua conduta, como a de devolver a procuração ao mandante, todavia devendo, em qualquer hipótese, haver sempre comunicação ao outorgante, e a tempo de haver proveitosa substituição, pena de indenização, que adiante se examinará (ver CC 688). A renúncia em mandato conjunto, por um dos mandatários, extingue o contrato, eis que necessária, ao seu cumprimento, a interferência de todos os mandatários.

Já uma causa legal de extinção do mandato é a morte, e de qualquer dos contratantes, afinal não se olvidando cuidar-se de ajuste fiduciário e intuitu personae. Não só a morte natural, como também a presumida, em sentido amplo, abrangendo a ausência, deve-se entender extintiva do mandato. Da mesma forma se subsume à espécie a dissolução e liquidação da pessoa jurídica. A despeito de se tratar de causa extintiva que opera de pleno direito, portanto independentemente de qualquer notificação, se falecer o mandatário, seus herdeiros, cientes do ajuste, darão aviso ao mandante, pendente ainda o negócio principal (CC 690), certo que, ao revés, morto o mandante, serão validados os atos posteriores praticados pelo mandatário insciente do falecimento, diante de terceiros de boa-fé (CC 689, infra). Mais, e como já se examinou (CC 674), mesmo havida a morte do mandante, ou mesmo mudança de seu estado, deve o mandatário concluir negócios já iniciados, se houver perigo de demora na sua interrupção.

De modo excepcional, não se extinguirá pela morte do mandante o mandato em causa própria (CC 685) e aquele estabelecido no interesse comum, portanto também do mandatário. Outra hipótese é a de o mandante já ter quitado o mandatário de todas as suas obrigações antes do falecimento. Havendo mais de um mandatário, extingue-se com a morte de um deles o mandato conjunto. Tudo afora as hipóteses dos CC 674, 689 e 691.

Outra causa legal de cessação do mandato é a interdição do mandante ou mandatário, dada a limitação de capacidade que ela induz, mas desde quando haja sido judicialmente declarada, de resto aplicando-se lhe as mesmas regras e ressalvas válidas para a morte.

A terceira causa legal extintiva do mandato é a mudança do estado de qualquer das partes, que as inabilitem a conferir poderes ou a exercer os poderes recebidos. Aqui devem ser compreendidos não só os casos que afetem a capacidade da parte, muito mais ligados à interdição, como outros que digam com a legitimação para a prática de determinado ato. Por exemplo o casamento, que não seja no regime da separação (CC 1.647), afeta o mandato outorgado para venda, por alguém então solteiro. Da mesma forma, o mandato ad judicia cessa se o mandatário ingressa em concurso incompatível com a advocacia.

A falência do mandatário será também causa extintiva da espécie em exame, excetuada a outorga para atos estranhos ao comércio; já a falência do mandante, que antes não extinguia o mandato conferido para prática de negócios que interessassem à massa, salvo revogação pelo síndico, na forma do disposto no art. 49 do Decreto-lei n. 7.661/45, agora, nos termos do art. 120 da Lei n. 11.101/2005, faz cessar seus efeitos, ressalvado o mandato conferido para representação judicial do devedor, que continua em vigor até que seja expressamente revogado pelo administrador judicial.

Por fim, são causas naturais de extinção do mandato o término de seu prazo e a conclusão do negócio para o qual foi outorgado. O que pressupõe, no primeiro caso, tenha sido estabelecido termo ad quem, o que não é obrigatório, podendo-se pactuar o mandato por prazo indeterminado, e no segundo que o mandato tenha sido outorgado para negócio ou negócios específicos, assim esgotando-se o ajuste pela ultimação do encargo conferido. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 705-706 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No lecionar de Ricardo Fiuza, os autores costumam ainda lembrar outras extintivas, que são de caráter geral, como a impossibilidade do objeto, a nulidade do contrato, a resolução por inadimplemento, a verificação de condição resolutiva (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 262-3).

Desta valiosa lição doutrinária dessume-se que a extinção do mandato compreende, a rigor, três ordens de fatores: natural (quando decorre do seu integral cumprimento, pela expiração do prazo para que se perfez ou pela feitura do negócio sobre que versava seu objeto), voluntária (por manifestação ou acordo das partes para ultimá-lo) e legal (quando a própria lei indica algum(uns) fato(s), cuja(s) ocorrência(s) invalida(m) o contrato).

