terça-feira, 25 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.179, 1.180, 1.181 Da Escrituração - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.179, 1.180, 1.181
Da Escrituração - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo IV –
Da Escrituração (Art. 1.179 a 1.195)digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.

§ Iº.  Salvo o disposto no art. 1.180, o número e a espécie de livros ficam a critério dos interessados.
§ 2º.  É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.

Na lógica de Marcelo Fortes Barbosa Filho, persiste, por parte do empresário individual ou coletivo, a obrigatoriedade absoluta da adoção de um sistema de contabilidade. É feita a composição de um conjunto de assentamentos escritos, documentadores de cada operação realizada no âmbito de uma empresa, fornecendo elementos informativos para uma avaliação precisa do desempenho da gestão em andamento e formando prova segura acerca de tudo quanto foi realizado. Tais assentamentos são moldados por meio da escrituração de livros. Reúnem-se informações contábeis dotadas de uma mesma qualidade e elaboram-se lançamentos individuais ou consolidados, conformando um sistema muito natural. Um sistema contábil pode ser organizado de diferentes maneiras, admitindo-se não somente lançamentos manuscritos, como também os realizados com o uso de mecanização ou informatização, sempre observada a uniformidade, ou seja, a mesma forma deve estar presente em toda a escrituração. Ademais, cada lançamento precisa permanecer lastreado em documentos específicos, mantida total correspondência entre as informações inseridas em cada livro e os papéis arquivados pelo empresário, o qual deverá, ao final de cada exercício anual, tal qual já proposto nos CC 1.020 e 1.065, calcular os resultados periódicos de sua atividade, resumidos em um balanço patrimonial e num demonstrativo de resultado. Como o constante do parágrafo único, o próprio empresário escolhe quais livros elaborará, de acordo com sua conveniência, sendo comumente adotados o Livro-Razão, separando as espécies de operações mais importantes, ou o Livro-Caixa, atestando todo o fluxo de valores pecuniários relativos à atividade mantida. Ressalvam-se, porém, a obrigatoriedade geral do Livro-Diário e as prescrições legais derivadas de determinado tipo societário ou de certo ramo empresarial. No âmbito das microempresas e das empresas de pequeno porte, permanecem incidentes as regras gerais inscritas neste capítulo e há uma mera simplificação das obrigações fiscais acessórias, entre as quais as referentes à documentação das operações correspondentes a hipóteses de incidência de tributos e contribuições. O art. 27 da Lei Complementar n. 123/2006 deixou a cargo de um Comitê Gestor, presidido pelo Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a expedição de normas especiais, conformando uma contabilidade simplificada, aplicáveis para microempresas e empresas de pequeno porte, desde que tenham optado pelo Simples Nacional (Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições), o qual implica seja feito o pagamento único e mensal das obrigações tributária e parafiscais. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.130. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 25/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente o enunciado por esta norma manteve a redação do projeto original. As regras relativas à contabilidade e escrituração da empresa eram reguladas pelos arts. 10 a 20 do Código Comercial de 1850, atualizadas pelo Decreto-Lei n. 305/67 e pelo Decreto-Lei n. 486/69. A escrituração contábil das sociedades anônimas rege-se pelo disposto nos arts. 175 a 188 da Lei n. 6.404/76.
Para a Doutrina de Ricardo Fiuza, a obrigação de manter um sistema organizado de contabilidade e escrituração é do empresário e da sociedade empresária; tal sistema pode ser adotado por meio manual, mecanizado ou por processamento eletrônico de dados. A escrituração deve ser uniforme, atendendo aos requisitos intrínsecos e extrínsecos fixados na legislação. Para cada lançamento efetuado na escrituração mercantil deve existir um documento correspondente, comprobatório da existência do fato contábil. Ao término de cada exercício anual, os registros contábeis devem ser apurados e consolidados em um balanço patrimonial que expresse as contas do ativo e do passivo, acompanhado de demonstrativo de resultado econômico. Com exceção do livro diário (CC 1.181) único obrigatório, ficará a critério da empresa a utilização de outros livros contábeis. A microempresa e a empresa de pequeno porte, de acordo com a lei n. 9.317/96, poderá adotar contabilidade simplificada, desde que mantenham escrituração organizada e lançamentos no livro caixa e no livro de registro de inventario (art. 7º § 1º). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 607, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O Conselho Regional de Contabilidade do Paraná, em seu Informativo de Fiscalização nº 3 de junho de 2012, Da Obrigatoriedade Da Escrituração Contábil, orienta à categoria empresária, sobre os inúmeros dispositivos legais que tratam da obrigatoriedade de elaboração da escrituração contábil regular de todas as empresas independente do porte, enquadramento tributário ou situação fiscal (Constituição Federal; Lei das S/A; Lei da Recuperação Judicial; Normas do CFC etc.), aqui lembramos especialmente das NBC`s e dos CC 1.179 e 1.180 da lei 10.406/02. Os dispositivos nominados são claros quanto à necessidade da feitura da escrituração contábil, podendo ser dispensada nos casos do pequeno empresário dito no CC 970 da Lei 10.406/02. O pequeno empresário aludido no artigo supracitado foi definido através da Lei Complementar n 123/06 art. 68, com alterações sofridas pela Lei Complementar n. 139/11. Lembrando o art. 68 aludido, traz a seguinte redação: Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos CC 970 e CC 1.179 da Lei n. 10.406, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual até o limite previsto no § 1º do art. 18-A. (NR) que é R$ 60.000,00 a partir de janeiro de 2012.

Muito além da legislação hoje vigente, que parece clara quanto à obrigatoriedade da escrituração contábil, chama-se especial atenção quanto a obrigação técnica e social do profissional militante na atividade contábil, no que se refere ao seu comprometimento em desenvolver a atividade fim de sua formação, ou seja, a propriamente dita Contabilidade. Tudo isso independente de qualquer dispensa fiscal que possa ser conferida as empresas optantes por regimes diferenciados de tributação. (O Informativo da Fiscalização é elaborado pela Divisão de fiscalização do CRCPR, com a coordenação das Vice-Presidências de Ética e Disciplina e de fiscalização, trazendo esclarecimentos aos profissionais de contabilidade dos principais questionamentos recebidos. Acessado 25/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica.

Parágrafo único. A adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico.

