Direito Civil Comentado - Art. 849, 850
- DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título
VI – Das Várias Espécies de Contrato
(Art. 481 a 853) Capítulo XIX – Da Transação
– Seção III – (art. 840 a 850) –
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro
essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.
Parágrafo
único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que
foram objeto de controvérsia entre as partes.
Segundo
Claudio Luiz Bueno de Godoy, em redação que se reputa
mais precisa e completa, o atual Código Civil reitera o princípio que já se
continha no art. 1.030 do CC/1916, no sentido de que, consumada a transação, a
exceção oponível dela decorrente (litis
per transactionem finitae) assemelha-se à exceção da coisa julgada. Mas,
como já advertia Clóvis Beviláqua, o Código Civil anterior não afirmava,
propriamente, que a transação induzisse coisa julgada que tivesse essa mesma
autoridade. Apenas dizia que ela, a transação, produzia efeitos de coisa
julgada (Código Civil comentado, 4
ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1934, v. IV, p. 189). É isso para o fim de
se assemelhar, apenas, exceção respectiva, que se pudesse fazer perante a
transação entabulada, mercê de postulação que com ela se chocasse.
Daí não se ter dado o Código Civil de 2002 a repetir a mesma
alusão aos efeitos da coisa julgada, mas, de idêntica forma, reproduzindo as
limitações à anulação da transação, tão só por vício de consentimento, por isso
adequando-se a terminologia que, no CC/1916, era de impreciso uso do termo rescisão. Com efeito, torna o artigo em
comento, tal qual o que o precedeu, na anterior legislação, a assentar somente
anulável a transação por dolo, coação – também aqui melhorando-se a redação,
que se referia à violência – e erro, desde que não de direito. E aí o acréscimo
que se faz no parágrafo do dispositivo em comento, pondo cabo à discussão que a
respeito se travava. O erro que autoriza a anulação da transação apenas poderá
ser o de fato, e não, como está no Código Civil italiano (art. 1.969), o de
direito, que incida ou seja relativo justamente às questões que constituíam o
objeto da controvérsia entre as partes.
A ideia é a de que, na transação, as partes já muito deliberaram
sobre o que, afinal, é o ponto de sua controvérsia, não cabendo deduzir que
supuseram ou interpretaram mal preceito normativo que a respeito fosse
aplicável, sem o que, de resto, se perpetuaria a mesma potencialidade de ou
mesmo o litígio já existente que a transação, justamente, destinou-se a
prevenir ou extinguir. A crítica justificada ao artigo presente, contida na
obra de Caio Mário da Silva Pereira, atualizada por Régis Fichter (Instituições de direito civil, 11 ed.
Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 513), está na sua persistência em
aduzir só anulável a transação nos casos que elenca, quando, a rigor, enquanto
contrato que é, ela poderia ser atacável por qualquer das causas anulatórias
dos ajustes em geral. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que é descabida a
anulação por lesão, como se dá na legislação italiana (Art. 1.970).
É bem de ver, porém, que, a despeito da natural e refletida
ponderação das partes para autocomposição sobre controvérsia que já marca sua
relação, quando muito determinando uma aferição mais rigorosa da eventual
ocorrência da lesão, importa não olvidar que o instituto, malgrado tratado no
Código Civil como causa anulatória dos negócios jurídicos, decorre mesmo de um
imperativo constitucional de justiça e equilíbrio nas relações (art. 3º, I),
pelo que, a priori, não se considera
ser afastável sua incidência, posto que para tanto seja exigível maior rigor na
verificação de seus requisitos, sobretudo quando a transação seja extintiva de
litígios, assim levada à homologação judicial, que afinal se dê.