Via de regra, o mandato pode, a qualquer tempo, ser revogado simplesmente porque, além de se fundar na confiança do mandante para com o mandatário, é sempre constituído no interesse do primeiro, que, exatamente por isso, pode revoga-lo a seu livre alvedrio, quando bem lhe aprouver. Deveras trata-se de faculdade que lhe assiste, a ser exercitada a qualquer momento, ensejando, sem embargo, uma espécie de resilição unilateral, prescindindo de qualquer justificativa para tanto, desde que não mais lhe convenha o negócio (revogação ad nutum). Diz-se “via de regra”, porquanto as partes podem estipular cláusula de irrevogabilidade, prevista no CC 683, a seguir.

A revogação não produz efeitos retroativos, atingindo, apenas, os atos futuros (ex nunc), em respeito aos já praticados.

Se a manifestação de vontade provier do mandatário, haverá renúncia ao mandato, a qual, a exemplo da revogação, também detém cunho unilateral, mas há de ser comunicada a tempo, embora prescinda de sua justificação, a fim de que o mandante providencie a sua substituição.

A morte do mandante, como a do mandatário, configura outra causa extintiva do mandato, haja vista se tratar de contrato intuitu personae. A interdição de mandante ou de mandatário, por seu turno, também tem o condão de aniquilar o mandato, à medida que incapacita o agente de exercê-lo, desalijando-o dos poderes necessários para continuar o contrato a si confiado. O interdito, como sabido, não pode atingir os atos da vida civil, já que declarada judicialmente a sua incapacidade.

A hipótese trazida pelo inciso III – convém salientar – atina, em verdade, aos casos de estado de pessoa, precisamente no seu aspecto civil, e não à perda de capacidade propriamente dita.

Se o mandato foi outorgado por prazo determinado, quando o próprio instrumento assim estipular, cessará o contrato de pleno direito no momento em que expirar tal período. De igual modo, conferido o mandato somente para algum ato específico, ocorrendo este ato também extinguir-se-á. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365-366 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na ilustração de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a) revogação e renúncia são os negócios jurídicos unilaterais que cabe, respectivamente, ao mandante e ao mandatário, para resilir o mandato. O andante extingue o mandato mediante a revogação dos poderes que concedeu ao mandatário; o mandatário pode, igualmente, extinguir o mandato mediante a renúncia dos poderes que recebeu. São atos unilaterais e, portanto, dependem da manifestação de vontade de apenas uma das partes. São, no entanto, negócios receptícios: para tornarem-se eficazes é necessário que deles tenham conhecimento os respectivos destinatários; b) Morte ou interdição de uma das partes. A morte do mandante ou do mandatário extingue o contrato imediatamente, mesmo antes de chegar ao conhecimento da outra parte. No caso de morte do mandante, no entanto, são válidos os atos que o mandatário praticar em seu nome, de boa-fé, antes de tomar conhecimento do óbito (CC 689); c) Mudança de estado. Incapazes podem ser mandantes uma vez que se façam representar ou sejam assistidos por seu representante legal. Se, no entanto, o mandante capa vier a se tornar incapaz, essa mudança de estado determina a extinção do mandato. Do mesmo modo, se o mandatário capaz tornar-se incapaz, cessa o mandato. Os negócios eventualmente praticados após a mudança de estado do mandante e do mandatário, mediante o uso do mandato, são nulos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandato o revogar, pagará perdas e danos.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se vem de examinar nos comentários ao artigo precedente, o mandato, por encerrar ajuste fiduciário, assim intuitu personae, é, em essência, revogável pelo mandante. Mas, disse-se também que há hipóteses excepcionais de irrevogabilidade, que começam a ser tratadas, pelo Código, no artigo presente. Com efeito, e tal como já constava do art. 1.317, I, do CC/1916, prevê a lei, antes de tudo, que as próprias partes possam, corolário de sua autonomia privada, convencionar a irrevogabilidade.

A diferença, porém, está em que, no anterior Código, expressava-se no artigo mencionado, sem mais, sem qualquer ressalva, a irrevogabilidade de mandato ajustado com cláusula dessa jaez, destarte abrindo-se a discussão sobre se haveria um direito de o mandatário executar o ajuste, ainda que de forma coativa, negando-se qualquer efeito à revogação que, a despeito de cláusula vedatória, viesse a ser externada pelo mandante (de resto tal qual é a solução, de ineficácia, para a hipótese de revogação alvitrada no artigo seguinte, infra, a cujos comentários se remete).

