segunda-feira, 16 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 854, 855, 856 – continua Da Promessa de Recompensa - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 854, 855, 856 – continua
 Da Promessa de Recompensa - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo I – Da Promessa de Recompensa
– Seção III – (art. 854 a 886) – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Dos Atos Unilaterais – Introdução com crédito a Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira. Os negócios jurídicos são unilaterais se na sua composição participa uma só parte.

No direito brasileiro, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, não se pode excluir a existência de negócios jurídicos unilaterais não previstos em lei (atípicos) (Pontes de Miranda, Tratado..., v. 31, p. 6). Diferentemente, em alguns sistemas europeus há regra expressa no sentido da tipicidade, como o art. 457 do Código Civil português e o art. 1.987 do Código Civil italiano.

Os negócios jurídicos unilaterais podem ser autônomos ou dependentes de outros negócios. O Código designa “atos unilaterais”, os negócios jurídicos unilaterais que têm existência autônoma: promessa de recompensa, gestão de negócios, enriquecimento sem causa, pagamento indevido, títulos de crédito. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido.

No contar de Hamid Charaf Bdine Jr, a promessa de recompensa inclui-se entre os atos unilaterais que são fonte de obrigação. Assim, uma vez preenchidos determinados requisitos, aquele que promete recompensa está vinculado ao cumprimento da prestação oferecida. Tal situação verifica-se quando, por exemplo, colocam-se faixas em determinado bairro prometendo recompensar quem restituir um animal de estimação. A obrigação não decorre do simples fato de restituir-se o animal, mas sim da promessa anterior, feita por anúncios, de que se pagaria recompensa ou gratificação. Do mesmo modo, não é suficiente que se formule pedido de restituição do animal, havendo necessidade de promessa de recompensa ou gratificação consignada no anúncio.

Desde o anúncio público, o promitente considera-se obrigado, mas a exigência da contraprestação prometida dependerá de fato futuro e incerto ou da realização de determinado serviço. a obrigação surgida para o promitente não depende do consentimento da outra parte, cujo serviço não transforma o negócio em bilateral (De Lucca, Newton. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 8 e ss.).

Carlos Roberto Gonçalves aponta os requisitos necessários para que a promessa de recompensa se torne obrigatória: “a) que lhe tenha sido dada publicidade; b) a especificação da condição a ser preenchida ou o serviço a ser desempenhado; e c) a indicação da recompensa ou gratificação” (Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. III, p. 267).

O requisito da publicidade não implica qualquer restrição a respeito do meio pelo qual  a promessa é divulgada, bastando que seja dirigida a pessoas indeterminadas. Assim, tanto o anúncio pela imprensa quanto a distribuição de folhetos ou a afirmação verbal em local em que se encontrem várias pessoas serão suficientes. Nos casos em que a promessa for feita por fornecedores de produtos ou serviços, as regras de incidência predominante serão as do Código de Defesa do Consumidor (CDC 30 a 38). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 878 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Fiuza, a promessa de recompensa pode ser definida como o ato obrigacional de alguém que, por anúncio público, se compromete a recompensar, ou gratificar, pessoa que preencha certa condição ou desempenhe certo serviço. é uma das formas de obrigação resultante de declaração unilateral da vontade. Significa a aplicação do princípio da obrigatoriedade da promessa feita a pessoa ausente.

Este dispositivo repete o art. 1.512 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação; deve, assim, receber o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 446 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No esmiuçar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, promessa de recompensa é a declaração feita mediante anúncio divulgado entre os interessados (público), na qual o autor se obriga a dar uma recompensa ou gratificação a quem preencha certa condição ou pratique determinado ato. Exemplos: promessa para a descoberta de criminoso, para quem devolver animal ou coisa perdida, ao aluno que não faltar a nenhuma aula (promessa por fato omissivo).

Distinções: a) a proposta de contrato, ao contrário da promessa de recompensa, até que seja aceita, não obriga o proponente, nem cria direitos para o destinatário, salvo o de concluir o contrato. Depois de aceita, dá origem a contrato. Torna-se irrevogável depois que chega ao conhecimento do destinatário (CC 427). A oferta ao público é um tipo de proposta de contrato (CC 429); b) a promessa unilateral, como a proposta de contrato, visa à realização de um contrato definitivo, não à atribuição de uma prestação ou benefício como ocorre na promessa de recompensa; c) o direito à recompensa a que faz jus aquele que acha e devolve bem alheio (CC 1.234) decorre da lei, diferentemente da promessa de recompensa, que advém de ato de vontade.

Espécies de promessa de recompensa: a promessa de recompensa pode corresponder a uma das três espécies, conforme o número de possíveis beneficiários: a) restrita a um; b) múltipla, dirigida a mais de um vencedor e que a admite a pluralidade de recompensas (ex>; mega-sena); c) concurso: os CC 854 a 856 referem-se às três espécies. Os CC 857 e 858 referem-se à promessa restrita a um. Os CC 859 e 869 cuidam do concurso.