Por outro lado,
ainda que havida a homologação da transação pelo juiz, não parece inviável
conceber-se um desequilíbrio que por ele não fosse aferível, na sua atividade
que, afinal, não é, na matéria, propriamente jurisdicional, e sim integrativa
de forma (ou juris-integrativa), a posteriori revelando-se dado indicativo
daquela congênita desproporção, corrigível pela lesão, deliberada, aí sim, na
esfera jurisdicional, com amplitude probatória e plenitude do contraditório. (Claudio
Luiz Bueno de Godoy, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 872 - Barueri,
SP: Manole, 2010. Acesso 12/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Ricardo Fiuza
assinala que o Código Civil de 2002, diferentemente do de 1916, seguindo a
linha dos Códigos francês e italiano, faz claramente a distinção entre o erro
de fato, caput no controversum (vício
do negócio na indicação a que se refere a declaração de vontade), e erro de
direito, capta controversum (erro
resultante de não-aplicação da lei, por desconhecê-la ou por interpretá-la com
equívocos). É anulável apenas a transação resultante de erro de fato. Por
exemplo, “A” e “B” discutem sobre a propriedade de um quadro de Leonardo da
Vinci, que se descobre depois falso. Nesse caso, o erro afeta o caput non controverswn e vicia a
transação, porque, conhecida essa circunstância, as pretensões aduzidas na
controvérsia teriam sido outras (RJ,
254/268). No erro de direito, caput
controversum, o erro pode recair sobre a mesma relação jurídica
controvertida. Assim, por exemplo, uma das partes transige porque interpreta
mal ou inadequadamente um preceito jurídico, o que a leva a acreditar que sua
pretensão não está firmemente apoiada nele. Esse erro não dá ensejo à anulação
da transação. A nulidade da transação abrange também o dolo e a coação (RT, 486/67). O dispositivo em análise
não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 444 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No
luzir de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, o dispositivo restringe as causas de anulabilidade a que se sujeita
a transação. Só admite a anulabilidade da transação por dolo, coação, erro
essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Exclui, portanto, a
possibilidade de se anular transação por lesão, estado de perigo e erro de
direito.
A justificativa é a presunção de que as partes estejam bem
informadas quanto as condições do negócio, particularmente quanto aos aspectos
jurídicos e os valores envolvidos, uma vez que o fato de haver litígio sobre o
objeto da transação sugere que as partes possam sopesar os riscos envolvidos,
uma vez que o fato de haver litígio sobre o objeto da transação sugere que as
partes possam sopesar os riscos envolvidos e contar com o suporte de advogado e
demais profissionais que forem necessários para esclarecê-las sobre essas
questões. Além disso, a restrição prestigia a pacificação social e a segurança
jurídica, uma vez que a finalidade da transação é pôr litígio.
A restrição refere-se às hipóteses de anulabilidade. Não
há qualquer restrição relativamente às causas de nulidade absoluta, que se
aplicam de forma ampla à transação, com as condições e efeitos previstos na
Parte Geral.
Diferentemente
do afirmado acima por Ricardo Fiuza (O
dispositivo em análise não tem dispositivo correspondente no Código Civil de
1916), Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira afirmam ser o dispositivo correspondente ao artigo 1.030 do Código
Civil de 1916, que atribuía à transação o efeito de coisa julgada. O Código
vigente retirou esse atributo, pois reconheceu a natureza contratual do
Instituto. Desse modo, restou claro que o meio adequado para se extinguir
transação é a ação anulatória. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.03.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Conforme buscado no
site Jusbrasil.com, em 12.03.2020 “Página 5416 do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) de 17 de Fevereiro de 2020 do Código de Processo Civil de 1973; 59, 940,
1.025, 1.030 do Código Civil de 1916;
840, 848 e 849 do Código Civil de 2002... do especial, as
partes agravantes alegaram violação dos CC 502 e 505…” Jusbrasil.com,
acesso em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido
por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos
transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que
nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.
Na
visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a
regra repete a previsão do Código Civil anterior, estabelecendo a nulidade da
transação nas hipóteses que elenca, a rigor porque, mais do que o erro,
considerou o legislador que, nos mesmos casos, faltaria propriamente objeto à
transação. Assim que, em primeiro lugar havida uma transação depois de, sobre a
mesma controvérsia, ter passado em julgado uma sentença, na realidade nada
haveria mais a transacionar. Isso, é certo, desde que inscientes as partes
transigentes, ou ao menos uma delas, sobre a prolação daquele mesmo ato
jurisdicional, como no exemplo clássico do herdeiro da parte falecida que
consuma transação sem conhecer a sentença proferida em processo envolvendo o
autor da herança, que já solvera a controvérsia, repita-se, sem o seu
conhecimento.
