quinta-feira, 12 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 849, 850 - DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 849, 850
- DA TRANSAÇÃO - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (Art. 481 a 853) Capítulo XIX – Da Transação
 – Seção III – (art. 840 a 850) – vargasdigitador.blogspot.com

Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.

Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.

Segundo Claudio Luiz Bueno de Godoy, em redação que se reputa mais precisa e completa, o atual Código Civil reitera o princípio que já se continha no art. 1.030 do CC/1916, no sentido de que, consumada a transação, a exceção oponível dela decorrente (litis per transactionem finitae) assemelha-se à exceção da coisa julgada. Mas, como já advertia Clóvis Beviláqua, o Código Civil anterior não afirmava, propriamente, que a transação induzisse coisa julgada que tivesse essa mesma autoridade. Apenas dizia que ela, a transação, produzia efeitos de coisa julgada (Código Civil comentado, 4 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1934, v. IV, p. 189). É isso para o fim de se assemelhar, apenas, exceção respectiva, que se pudesse fazer perante a transação entabulada, mercê de postulação que com ela se chocasse.

Daí não se ter dado o Código Civil de 2002 a repetir a mesma alusão aos efeitos da coisa julgada, mas, de idêntica forma, reproduzindo as limitações à anulação da transação, tão só por vício de consentimento, por isso adequando-se a terminologia que, no CC/1916, era de impreciso uso do termo rescisão. Com efeito, torna o artigo em comento, tal qual o que o precedeu, na anterior legislação, a assentar somente anulável a transação por dolo, coação – também aqui melhorando-se a redação, que se referia à violência – e erro, desde que não de direito. E aí o acréscimo que se faz no parágrafo do dispositivo em comento, pondo cabo à discussão que a respeito se travava. O erro que autoriza a anulação da transação apenas poderá ser o de fato, e não, como está no Código Civil italiano (art. 1.969), o de direito, que incida ou seja relativo justamente às questões que constituíam o objeto da controvérsia entre as partes.

A ideia é a de que, na transação, as partes já muito deliberaram sobre o que, afinal, é o ponto de sua controvérsia, não cabendo deduzir que supuseram ou interpretaram mal preceito normativo que a respeito fosse aplicável, sem o que, de resto, se perpetuaria a mesma potencialidade de ou mesmo o litígio já existente que a transação, justamente, destinou-se a prevenir ou extinguir. A crítica justificada ao artigo presente, contida na obra de Caio Mário da Silva Pereira, atualizada por Régis Fichter (Instituições de direito civil, 11 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 513), está na sua persistência em aduzir só anulável a transação nos casos que elenca, quando, a rigor, enquanto contrato que é, ela poderia ser atacável por qualquer das causas anulatórias dos ajustes em geral. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que é descabida a anulação por lesão, como se dá na legislação italiana (Art. 1.970).

É bem de ver, porém, que, a despeito da natural e refletida ponderação das partes para autocomposição sobre controvérsia que já marca sua relação, quando muito determinando uma aferição mais rigorosa da eventual ocorrência da lesão, importa não olvidar que o instituto, malgrado tratado no Código Civil como causa anulatória dos negócios jurídicos, decorre mesmo de um imperativo constitucional de justiça e equilíbrio nas relações (art. 3º, I), pelo que, a priori, não se considera ser afastável sua incidência, posto que para tanto seja exigível maior rigor na verificação de seus requisitos, sobretudo quando a transação seja extintiva de litígios, assim levada à homologação judicial, que afinal se dê.

Por outro lado, ainda que havida a homologação da transação pelo juiz, não parece inviável conceber-se um desequilíbrio que por ele não fosse aferível, na sua atividade que, afinal, não é, na matéria, propriamente jurisdicional, e sim integrativa de forma (ou juris-integrativa), a posteriori revelando-se dado indicativo daquela congênita desproporção, corrigível pela lesão, deliberada, aí sim, na esfera jurisdicional, com amplitude probatória e plenitude do contraditório. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 872 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ricardo Fiuza assinala que o Código Civil de 2002, diferentemente do de 1916, seguindo a linha dos Códigos francês e italiano, faz claramente a distinção entre o erro de fato, caput no controversum (vício do negócio na indicação a que se refere a declaração de vontade), e erro de direito, capta controversum (erro resultante de não-aplicação da lei, por desconhecê-la ou por interpretá-la com equívocos). É anulável apenas a transação resultante de erro de fato. Por exemplo, “A” e “B” discutem sobre a propriedade de um quadro de Leonardo da Vinci, que se descobre depois falso. Nesse caso, o erro afeta o caput non controverswn e vicia a transação, porque, conhecida essa circunstância, as pretensões aduzidas na controvérsia teriam sido outras (RJ, 254/268). No erro de direito, caput controversum, o erro pode recair sobre a mesma relação jurídica controvertida. Assim, por exemplo, uma das partes transige porque interpreta mal ou inadequadamente um preceito jurídico, o que a leva a acreditar que sua pretensão não está firmemente apoiada nele. Esse erro não dá ensejo à anulação da transação. A nulidade da transação abrange também o dolo e a coação (RT, 486/67). O dispositivo em análise não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 444 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No luzir de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo restringe as causas de anulabilidade a que se sujeita a transação. Só admite a anulabilidade da transação por dolo, coação, erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Exclui, portanto, a possibilidade de se anular transação por lesão, estado de perigo e erro de direito.

