Direito Civil Comentado - Art.
1.175, 1.176
Do gerente - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial -
Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo III –
Dos Prepostos (Art. 1.172 a 1.176) Seção II – Do Gerente –
Art. 1.175. O preponente responde com o gerente pelos
atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta daquele.
Sob a batuta de Marcelo
Fortes Barbosa Filho, mesmo
que o gerente-preposto atue sem poderes de representação, praticando atos em
nome próprio, subsistirá a responsabilidade solidária do empresário-preponente,
no interesse de quem tais atos se concretizaram. Estatuiu-se, portanto, em
favor de terceiros, uma solidariedade passiva entre o preposto e o preponente,
considerada a hipótese de dano emergente ou lucro cessante. Em suma, a atuação
do gerente-preposto, obedecidas as instruções fornecidas pelo preponente, fará
recair sempre, quando prejudicado terceiro, responsabilidade sobre este último,
sendo igualadas as situações em que persiste o surgimento de representação e
aquelas em que o preposto age em nome próprio e, portanto, não é um
representante. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1.127. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/08/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Do histórico, o conteúdo desta norma manteve a redação do
projeto original. Não tem correspondente no Código de 1916. Regra sobre a mesma
matéria, ainda que de conteúdo diverso, encontrava-se disposta no Art. 150 do
Código Comercial de 1850, relativa ao mandato mercantil, aplicável por remissão
expressa do seu Art. 86.
Doutrinariamente,
como aponta Ricardo Fiuza, o gerente exerce os poderes de seu mandato em nome e
por conta do preponente, nos limites dos poderes outorgados. Assim, em
princípio, a responsabilidade perante terceiros dos atos praticados pelo
gerente é do próprio preponente ou titular da empresa, que lhe delegou poderes
para que realizasse os atos necessários à execução do mandato. Nos casos,
todavia, em que o gerente pratique atos em seu próprio nome pessoal, mas por
conta do preponente, o titular da empresa responderá perante terceiros
Juntamente com o gerente, situação em que existirá solidariedade entre eles. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 605, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
21/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Paula Moura Francesconi de
Lemos Pereira, faz-se necessário contrabalançar (e reconhecer), entre a teoria
do ato ultra vires e a teoria da
aparência. Na primeira, a teoria do ato ultra vires, os administradores,
prepostos, gerentes têm o dever de obedecer ao contrato ou ao estatuto social,
de agir nos limites do objeto social no interesse da sociedade, ou seja, intra vires. No entanto, muitas vezes os
representantes da sociedade e do empresário extrapolam os limites do objeto
social ou os poderes que foram estabelecidos no ato constitutivo, agindo ultra vires. Esta prática envolve tanto
a responsabilidade dos administradores que os praticam como o da sociedade
empresária e empresário. No tocante à responsabilidade do administrador, do
preposto, a lei lhes impõe o dever de indenizar os prejuízos causados pelos
atos ultra vires ou os até mesmo
pelos intra vires quando agem com
dolo ou culpa. Mas a responsabilidade da sociedade empresária e do empresário
em relação a terceiros pelos atos praticados pelos administradores, prepostos
ou gerentes que não se relacionem com o objeto social ou que exorbitem dos
poderes a eles conferidos, a solução foi trazida pela teoria ultra vires que está altamente atrelada
à ideia de objeto social. Mas antes de verificar sua aplicação é preciso
definir os atos ultra vires, que são
os atos que estiverem em discordância com o objeto social (atividade e o fim
lucrativo), além dos atos que estiverem em desacordo com os poderes expressos e
implícitos estabelecidos em lei e no contrato ou estatuto social, ou que estão
expressamente vedados. Se o ato visa ao lucro, mas está fora da atividade
empresaria é ultra vires, da mesma
forma, apesar de estar dentro do ramo empresarial, não ter por objetivo o
lucro.
De acordo com a teoria ultra vires, os atos praticados pelos
administradores em nome da sociedade empresária além dos limites do objeto
social ou que ultrapassassem seus poderes são ineficazes em relação à sociedade
e, consequentemente, não geram obrigações para ela, nem direitos para terceiros.