É certo que, ao revés, se
transacionam as partes cientes da sentença, nenhum vício há, tratando-se de
direitos disponíveis que, afinal de contas, são inclusive renunciáveis. Bem de
ver que, erigindo um caso de nulidade, fica ele a descoberto, como já advertia
Carvalho Santos, forte na lição de Paul Pont, na hipótese em que o vencedor da
demanda transige dela tendo ciência, insciente somente a parte derrotada,
quando então não haveria prejuízo a justificar a invalidação (v. Código Civil brasileiro interpretado, 5
ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XIII, p. 421-2).
A outra hipótese que
justifica a nulidade é a da posterior descoberta de título que indica a
estraneidade do direito objeto da transação às partes. Caso que, na verdade, já
se subsumiria à previsão do CC 844, não podendo a transação prejudicar
terceiros. Seria como que uma “transação a
non domino”, porquanto atinente a direito de terceiro não transator, muito
mais, então, um caso de ineficácia do que de nulidade. De qualquer maneira,
também aqui considerou o legislador que faltasse objeto à transação, vazia de
conteúdo e, assim, reputada nula pela lei.
Por fim, realçando raras
as duas hipóteses contempladas no preceito, lembra, ademais, Rodolfo Camargo
Mancuso da plena possibilidade de as partes, mesmo passada em julgado a
sentença, transacionarem sobre o bem da vida que constituiu o objeto litigioso,
quer pela disponibilidade que sobre o respectivo direito se lhes reconhece,
quer até porque a coisa julgada encerra um mecanismo de segurança que impede
não mais que nova cognição judicial envolvendo as mesmas partes e tendo o mesmo
objeto litigioso – uma sua função negativa, nas palavras do autor, garantidora
de um non bis in idem (“A coisa
julgada e sua recepção no Código Civil”. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade, Coord.: José Geral
Barreto Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior; Renato Afonso
Gonçalves, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 283-306). (Claudio
Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 873 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/03/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Na
Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as causas de nulidade absoluta da
transação são duas: a) ação já decidida por sentença transitada em julgado, sem
o conhecimento dos partícipes da transação, nada havendo que transigir (RJ, 492/141); b) descoberta de título
ulterior que aponte ausência de direito sobre o objeto da transação
relativamente a qualquer dos seus partícipes.
O
artigo é era repetição do art. 1.026 do Código Civil de 1916, sem qualquer
alteração, nem mesmo de ordem redacional, devendo ser dado a ele o mesmo
tratamento doutrinário.
Existe
uma Bibliografia suplementar: Álvaro Villaça Azevedo. Curso de direito civil; teoria geral das obrigações, 6 ed. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1997; Carlos Alberto Dabus Maluf. A transação no direito civil e no processo
civil. 2 ed. São Paulo, Saraiva, 1999; Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo,
Saraiva, 1995; Silvio de Salvo Venosa. Direito
civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo.
Atlas, 2001 (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 445 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Acompanhando
Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, a transação tem como objeto a prevenção ou a solução de litígio (CC
840). Não tem objeto a transação que versa sobre direito alheio ou sobre
litígio que já tivesse sido resolvido por decisão judicial transitada em
julgado. A ausência de objeto implica a nulidade absoluta do negócio, conforme estabelece
o dispositivo.
O
dispositivo deixa a entender que não há nulidade se a transação tiver sido
realizada após o trânsito em julgado de sentença que resolva o litígio objeto
da transação se todos os transatores tiverem conhecimento do fato. Neste caso o
negócio será válido, mas, embora denominado de transação, terá a natureza
jurídica de outro negócio, conforme o que estipularem as partes. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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