Seguindo orientação de Marcelo Fortes Barbosa Filho, utilizado pelos empresários individuais e coletivos, o Livro-Diário é o livro obrigatório geral. Em tal livro, é realizada a documentação individualizada e cronológica de operações consumadas por dado empresário com terceiros. São feitos lançamentos com detalhamento de data, valor e descrição, separados em débitos e créditos, admitindo-se a manutenção substitutiva de fichas, desde que adotada a escrituração mecânica ou eletrônica. O presente dispositivo legal ostenta correspondência com o disposto no art. 5º do Decreto-lei n. 486/69, cujo § 3º permite, inclusive, a elaboração, tratando-se de lançamentos repetitivos, a concentração ou a consolidação mensal dos assentamentos contábeis. Caso elaborada a escrituração com o uso de equipamento de mecanografia ou informática, não ficará dispensada a apuração periódica necessária, posto que, mantido o livro Balancetes Diários e Balanços (CC 1.185), nele os balanços patrimoniais e demonstrativos de resultado serão exarados. Com a edição da Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007, as sociedades de grande porte, independentemente do tipo adotado, passaram a ser obrigadas a respeitar as mesmas regras contábeis aplicáveis às sociedades por ações, em especial quanto a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente. Definiu-se, como de grande porte e frente ao texto do art. 3º, parágrafo único, da referida Lei n. 11.638/2007, “a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)”. Adotou-se, portanto, um critério duplo de enquadramento, levando-se em conta a análise quantitativa do valor total dos ativos ou do faturamento anual da própria sociedade ou do grupo societário, ao qual está agregada em razão do exercício de controle por idêntica pessoa ou grupo de pessoas, identificado, na forma do art. 116, caput, da Lei n. 6.404/76, pela efetiva e permanente preponderância nas deliberações da vontade de uma mesma pessoa ou um mesmo grupo de pessoas, estabelecida a partir de direitos derivados da titularidade de participação societária. A Comissão de Valores Mobiliários, já tendo surgido questionamento acerca da necessidade de serem adotadas as mesmas publicações previstas para as sociedades por ações, emitiu, em 14 de janeiro de 2008, como órgão que elaborou e encaminhou o projeto originário da Lei n. 11.638/2007, comunicado e explicitou dever ser observado grau compatível de transparência, mesmo não havendo previsão para uma equiparação, o que revela, implicitamente, o reconhecimento da manutenção, neste âmbito, também, da disciplina geral estatuída pelo Código Civil de 2002. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.131. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 25/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo critério na Doutrina de Ricardo Fiuza, a lei, em determinados casos, a exemplo das sociedades anônimas (Lei n. 6.404/76, art. 100), exige que a sociedade mantenha livros específicos para o registro de seus atos e de fatos contábeis. Todavia, obrigatoriamente, todo empresário e sociedade empresária deverão manter e escriturar o livro diário. No livro diário “serão lançados, dia a dia, diretamente por reprodução, os atos ou operações da atividade mercantil, ou que modifiquem ou possam vir a modificar a situação patrimonial do comerciante” (Decreto-Lei n. 486/69, art. 59). Os registros e lançamentos contábeis podem ser efetuados por meio manual em livro encadernado ou em sistema de fichas ou folhas soltas, quando for adotada escrituração mecanizada ou mediante processamento de dados por computador, com impressão dos relatórios sob a forma contábil. O balanço patrimonial anual e o relatório de resultados econômicos também poderão ser escriturados da forma prevista neste artigo, desde que, ao final, sejam encadernados em livros impressos.

Artigo criado por Diógenes Gonzaga de Moraes publicado em consultor-jurídico, “Para ser prova, contabilidade deve cumprir formalidades” sobre os livros fiscais e contábeis, escrituração e formalidades, com vista à força probante, a questão mais importante que os contadores devem observar são as mudanças impostas pela Lei 10.406/02 Novo Código Civil Brasileiro, especialmente o Livro II - Do direito da empresa, que tem início no Título I - Do empresário, CC 966 e se estende até o CC 1.195, uma vez que vem açambarcar as normas então contidas no antigo Código Comercial de 1850. Há uma constante e inexplicável cultura, fruto da mais pura atecnia contábil, de que se deve registrar no registro do comércio (Junta Comercial) para as sociedades que ali tem seus registros, e, para o caso das sociedade civis no cartório (Ofício de Registro Pessoas Jurídicas do Cartório de Títulos e Documentos), apenas o livro diário. Bastaria apenas, uma vista superficial ao disposto no CC 1.180, para certificar-se de que tal assertiva padece de legalidade, pois aduz claramente a norma mencionada que além dos demais livros exigidos por lei é indispensável o Diário, nasce aqui a obrigatoriedade da escrituração do livro diário, porém, frise-se, juntamente com os demais livros exigidos por lei. Quais seriam estes demais livros exigidos por lei? A resposta, é até simples, são todos aqueles necessários ao exercício da atividade da sociedade. Por exemplo: um posto de revenda de combustível, está obrigado a escriturar, além do diário e razão, os livros de entrada, saída, controle de estoque etc. e mais um livro pertinente à atividade que é o Livro de Movimentação de Combustíveis (LMC), assim como uma drogaria, tem um livro especial que é o Registro de Controle de Psicotrópicos, e, uma transportadora tem o livro de registro de Conhecimento de Transporte, e aquelas empresas que promovem venda à prazo com emissão de duplicatas tem obrigação de escritura o Livro de Registro de Duplicatas. Todos eles devem ser levados à registro, pois sem os mesmos a sociedade estará descumprindo norma vigente. (Diógenes Gonzaga de Moraes, Publicada em revista eletrônica Consultor Jurídico. A ConJur é editada por jornalistas com larga experiência nas mais conceituadas publicações brasileiras, que zelam pela fidelidade das informações veiculadas. Acessado 25/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis.

Parágrafo único. A autenticação não se fará sem que esteja inscrito o empresário, ou a sociedade empresária, que poderá fazer autenticar livros não obrigatórios.

Na balada de Marcelo Fortes Barbosa Filho, A autenticação dos livros e fichas usados para elaboração dos lançamentos contábeis constitui, conforme o inciso III do art. 32 da Lei n. 8.934/94, uma das atribuições peculiares às Juntas Comerciais. Trata-se de ato destinado à oficialização da futura escrituração, feito sempre previamente e com a finalidade de não permitir uma substituição pura e simples dos documentos, evitando, assim, a concretização de fraudes. Sobre os termos de abertura e encerramento dos livros ou das fichas, é aposto um sinal gráfico indicativo da autenticação feita (art. 5º, § 2º, do Decreto-lei n. 486/69), exigindo-se a apresentação do livro anterior devidamente escriturado, de maneira a atestar a presença de uma ordem sequencial e contínua. A perda ou o extravio dos livros impõe seja adotado procedimento especial, de demonstração do acontecimento alegado, suprindo a falta de exibição e coibindo fraudes (art. 10 do Decreto-lei n. 486/69). Ademais, logo quando crie sua inscrição, o empresário individual ou coletivo já providencia a autenticação de seus primeiros livros, motivo pelo qual o parágrafo único propõe seja recusada a autenticação dos livros daqueles que, pela falta de uma inscrição, não exercem regularmente a atividade empresarial. A lei, em caráter excepcional e pontualmente, pode dispensar a autenticação de livros obrigatórios, sendo facultativa aquela relativa aos livros não obrigatórios, se bem que lhes confira, também, caráter de oficialidade. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.131. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 25/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, este artigo foi alterado por emenda aprovada na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, para fazer a referência correta ao Registro Público de empresas Mercantis. Os procedimentos de autenticação dos livros contábeis pela Junta Comercial estão disciplinados no art. 30 da Lei n. 8.934/94.

