terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 685, 686, 687 - continua - Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 685, 686, 687 - continua
- Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 682 a 691) Seção IV – Da Extinção do Mandato –
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Art. 685. Conferindo o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Elucida o mestre Claudio Luiz Bueno de Godoy, já estabelecer, no Código anterior, que, dentre outras hipóteses, inclusive examinadas nos comentários aos artigos antecedentes, a chamada procuração em causa própria era irrevogável (art. 1.317, I). Explicita, agora, o Código Civil de 2002, que o mandato que contenha a cláusula em causa própria é irrevogável e, mais, que a sua revogação, assim, não terá eficácia, mesma consequência disposta no CC 684, mas não no CC 683, atrás enfrentados.

O mandato com a cláusula referida (in rem propriam ou in rem suam), na realidade, é instituído no interesse do mandatário. Em diversos termos, por meio desse ajuste o mandatário é nomeado para agir no seu próprio interesse, por isso que ficando dispensado de qualquer prestação de contas. Pelo mesmo motivo é que esta espécie de mandato é irrevogável e não se extingue com a morte do mandante ou do mandatário.

Sempre houve, porém, grande discussão sobre se a cláusula in rem suam chegava a implicar transferência do direito incidente sobre o objeto do negócio principal ao mandatário. Pontes de Miranda, por exemplo, sustentava que nesta espécie de mandato não se transfere, em concreto, qualquer direito de crédito e, menos ainda, a propriedade, a seu ver transmitindo-se em abstrato, um poder de disposição de direitos no interesse do mandatário, como se fosse seu o direito a transmitir, porque seu o respectivo proveito (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.700, n. I, p. 157).

Contudo, e ao revés, sempre houve posição menos restrita, a defender que o mandato em causa própria induz verdadeira transferência, cessão indireta de direitos, portanto assim sustentando-se que, a rigor, nem bem mandato é, eis que descaracterizado na sua essência e, por isso, inclusive, interpretado à luz de negócio traslativo de direitos, i.é, uma cessão, uma alienação, onerosa ou gratuita (para uma exemplificação dos defensores de uma ou outra teoria, e de seus respectivos argumentos, de forma mais detalhada, conferir: Marmitt, Arnaldo. Mandato. Rio de Janeiro, Aide, 1992, p. 45-6).

Bem de ver, porém, que o debate não é meramente acadêmico. Se se admitir que a cláusula in rem suam implica transferência de direitos, então forçoso será concluir que o instrumento deste mandato, quando obedeça aos requisitos do contrato traslativo a que se volta, vale por ele, e não só como ajuste preliminar ou preparatório, portanto sem necessidade de negócio posterior, inclusive contratado consigo mesmo, i.é, o mandatário contratando pelo mandante e por si. Assim, por exemplo, admitir-se-á, como a jurisprudência já aceitava, o registro do instrumento do mandato em causa própria, lavrado por escritura pública, para alienação de direito real imobiliário.

E, com efeito, entende-se que a própria origem dessa espécie de negócio, vindo do Direito romano, em que instituído para possibilitar, justamente, a cessão de obrigação, então contemplativa de um vínculo pessoal, por isso impassível de cessão a qual, pelo mandato em exame, se fazia de forma indireta, pois, a um procurator in rem suam, indique cuidar-se de verdadeira transferência de direitos. Ou seja, um mandato que, impropriamente, produz mais que efeitos de gestão de interesse alheio, operando, antes, efeitos mesmo traslativos de direitos, de que acaba realmente titular o mandatário.

Mais, a prática denota a utilização desta espécie negocial precisamente para transferir direitos. Certo que a redação do artigo em comento não é de todo esclarecedora quando alude à possibilidade de que o mandatário in rem suam possa transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais, como se sempre houvesse a necessidade de um negócio principal e posterior. Deve-se entender, porém, que, se atendidas as exigências de forma e conteúdo do negócio contratual principal, o mandato em causa própria já valha por ele, destarte mais que mero negócio preliminar. Isso sempre à consideração, enfim, de que o mandato em causa própria vai além da mera concessão de poderes ilimitados a mandatário dispensado de prestar contas, dado que, por seu intermédio – sendo essa função fundamental e seu efeito principal -, atribui-se ao mandatário a qualidade de dono da coisa ou do negócio sobre o qual incide o ajuste (De Plácido e Silva. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. I, p. 504). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 709-710 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na balada de Ricardo Fiuza, segundo se sabe, a procuração em causa própria (in rem proprium ou in rem suam), originária do direito romano, faz-se outorgada em exclusivo. Por ela, o mandante transfere direitos ao mandatário, para que este possa, legitimamente, alienar bens do primeiro, sem a necessidade, inclusive, de prestação de contas sobre o ocorrido, acarretando, em última análise, uma espécie de cessão indireta de direitos.