Capacidade. A lei nada estabelece quanto à capacidade civil do promitente. Pontes de Miranda ensina que é válida a promessa de gratificação feita pelo representante legal de incapaz em nome deste, uma vez que não há restrição legal de incapaz em nome deste, uma vez que não há restrição legal: “Sim, com a assistência dos representantes legais, porém dentro da quantia de que, por lei, podem dispor. A questão reclama a aplicação dos princípios relativos aos pais, tutores e curadores” (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, v. 31, p. 305).

Os incapazes não podem doar. Há proibição implícita para os sujeitos ao poder familiar (CC 1.691) e explicita quanto à tutela, aplicável à curatela (CC 1.749, II e CC 1.774). Não é possível, pois, a promessa de recompensa em nome de incapazes sempre que configurar doação, o que será configurado quando da promessa de recompensa não advier um benefício ao incapaz de valor pelo menos igual ao que é prometido em seu nome. A promessa de recompensa permanece eficaz após a morte ou incapacidade do promitente.

Forma. A promessa deve assegurar certa publicidade (dirigir-se a várias pessoas indeterminadas). Qualquer meio de veiculação de mensagens pode ser utilizado: imprensa escrita, rádio, televisão, internet, documentos particulares, entre outros. Pode ser tácita (ex.: pau-de-sebo).

É eficaz a promessa de recompensar com propriedade imóvel, ainda que não seja feita por meio de escritura pública, pois: “A promessa de bem imóvel, ou de outro bem, para cuja transmissão da propriedade seja necessária a instrumentação pública, não fica adstrita a exigência legal de forma. A promessa de recompensa não contém acordo de constituição. Gera, apenas, obrigação” Pontes de Miranda, Tratado..., v. 31, p. 296).

Objeto. Diversas podem ser as ações pretendidas com a promessa: a) preenchimento de condição (ex.: concurso de beleza); b) realização de serviço: obrigação de fazer, não-fazer ou de dar (ex.: restituir); c) qualquer prestação lícita inclusive ato que constitua dever legal (ex.: descoberta, 1.233). Não cria obrigação civil a promessa de recompensa proveniente de jogo ou aposta (CC 814).

Qualquer prestação lícita pode ser oferecida como recompensa. Segundo Pontes de Miranda, se a recompensa não tiver sido fixada, pode ser arbitrada pelo juiz (op. cit., p. 323). Entendemos que não, pois o objeto da recompensa é elemento essencial do negócio. O arbitramento judicial violaria a autonomia da vontade. De outro lado, a promessa de recompensa sem a fixação de objeto pode ensejar a responsabilização civil do promitente, uma vez que enseje prejuízo a terceiros, em nome da proteção da confiança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 855. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa estipulada.

No parecer de Hamid Charaf Bdine Jr, não se exige que a pessoa que satisfizer o interesse do promitente o tenha feito com a intenção de receber a recompensa ou mesmo tivesse conhecimento dela. É suficiente que ela tenha sido oferecida publicamente para que o interessado possa postular a recompensa. Dessa forma, se alguém restitui ao proprietário um cão desaparecido, porque sabia que este lhe pertencia, fará jus à recompensa prometida em faixas colocadas nas imediações, mesmo que delas só venha a ter conhecimento depois da devolução do animal.

O presente dispositivo demonstra que a obrigação constitui-se independente da concordância do titular do direito à recompensa, nascendo exclusivamente com a manifestação pública de vontade do promitente, de forma diversa do que ocorre com os contratos – fontes de obrigações que só se aperfeiçoam com a conjugação de vontades dos manifestantes.

Ao se tornar obrigatória a promessa, aquele que realiza o serviço pode compelir o promitente a cumpri-la por intermédio de ação judicial, que pode ser condenatória ou indenizatória, conforme a natureza da recompensa prometida. Carlos Roberto Gonçalves acrescenta não haver necessidade de se examinar se houve utilidade para o promitente do serviço executado, bastando que sua atividade tenha correspondido ao que foi prometido recompensar (Direito civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 569). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 881 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na justificativa de Ricardo Fiuza, a promessa feita com publicidade é dirigida a qualquer pessoa. Se alguém apresentar aquilo que foi publicamente pedido, o promitente (aquele que se obriga, por promessa, a dar, fazer ou não fazer alguma coisa) vinculado por sua promessa tem de aceitar a prestação, ou cumprir o que prometeu. Não é necessário que o serviço tenha sido realizado no interesse da recompensa. Basta que corresponda às condições do anúncio, a não ser que o promitente haja, de modo expresso, exigido um ato que se realize por causa de sua solicitação. Este, repete o artigo 1.513 do CC/1916 com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 446 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, beneficiário da promessa de recompensa é quem cumpre a condição ou pratica determinado ato, mesmo que não tivesse conhecimento dela. É pessoa meramente determinável (ad incertam personam). A promessa de recompensa deve ser dirigida a duas ou mais pessoas; se feita a determinada pessoa configura-se oferta ou promessa unilateral.