A Doutrina de Ricardo Fiuza assinala, os livros obrigatórios adotados pelas empresas devem ser levados para autenticação na Junta Comercial, para que possam provar em favor da empresa. Essa autenticação será prévia, antes do preenchimento dos livros, no caso dos livros escriturados manualmente ou das fichas utilizadas na escrituração mecânica, ou a autenticação será posterior à impressão dos relatórios contábeis mediante sistema informatizado. Quando as folhas impressas serão encadernadas Somente podem levar os livros e fichas para autenticação no Registro Público de Empresas Mercantis os empresários e sociedades empresárias regulamente inscritos no referido registro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 608, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A questão se encerra no CC 1.181 do CC, ainda seguindo critérios de Diógenes Gonzaga de Moraes, que determina de forma clara: CC 1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis. As obrigações atinentes à escrituração não é nenhuma novidade em nosso pais, consta desde tempos imemoriais (Decreto Régio) avançando e evoluindo no tempo através de inúmera normas (exemplificativamente: Código Comercial de 1850; Decreto 738/1850; Regulamento 788/1850; Decreto 2.457/1959; Lei 1.083/1860; Decreto 2.679/1860; Decreto Imperial 4.475/1870; Decreto Federal 1.339/1905; Decreto 3.708 de 1919; Decreto 20.130/31; Decreto 20.158/31; Decreto-Lei 1.168/39; Decreto-Lei 2.416/40; Decreto-Lei 2.627/40; Decreto-Lei 7.661/45; Decreto-Lei 9.295/46; Lei 2.354/54; Lei 3.470/58; Lei 4.279/65; Lei 5.172/66; Decreto-Lei 305/67; Decreto-Lei 486/69; Lei 6.404/76; Decreto-Lei 1598/77; Lei 7.450/85; Lei 8.137/90; Lei 8.212/91; Lei 8.218/91; Lei 8.393/91 e Lei 9.249/95; Lei 9.430/96; Decreto 3.000/99; Lei 11.101/05; Lei 11.638/07 dentre outras), atualmente, como dito anteriormente, com expressa previsão no CC 1.179 combinado com o disposto na IN 107 do DNRC, em especial pelos seus artigos 2002/323, não obstante, em particular, o profissional de contabilidade deve observar o dispositivo contido no item 19 da ITG 2000, aprovada pela Resolução CF 3303030/2011, que lhe impõe a obrigação de comunicar formalmente ao cliente e/ou empregador a obrigatoriedade de Registro dos Livros. É nesse sentido os ensinamentos do Mestre Fábio Ulhoa Coelho ao tecer comentários acerca do Código Civil de 2002 cuja vigência teve início em 11/01/2003, de certa forma apresentando uma sinopse das obrigações comuns aos empresários em geral: “Todos os empresários estão sujeitos às três seguintes obrigações: a) registrar-se no Registro de Empresa antes de iniciar suas atividades (CC/2002, artigo 967); b) escriturar regularmente os livros obrigatórios; c) levantar balanço patrimonial e de resultado econômico a cada ano (CC/2002, artigo 1.179)”. Seguindo o mesmo diapasão o mesmo mestre, ressalta as implicações das questões atinentes à pericia contábil, no que respeito a não-aplicação das normas contábeis, e os nefastos efeitos que sua inobservância causa, em desfavor daqueles que dela pretendem se utilizar como meio de prova, sem que esteja regular: “Para fazer prova a favor de seu titular (CPC, artigo 379), duas condições são necessárias: a regularidade na escrituração (ou seja, o atendimento aos requisitos intrínsecos e extrínsecos) e a isonomia das partes litigantes (quer dizer, a outra parte também deve ser empresária e ter, por isso, como se valer do mesmo meio de prova).” Diante desse panorama, é natural que o empresário, bem como as demais pessoas que tenham alguma correlação com a contabilidade e os relatórios dela decorrentes, venham a se indagar acerca das consequências decorrentes da chamada “escrituração irregular” e se isto se constitui em alguma ilicitude.

Há previsibilidade legal que determina pela obrigatoriedade de se manter uma contabilidade regular, a não obediência dos preceitos legais constituem um ilícito civil, que eventualmente, pode caracterizar, isso depende da análise de cada caso, também um ilícito penal. Para que uma contabilidade seja tido como regular deve cumprir e registrar os eventos de natureza contábil propriamente dita, fiscal, previdenciária, trabalhista, societária, falimentar etc., devendo atender as chamadas formalidades intrínsecas e extrínsecas. Deve-se ter em mente que, conforme explanado, há obrigação de registro de todos os livros necessários ao exercício da atividade ante o registro do comércio e/ou ofício de registro civil de pessoas jurídicas, o que confere aos mesmos fé pública (princípio da publicidade), equiparando os a documento público. Desta forma a ausência da escrituração ou a escrituração irregular, pode gerar inúmeras implicações à empresa e ao empresário, especialmente no que se refere à prova documental, tratada especificamente na Seção V – Da prova documental, Subseção I – Da força probante dos documentos, artigos 364 a 389 do CPC/1973, (correspondendo hoje no CPC/2015 Seção VII Da Prova Documental Subseção I Da Força Probante dos Documentos, nos artigos 405 a 429), dentre os quais merecem especial destaque os artigos 379 e 380, (correspondendo aos artigos 418 e 419 do CPC/2015) o primeiro porque vaticina acerca da condicionante de obrigatoriedade de sua regularidade como meio de prova a favor de seu autor, para que dela possa se utilizar, e, o segundo em razão de determinar expressamente pela indivisibilidade, o que equivale dizer que não há como atribuir-lhe a distinção de “parcialmente regular” ou “regular em parte”, o que deve ser visto de forma harmônica com os dispositivos contidos caput do CC 226 do Código Civil Brasileiro, (sem equivalente no Código Civil anterior) que é claro ao determinar que não pode a escrituração conter vícios extrínsecos ou intrínsecos.

Assim, de nada adianta a confirmação da escrituração por outros subsídios, se a mesma contiver os vícios suscitados, e, nem pode a parte invocar como prova em juízo, aquela parcela que lhe favorece, pelo simples fato que a norma em comenta é fechada, não admitindo interpretação. Ao nosso entendimento, nem poderia ser de forma divergente, pois se não houvesse a sanção da desconsideração da contabilidade como meio de prova, o cumprimento da norma legal restaria irremediavelmente comprometido. Com o intuito de se fazer cumprir a norma e para que aquele que a descumprir não se torne reincidente é que o legislador pátrio determinou pela presunção de veracidade dos fatos articulados pela parte adversa. Além da questão atinente às esfera cível, ha que ser considerado que a irregularidade na contabilidade é fator impeditivo ao deferimento do pedido de recuperação judicial da empresa, equivalente ao antigo instituto da concordata, além de conduzir a uma possível capitulação de crime falimentar, sem prejuízo a imputação de agravante pela constituição de fraude. Embora a matéria possa ter inúmeros desdobramentos, conclui-se que a obrigatoriedade de manutenção de contabilidade regular depende muito da estrita observância e obediência das normas que tratam da questão, combinado com o cumprimento das obrigações fiscais e contábeis, bem como do observação e cumprimento das formalidades extrínsecas e intrínsecas, sem o que todos os relatórios contábeis terão menor valor que o produto obtido pelo peso dos mesmo, por ocasião de venda como matéria-prima reciclável. Em juízo ou fora deste, a contabilidade somente será aceita em sua integralidade, e fará prova a favor do empresário/contribuinte se este for criterioso na observância a cumprimento dos preceitos legais aplicáveis à matéria. É muito mais econômico fazer certo. (Diógenes Gonzaga de Moraes é contador, auditor, professor universitário e consultor empresarial. Artigo publicada na revista eletrônica Consultor Jurídico em 10/01/2013. A ConJur é editada por jornalistas com larga experiência nas mais conceituadas publicações brasileiras, que zelam pela fidelidade das informações veiculadas. Acessado 25/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.177, 1.178 Do Contabilista e Outros Auxiliares - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.177, 1.178
Do Contabilista e Outros Auxiliares - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo III –
Dos Prepostos (Art. 1.177 e 1.178) Seção III – Do Contabilista
E Outros Auxiliares – digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.


Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.

Segundo Marcelo Fortes Barbosa Filho, O empresário-preponente pode incumbir um ou alguns de seus prepostos da elaboração dos assentamentos contábeis obrigatórios ou não obrigatórios, com os quais a atividade econômica desenvolvida é documentada. Tais prepostos precisam possuir conhecimento técnico específico e ser qualificados profissionalmente como contabilistas (Decretos-lei n. 9.295/46 e 806/69). Dotado de tal habilitação específica, um preposto pode realizar lançamentos e zelar pela correção da escrituração de dado empresário. Ademais, quando de autoria de um preposto especificamente designado, os assentamentos se consideram elaborados pelo próprio-empresário preponente. Há uma equiparação completa, ganhando os atos dos prepostos eficácia idêntica à dos praticados pelo preponente. Excepciona-se apenas a má-fé do preposto. Presente o ânimo de prejudicar e, portanto, elaborado, intencionalmente, um lançamento incorreto ou indevido, não é alcançada a equiparação proposta. A má-fé do preposto implica sejam seus atos apartados e distinguidos, não produzindo efeitos perante o empresário-preponente. O parágrafo único encontra-se deslocado, referindo-se não apenas à atuação do contabilista, mas a todo e qualquer preposto. Como complemento ao disposto nos CC 932, III, e 933, ficou, aqui, regrada a responsabilidade civil do preposto, autor de ato ilícito e causador de dano ao próprio preponente ou a um terceiro. Num primeiro plano, causado um dano ao preponente, nascerá o dever de indenizar sempre que caracterizada a culpa em sentido amplo. Num segundo plano, diante de terceiros, quando o ato danoso deriva do exercício da vontade livre e consciente do preposto, isto é, de uma conduta dolosa, também estará presente o dever de indenizar, formando-se entre o preposto e o preponente uma solidariedade passiva com relação à reparação dos prejuízos sofridos. Os atos culposos (em sentido estrito) não conduzem à responsabilidade direta do preposto diante de um terceiro e, então, só o preponente responderá, de início, pelo resultado danoso, buscando, em seguida, se desejar, o regresso ante o autor do ilícito. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.128. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD

Conta o histórico que a redação deste dispositivo é a mesma do projeto original. Regras semelhantes relativas às responsabilidades do preponente e dos prepostos encontravam-se previstas nos arts. 77 e 78 do Código Comercial de 1850.

Para a Doutrina de Ricardo Fiuza o contabilista é o preposto encarregado da escrituração contábil da empresa, exercendo a profissão de contador ou técnico contábil de acordo com as normas do Decreto-Lei n. 806/69 e Decreto n. 66.408/70. Os registros lançados pelo contabilista nos livros e documentos da escrituração da empresa consideram-se realizados pelo próprio preponente, salvo se for verificado que o preposto agiu de má-fé. Como regra geral de responsabilidade na relação de preposição, o parágrafo único deste artigo estabelece que haverá responsabilidade objetiva da empresa quando o preposto venha a causar dano a terceiro em virtude de ato culposo, cabendo ao preponente indenizar os prejuízos causados, com ação regressiva contra o responsável. No caso de ato doloso, ocorrerá situação de solidariedade, devendo o preponente ser demandado juntamente com o preposto para o ressarcimento de prejuízos provocados a terceiros. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 606, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Fernando Maida, em seu artigo sobre Direito Tributário, intitulado A Era Digital, a nova responsabilidade civil dos profissionais de Ciências Contábeis e sua interface com o Direito Tributário, referencia a profissão de contador que desde os albores do século XVI é reverenciada como uma das mais importantes e de expressão no âmbito da administração da vida pública e privada. A era digital fez mudar seu perfil de trabalho e responsabilidade. Nos tempos de colônia, o Brasil esteve regido pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas. Com isso, todos os atos ou negócios empreendidos em território nacional deviam obrigatoriamente estar sendo orientados por intermédio único e exclusivamente de um contador. Ademais, a responsabilidade do contador em todas as contas de origem pessoal como a advinda de ritos processuais era evidenciada em todos os textos legais. As Ordenações Filipinas expressam no Livro I Título XCI e que trata da função e responsabilidades do contador e penalidades por não empregar seus préstimos laborais, a saber: Titulo XCI - Dos Contadores dos feitos e custas, assi da Corte, como do Reino - Os Contadores das custas as contarão, assi as pessoas, como as do processo, que são o que os Scrivães e Tabeliães hão de haver da scriptura, e o salário dos Procuradores, e outros quaesquer Officiaes. As quaes não contará outra alguma pessoa na nossa Corte, nem da Relação do Porto, nem nas cidades, villas e lugares, onde Contadores de custas houver. E sendo a conta per outrem feita, seja nenhuma e de nenhum outro effeito, e torne-se a fazer per o Contador, a que pertencer. E aquelle, que a der a fazer a outrem, pague ao Contador de pena o dobro do que houvera de haver da tal conta, além do seu saldo ordenado, que lhe della montar.”
Com o avançar dos tempos, a normatização contábil se fez necessária e presente e foi materializada pelo órgão de classe, o que proporcionou um norteamento bem fundamentado das atividades que deveriam ser eticamente e profissionalmente conduzidas tanto em ambiente do direito privado como público. O Conselho Federal de Contabilidade - CFC através da Resolução n. 580 de 28 de outubro de 1983 regulou as atribuições privativas e compartilhadas do contabilista, com base no artigo 25 do decreto-lei n. 9.295 de 27 de maio de 1946. Neste momento, essa norma jurídica representava um avanço profundo, prevendo penalidades para exercício legal bem como para o seu exercício ilegal da profissão. Ainda hoje essa norma jurídica permanece em vigência regulando a vida profissional do contabilista. Com a recepção em nosso ordenamento jurídico em 2002 do Novo Código Civil, foi incorporada a responsabilidade do profissional em contabilidade. O CC 1.177, parágrafo único, mostra que na prática de suas atribuições são direta e pessoalmente responsabilizados perante os seus clientes, por atos culposos, e por atos dolosos há a responsabilidade solidária, conforme destacado a seguir: Fala-se aqui da necessidade de que os profissionais da área contábil estejam atentos para as práticas dolosas contra fiscum a serem propostas ou impostas por seus clientes ou por seus empregadores. As práticas dolosas ficarão ao encargo de quem os praticará, quer dizer, dos agentes, entretanto os profissionais da área contábil são responsabilizados solidariamente com estes por danos a terceiros. Ressaltando que esses profissionais enquadram-se com base no CC 1.169, como preposto e este instituto é definido como aquele que dirige ou pratica negócio empresarial por incumbência de outrem, que é o preponente (empresário ou sociedade), responsável por todos os atos praticados pelo preposto no estabelecimento, dentro de suas atribuições. Na verdade, esse preposto é auxiliar dependente da empresa por estar em relação de subordinação hierárquica relativamente ao preponente que lhe confere poderes, para desempenhar atividades de direção empresarial ou para substituir a empresa em suas relações com terceiros. Tem neste último caso poderes para representar a empresa perante terceiros.