Não obstante algumas respeitáveis opiniões em contrário, acreditamos ser esta espécie de procuração irrevogável, permanecendo em vigor, mesmo após a morte do mandante ou do mandatário, eis que constituiu obrigação transmissível aos competentes herdeiros.

Avulta tórrido entendimento jurisprudencial segundo o qual “a procuração em causa própria, pela sua própria natureza, dispensa o procurador de prestar contas, pois encerra uma cessão de direitos em proveito dele. E, por isto mesmo, irrevogável e presta-se à transmissão do domínio mediante transcrição no Registro Imobiliário, desde que reúna os requisitos fundamentais e sejam satisfeitas as formalidades exigidas para a compra e venda” (RT 577/214). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367-368 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, uma espécie de mandato no interesse do próprio mandatário é a procuração “em causa própria”, sendo esta a que permite o negocio consigo mesmo, previsto no CC 117. A cláusula “em causa própria” dispensa o mandatário da prestação de contas e equivale ao negócio de alienação para fins fiscais. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador.

Parágrafo único. É irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos quais se ache vinculado.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se disse por ocasião do exame do CC 682, a revogação, uma das formas de extinção do mandato, resultante de iniciativa do mandante, que destitui o mandatário do encargo conferido, deve ser a este, e a terceiros que com ele negociem, devidamente comunicada.

Com efeito, cuidando-se de unilateral resilição de contrato, dela insta tenha ciência o outro contratante, que é o mandatário, bem assim os terceiros que com ele estejam tratando. Daí afirmar-se que a revogação dimana de declaração de vontade receptícia, ou seja, que somente produz efeitos depois de conhecida pelo declaratário e por terceiros que com ele negociem. Na verdade, com a regra procura-se não só preservar a confiança de terceiros no tráfico negocial como, assegurar-se mantenha o mandatário devidamente informado das circunstâncias da outorga de poderes, cuja revogação se pretenda, corolário do solidarismo que deve permear as relações jurídicas.

Inexistente a comunicação da revogação, tem-se hipótese de verdadeiro mandato aparente, em que justificadamente há a crença, por terceiros, na condição de mandatário de alguém que assim atua, e por concorrência da conduta do mandante, que se omite na comunicação da revogação (ver comentário do CC.662, sobre o mandato aparente, seus requisitos e eventuais efeitos). O resultado, então, ausente a devida comunicação da revogação, é a vinculação do mandante por obrigações assumidas pelo mandatário diante de terceiros inscientes daquela mesma revogação. Se, porém, o mandatário tinha conhecimento da revogação, malgrado não os terceiros, embora perante estes o mandante se obrigue, pode voltar-se contra o mandatário pelos prejuízos que tenha sofrido.

A comunicação da revogação não exige forma especial, malgrado se utilize a lei da expressão notificação, a rigor uma cientificação a que se agrega uma cominação, impondo-se, isso sim, meio eficaz de conhecimento do mandatário e de terceiros. Se os terceiros são indeterminados, tem-se entendido que, ainda assim, se deva proceder à cientificação para conhecimento geral, por meio de publicações, editais, ou meio idôneo a atingir o universo de pessoas potencialmente em contato com o mandatário.

Já no parágrafo único do artigo em comento, complementa-se o princípio que se contém no CC 684, antes examinado, hipóteses, ambas, que davam redação ao inciso II do art. 1.317 do CC/1916. Ou seja, deve-se ter por ineficaz, consequência aqui omitida, mas expressa no referido CC 684, repita-se, o que consubstanciava um só preceito no Código anterior, eis que o princípio é o mesmo, a revogação de mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios entabulados e aos quais se vincule. É, por exemplo, o mandato conferido para pagamento de débitos, enfim para execução de contratos, inclusive preliminares. São, no dizer de Caio Mário, mandatos acessórios de outro contrato, ou mesmo cláusula dele constante (Instituições de direito civil, 10.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, v. III, p. 265), apenas valendo não olvidar a abusividade de previsões, desse jaez, que imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico de consumo em nome do consumidor (art. 51, VIII, da Lei n. 8.078/90 e Súmula n. 60 do STJ). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 710-711 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Considerando Ricardo Fiuza segundo já amplamente analisado, o mandatário se manifesta em nome e no exclusivo interesse do mandante, ante, inclusive, a própria essência do mandato, razão por que permanece este último como titular de direitos e obrigações oriundos desta espécie contratual. A par dessa regra, deverá o mandante responder, com seu patrimônio, perante terceiros eventualmente prejudicados em razão da vontade emitida pelo mandatário, desde que dentro do rol de poderes a este outorgados.