O incapaz que cumpre a condição adquire o direito e a pretensão, mas deve ser assistido ou representado quando da cobrança (Pontes de Miranda, Tratado..., v. 31, p. 312). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 856. Antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, pode o promitente revogar a promessa, contanto que o faça com a mesma publicidade; se houver assinado prazo à execução da tarefa, entender-se-á que renuncia o arbítrio de retirar, durante ele, a oferta.

Parágrafo único. O candidato de boa-fé, que houver feito despesas, terá direito a reembolso.

Sob o viso de Hamid Charaf Bdine Jr, a promessa de recompensa pode ser revogada, desde que: a) o serviço não tenha sido executado ou a condição não haja se verificado; b) a revogação seja divulgada com a mesma publicidade dada à promessa; não tenha sido concedido prazo previsto para a execução do serviço.

No caso de haver prazo para a execução da tarefa, a retirada da oferta não pode ser feita durante sua vigência. Nada impede, porém, que seja feita posteriormente. No entanto, ao se esgotar o prazo, a oferta ainda é válida se não tiver havido revogação? Sim, se o interesse do devedor ainda puder ser satisfeito. É o caso da recompensa oferecida a quem se prontificar a ir até uma ilha de difícil acesso resgatar determinada pessoa em 24 horas. Ao ter decorrido o prazo, se a promessa não for revogada, ela ainda é devida se a vítima for resgatada. Segundo Newton de Lucca, nada impede que o promitente “renuncie expressamente à faculdade de revogar” (Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 18).

O parágrafo único do dispositivo assegura ao candidato de boa-fé que tiver feito despesas para atender à oferta o reembolso delas a despeito da revogação. Aplica-se exclusivamente aos casos em que ocorrer a revogação, pois, se a promessa subsistir, o candidato não será indenizado se não obtiver sucesso na empreitada. Ora, ao assumir gastos destinados a satisfazer o interesse do ofertante, o candidato assume o risco de nada receber se não tiver êxito, assim como o de ter despesas superiores ao valor prometido. Apenas se a promessa for revogada é que o candidato de boa-fé fará jus ao reembolso do que gastou por terem sido frustradas suas expectativas – criadas pelo ofertante que a refogou, ainda que licitamente. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 882 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No enfoque de Ricardo Fiuza, a promessa pode ser revogada antes de prestado o serviço ou cumprida a condição, desde que seja dada à revogação a mesma publicidade dispensada à promessa. Se, contudo, for fixado prazo para o cumprimento da tarefa, subentende-se que, durante esse período, o promitente renuncia o direito à revogação. Fica salvaguardado ao candidato de boa-fé o reembolso das despesas eventualmente feitas, antes da revogação. Mais uma vez é valorizado no Código Civil o princípio da boa-fé, que deve estar sempre presente nas relações obrigacionais. Mais um artigo que é mera repetição do CC/1916, art. 1.514, caput. Deve lhe ser dado, pois, o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 447 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a promessa de recompensa é eficaz até que seja adimplida, revogada ou, se com prazo, até o vencimento deste.

Para que a revogação da promessa de recompensa seja eficaz deverá ser feita com o mínimo de publicidade utilizado para a publicização da promessa.

A revogação antecipada da promessa de recompensa dá aos candidatos que tiverem realizado despesas para atende-la direito ao reembolso das despesas, salvo se tiverem procedido de má-fé. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 13 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 851, 852, 853 DO COMPROMISSO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 851, 852, 853
 DO COMPROMISSO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (Art. 481 a 853) Capítulo XX – Do Compromisso
 – Seção III – (art. 8 51 a 853) – vargasdigitador.blogspot.com

Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar.

Tem-se com Claudio Luiz Bueno de Godoy que, o Código Civil de 1916 regulava, já, o compromisso, mas, tal como a transação, inserindo-o dentre as formas de extinção das obrigações. Sobreveio, depois, a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), textualmente revogando, como disposto no seu art. 44, os preceitos dos arts. 1.037 a 1.048 do CC/1916, que cuidavam da matéria. Pois agora retoma o atual Código Civil o tratamento legal do compromisso, e no capítulo dos contratos, tal qual se deu com a transação (v. comentário ao CC 840), apenas que de maneira genérica, sem o mesmo detalhamento que se continha no Código revogado, legado à lei especial, inclusive expressamente ressalvada no art. 853, assim sem criar conflito de normas.

Assenta-se, a rigor, a natureza civil, e não puramente processual do compromisso, como se disse um negócio jurídico de índole contratual, todavia cujas regras procedimentais ficam à disciplina da lei especial. Ocupou-se tão somente o atual Código Civil de lhe fixar o conceito e os requisitos. Na verdade, o compromisso muito se aproxima da transação, pelo que o art. 1.048 do CC/1916 inclusive determinava que lhe fossem aplicáveis as respectivas regras. Se na transação as partes contratam no sentido de autocompor sua incerteza obrigacional, uma controvérsia que lhes marque a relação, mediante a realização de concessões recíprocas, no compromisso as partes contratam com a finalidade de entregar a solução dessa mesma insegurança, dessa mesma dúvida obrigacional, a um terceiro, o árbitro. Ou seja, e em diversos termos, por meio do compromisso as partes submetem sua divergência, verdadeiramente, a um juízo privado e especial, que é o juízo arbitral.