Na verdade, contudo, já avultava o entendimento de que, malgrado a irrevogabilidade convencionada, poderia, ainda assim, o mandante revogar os poderes conferidos, ante a natureza do contrato de mandato, só que, nesse caso, obrigando-se a compor perdas e danos, se não houvesse justa causa para a revogação.

Por outra, já se defendia que a cláusula de irrevogabilidade impunha uma obrigação de não fazer, mas sem consequência outra, resultante de seu descumprimento, que não fosse a composição de perdas e danos (v.g., Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil – direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 1956, v. II, p. 301; Mário Caio da Silva Pereira. Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 265).

Pois agora, com a redação dada ao CC 683, do Código Civil de 2002, positiva-se esta orientação, ou seja, no sentido de que, quando convencionada a irrevogabilidade, a revogação, mesmo assim opera efeito, por ser da essência do mandato, mas sujeitando o mandante, e aí a consequência, a compor perdas e danos como qualquer contratante inadimplente.

Por fim, vale a ressalva de que a leitura a contrário do preceito não deve levar à conclusão de que, se não pactuada a irrevogabilidade, a revogação exima o mandante, sempre, de qualquer consequência indenizatória. Consoante se advertiu nos comentários ao artigo antecedente, a que ora se remete, a revogação do mandato, mesmo se não vedada pelo ajuste, e ainda que a entabulação tenha sido por prazo indeterminado, pode também suscitar composição de perdas e danos, mas mercê de diferente cognição, que envolve a verificação de abuso, segundo o paradigma da boa-fé objetiva, vale dizer, de padrão de comportamento leal que se espera dos contratantes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 706-707 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Fiuza, sendo a regra a possibilidade de revogação do mandato, pela sua própria natureza jurídica, a cláusula de irrevogabilidade, eventual e explicitamente inserta no contrato, deverá ser observada em toda a sua plenitude, justamente por estar presente, tão-somente, em caráter excepcional, a que, sponte sua, anuíram os interessados. Vale dizer, se acordada pelas partes interessadas a sua previsão no contrato, há ela de ser rigorosamente cumprida, sob pena de o mandante responder pelas perdas e danos desta inobservância advindos.

O percuciente Caio Mário, já antevendo uma eventual problemática que poderia surgir nesse particular, asseverou que, “tendo as partes em vista a natureza do negócio ou seus recíprocos interesses, podem convencionar que o mandante não tem a faculdade de cassar os poderes. Em tal caso, adquire o mandatário o direito de exercer o mandato, sem ser molestado. Mas, sendo a cassação da própria essência do mandato, tem-se entendido que, se o constituinte o revogar, não obstante a proibição convencionada, estará sujeito a pagar ao procurador a remuneração total, ou indenizá-lo dos prejuízos resultantes da revogação inoportuna ou injusta, como qualquer outro contratante inadimplente” (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 265). Em outras palavras, “com essa estipulação, ele assume obrigação de não fazer, que, violada, dá lugar à composição dos prejuízos” (RT 150/525 e 178/168). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o mandato é, em regra, revogável. A lei admite que seja outorgado com a cláusula de irrevogabilidade. Presente a cláusula, duas situações podem se apresentar, segundo a natureza do negócio a que se destina o mandato: a irrevogabilidade pode tornar ou não eficaz eventual ato revocatório.

A revogação será ineficaz somente se a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio jurídico bilateral ou se tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, conforme determina o CC 684, a seguir.

A compreensão da norma exige ter em mente que, apesar de o mandato ser exercido em nome do mandante, a outorga pode visar a atender ao interesse concreto de qualquer pessoa: do próprio mandante, do mandatário ou de terceiros. Assim, p. ex., se A promete vender a B um imóvel e, paralelamente, outorga a B poderes para representar A na escritura de compra e venda, esse mandato terá sido outorgado no interesse do próprio mandatário.