Conquanto não se exija formalidade alguma para a revogação, o mandante tem a obrigação de comunica-la não só ao mandatário, avisando que o destituiu dos poderes para agir em seu nome, como também aos terceiros com quem este Ultimo contratava. José Paulo Cavalcanti, em sua obra intitulada A representação voluntária no direito civil (Recife, 1965, p. 101), averba que “a revogação deve ser comunicada aos terceiros, sendo eficazmente realizada, qualquer que tenha sido o meio pelo qual lhes tenha sido efetuada a respectiva comunicação”.

Dessa maneira, impõe-se a efetiva publicização da revogação, com os meios a tanto necessários, com o fito de dar ciência a todos os possíveis interessados, e, via obliqua, não induzir ninguém em erro. Caso não se proceda a essa comunicação, o mandante responderá, perante terceiros, pelos negócios empreendidos pelo mandatário em seu nome, ressalvando-se ao primeiro o direito de regresso contra este último, nas situações previstas.

E assente o posicionamento jurisprudencial de que “para ficar livre e isento de qualquer responsabilidade, incumbe ao mandante tornar pública a revogação, apelando para todos os meios ao seu alcance, quer avisando as pessoas com as quais mantinha negócios, quer por intermédio de editais pela imprensa” (RT 240/465 e 399/33 I). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 368 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a revogação do mandato é declaração receptícia, i.é, que somente produz efeitos no momento em que chega ao conhecimento do destinatário. Se o mandatário, ciente de da revogação utiliza o mandato para vincular o mandante em negócio com terceiros, sem dar conhecimento a este da revogação, o terceiro, ao contratar, age de boa-fé e, por isso, o negócio jurídico vincula-o reciprocamente ao mandante.

Ao utilizar procuração revogada, o mandatário age de má-fé e comete ato ilícito, ficando obrigado a indenizar o mandante pelos prejuízos que este vier a sofrer.

O mandato que contenha poderes para cumprimento ou confirmação de negócios já realizados é irrevogável. Assim, por exemplo, é ineficaz a revogação do mandato conferido para a realização de negócio definitivo que tenha sido objeto de contrato preliminar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 687. Tanto que for comunicada ao mandatário a nomeação de outro, para o mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior.

Da forma como instrui Claudio Luiz Bueno de Godoy, já se disse no comentário ao CC 682, a revogação do mandato não se efetiva sempre de maneira expressa, podendo ostentar-se tácita quando, tal qual dispõe o dispositivo em comento, o mandante nomeia outro mandatário, com isso denotando quebra da confiança que o fez nomear o anterior. Daí que não haverá revogação pela outorga de poderes gerais que suceda uma outorga de poderes especiais.

Portanto, insta que se revele situação de incompatibilidade na execução de um mesmo encargo, não se podendo presumir que o segundo mandatário tenha sido constituído para atuação conjunta com o primeiro, o que deve dimanar de disposição textual. Em compensação, como adverte Carvalho Santos, mesmo se a segunda nomeação for invalida ou não aceita já se terá operado a revogação do antecedente mandato porque evidenciada, de toda sorte, a quebra da confiança (Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 328).

Ademais, tal revogação tácita, para produzir efeitos, deve ser comunicada ao mandatário, na mesma senda da disposição do artigo anterior, a cujos comentários se remete, igualmente, como lá se disse, sem forma especial e, mais, por iniciativa não só do mandante como do nomo mandatário, ou mesmo, no exemplo do mandato judicial, ou pela juntada da nova procuração aos autos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 712 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Ricardo Fiuza, embora presente o cunho unilateral que norteia a hipótese de revogação do mandato, ao sabor da vontade de um dos contratantes, é certo que tal manifestação não pode prejudicar terceiros de boa-fé, cujos interesses devem ser resguardados, máxime quando o mandatário desconhecia a revogação, de modo a validar todos os efeitos dessa contratação.

No entanto, se, mesmo ciente da revogação, o mandatário permanece exercendo os poderes já anteriormente revogados, este é que responderá pela falta, já que decorrente de sua própria culpa.

Clóvis Beviláqua, interpretando este preceito, ponderou com a sagacidade de sempre: “A nomeação do novo procurador, para ter o efeito de revogar o anterior, deve ser para o mesmo negócio. A procuração geral para todos os negócios não revoga a especial anterior se a ela, expressamente, se não referir, e a especial posterior só revoga a geral anterior no que concerne ao seu objeto peculiar” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1919, v. 5, p. 67). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 369 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o mandante constitui outro mandatário para a prática dos mesmos atos que foram objeto de mandato anterior, este será revogado tão logo o conhecimento do segundo mandato chegue ao conhecimento do primeiro mandatário.

A regra é de caráter supletivo. É válida a ressalva de ratificação do primeiro mandato aposta no segundo mandato de modo a permitir que ambos vigorem simultaneamente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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