Como negócio jurídico dispositivo que é, porquanto voluntariamente se sujeitam as partes à deliberação por um árbitro que escolhem, daí acaso lhes advindo afetação a seu direito obrigacional, o compromisso somente pode ser instituído, de maneira válida, por quem tenha capacidade e legitimação, da mesma forma que a exigida para a transação. Quando realizam o compromisso, as partes a rigor regulamentam o que será a arbitragem. Fazem-no judicial ou extrajudicialmente, por termo nos autos ou documento escrito, particular – subscrito por duas testemunhas – ou público (art. 9º da Lei n. 9.307/96), identificando-se, e ao árbitro, ou árbitros, indicando, ainda, a matéria objeto da arbitragem e o local em que se proferirá a respectiva sentença.

Podem as partes convencionar que o árbitro ou árbitros decidam de acordo com um juízo que não seja de legalidade, mas sim de equidade o árbitro, sujeito às causas comuns de impedimento e suspeição (art. 20 da Lei n. 9.307/96), pode ser qualquer pessoa capaz, se nomeado mais de um, necessariamente em número ímpar. Se indicado número par de árbitros, a lei autoriza a nomear mais um. Na falta de acordo, as partes podem recorrer ao judiciário. Embora caiba às partes a escolha do procedimento arbitral, ele não se afasta da necessária atenção, mercê de imperativo constitucional (art. 5º, LV), aos princípios do contraditório e ampla defesa, o que incumbe ao Judiciário, se provocado, aferir.

A sentença arbitral, proferida com os mesmos requisitos da sentença estatal, portanto com relatório, fundamentação e dispositivo (art. 26 da Lei n. 9.307/96), produz, entre as partes e sucessores, os mesmos efeitos do ato decisório emanado do Poder Judiciário, executando-se como título judicial (art. 31 da Lei n. 9.307/96). Ao juiz togado, no exercício da atividade jurisdicional, não é dado, se a ele recorre qualquer das partes, apreciar o mérito da sentença arbitral, o acerto ou desacerto da deliberação do árbitro. O controle do Judiciário sobre o procedimento arbitral não diz respeito à verificação do acerto ou desacerto da decisão que nele se profira, mas à legalidade, a começar pela verificação do atendimento ao contraditório e ampla defesa, princípios que permeiam qualquer procedimento, judicial ou extrajudicial, a par da aferição acerca do respeito às próprias regras e objeto fixados para a arbitragem. Nesse sentido é que cabe a ação de nulidade da sentença arbitral (art. 33 da Lei n. 9.307/96).

Dentre as hipóteses de nulidade, elencadas no art. 32 da Lei de Arbitragem, está a de prevaricação, concussão ou corrupção passiva do árbitro. Tanto quanto pela prolação da sentença arbitral, o compromisso se extingue se houver recusa do árbitro e as partes não aceitarem substituto, da mesma forma que se houver falecimento ou impossibilidade de o árbitro proferir seu voto, ou ainda expirado o prazo, se houver (Art. 11, III, da Lei n. 9.307/96) (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 873 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na pauta de Ricardo Fiuza, compromisso é a promessa escrita, assumida em juízo (compromisso judicial) ou fora dele (compromisso extrajudicial), pela qual as pessoas capazes de contratar podem louvar-se em um árbitro que lhes resolva as pendencias judiciais ou extrajudiciais, concernentes a direitos patrimoniais passiveis de transação. O compromisso não atinge os direitos indisponíveis (questões de estado, v.g., casamento e regime de bens; de família, v.g., investigação de paternidade, alimentos e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial). Pode ser estabelecido nos contratos mediante cláusula compromissória (estipulação constante de um contrato, pela qual as partes se comprometem a submeter à decisão arbitral as pendências emergentes surgidas na avença (v. art. 42 da Lei n. 9.307, de 23-9-1996). É diferente do compromisso arbitral, que é a convenção pela qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podem ser judicial ou extrajudicial (v. art. 92 da Lei n. 9307/96). As divergências serão resolvidas pelo juízo arbitral (Art. 32 da Lei n. 9.307/96), na forma prevista na lei especial que dispõe sobre a arbitragem (Lei n. 9.307/96) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 445 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Veja-se Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira. O compromisso, compromisso arbitral ou arbitragem é o contrato em que as partes se comprometem a aceitar solução de um árbitro que escolhem para um litígio que tenham ou que venham a ter em razão de determinado vínculo jurídico que possuam.

Era disciplinado nos artigos 1.037 a 1.048 do Código Civil de 1916 que foram revogados pela Lei n. 9.307/96, que regulou o instituto sob o nome de arbitragem. O Código Civil de 2002 dispôs brevemente sobre o instituto, acentuando sua natureza contratual, mas deixou sua regulação à legislação especial.