Desse modo, uma vez que cláusula de irrevogabilidade não estabelecida em mandato estipulado em benefício do próprio mandatário, ela somente implicará a responsabilidade do mandante por indenizar os prejuízos causados ao mandatário pela revogação; não impedirá a eficácia dela. Assim, p. ex., se A outorga poderes a B para defende-lo em juízo, tal mandato será no interesse do mandante. Se dele constar a cláusula de irrevogabilidade, ela não retirará a eficácia de eventual revogação; obrigará o mandante a indenizar o mandatário pelos danos que tiver sofrido com a revogação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, segue o Código, no dispositivo presente, e como já se disse no comentário ao artigo anterior, tratando de excepcionais hipóteses de irrevogabilidade do mandato. Só que, agora, diversamente do que se previu no preceito antecedente, e reforçando a conclusão lá externada, a propósito da consequência da revogação de que cuida, estabelece o Código a sanção de ineficácia para a revogação que se venha a externar quando a irrevogabilidade, no dizer do artigo ora em comento, for condição de um negócio bilateral ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário. Vale dizer, se se cuida de revogação de mandato pactuado, sem mais, com cláusula de irrevogabilidade, a consequência é indenizatória, mas operando efeitos o ato revocatório (CC 683). Já se a irrevogabilidade é condição de negócio bilateral ou interessa só ao mandatário, então a revogação será, antes, ineficaz (CC 684).

Essa é a diversidade de tratamento que o novo Código reservou às hipóteses descritas, genericamente, sob a única rubrica da irrevogabilidade, no art. 1.317 do CC/1915. O mandato que seja condição de um negócio jurídico bilateral não se revoga como decorrência da própria irrevogabilidade deste negócio principal.

Na explicação de Pontes de Miranda, a hipótese se refere à contratação, em um ajuste bilateral, de um mandato que sirva ao cumprimento de prestações convencionadas (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.690, n. 2, p. 86). Da mesma forma, se o mandato é estabelecido no interesse exclusivo do mandatário, como quando contém a cláusula in rem suam (v. artigo seguinte) ou quando já se lhe tenha dado integral quitação de suas obrigações (ver comentário ao CC 682), igualmente haverá irrevogabilidade e ineficácia da revogação que, apesar disso, manifeste-se.

O mandato conferido no interesse comum do mandante e do mandatário, ou do mandante e de terceiro, via de regra, como observa De Plácido e Silva (Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. II, p. 892), subsume-se à hipótese da primeira parte do preceito ou, então, significa forma de cumprir qualquer obrigação ou negócio preliminar, o que se contemplou no CC 686, parágrafo único, adiante examinado. Aliás, em virtude desse preceito, não se repetiu, no artigo em comento, a segunda parte do inciso II do art. 1.317 do CC/1916, não se tendo repetido seu inciso III por concernir a matéria de direito societário. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 708 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, nesta hipóteses, a cláusula de irrevogabilidade representa, verdadeiramente, uma condição acessória de um contrato principal, de natureza bilateral, ou funciona como um meio para cumprir o fim: a realização da obrigação contratada.

Doutra banda, a revogação do mandato não surtirá quaisquer efeitos, juridicamente considerados, quando a cláusula de irrevogabilidade houver sido constituída em benefício do mandatário. A razão de ser dessa restrição reside, essencialmente, na necessidade de se resguardar e tutelar os interesses do mandatário, que se inclinou a aceitar a incumbência de representar o mandante, se, a contrapartida de perceber qualquer bônus para tanto. Nada mais razoável, portanto, do que fornecer-lhe tal garantia, para não ser surpreendido com a repentina e injustificada resilição do mandato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a compreensão desta norma exige ter em mente que, apesar de o mandato ser exercido em nome do mandante, a outorga pode visar a atender ao interesse concreto de qualquer pessoa: do próprio mandante, do mandatário ou de terceiros. Assim, v.g., se A promete vender a B um imóvel e, paralelamente, outorga a B poderes para representa-lo na escritura de compra e venda, esse mandato terá sido outorgado no interesse do próprio mandatário que, como comprador, é o maior interessado na escritura de compra e venda.

Desse modo, se o mandante manifestar a vontade de revogar o mandato, tal revogação não terá eficácia, permanecendo os poderes outorgados ao mandatário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 678, 679, 680, 681 - Das Obrigações do Mandante - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 678, 679, 680, 681
- Das Obrigações do Mandante - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 675 a 681) Seção III – Das Obrigações do Mandante –
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Art. 678. É igualmente obrigado o mandante a ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa sua ou de excesso de poderes.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo presente reproduz a regra do art. 1.312 do Código de 1916 e institui mais uma obrigação do mandante, qual seja, a de ressarcir o mandatário por todos os prejuízos que ele tem, sem culpa sua ou excesso de poderes, tenha experimentado na execução do mandato. Trata-se das chamadas perdas ab mandatum, que a lei quer ver ressarcidas ao mandatário como forma de se garantir que ele não experimente um prejuízo com o fiel cumprimento de ajuste que, afinal, é entabulado para consumação de negócio ou atividade no interesse e proveito do mandante, por isso a quem se comete o dever ressarcitório.