Ademais, o preposto sem autorização escrita do preponente não poderá fazer-se substituir por outrem, para o desempenho dos atos especificados na preposição, sob pena de responder pessoalmente, pelos atos do substituto e pelas obrigações por ele assumidas, arcando, portanto, com o risco, que, com sua atitude, possa acarretar desvantagem ao interesse do preponente. No exercício de suas funções, o contabilista pode praticar atos jurídicos que podem violar preceitos legais de modo voluntário ou involuntário, por incumbência de outrem ou por seu arbítrio próprio. Desta forma, da prática do ato ilícito decorre a responsabilidade do agente e com base neste argumento que resolveu-se aprofundar um pouco o tratamento dessa questão focada nos profissionais das ciências contábeis. A responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar a outro, ou seja, o neminem laedere. Distingue-se a prática do ato jurídico do ato ilícito. O ato jurídico pressupõe ser um ato de vontade e que irá produzir efeitos de direito. Por outro lado, o ato ilícito também é considerado um ato de vontade e como tal, produzirá efeitos jurídicos independentemente da vontade do agente. No Código Civil, artigo 81 define: “É ato lícito, ato fundado em direito, enquanto o ato ilícito constitui delito, civil ou criminal e, pois, violação à lei.” Cretella Junior preceitua “a responsabilidade jurídica nada mais é do que a própria figura da responsabilidade, in genere, transportada para o campo do direito, situação originada por ação ou omissão de sujeito de direito público ou privado que, contrariando norma objetiva, obriga o infrator a responder com sua pessoa ou bens”. Desdobrada em modalidades diversas, filiadas ao protótipo comum categorial, a responsabilidade jurídica é uma, típica, reunindo sempre, em essência, a entidade personativa, que se projetou ou se omitiu no mundo das pessoas jurídicas, quebrando-as e provocando o dano, a convulsão maior ou menor no sistema, a exigir imediata recomposição do equilíbrio atingido. Envolve a responsabilidade jurídica, desse modo a pessoa que infringe a norma, a pessoa atingida pela infração, o nexo causal entre infrator e infração, o prejuízo ocasionado, a sanção aplicável e reparação, consistente na volta ao status quo ante da produção do dano. (Fernando Maida, em seu artigo sobre Direito Tributário, publicado em 21/05/2007, intitulado A Era Digital, a nova responsabilidade civil dos profissionais de Ciências Contábeis e sua interface com o Direito Tributário, no site direitonet.com.br, Acessado em 24/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.178. Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito.

Parágrafo único. Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor.

Em seus profundos conhecimentos Marcelo Fortes Barbosa Filho aponta o presente artigo, tal qual o parágrafo único do anterior, encontrar-se deslocado, não se referindo pura e simplesmente ao contabilista ou a outro auxiliar do empresário em particular. Foram introduzidas normas de caráter geral, estatuindo-se ampla responsabilidade dos preponentes pelos atos dos prepostos, reproduzindo e pormenorizando o disposto nos CC 932, III, e 933. Num primeiro plano, o empresário-preponente responderá por todo e qualquer ato do preposto praticado em seu estabelecimento e relativo ao desempenho de sua atividade profissional. Causado um prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial a terceiro e preenchidos os dois requisitos legais relativos ao lugar do evento e à vinculação do dano à empresa, o dever de reparação é automático, deixando-se de lado qualquer questionamento relativo à culpa do preposto. Há uma responsabilidade objetiva, ficando presumida, então, a autorização do empresário para a consumação do ato gerador do dano. Num segundo plano, praticados atos fora do estabelecimento e emergindo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial para um terceiro, a responsabilidade do empresário-preponente só emergirá da prática de atos correspondentes às ordens transmitidas por escrito. Desde que externos ao estabelecimento, os atos excedentes, i. é, efetivados sem o respaldo de poderes expressos, só vinculam o próprio preposto, o próprio autor, não sendo possível, nesse caso, presumir um liame envolvendo o empresário. Foi patente a preocupação do legislador em circunscrever ao máximo a aplicação dessa segunda regra, consignando-se, no parágrafo único, a necessidade da exibição do instrumento público ou particular de delegação de poderes ou, pelo menos, de certidão ou cópia autêntica, não se admitindo, para a caracterização da responsabilidade do preponente, prova sob forma ou modalidade diversas. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.129. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 24/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico de Ricardo Fuma, a regra expressa por este artigo não foi modificada durante a tramitação do projeto. Disposição praticamente idêntica estava contida no art. 75 do Código Comercial de 1850.

Abrandando a crítica de Marcelo Fortes Barbosa Filho, acima, Ricardo Fiuza em sua Doutrina atenta para o fato que os atos praticados pelos prepostos dentro do estabelecimento comercial da empresa presume-se que foram autorizados pelo preponente, mesmo não existindo documento escrito. O preposto não é obrigado a apresentar ao cliente ou àquele que comparecer ao estabelecimento para realizar um negócio qualquer documento que comprove estar ele autorizado a praticar o ato negocial. Assim, o preponente sempre responderá pelos atos que seus prepostos pratiquem dentro do estabelecimento, havendo sempre presunção de que estão autorizados. No que se refere, todavia, aos atos praticados fora do estabelecimento, o preponente somente responderá pelas obrigações contraídas pelo preposto que expressamente constarem do documento ou instrumento de delegação de poderes para a prática de atos, o que pode ser provado por certidão ou cópia autenticada. Se os atos do preposto excederem os limites dos seus poderes, o preponente não pode ser demandado em razão de prejuízos eventualmente causados a terceiros. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 607, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em defesa do legislador, Fernando Maida alega que o CC 1.178 comentado, destaca que os contabilistas são tão responsáveis quanto o empresário e, num processo judicial, são solidários à empresa e tem o seu patrimônio disponível para quitar dívidas. Esta nova realidade passa a exigir a elaboração de um contrato de prestação de serviço contábil muito bem elaborado e fundamentado à luz da melhor doutrina e jurisprudência, e que especifique claramente quais informações serão fornecidas por esse profissional, quais serão de responsabilidade do empresário e como serão fornecidas.