Até 2001, a Lei n. 9.307/96 foi questionada em face do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição, que consagra o princípio do livre acesso à Justiça. O óbice foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental em Homologação de Sentença Estrangeira n. 5.206 (SE 5.206-Espanha AgRg), que considerou constitucional a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória no momento da celebração do contrato e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso.

Tanto quanto a transação, o objeto do compromisso é um litígio. Diferencia-se daquela, no entanto, porque a solução do litígio no compromisso é conferida a um terceiro, que exerce a função de árbitro. A sentença arbitral produz os efeitos da sentença judicial (art. 31 da Lei n. 9.370/96). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 13.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.

O compromisso, como leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, se, como se viu no comentário ao artigo anterior, tem natureza contratual, sendo instituído pelas próprias partes, que se sujeitam à deliberação de um terceiro que escolhem para solver uma incerteza obrigacional sua, por conseguinte só pode mesmo se referir a direitos disponíveis. Ou seja, o preceito ora em exame corresponde, simetricamente, ao que, acerca da transação, se explicitou no CC 841, a cujo comentário se remete o leitor. Na verdade, não custa a lembrança, o compromisso não deixa de envolver uma concessão, com a diferença, para a transação, de que as partes não a consumam diretamente, autocompondo sua divergência, mas entregando essa solução a um terceiro.

Daí que já a lei especial inicia seu regramento dizendo somente possível o compromisso quando relativo a direitos disponíveis (art. 1º da Lei n. 9.307/96). Mesmo se, no curso da arbitragem, e para que o árbitro profira a sua decisão, surgir a necessidade de manifestação incidente, de decisão sobre questão prejudicial envolvendo direito indisponível, o procedimento deverá ser suspenso e submetido ao juízo comum, para deslinde daquela matéria. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 875 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No parecer de Ricardo Fiuza, só é apontada como referência o comentário a respeito do CC 851. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 445 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lecionando, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo corresponde ao artigo 1º da Lei n. 9.307/96:

Art. 1º. As pessoas capazes de contatar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

É um equívoco frequente a ideia de que somente direitos patrimoniais seja disponíveis. Direitos pessoais, notadamente, os da personalidade, são, com frequência, objeto de disposição na forma de autorizações de uso. É o que ocorre ordinariamente quando um autor autoriza o uso de sua obra e o de seu nome, na doação de órgãos, na autorização de uso do próprio cadáver, na submissão a experimento da própria pessoa a experimento científico.

A lei, contudo, restringe o compromisso ou arbitragem a direitos patrimoniais. A opção legislativa é válida.

É, de outro lado, inteiramente justificável a restrição do compromisso ou arbitragem às pessoas capazes. A lei processual estabelece exigências relativas à defesa dos interesses de incapazes em juízo, como a interferência do Ministério Público, que não são possíveis de serem atendidas na via do juízo arbitral. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 13.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 853. Admite-se nos contratos a cláusula compromissária, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial.

Lecionando Claudio Luiz Bueno de Godoy, diferentemente do compromisso arbitral, como se examinou no comentário ao CC 851, o verdadeiro regulamento da arbitragem, a cláusula compromissória não é mais do que a promessa prévia de contratá-lo. Com efeito, por meio da cláusula compromissória as partes convencionam a sua submissão à arbitragem, caso sobrevenha alguma incerteza acerca de relação contratual que as vincule. Fazem-no, sempre, por escrito, no próprio contrato ou em instrumento à parte. Se inserida em contrato de adesão, a cláusula só terá eficácia se de iniciativa do aderente ou se este aceita-la de maneira diferenciada, como está no § 2º do art. 4º da Lei n. 9.307/96.

Já em contratos de adesão que se refiram também a uma relação de consumo, tem-se no CDC – veja-se, lei subjetivamente especial e de índole protetiva, por comando constitucional (art. 5º, XXXII, da CF/1988) – que é abusiva a cláusula de utilização compulsória da arbitragem (art. 51, VII), o que, se para uns, e ao que se acede, impede mesmo a cláusula compromissória, mercê da qual se institui a obrigatoriedade da solução arbitral (v. Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 888-91), para outros ela até se compatibiliza com o sistema consumerista se essa mesma cláusula decorrer de efetiva bilateralidade e refletida manifestação de vontade do consumidor (v.g., Nelson Nery Junior. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 7 ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, p. 525). Antonio Junqueira de Azevedo, a propósito, salienta que a vedação da lei consumerista é à cláusula compromissória, mas não ao compromisso. Nas suas palavras: “nas relações em que o consumidor é parte, o compromisso é sempre permitido e deve obedecer às regras do Código de Defesa do Consumidor; a cláusula compromissória, por sua vez, continua proibida, por força do inciso VII do art. 51 do CDC, não revogado. Já nas relações entre não consumidores, tratando-se de contratos de adesão, há de se aplicar o § 2º do art. 4º da Lei de Arbitragem; a cláusula compromissória vale, se negociada ou devidamente salientada no texto contratual” (“A arbitragem e o direito do consumidor”. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 135-45).