Impende, porém, que os prejuízos tenham sido sofridos, como está no preceito, na execução do mandato, o que significa dizer por causa do cumprimento do encargo ou mesmo por ocasião desse mesmo desempenho. Esse ressarcimento somente não se imputará ao mandante se a perda tiver sido provocada por conduta culposa do próprio mandatário ou se ele tiver agido sem os devidos poderes, até porque não vinculado o mandante ao respectivo resultado (CC 662).

Mas, se são essas as excludentes da obrigação ressarcitória em comento, é bem de ver, então, que ela, ao revés, não se afasta se ocorrido fortuito ou força maior. Ou seja, mesmo que as perdas do mandatário dimanem do casus, o mandante permanecerá com o dever de ressarcir. Em diversos termos, e sempre à consideração de que o mandato se cumpre, mercê de sua outorga, em seu interesse, ao mandante está afeto o risco de perdas que o mandatário sofra no exercício do mister, risco este somente afastável se ele, mandatário, tiver obrado com culpa ou, o que é equivalente, sem poderes, aí sim, assumindo o risco de prejuízo para si.

A toda esta previsão é indiferente, como salienta De Plácido e Silva, que o mandato seja oneroso ou gratuito, porquanto geral a regra estabelecida (De Plácido e Silva. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, forense, 1989, v. 11, p. 644). Na mesma esteira a lição de Carvalho Santos, comentando o art. 1.312 do CC/1916, e para quem mais a indenização também será devida aos herdeiros do mandatário, quando ele vem a falecer por causa e no desempenho do mandato (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 288-9). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 701/702 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Ricardo Fiuza e sua doutrina, se, de um lado, é inteiramente vedado ao mandatário manter consigo os lucros e as vantagens oriundas da execução do mandato, de outro é exato afirmar, outrossim, que ele nada pode perder por isso, cabendo, indistintamente, ao mandante o ressarcimento de todos os prejuízos surgidos como consectário do desempenho da função, exceto quanto tal prejuízo advier de conduta culposa sua, incluindo-se aí a sua atuação exorbitando os limites do contrato.

Com essa previsão, a lei protege a esfera patrimonial do mandatário, que dela se utilizou, durante o desenrolar do contrato e em benefício do constituinte, para cumprir, com perfeição, o seu encargo, sendo inteiramente razoável, por isso, eu não arque com ditas despesas extras, surgidas em decorrência – repita-se – da fiel execução do mandato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 364 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sinteticamente na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se na execução do mandato o mandatário vier a sofrer perdas, o mandante é obrigado a lhas ressarcir. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 679. Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu procurador contratou; mas terá contra este, ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções.

No entender de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra do dispositivo, repetida em relação ao que se continha no anterior Código, vem exatamente ao encontro do quanto já se expendeu nos comentários ao CC 662, suporá, em particular da diferenciação, que se efetuou, entre falta ou excesso e abuso de poderes. Se a falta ou o excesso de poderes não vincula o mandante, diversa é a situação quando, nos limites dos poderes outorgados, age o mandatário contra, em conflito com os interesses do mandante, mesmo assim vinculado, malgrado com pretensão reparatória contra o outorgado.