Ao terceiro, apenas caberia mover ação conta aquele que extrapolou os limites
sociais. Essa teoria surgiu pra proteger interesses dos acionistas e
investidores. Ela tenta evitar desvio de finalidade na administração, mas acaba
por ser prejudicial aos interesses de terceiros de boa-fé que contratam com a
sociedade, já que ela não vai responder pelos negócios celebrados com abuso de
poderes dos administradores.
Esse dispositivo legal
positivo, ainda que de forma mitigada, a teoria da ineficácia dos negócios ultra vires, que sempre foi objeto de
polêmica na doutrina e jurisprudência brasileira, cuja tendência foi abrandar o
rigor da teoria ultra vires e admitir
a aplicação da teoria da aparência, de modo a conferir validade e eficácia aos
negócios jurídicos praticados em nome da sociedade por parte de administradores
sem os devidos poderes ou que fossem estranhos ao objeto social, de modo a
proteger os terceiros de boa-fé. Para aplicar a teoria ultra vires e afastar a responsabilidade da sociedade empresária e
do empresário é importante analisar o objeto social e os poderes conferidos aos
administradores e prepostos, considerando que o Código Civil deixou um espaço
de discricionariedade, já que nem todos os poderes precisam estar expressos no
contrato social, haja vista a existência de poderes implícitos inerentes a
atividade de gestão. Além disso, amplia-se a compreensão do objeto social em
razão da existência de atos acessórios, conexos, os quais os administradores
estão autorizados a praticar, afastando, assim, a caracterização de ultra vires, eis que o negócio não se
torna estranho à finalidade da sociedade, pois apenas aqueles que não têm
relação direta ou indireta com o objeto isentam a sociedade de responder. (Paula
Moura Francesconi de Lemos Pereira, intitulada “A
Responsabilidade Da Sociedade Empresária e Do Empresário Pelos Atos Dos
Administradores” em sua
tese de Mestre em Direito Civil pela UERJ, publicado em publicadireito.com.br,
acessado em 21/08/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Art. 1.176. O gerente pode estar em juízo em nome
do preponente, pelas obrigações resultantes do exercício da sua função.
Conforme defende Marcelo Fortes Barbosa Filho, o gerente-preposto
pode, conforme o tamanho de suas funções, exercer a representação processual do
empresário-preponente, tal qual disposto nos arts. 277, § 3º (Sem
correspondência no CPC 2015), e 331 do Código de Processo Civil/1973 (com
menção ao art. 334 no CPC/2015, onde fala na Seção III – Do indeferimento da
Petição Inicial) (Grifo nosso) e 9o,
§ 4», da Lei n. 9.099/95, desde que conferidos poderes para transigir. Nesses
casos, o gerente comparece em audiência, fazendo o papel do empresário, e atua
diretamente em juízo. Tal representação se opera automaticamente, sem maiores
formalidades, quando preenchida a condição legal estatuída expressamente e
relativa ao conteúdo das questões discutidas. O litígio, portanto, não só deve
dizer respeito ao âmbito de atuação do gerente, como precisa ter derivado de
ato concreto do próprio preposto. Admite-se, assim, que a delegação de poderes
a um gerente possa lhe atribuir, conforme a conveniência do empresário, a
qualidade de seu representante judicial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1.127. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 21/08/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na doutrina comentada
de Ricardo Fiuza, o mandato outorgado ao gerente geralmente contém a delegação
de poderes de representação ativa e passiva da empresa, judicial ou
extrajudicial. Todavia, este dispositivo prevê que, em razão das obrigações
relacionadas ao exercício dos poderes em que se encontra investido, o gerente
pode comparecer em juízo como representante ou preposto da empresa. Esse poder
genérico de representação não abrange, todavia, a competência do gerente para a
nomeação de advogados, salvo se previsto no respectivo instrumento de mandato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 606, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/08/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Permanecendo na forma de defesa ou acusatória
do gerente preposto, Paula Moura Francesconi de
Lemos Pereira, continua com a teoria da aparência, em sentido oposto à teoria ultra vires, que afirma a subsistência
dos atos praticados em nome da sociedade, ainda que a prática desses atos não