Mas, de qualquer maneira, e tal qual o define a lei especial, cuida-se mesmo de as partes pactuarem que os litígios que possam vir a surgir, relativamente a um dado contrato, deverão ser arbitrados (art. 4º da Lei n. 9.307/96). É, portanto, uma convenção prévia, mediante a qual as partes se comprometem a contratar o compromisso. Trata-se de disposição autônoma em relação ao contrato a que se refere, pelo que a nulidade deste não a contamina, forçosamente (art. 8º da Lei n. 9.307/96). Como pacto preliminar que é, a cláusula compromissória suscita execução coativa, para o caso de haver resistência da parte em cumpri-la, tudo na forma do art. 7º da lei n. 9.307, o que, como de resto outros dispositivos da lei especial cuja constitucionalidade se discutiu, a Suprema Corte já julgou constitucional, destarte sem nenhuma afronta, que do regramento legal da arbitragem se pudesse depreender, ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/1988).

E, mais, sujeitando-se as partes à resolução de suas incertezas obrigacionais por meio da arbitragem, não lhes assiste interesse processual em veicular pretensão jurisdicional para o mesmo fim. É o que se contém, textualmente, no CPC 485, VII. Porém, a situação diversa é daquele que já se julgue detentor de título executivo e queira manejar ação de execução, nesse caso não se subordinando à prévia instituição do procedimento arbitral, ainda que existente cláusula compromissória. Claro, tudo sem prejuízo da verificação dos requisitos próprios de certeza e liquidez do título.

Em diversos termos, não faz sentido algum imaginar que, já dispondo a parte de título executivo, assim não tencionando resolver litígio, mas satisfazer seu crédito, haja qualquer necessidade de se instituir compromisso. Aliás, cabe não olvidar, isto nem seria possível para prática de atos satisfativos, porque esse poder o árbitro não possui (art. 22, § 4º da Lei n. 9.307/96). A esse respeito vale remissão à lição de Cândido Rangel Dinamarco, in Instituições de direito processual civil, São Paulo, Malheiros, 2004, v. IV, p. 83). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 877 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Maria Helena Diniz (in: Código Civil anotado, 9. ed. rev., aum. e atual., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 539): “A cláusula compromissória (pactum de compromittendo) é a convenção em que as partes, num contrato ou em documento apartado a ele referente, comprometem-se a submeter o eventual litígio relativo àquele contrato à arbitragem. Se se tratar de contrato por adesão, tal cláusula apenas produzirá efeito se o aderente anuir expressamente (Lei n. 9.307/96, art. 4º, §§ 1º e 2º). É uma simples promessa de firmar compromisso. É preciso esclarecer que essa cláusula é autônoma relativamente ao contrato no qual está inserida, logo a nulidade do contrato não implica a da cláusula e, além disso, compete ao árbitro decidir ex officio, ou a requerimento das partes as questões concernentes à existência, validade e eficácia da convenção da arbitragem e do contrato que contém a cláusula compromissória (Lei n. 9.307/96, art. 8º e parágrafo único)”. (forumdeconcursos.com. Código Civil comentado, Acesso 13/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Julgado • Nossos Tribunais têm entendido que: “Arbitragem. Cláusula compromissória. Execução. Existência de acordo prévio em que as partes estabelecem a forma de instituir a arbitragem, adotando as regras de órgão arbitral institucional, ou de entidade especializada. Hipótese de cláusula compromissória cheia. Submissão às normas do órgão ou entidade, livremente escolhidas pelas partes. Desnecessidade de intervenção judicial a firmar o conteúdo do compromisso arbitral. Recurso provido” (TJSP, AgI 124.217/4/SP, 5ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Rodrigues de Carvalho, j. em 16-9-1999). (forumdeconcursos.com.Código Civil comentado, Acesso 13/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira o dispositivo corresponde ao art. 3º da Lei n. 9.307/96: Art. 3º. As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

A autorização para que se introduza cláusula compromissória nos contratos é redundante e desnecessária. Ela serve, no entanto, à conclusão de que o compromisso ou arbitragem podem ser previsto, como ordinariamente o são, antes da instalação de qualquer litígio entre as partes, ao contrário do que ocorre com a transação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 13.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 12 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 849, 850 - DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 849, 850
- DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (Art. 481 a 853) Capítulo XIX – Da Transação
 – Seção III – (art. 840 a 850) – vargasdigitador.blogspot.com

Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.

Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.

Segundo Claudio Luiz Bueno de Godoy, em redação que se reputa mais precisa e completa, o atual Código Civil reitera o princípio que já se continha no art. 1.030 do CC/1916, no sentido de que, consumada a transação, a exceção oponível dela decorrente (litis per transactionem finitae) assemelha-se à exceção da coisa julgada. Mas, como já advertia Clóvis Beviláqua, o Código Civil anterior não afirmava, propriamente, que a transação induzisse coisa julgada que tivesse essa mesma autoridade. Apenas dizia que ela, a transação, produzia efeitos de coisa julgada (Código Civil comentado, 4 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1934, v. IV, p. 189). É isso para o fim de se assemelhar, apenas, exceção respectiva, que se pudesse fazer perante a transação entabulada, mercê de postulação que com ela se chocasse.