Da mesma forma, no artigo em comento, prevê-se que se o mandatário contraria instruções do mandante, mas sem extravasar os poderes que lhe foram outorgados, age vinculando-o, a despeito de se ressalvar a mesma postulação ressarcitória mencionada. Isso porquanto, a rigor, tende-se a preservar a situação do terceiro de boa-fé que negocia com o mandatário o qual, enfim, atua nos limites dos poderes que lhe foram outorgados e que são conhecíveis por aquele com quem trata. Pressupõe-se, destarte, que as instruções tenham se circunscrito à relação interna entre mandante e mandatário, por isso inoponíveis ao terceiro, o qual, assim, possui amplo direito de exigir do mandante a obrigação que, em seu nome, tenha sido assumida pelo mandatário, sempre garantido regresso ressarcitório. Porém, por idênticos motivos, se o terceiro conhecia ou devia conhecer a desobediência às instruções do mandante, portanto faltando-lhe boa-fé, entende-se incidir a mesma consequência anulatória referida nos comentários ao CC 662 e prevista no CC 119. Em diversos termos, nesta última situação mancará, justamente, o elemento axiológico que dá sustento à regra do artigo vertente. Não se compadece o sistema, e a eticidade que se quer a ele inerente, com a atuação de má-fé de terceiro que sabe, ou deveria saber, que o mandatário, mesmo nos limites dos poderes outorgados, age em desacordo com as instruções recebidas do mandante, em nome de quem, na pressuposição do Código Civil, como já se viu (ver comentário ao CC 653), assume obrigação. Por isso que a regra da norma presente deve concernir à situação do mandatário que atua nos lindes dos poderes outorgados, contra as instruções recebidas do mandante, o qual mesmo assim se vincula perante terceiro, desde que de boa-fé, então apenas se garantindo ao mandato ação, contra o mandatário, pelas perdas e danos que a inobservância das instruções lhe tenha provocado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 702 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Fiuza, regra geral, o mandante pode sofrer ação direta promovida por terceiros com que o mandatário contratou, cedo que ao primeiro compete honrar todas as obrigações pelo segundo contraídas, no limite dos poderes a este conferidos no mandato, salvo nas situações já dissecadas anteriormente. Tudo isso porque, como já ressaltado à saciedade, o mandatário age em nome e sob responsabilidade do mandante, que assume responsabilidade de modo pleno, absoluto, desde que contraída pelo mandatário nos termos do mandato.

Ainda que o mandatário desatenda às instruções ministradas pelo mandante, mas com essa insurgência não exorbite os limites do mandato, o segundo ficará vinculado ao cumprimento da avença, inclusive para com quem o primeiro contatou, ressalvando-lhe todavia, o direito de ajuizar ação regressiva contra o mandatário, almejando o ressarcimento por perdas e danos, resultantes da desobediência às reportadas instruções.

Em verdade, esse axioma origina-se do respeito ao princípio da segurança jurídica, no interesse de manter a estabilidade das relações jurídicas, sejam elas mercantis, sejam civis. E que os terceiros negociantes com o mandatário apenas conhecem os termos do mandato, não podendo, por absoluta impossibilidade material, ficar vinculados às regras extras ministradas pelo mandante ao mandatário, justamente por não conhecerem sequer seu conteúdo, quanto mais sua extensão.

Neste particular, impõe-se colher insumo do insuperável Orlando Gomes, quando averbava: “a atuação exorbitante não se identifica a atuação contrária às instruções. Se o mandatário não as observa o terceiro não será prejudicado, por isso que a infração não exonera o mandante de satisfazer as obrigações contraídas, se os poderes não forem excedidos. Como as instruções participam apenas da relação interna, o mandante terá ação contra o mandatário somente pelas perdas e danos resultantes de sua inobservância” (Contratos, 8.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 419). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Acrescentando saberes de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o mandante pode conter, além dos poderes, instruções. Os poderes são expressos a fim de que possam ser conhecidos por aqueles junto a quem o mandato deva ser exercido. As instruções costumam remanescer no âmbito da relação entre mandante e mandatário e, portanto, nenhum valor tem em relação a terceiros.

Se A outorga poderes a B para a venda de determinado bem, B dará conhecimento de tais poderes a C com quem pretende contratar em nome de A.

Na mesma situação, pode ocorrer que A estabeleça um preço mínimo, abaixo do qual B não poderá realizar o negócio, embora mantenha o intuito de vender a C por preço maior. Nessa circunstância, o limite estabelecido por A a B é uma instrução. Se B vender a C por valor inferior ao mínimo estabelecido por A, este ficará vinculado, pois a fixação de preço mínimo não foi estabelecida como limitação aos poderes do mandato, mas como instrução. Embora o negócio com C vincule A, B deverá ressarcir a A os prejuízos causados por ter violado a instrução. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 680. Se o mandato for outorgado por duas ou mais pessoas, e para negócio comum, cada uma ficará solidariamente responsável ao mandatário por todos os compromissos e efeitos do mandato, salvo direito regressivo, pelas quantias que pagar, contra os outros mandantes.