A justificativa é a presunção de que as partes estejam bem informadas quanto as condições do negócio, particularmente quanto aos aspectos jurídicos e os valores envolvidos, uma vez que o fato de haver litígio sobre o objeto da transação sugere que as partes possam sopesar os riscos envolvidos, uma vez que o fato de haver litígio sobre o objeto da transação sugere que as partes possam sopesar os riscos envolvidos e contar com o suporte de advogado e demais profissionais que forem necessários para esclarecê-las sobre essas questões. Além disso, a restrição prestigia a pacificação social e a segurança jurídica, uma vez que a finalidade da transação é pôr litígio.

A restrição refere-se às hipóteses de anulabilidade. Não há qualquer restrição relativamente às causas de nulidade absoluta, que se aplicam de forma ampla à transação, com as condições e efeitos previstos na Parte Geral.

Diferentemente do afirmado acima por Ricardo Fiuza (O dispositivo em análise não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916), Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira afirmam ser o dispositivo correspondente ao artigo 1.030 do Código Civil de 1916, que atribuía à transação o efeito de coisa julgada. O Código vigente retirou esse atributo, pois reconheceu a natureza contratual do Instituto. Desse modo, restou claro que o meio adequado para se extinguir transação é a ação anulatória. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme buscado no site Jusbrasil.com, em 12.03.2020 “Página 5416 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 17 de Fevereiro de 2020 do Código de Processo Civil de 1973; 59, 940, 1.025, 1.030 do Código Civil de 1916; 840, 848 e 849 do Código Civil de 2002... do especial, as partes agravantes alegaram violação dos CC 502 e 505…” Jusbrasil.com, acesso em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação.

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra repete a previsão do Código Civil anterior, estabelecendo a nulidade da transação nas hipóteses que elenca, a rigor porque, mais do que o erro, considerou o legislador que, nos mesmos casos, faltaria propriamente objeto à transação. Assim que, em primeiro lugar havida uma transação depois de, sobre a mesma controvérsia, ter passado em julgado uma sentença, na realidade nada haveria mais a transacionar. Isso, é certo, desde que inscientes as partes transigentes, ou ao menos uma delas, sobre a prolação daquele mesmo ato jurisdicional, como no exemplo clássico do herdeiro da parte falecida que consuma transação sem conhecer a sentença proferida em processo envolvendo o autor da herança, que já solvera a controvérsia, repita-se, sem o seu conhecimento.

É certo que, ao revés, se transacionam as partes cientes da sentença, nenhum vício há, tratando-se de direitos disponíveis que, afinal de contas, são inclusive renunciáveis. Bem de ver que, erigindo um caso de nulidade, fica ele a descoberto, como já advertia Carvalho Santos, forte na lição de Paul Pont, na hipótese em que o vencedor da demanda transige dela tendo ciência, insciente somente a parte derrotada, quando então não haveria prejuízo a justificar a invalidação (v. Código Civil brasileiro interpretado, 5 ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XIII, p. 421-2).

A outra hipótese que justifica a nulidade é a da posterior descoberta de título que indica a estraneidade do direito objeto da transação às partes. Caso que, na verdade, já se subsumiria à previsão do CC 844, não podendo a transação prejudicar terceiros. Seria como que uma “transação a non domino”, porquanto atinente a direito de terceiro não transator, muito mais, então, um caso de ineficácia do que de nulidade. De qualquer maneira, também aqui considerou o legislador que faltasse objeto à transação, vazia de conteúdo e, assim, reputada nula pela lei.

Por fim, realçando raras as duas hipóteses contempladas no preceito, lembra, ademais, Rodolfo Camargo Mancuso da plena possibilidade de as partes, mesmo passada em julgado a sentença, transacionarem sobre o bem da vida que constituiu o objeto litigioso, quer pela disponibilidade que sobre o respectivo direito se lhes reconhece, quer até porque a coisa julgada encerra um mecanismo de segurança que impede não mais que nova cognição judicial envolvendo as mesmas partes e tendo o mesmo objeto litigioso – uma sua função negativa, nas palavras do autor, garantidora de um non bis in idem (“A coisa julgada e sua recepção no Código Civil”. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade, Coord.: José Geral Barreto Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior; Renato Afonso Gonçalves, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 283-306). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 873 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as causas de nulidade absoluta da transação são duas: a) ação já decidida por sentença transitada em julgado, sem o conhecimento dos partícipes da transação, nada havendo que transigir (RJ, 492/141); b) descoberta de título ulterior que aponte ausência de direito sobre o objeto da transação relativamente a qualquer dos seus partícipes.

O artigo é era repetição do art. 1.026 do Código Civil de 1916, sem qualquer alteração, nem mesmo de ordem redacional, devendo ser dado a ele o mesmo tratamento doutrinário.

Existe uma Bibliografia suplementar: Álvaro Villaça Azevedo. Curso de direito civil; teoria geral das obrigações, 6 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997; Carlos Alberto Dabus Maluf. A transação no direito civil e no processo civil. 2 ed. São Paulo, Saraiva, 1999; Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995; Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo. Atlas, 2001 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 445 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Acompanhando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a transação tem como objeto a prevenção ou a solução de litígio (CC 840). Não tem objeto a transação que versa sobre direito alheio ou sobre litígio que já tivesse sido resolvido por decisão judicial transitada em julgado. A ausência de objeto implica a nulidade absoluta do negócio, conforme estabelece o dispositivo.

O dispositivo deixa a entender que não há nulidade se a transação tiver sido realizada após o trânsito em julgado de sentença que resolva o litígio objeto da transação se todos os transatores tiverem conhecimento do fato. Neste caso o negócio será válido, mas, embora denominado de transação, terá a natureza jurídica de outro negócio, conforme o que estipularem as partes. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 12.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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