Daí não se ter dado o Código Civil de 2002 a repetir a mesma alusão aos efeitos da coisa julgada, mas, de idêntica forma, reproduzindo as limitações à anulação da transação, tão só por vício de consentimento, por isso adequando-se a terminologia que, no CC/1916, era de impreciso uso do termo rescisão. Com efeito, torna o artigo em comento, tal qual o que o precedeu, na anterior legislação, a assentar somente anulável a transação por dolo, coação – também aqui melhorando-se a redação, que se referia à violência – e erro, desde que não de direito. E aí o acréscimo que se faz no parágrafo do dispositivo em comento, pondo cabo à discussão que a respeito se travava. O erro que autoriza a anulação da transação apenas poderá ser o de fato, e não, como está no Código Civil italiano (art. 1.969), o de direito, que incida ou seja relativo justamente às questões que constituíam o objeto da controvérsia entre as partes.

A ideia é a de que, na transação, as partes já muito deliberaram sobre o que, afinal, é o ponto de sua controvérsia, não cabendo deduzir que supuseram ou interpretaram mal preceito normativo que a respeito fosse aplicável, sem o que, de resto, se perpetuaria a mesma potencialidade de ou mesmo o litígio já existente que a transação, justamente, destinou-se a prevenir ou extinguir. A crítica justificada ao artigo presente, contida na obra de Caio Mário da Silva Pereira, atualizada por Régis Fichter (Instituições de direito civil, 11 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 513), está na sua persistência em aduzir só anulável a transação nos casos que elenca, quando, a rigor, enquanto contrato que é, ela poderia ser atacável por qualquer das causas anulatórias dos ajustes em geral. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que é descabida a anulação por lesão, como se dá na legislação italiana (Art. 1.970).

É bem de ver, porém, que, a despeito da natural e refletida ponderação das partes para autocomposição sobre controvérsia que já marca sua relação, quando muito determinando uma aferição mais rigorosa da eventual ocorrência da lesão, importa não olvidar que o instituto, malgrado tratado no Código Civil como causa anulatória dos negócios jurídicos, decorre mesmo de um imperativo constitucional de justiça e equilíbrio nas relações (art. 3º, I), pelo que, a priori, não se considera ser afastável sua incidência, posto que para tanto seja exigível maior rigor na verificação de seus requisitos, sobretudo quando a transação seja extintiva de litígios, assim levada à homologação judicial, que afinal se dê.

Por outro lado, ainda que havida a homologação da transação pelo juiz, não parece inviável conceber-se um desequilíbrio que por ele não fosse aferível, na sua atividade que, afinal, não é, na matéria, propriamente jurisdicional, e sim integrativa de forma (ou juris-integrativa), a posteriori revelando-se dado indicativo daquela congênita desproporção, corrigível pela lesão, deliberada, aí sim, na esfera jurisdicional, com amplitude probatória e plenitude do contraditório. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 872 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ricardo Fiuza assinala que o Código Civil de 2002, diferentemente do de 1916, seguindo a linha dos Códigos francês e italiano, faz claramente a distinção entre o erro de fato, caput no controversum (vício do negócio na indicação a que se refere a declaração de vontade), e erro de direito, capta controversum (erro resultante de não-aplicação da lei, por desconhecê-la ou por interpretá-la com equívocos). É anulável apenas a transação resultante de erro de fato. Por exemplo, “A” e “B” discutem sobre a propriedade de um quadro de Leonardo da Vinci, que se descobre depois falso. Nesse caso, o erro afeta o caput non controverswn e vicia a transação, porque, conhecida essa circunstância, as pretensões aduzidas na controvérsia teriam sido outras (RJ, 254/268). No erro de direito, caput controversum, o erro pode recair sobre a mesma relação jurídica controvertida. Assim, por exemplo, uma das partes transige porque interpreta mal ou inadequadamente um preceito jurídico, o que a leva a acreditar que sua pretensão não está firmemente apoiada nele. Esse erro não dá ensejo à anulação da transação. A nulidade da transação abrange também o dolo e a coação (RT, 486/67). O dispositivo em análise não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 444 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No luzir de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo restringe as causas de anulabilidade a que se sujeita a transação. Só admite a anulabilidade da transação por dolo, coação, erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Exclui, portanto, a possibilidade de se anular transação por lesão, estado de perigo e erro de direito.

A justificativa é a presunção de que as partes estejam bem informadas quanto as condições do negócio, particularmente quanto aos aspectos jurídicos e os valores envolvidos, uma vez que o fato de haver litígio sobre o objeto da transação sugere que as partes possam sopesar os riscos envolvidos, uma vez que o fato de haver litígio sobre o objeto da transação sugere que as partes possam sopesar os riscos envolvidos e contar com o suporte de advogado e demais profissionais que forem necessários para esclarecê-las sobre essas questões. Além disso, a restrição prestigia a pacificação social e a segurança jurídica, uma vez que a finalidade da transação é pôr litígio.