Seguindo instruções de Claudio Luiz Bueno de Godoy, da mesma forma que se possibilita seja o mandato concedido a mais de um mandatário, como se viu nos comentários ao CC 672, o contrato pode implicar diversa pluralidade subjetiva, quando outorgado por mais de uma pessoa, assim concorrendo mais de um mandante. Pois o dispositivo em comento, na mesma esteira do que já fazia o art. 1.314 do CC/1916, cuida da responsabilidade de cada qual dos mandantes, perante o mandatário, que se institui solidária quando a outorga for para a consumação de negócio comum. Ou seja, excepcionalmente, cada mandante responderá, não pela sua quota-parte, como é a regra, mas pela totalidade dos encargos devidos ao mandatário, ou aos mandatários, sempre que o mandato tiver sido concedido num mesmo instrumento e para a execução de um negócio comum, de interesse comum de todos os outorgantes, assim solidários. Isso porquanto, se há mandatos instrumentalizados em separado, por atos diversos, i.é., concedidos separadamente por cada mandante, mesmo que para negócio comum, as relações contratuais são individualizadas e, assim, terá o mandatário a ação que lhe competir contra cada qual de seus contratantes. De igual maneira, oposto seja um só o instrumento do mandato, se outorgado por vários mandantes, mas para negócios a cada um deles afeto, então também haverá relações individualizadas. Destarte, apenas se um só for o instrumento e comum o negócio para o qual outorgado o mandado por mais de uma pessoa é que haverá a solidariedade.

A responsabilidade solidária dos mandantes, imposta pelo preceito em comento, abrange tudo quando seja devido ao mandatário, em razão da execução do mandato. Abarca, pois, o direito do mandatário à remuneração, ao reembolso de despesas, aos juros acaso devidos (CC 677) ou à recomposição das perdas sofridas. Mas essa solidariedade se impõe tão somente na relação interna entre os mandantes e o(s) mandatário(s). vale dizer, a solidariedade não se estabelece na relação externa, dos mandantes diante de terceiro com quem o mandatário haja negociado.

Impende não olvidar que a solidariedade não se presume, decorrendo necessariamente de lei ou da vontade das partes (CC 265). E, no caso, a lei apenas estabelece a solidariedade dos mandantes, cumpridos os requisitos já examinados, perante o mandatário. Não, destarte, perante terceiros, salvo a declaração de vontade, ou seja, se outorgados ao mandatário poderes para assunção de obrigação solidária dos mandantes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 703 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Ricardo Fiuza, fixem-se vários os outorgantes, todos, por imperativo legal, serão solidariamente responsáveis para com o mandatário, por todos os compromissos (despesas com reembolso, a título de indenização, ou pela própria remuneração) e efeitos do mandato. Configura-se, no caso, a hipótese de solidariedade legal, cuja repercussão prática é a de que o mandatário, querendo, poderá exigir de um deles apenas o cumprimento dos deveres do mandato, seja total, seja parcialmente. Em se acionando um deles para efetuar o pagamento integral, liberam-se os demais.

Contudo, aquele que vier a adimplir as obrigações terá ação regressiva, pela quantia paga, contra os outros que permaneceram inertes, para receber, de cada um, a parte que lhe couber, reavendo a quantia desembolsada, excluída apenas a sua cota-parte. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em Direito.Com, encontra-se, A e B outorgam poderes a C para a prática de um negócio comum, isto é, um negócio em que A e B serão representados por C. Os mandantes ficam solidariamente obrigados junto a C pelas dívidas decorrentes da execução do mandato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 681. O mandatário tem sobre a coisa de que tenha a posse em virtude do mandato, direito de retenção, até se reembolsar do que no desempenho do encargo despendeu.

Encerrando a parte das obrigações do mandante com Claudio Luiz Bueno de Godoy, já se viu nos comentários ao CC 664, supra, que o mandatário tem, hoje, sobre o objeto da operação que lhe foi cometida, direito de retenção até pagamento de tudo o que lhe for devido em consequência do mandato. Sucede que, no preceito em comento, o Código Civil de 2002 repete a atribuição de direito de retenção ao mandatário, mas agora, de um lado, estabelecendo que ele incide sobre a coisa de que tenha o outorgado a posse em virtude do mandato e, de outro, ressalvando que para garantia e até reembolso do que no desempenho do encargo se despendeu.