Na jurisprudência pátria a responsabilização dos profissionais contabilistas está espraiada por todo o território nacional. Com base na legislação em vigor, que não tipifica qualquer situação fática, envolvendo a modernização digital, de infringência à lei civil ou penal, passaremos a ilustrar o nível de responsabilização atual dos contabilistas. Entretanto, reforçamos o argumento de que este quadro tenderá em um futuro próximo a se agravar, pois haverá fiscalização mais efetiva, eficaz e com altíssima tempestividade de respostas por parte dos fiscos.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina na Apelação Criminal 97.012867-3 Rel. Amaral e Silva, prolatada em 16.06.1998, trata do crime de sonegação fiscal por parte dos preponentes comerciantes e que tentam incriminar o profissional contador para atenuar suas penas, conforme destacado em parte dos autos deste processo judicial, a saber:
Ementa: Penal Tributário - Crime Contra A Ordem Tributária - Autonomia Das Esferas Penal E Administrativa - Ausência De Registro Nos Livros Fiscais E De Recolhimento Do ICMS - Delito Configurado. "Não se exige, no crime de sonegação fiscal, como condição de procedibilidade, a prévia apuração do tributo sonegado na instância administrativa." (STJ) Agem com dolo comerciantes que, livre e conscientemente, deixando de registrar nos livros fiscais operações relativas a circulação de mercadorias, se eximem do pagamento dos respectivos impostos.
"A autoria, da mesma forma, restou configurada pelos interrogatórios dos recorrentes (fl. 131v. e fl. 182v.), muito embora um apelante tenha justificado que agiu daquela maneira orientado 'verbalmente' pela própria exatoria estadual, e o outro atribuiu a responsabilidade ao contador da empresa. Impossível acolher as justificativas apresentadas pelos recorrentes, pois evidente que a responsabilidade de cada empresa é pessoal, e não de quem presta serviço para ela, pelo menos no campo fiscal e criminal, tornando inviável a suposta pretensão de transferir a responsabilidade ao contador, e pior, alegar que a própria coletoria estadual orientou-os neste sentido."
No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça decidiu pela responsabilização do contador por ter sido julgada a má prestação do serviço, conforme mostrada na Apelação: Apelação cível. Alteração de contrato social de empresa. Serviço de contador. Má execução. Ressarcimento das despesas. Comprovada a execução defeituosa da alteração do contrato social de empresa, responde o contador pela falha ocorrida, ressarcindo as despesas havidas. Recurso improvido. Unânime. (Apelação Cível nº 70007681034 – 15ª Câmara Cível – Pelotas – Rel. Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos – Julgada em 31-03-04). A quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Apelação Civel 2005.001.32363, Rel. Des. Fernando Cabral, julgado em 13.12.2005, também apresenta decisão judicial de responsabilização civil do profissional contador, no que pertine a execução de serviços contratados, por danos por omissão de atos de baixa de sociedade junto ao fisco federal, na sequencia:
Responsabilidade Civil. Ausência de "baixa" da sociedade junto à Receita Federal. Danos advindos da referida omissão. Responsabilidade do contador. Falha na prestação do serviço de contabilidade. Inadimplemento contratual. Danos materiais e morais reclamados por ambas as autoras. Sanções fiscais impostas à parte por conta da omissão do réu. Obrigação de restituir o valor recebido como pagamento pelos serviços não prestados e de ressarcir as autoras dos danos que lhes foram causados. Honra objetiva da segunda autora. Ausência de mácula indenizável. Descumprimento contratual que gerou simples aborrecimentos e transtornos que não chegaram a atingir bens personalíssimos das partes. A correção monetária, que retrata mera atualização do capital, deve ser contada desde o desembolso dos valores perseguidos. Os juros de mora, tratando-se de inadimplemento contratual, contam-se da citação válida. Recursos parcialmente providos.
A 9.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, também apresenta decisão em Apelação Cível N° 0370397-5, Rel. Eugenio Achille Grandinetti por várias ações ilícitas do contador - recolhimento a menor de tributo, prática de adulteração e obtenção ilícita de benefício fiscal.
Ementa: Ação Ordinária. Adulteração De CTPS Para Inclusão De Tempo De Serviço Com Fins De Obtenção De Benefício Junto Ao INSS. Adulteração Feita Pelo Contador Do Patrão, Que Pagou Pelo Serviço. Contribuições Ao INSS Recolhidas A Menor. Responsabilidade Inequívoca Do Empregador Por Ato De Seu Preposto. "A responsabilidade por fato de outrem também constitui responsabilidade por fato próprio, posto que as pessoas que respondem a esse título terão sempre contribuído para o fato danoso. (...) É que, havendo culpa do empregado, empenha-se o dever de reparar do seu empregador, sem qualquer indagação acerca da culpa" in eligendo" ou" in vigilando" deste, ou se houver omissão no momento em que se exigia um facere (culpa in omittendo)." (Rui Stoco, Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. Revista dos Tribunais). RECURSOS DESPROVIDOS.
Este cenário espelha apenas a situação atual na prática de atos culposos ou dolosos de profissionais contabilistas, sem considerar ainda a introdução da modernização digital. Trataremos a seguir dessa nova tecnologia e alguns comentários relativos a esta nova mudança de perfil profissiográfico dos contabilistas.
A Modernização Fiscal e o novo papel do Contabilista - A Nota Fiscal Eletrônica já é uma realidade como forma de modernização tecnológica. As empresas passaram a emitir documento fiscal digital, emitido e armazenado eletronicamente. Outro grandioso avanço tecnológico para este ano que se inicia, é o projeto Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) e vai beneficiar, e muito, a vida dos profissionais da contabilidade. Os chamados Leiaute Nacional Unificado de Processamento de Dados, Certificação Digital, Escrituração Contábil e Fiscal em Forma Digital com Validade Jurídica, que compõem o SPED, irão transformar a Contabilidade em papel para a Contabilidade Digital.
A Emenda Constitucional nº 42, aprovada em 19 de dezembro de 2003, introduziu o Inciso XXII ao art. 37 da Constituição Federal, que determina às administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a atuar de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais. Com isso, surgiu o SPED. A partir da iniciativa da Receita Federal, com base no Projeto de Modernização da Administração Tributária e Aduaneira (PMATA) que consiste na implantação de novos processos apoiados por sistemas de informação integrados, tecnologia da informação e infraestrutura logística adequados. O projeto se propõe a reduzir de custos para o armazenamento de documentos e a diminuição de custo com o cumprimento das obrigações acessórias. O Sistema Público é uma solução pioneira de alta tecnologia patrocinada pelas administrações tributárias federal, estadual e municipal. Como produto vislumbra obter a oficialização das escriturações fiscal e contábil e que esta se dará por meio da transposição do que é gerado diariamente, nos sistemas empresariais para um arquivo digital pré-definido por um formato técnico específico e apropriado, para que ocorra a transmissão eletrônica dos dados das empresas para os órgãos de registro e, posteriormente, para os fiscos das diversas esferas.
O Conselho Federal de Contabilidade (CFC), mais uma vez, de forma pioneira, vem participando com destaque no desenvolvimento do SPED, em especial, com proposição de sugestões técnicas, especificamente no módulo de Escrituração Contábil Digital e, sobretudo, no que diz respeito às Normas Brasileiras de Contabilidade. Ressaltamos a publicação da Resolução CFC nº 1.020/05 que aprovou a NBCT 2.8 - Das Formalidades da Escrituração Contábil em Forma Eletrônica e a sua recente alteração na Resolução CFC nº 1.063/05. Ademais, ainda previu em agosto de 2006 a Resolução CFC nº 1.078 de 25.08.2006que estabelece o Leiaute Brasileiro de Contabilidade Digital para fins de escrituração, geração e armazenamento de informações contábeis em meio digital.
Ora, fazendo mudar com essa nova realidade contábil e fiscal, essa é atividade mais comum que todos irão pensar e fazer. A ver, nesse momento a modernização é profundamente benéfica, pois trará inúmeras facilidades e redução de custos de armazenagem de documentos, minimização de preenchimento de formulários de obrigações acessórias, minimização de quadro de pessoal menos especializado, entre outras. Contudo, após a fase de implantação e estabilização do speed é que teremos o cenário preocupante para os contabilistas.
O SPED, como uma rede neural possuirá todas as informações e dados da vida das organizações e os fiscos poderão cruzar dados, verificando inconsistências nas diversas bases de dados distintas – Nota Fiscal Eletrônica, SPED Fiscal, SPED Contábil, e futuramente de operações envolvendo Comércio Exterior, não permitindo que o contribuinte tenha tempo nem argumentação inicial e previsível para contrapor a tese de rejeição de dados, informações ou arquivos digitais. Fazendo uma analogia, o contador e seu cliente contribuinte, se sentirão como se tivessem vendo uma cidade cenográfica com linda fachada, todavia sem qualquer entendimento do que está acontecendo em seu interior e sem previsibilidade do que estaria por vir. Em como agir proativamente ao invés de reativamente após receber uma intimação de um conjunto de arquivos digitais. Esse fato já está ocorrendo e leva os contribuintes a loucura, pois num envio de arquivos em lote, com definição de problemas nestes indefinida, há a apresentação de intimação com uma base de cálculo enorme, o que poderá se tornar uma autuação expressiva e assustadora.
Por fim, diante dessa modernização digital, até o presente momento, nada se tratou a respeito da responsabilidade dos profissionais que labutam na área contábil e/ou fiscal, no entanto acredita-se que esta foi profundamente incrementada em função do acima exposto e dos montantes envolvidos nas futuras transações com envio de arquivos digitais. Com a fiscalização pontual praticada nos dias de hoje, essa realidade não ficava patente. Portanto há cada vez mais a necessidade de ter amparo em apoio de informática, pois só assim é que poderemos prever e solucionar problemas diversos envolvendo desde o envio destes arquivos digitais como inconsistências neles. A realização de simulações com base na boa técnica, fazendo então a checagem entre sistemas e consistências dos dados a serem enviados, evitarão intimações e possíveis autuações futuras indesejáveis. Ademais, com as inovações a serem implantadas e a legislação atual faz com que se pense que tudo está sob controle. Na verdade, necessita urgente de legislação que defina claramente os papeis de responsabilidade do contador de acordo com as novas obrigações que foram agregadas às anteriores. E ainda mais, não há qualquer tipificação penal para crimes que envolvam a manipulação, transmissão e guarda de dados informatizados e é isto que espera a classe que os nossos legisladores proponham como pauta para discussão no Plenário do Congresso Nacional. (Fernando Maida, em seu artigo sobre Direito Tributário, publicado em 21/05/2007, intitulado A Era Digital, a nova responsabilidade civil dos profissionais de Ciências Contábeis e sua interface com o Direito Tributário, no site direitonet.com.br, Acessado em 24/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.175, 1.176 Do gerente - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.175, 1.176
Do gerente - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo III –
Dos Prepostos (Art. 1.172 a 1.176) Seção II – Do Gerente –
digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 1.175. O preponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta daquele.