A restrição refere-se às hipóteses de anulabilidade. Não há qualquer restrição relativamente às causas de nulidade absoluta, que se aplicam de forma ampla à transação, com as condições e efeitos previstos na Parte Geral.

Diferentemente do afirmado acima por Ricardo Fiuza (O dispositivo em análise não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916), Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira afirmam ser o dispositivo correspondente ao artigo 1.030 do Código Civil de 1916, que atribuía à transação o efeito de coisa julgada. O Código vigente retirou esse atributo, pois reconheceu a natureza contratual do Instituto. Desse modo, restou claro que o meio adequado para se extinguir transação é a ação anulatória. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme buscado no site Jusbrasil.com, em 12.03.2020 “Página 5416 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 17 de Fevereiro de 2020 do Código de Processo Civil de 1973; 59, 940, 1.025, 1.030 do Código Civil de 1916; 840, 848 e 849 do Código Civil de 2002... do especial, as partes agravantes alegaram violação dos CC 502 e 505…” Jusbrasil.com, acesso em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra repete a previsão do Código Civil anterior, estabelecendo a nulidade da transação nas hipóteses que elenca, a rigor porque, mais do que o erro, considerou o legislador que, nos mesmos casos, faltaria propriamente objeto à transação. Assim que, em primeiro lugar havida uma transação depois de, sobre a mesma controvérsia, ter passado em julgado uma sentença, na realidade nada haveria mais a transacionar. Isso, é certo, desde que inscientes as partes transigentes, ou ao menos uma delas, sobre a prolação daquele mesmo ato jurisdicional, como no exemplo clássico do herdeiro da parte falecida que consuma transação sem conhecer a sentença proferida em processo envolvendo o autor da herança, que já solvera a controvérsia, repita-se, sem o seu conhecimento.

É certo que, ao revés, se transacionam as partes cientes da sentença, nenhum vício há, tratando-se de direitos disponíveis que, afinal de contas, são inclusive renunciáveis. Bem de ver que, erigindo um caso de nulidade, fica ele a descoberto, como já advertia Carvalho Santos, forte na lição de Paul Pont, na hipótese em que o vencedor da demanda transige dela tendo ciência, insciente somente a parte derrotada, quando então não haveria prejuízo a justificar a invalidação (v. Código Civil brasileiro interpretado, 5 ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XIII, p. 421-2).

A outra hipótese que justifica a nulidade é a da posterior descoberta de título que indica a estraneidade do direito objeto da transação às partes. Caso que, na verdade, já se subsumiria à previsão do CC 844, não podendo a transação prejudicar terceiros. Seria como que uma “transação a non domino”, porquanto atinente a direito de terceiro não transator, muito mais, então, um caso de ineficácia do que de nulidade. De qualquer maneira, também aqui considerou o legislador que faltasse objeto à transação, vazia de conteúdo e, assim, reputada nula pela lei.

Por fim, realçando raras as duas hipóteses contempladas no preceito, lembra, ademais, Rodolfo Camargo Mancuso da plena possibilidade de as partes, mesmo passada em julgado a sentença, transacionarem sobre o bem da vida que constituiu o objeto litigioso, quer pela disponibilidade que sobre o respectivo direito se lhes reconhece, quer até porque a coisa julgada encerra um mecanismo de segurança que impede não mais que nova cognição judicial envolvendo as mesmas partes e tendo o mesmo objeto litigioso – uma sua função negativa, nas palavras do autor, garantidora de um non bis in idem (“A coisa julgada e sua recepção no Código Civil”. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade, Coord.: José Geral Barreto Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior; Renato Afonso Gonçalves, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 283-306). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 873 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as causas de nulidade absoluta da transação são duas: a) ação já decidida por sentença transitada em julgado, sem o conhecimento dos partícipes da transação, nada havendo que transigir (RJ, 492/141); b) descoberta de título ulterior que aponte ausência de direito sobre o objeto da transação relativamente a qualquer dos seus partícipes.

O artigo é era repetição do art. 1.026 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional, devendo ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário.

Existe uma Bibliografia suplementar: Álvaro Villaça Azevedo. Curso de direito civil; teoria geral das obrigações, 6 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997; Carlos Alberto Dabus Maluf. A transação no direito civil e no processo civil. 2 ed. São Paulo, Saraiva, 1999; Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995; Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo. Atlas, 2001 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 445 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Acompanhando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a transação tem como objeto a prevenção ou a solução de litígio (CC 840). Não tem objeto a transação que versa sobre direito alheio ou sobre litígio que já tivesse sido resolvido por decisão judicial transitada em julgado. A ausência de objeto implica a nulidade absoluta do negócio, conforme estabelece o dispositivo.

O dispositivo deixa a entender que não há nulidade se a transação tiver sido realizada após o trânsito em julgado de sentença que resolva o litígio objeto da transação se todos os transatores tiverem conhecimento do fato. Neste caso o negócio será válido, mas, embora denominado de transação, terá a natureza jurídica de outro negócio, conforme o que estipularem as partes. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).