esteja prevista no contrato ou estatuto social ou os contrariem. A preocupação
com a aparência surgiu no contexto moderno, com o advento da Revolução Industrial,
diante das mudanças das relações sociais, dos processos produtivos, da rápida
circulação dos bens. Essas mudanças geraram a necessidade de proteger o
terceiro, pois nem sempre em razão do envolver frenético das relações é
possível distinguir a aparência da realidade, não sendo possível impor cautela a priori sobre todos os aspectos de suas
relações jurídicas, até porque a complexidade das relações, a rapidez, a
quantidade de negócios travados diariamente, a dependência de relações
contratuais, levam o home a dar maior importância ao aspecto exterior. Por
isso, reconhece como válidos alguns atos aparentemente verdadeiros e lhes
confere efeitos jurídicos que a lei atribui aos atos reais. Tudo para tornar as
relações justas e justificadas, a despeito
das aparências. Esta, por sua vez, tem como pressuposto uma situação fática
que, embora inverídica ou irreal, se apresenta como verídica ou real. Deve
haver uma aparência perante terceiros
que contratem com a sociedade de que as pessoas que praticaram o ato em nome da
sociedade detêm poderes para tanto. Além disso, a pessoa que confiou na
aparência deve estar de boa-fé, ou seja, devem confiar na imagem pública ou
externa da sociedade. Desta forma, se a sociedade aparenta ter determinado
objeto social, e seus administradores aparentam poderes para prática de atos
relacionados com seu objeto, ela responde por essa situação irreal perante
terceiros de boa-fé que com ela contratam, afinal, a teoria das aparências em
como finalidade a proteção de terceiros de boa-fé, prestigiar a lealdade e a
confiança depositada, conferir segurança às operações jurídicas, evitar
surpresas nas transações do comércio jurídico, além de permitir a dinâmica do
mercado, o qual não comporta excessivas e demoradas cautelas, especialmente
quando em negócios de valor proporcionalmente baixos. Nesse aspecto, a
aplicação da teoria da aparência tornou-se uma necessidade
jurídico-econômica-social, resultante da multiplicação e extensão das
atividades humanas, da velocidade das comunicações. O dia a dia dos negócios, a
celeridade da vida comercial, não permite imputar sempre ao contratante a prova
da qualidade da pessoa com quem contrata, pois não ´comum algumas situações que
se exija, por exemplo, contrato de trabalho de um funcionário de determinado
estabelecimento comercial antes de efetuar a compra; identificação dos
representantes de credores, advogados ou mandatários, que sempre recebem
pagamento, mercadorias etc. A aparência jurídica tutela situações de confiança,
visa a proteger as expectativas criadas, ainda que desprovidas de um regime
legal preciso e objetivo, de forma a viabilizar o funcionamento do sistema,
pois valoriza a dimensão social do exercício dos direitos, em uma verdadeira
solidarização do direito. Desta forma, o ato praticado por aquele que aparenta
ser titular do direito ou ter os necessários poderes é reputado válido e eficaz
perante terceiros de boa-fé. A função da aparência é, justamente, legitimar o
terceiro a tratar com aquele que parece titular de uma situação jurídica, como
se realmente fosse. Essa situação envolve três pessoas: o titular real do
direito, o titular aparente e terceiro contratante, mas há um conflito de
interesse entre o titular real e o terceiro. No entanto, para proteger a pessoa
de boa-fé, desconsidera o vício de uma situação aparente e considera como
perfeita e regular. Por isso, impõe-se a produção dos mesmos efeitos jurídicos
que o negócio faria se ocorresse o assentimento do verdadeiro titular. Essa
teoria tem sido aplicada em vários sistemas jurídicos. Os principais
fundamentos para justificar a responsabilidade daquele a quem se atribui a
declaração de vontade pela obrigação que aparentemente constituía um título
legítimo são a segurança das relações jurídicas e o resguardo da boa-fé de
terceiros. (Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira, intitulada “A Responsabilidade Da Sociedade Empresária e Do Empresário Pelos Atos
Dos Administradores” em sua
tese de Mestre em Direito Civil pela UERJ, publicado em publicadireito.com.br,
acessado em 21/08/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
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