Sob a batuta de Marcelo Fortes Barbosa Filho, mesmo que o gerente-preposto atue sem poderes de representação, praticando atos em nome próprio, subsistirá a responsabilidade solidária do empresário-preponente, no interesse de quem tais atos se concretizaram. Estatuiu-se, portanto, em favor de terceiros, uma solidariedade passiva entre o preposto e o preponente, considerada a hipótese de dano emergente ou lucro cessante. Em suma, a atuação do gerente-preposto, obedecidas as instruções fornecidas pelo preponente, fará recair sempre, quando prejudicado terceiro, responsabilidade sobre este último, sendo igualadas as situações em que persiste o surgimento de representação e aquelas em que o preposto age em nome próprio e, portanto, não é um representante. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.127. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Do histórico, o conteúdo desta norma manteve a redação do projeto original. Não tem correspondente no Código de 1916. Regra sobre a mesma matéria, ainda que de conteúdo diverso, encontrava-se disposta no Art. 150 do Código Comercial de 1850, relativa ao mandato mercantil, aplicável por remissão expressa do seu Art. 86.

Doutrinariamente, como aponta Ricardo Fiuza, o gerente exerce os poderes de seu mandato em nome e por conta do preponente, nos limites dos poderes outorgados. Assim, em princípio, a responsabilidade perante terceiros dos atos praticados pelo gerente é do próprio preponente ou titular da empresa, que lhe delegou poderes para que realizasse os atos necessários à execução do mandato. Nos casos, todavia, em que o gerente pratique atos em seu próprio nome pessoal, mas por conta do preponente, o titular da empresa responderá perante terceiros Juntamente com o gerente, situação em que existirá solidariedade entre eles. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 605, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira, faz-se necessário contrabalançar (e reconhecer), entre a teoria do ato ultra vires e a teoria da aparência. Na primeira, a teoria do ato ultra vires, os administradores, prepostos, gerentes têm o dever de obedecer ao contrato ou ao estatuto social, de agir nos limites do objeto social no interesse da sociedade, ou seja, intra vires. No entanto, muitas vezes os representantes da sociedade e do empresário extrapolam os limites do objeto social ou os poderes que foram estabelecidos no ato constitutivo, agindo ultra vires. Esta prática envolve tanto a responsabilidade dos administradores que os praticam como o da sociedade empresária e empresário. No tocante à responsabilidade do administrador, do preposto, a lei lhes impõe o dever de indenizar os prejuízos causados pelos atos ultra vires ou os até mesmo pelos intra vires quando agem com dolo ou culpa. Mas a responsabilidade da sociedade empresária e do empresário em relação a terceiros pelos atos praticados pelos administradores, prepostos ou gerentes que não se relacionem com o objeto social ou que exorbitem dos poderes a eles conferidos, a solução foi trazida pela teoria ultra vires que está altamente atrelada à ideia de objeto social. Mas antes de verificar sua aplicação é preciso definir os atos ultra vires, que são os atos que estiverem em discordância com o objeto social (atividade e o fim lucrativo), além dos atos que estiverem em desacordo com os poderes expressos e implícitos estabelecidos em lei e no contrato ou estatuto social, ou que estão expressamente vedados. Se o ato visa ao lucro, mas está fora da atividade empresaria é ultra vires, da mesma forma, apesar de estar dentro do ramo empresarial, não ter por objetivo o lucro.

De acordo com a teoria ultra vires, os atos praticados pelos administradores em nome da sociedade empresária além dos limites do objeto social ou que ultrapassassem seus poderes são ineficazes em relação à sociedade e, consequentemente, não geram obrigações para ela, nem direitos para terceiros. Ao terceiro, apenas caberia mover ação conta aquele que extrapolou os limites sociais. Essa teoria surgiu pra proteger interesses dos acionistas e investidores. Ela tenta evitar desvio de finalidade na administração, mas acaba por ser prejudicial aos interesses de terceiros de boa-fé que contratam com a sociedade, já que ela não vai responder pelos negócios celebrados com abuso de poderes dos administradores.