Ou seja, o art. 1.315 do CC/1916, que estatuía o direito de retenção do mandatário, foi como que separado o Código Civil de 2002 em dois artigos, o CC 664 e o CC 681. Ou, se preferir, enquanto o CC 664 reproduziu o art. 156 do Código Comercial, o CC 681 reproduziu o art. 1.315 do CC/1916, adequando sua redação, eis que neste se mencionava retenção sobre o objeto do mandato, como já se disse no comentário do CC 664 sempre a prestação de um fato, não necessariamente com objeto tangível, por isso que agora aludindo-se à coisa de que, o mandatário tenha a posse em virtude de mandato.

Mas, de qualquer sorte, criou-se, no Código Civil de 2002, o que se considera ser dicotomia indevida no tratamento do direito de retenção do mandatário, em dois artigos distintos. No CC 664, instituiu-se direito de retenção para garantia de pagamento de tudo quanto for devido ao mandatário, em consequência do mandato. Já no CC 681, o direito de retenção envolve garantia mais restrita, eis que apenas assegura o reembolso das despesas enfrentadas pelo mandatário no cumprimento do encargo, assim não, por exemplo, a eventual remuneração a que faça jus. Veja-se que, tal qual se expendeu nos comentários ao CC 664, era já uma crítica que se fazia ao CC/1916, quando, em seu art. 1.315, restringia a retenção à garantia do reembolso de despesas. Melhor, afirmava-se, era a regra do art. do Código Comercial, de que ausente igual limitação.

Pois após ter o Código Civil de 2002, no CC 664, entendido a retenção, como na legislação comercial, no artigo presente volta a repetir a limitação do Código revogado. Fá-lo assentando uma diferenciação que, reputa-se, não se justifica. Assim porquanto, no CC 664, assenta-se direito de retenção a ser exercido sobre o objeto da operação, do negócio principal cometido ao mandatário, mercê do contrato preparatório de mandato. Já no CC 681, o direito de retenção se exerce sobre coisa de que o mandatário tenha a posse em virtude do mandato, mas não por ser o objeto da operação principal, do negócio para cuja consumação foram outorgados poderes, o que faria aplicável o CC 664.

Só resta, então, a concluir que a coisa de que o mandatário tenha a posse em virtude do mandato, conforme previsão do preceito em comento, seja aquela pertencente ao mandante, entregue para a consumação do negócio principal, e não recebida em razão dele, de resto cuja possibilidade se discutia já na vigência do CC/1916 (v.g., Carvalho Santos, J. M. Código civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 297), o que agora, portanto, se deve admitir viável. Melhor, porém, ao que se crê, teria sido o tratamento unificado e abrangente da retenção com aplicação do CC 664, destarte incidindo, para garantia de tudo quanto devido ao mandatário em razão do mandato, quer sobre coisa objeto da operação principal, quer sobre coisa recebida do mandante para execução do encargo. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 704 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conscientizando-nos com Ricardo Fiuza, da mesma forma que ao mandante, também se confere direito de retenção ao mandatário, só que com uma amplitude menor do que o da legislação comercial, que estende o jus retentionis a tudo quanto seja devido ao mandatário em razão do mandato, inclusive a remuneração e o pagamento por perdas e danos. Na legislação civil, porém, tal privilégio se restringe, tão-somente aos gastos empreendidos pelo mandatário no desempenho do mandato (RT 134/145).

Em última análise, ao mandatário civil se imputa o privilégio de assegurar, simplesmente, o reembolso do montante antecipadamente pago, para suprir as deficiências do mandato ou conservar a coisa, ou daquelas quantias despendidas na execução do mesmo, como corolário natural do seu desenvolvimento, acrescidas dos juros que lhe correspondem. Na realidade, o legislador, com tal previsão, apenas buscou enaltecer a velha máxima, segundo a qual o direito que expressa um privilégio há de ser exercitado restritivamente, ou seja, dentro dos estritos limites do preceito que o instituiu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365-366 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento dos mestres Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo confere ao mandatário o direito de reter para si bem que esteja em sua posse em razão do cumprimento do mandato até que o mandante o reembolse pelas quantias despedidas no cumprimento do mandato. Apesar da redação mais restrita, o direito de retenção deve ser reconhecido, igualmente, para recebimento da remuneração ajustada, uma vez que, tanto quanto o reembolso de despesas, cuida-se de crédito decorrente do próprio mandato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 19.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).