Esse dispositivo legal positivo, ainda que de forma mitigada, a teoria da ineficácia dos negócios ultra vires, que sempre foi objeto de polêmica na doutrina e jurisprudência brasileira, cuja tendência foi abrandar o rigor da teoria ultra vires e admitir a aplicação da teoria da aparência, de modo a conferir validade e eficácia aos negócios jurídicos praticados em nome da sociedade por parte de administradores sem os devidos poderes ou que fossem estranhos ao objeto social, de modo a proteger os terceiros de boa-fé. Para aplicar a teoria ultra vires e afastar a responsabilidade da sociedade empresária e do empresário é importante analisar o objeto social e os poderes conferidos aos administradores e prepostos, considerando que o Código Civil deixou um espaço de discricionariedade, já que nem todos os poderes precisam estar expressos no contrato social, haja vista a existência de poderes implícitos inerentes a atividade de gestão. Além disso, amplia-se a compreensão do objeto social em razão da existência de atos acessórios, conexos, os quais os administradores estão autorizados a praticar, afastando, assim, a caracterização de ultra vires, eis que o negócio não se torna estranho à finalidade da sociedade, pois apenas aqueles que não têm relação direta ou indireta com o objeto isentam a sociedade de responder. (Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira, intitulada “A Responsabilidade Da Sociedade Empresária e Do Empresário Pelos Atos Dos Administradores” em sua tese de Mestre em Direito Civil pela UERJ, publicado em publicadireito.com.br, acessado em 21/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.176. O gerente pode estar em juízo em nome do preponente, pelas obrigações resultantes do exercício da sua função.

Conforme defende Marcelo Fortes Barbosa Filho, o gerente-preposto pode, conforme o tamanho de suas funções, exercer a representação processual do empresário-preponente, tal qual disposto nos arts. 277, § 3º (Sem correspondência no CPC 2015), e 331 do Código de Processo Civil/1973 (com menção ao art. 334 no CPC/2015, onde fala na Seção III – Do indeferimento da Petição Inicial) (Grifo nosso) e 9o, § 4», da Lei n. 9.099/95, desde que conferidos poderes para transigir. Nesses casos, o gerente comparece em audiência, fazendo o papel do empresário, e atua diretamente em juízo. Tal representação se opera automaticamente, sem maiores formalidades, quando preenchida a condição legal estatuída expressamente e relativa ao conteúdo das questões discutidas. O litígio, portanto, não só deve dizer respeito ao âmbito de atuação do gerente, como precisa ter derivado de ato concreto do próprio preposto. Admite-se, assim, que a delegação de poderes a um gerente possa lhe atribuir, conforme a conveniência do empresário, a qualidade de seu representante judicial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.127. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina comentada de Ricardo Fiuza, o mandato outorgado ao gerente geralmente contém a delegação de poderes de representação ativa e passiva da empresa, judicial ou extrajudicial. Todavia, este dispositivo prevê que, em razão das obrigações relacionadas ao exercício dos poderes em que se encontra investido, o gerente pode comparecer em juízo como representante ou preposto da empresa. Esse poder genérico de representação não abrange, todavia, a competência do gerente para a nomeação de advogados, salvo se previsto no respectivo instrumento de mandato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 606, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Permanecendo na forma de defesa ou acusatória do gerente preposto, Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira, continua com a teoria da aparência, em sentido oposto à teoria ultra vires, que afirma a subsistência dos atos praticados em nome da sociedade, ainda que a prática desses atos não esteja prevista no contrato ou estatuto social ou os contrariem. A preocupação com a aparência surgiu no contexto moderno, com o advento da Revolução Industrial, diante das mudanças das relações sociais, dos processos produtivos, da rápida circulação dos bens. Essas mudanças geraram a necessidade de proteger o terceiro, pois nem sempre em razão do envolver frenético das relações é possível distinguir a aparência da realidade, não sendo possível impor cautela a priori sobre todos os aspectos de suas relações jurídicas, até porque a complexidade das relações, a rapidez, a quantidade de negócios travados diariamente, a dependência de relações contratuais, levam o home a dar maior importância ao aspecto exterior. Por isso, reconhece como válidos alguns atos aparentemente verdadeiros e lhes confere efeitos jurídicos que a lei atribui aos atos reais. Tudo para tornar as relações justas e justificadas, a despeito das aparências. Esta, por sua vez, tem como pressuposto uma situação fática que, embora inverídica ou irreal, se apresenta como verídica ou real. Deve haver uma aparência perante terceiros que contratem com a sociedade de que as pessoas que praticaram o ato em nome da sociedade detêm poderes para tanto. Além disso, a pessoa que confiou na aparência deve estar de boa-fé, ou seja, devem confiar na imagem pública ou externa da sociedade. Desta forma, se a sociedade aparenta ter determinado objeto social, e seus administradores aparentam poderes para prática de atos relacionados com seu objeto, ela responde por essa situação irreal perante terceiros de boa-fé que com ela contratam, afinal, a teoria das aparências em como finalidade a proteção de terceiros de boa-fé, prestigiar a lealdade e a confiança depositada, conferir segurança às operações jurídicas, evitar surpresas nas transações do comércio jurídico, além de permitir a dinâmica do mercado, o qual não comporta excessivas e demoradas cautelas, especialmente quando em negócios de valor proporcionalmente baixos. Nesse aspecto, a aplicação da teoria da aparência tornou-se uma necessidade jurídico-econômica-social, resultante da multiplicação e extensão das atividades humanas, da velocidade das comunicações. O dia a dia dos negócios, a celeridade da vida comercial, não permite imputar sempre ao contratante a prova da qualidade da pessoa com quem contrata, pois não ´comum algumas situações que se exija, por exemplo, contrato de trabalho de um funcionário de determinado estabelecimento comercial antes de efetuar a compra; identificação dos representantes de credores, advogados ou mandatários, que sempre recebem pagamento, mercadorias etc. A aparência jurídica tutela situações de confiança, visa a proteger as expectativas criadas, ainda que desprovidas de um regime legal preciso e objetivo, de forma a viabilizar o funcionamento do sistema, pois valoriza a dimensão social do exercício dos direitos, em uma verdadeira solidarização do direito. Desta forma, o ato praticado por aquele que aparenta ser titular do direito ou ter os necessários poderes é reputado válido e eficaz perante terceiros de boa-fé. A função da aparência é, justamente, legitimar o terceiro a tratar com aquele que parece titular de uma situação jurídica, como se realmente fosse. Essa situação envolve três pessoas: o titular real do direito, o titular aparente e terceiro contratante, mas há um conflito de interesse entre o titular real e o terceiro. No entanto, para proteger a pessoa de boa-fé, desconsidera o vício de uma situação aparente e considera como perfeita e regular. Por isso, impõe-se a produção dos mesmos efeitos jurídicos que o negócio faria se ocorresse o assentimento do verdadeiro titular. Essa teoria tem sido aplicada em vários sistemas jurídicos. Os principais fundamentos para justificar a responsabilidade daquele a quem se atribui a declaração de vontade pela obrigação que aparentemente constituía um título legítimo são a segurança das relações jurídicas e o resguardo da boa-fé de terceiros. (Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira, intitulada “A Responsabilidade Da Sociedade Empresária e Do Empresário Pelos Atos Dos Administradores” em sua tese de Mestre em Direito Civil pela UERJ, publicado em publicadireito.com.br, acessado em 21/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).