quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.260, 1.261, 1.262 Da Aquisição da Propriedade Móvel (Da usucapião) - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.260, 1.261, 1.262

Da Aquisição da Propriedade Móvel (Da usucapião) - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.260 ao 1.262) Capítulo III – Da Aquisição da Propriedade Móvel - Seção I – Da Usucapião –

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-te-á a propriedade.

 

Conforme os ensinamentos de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, adquire a propriedade aquele que possui bem móvel durante três anos, de forma ininterrupta e sem oposição, mediante justo título e boa-fé. Para que seja dispensada a prova do justo título e da boa-fé, exige-se que a posse se prolongue pelo lapso de cinco anos ininterruptos, conforme CC 1.261. há precedente do superior Tribunal de Justiça no sentido de que veículo furtado não pode ser adquirido por usucapião ordinário (REsp 247.345). Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, contudo, admitem a possibilidade, aduzindo que “duas razões sustentam a admissibilidade da usucapião pelo ladrão: a) a usucapião extraordinária de bens imóveis e móveis não pede o requerimento da boa-fé. Assim, mesmo aquele que sabe que a coisa pertence a outrem, pode usucapir no longo prazo de cinco anos; b) a usucapião proveniente de aquisição violenta da posse é viável no tocante aos bens imóveis e o termo inicial da prescrição aquisitiva é o instante da cessação da violência (CC 1.208). Assim, também terminará a violência no momento posterior à prática do ilícito de subtração do veículo, daí iniciada a contagem do lustro legal. Note-se que a mansidão e a pacificidade da posse cessam quando o Ministério Público oferece denúncia pelo fato típico, ante o caráter de publicidade emanado da ação penal. Há de ponderar-se que, mesmo sendo julgada procedente a pretensão, o possuidor poderá prejudicar-se reflexamente, pois o magistrado oficiará ao juízo penal sobre o ilícito criminal, e a possível sentença condenatória incluirá como um dos efeitos secundários o perdimento dos bens obtidos com a prática do ilícito” (Direitos reais, Lumen Juris, 4º ed., p. 340).

 

Nos casos de alienação fiduciária em que ocorra o inadimplemento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de impossibilidade da usucapião, uma vez que “a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade, incapaz de induzir posse (CC 1.208), sendo por isso mesmo impossível a aquisição do bem por usucapião. De fato, em contratos com alienação fiduciária em garantia, sendo o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem inerentes ao próprio contrato, conclui-se que a transferência da posse direta a terceiros – porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário – deve ser precedida de autorização” (STJ, Quarta Turma, REsp n. 881.270, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE 19.03.2010).

 

Súmulas do supremo Tribunal Federal: “340. Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. “193. O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião”.

 

Enunciado 86 do Conselho da Justiça Federal: “A expressão ‘justo título’ contida nos CC 1.242 e 1.260, abrange todo título jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 07.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, a usucapião é o primeiro modo de aquisição de coisa móvel previsto no Código Civil de 1916. Em sua substância, o artigo em exame reproduz o que continha o art. 618 e seu parágrafo do Código Civil de 1916, embora com aprimoramento da redação.

 

O objeto da usucapião é coisa móvel, bem corpóreo, de modo que não há usucapião de propriedade imaterial, marca ou patente, na impossibilidade da prática de atos possessórios sobre direitos e créditos. Embora haja quem defenda posição contrária, a jurisprudência majoritária nega a possibilidade de se usucapir bens imateriais, tais como ações de uma sociedade anônima (RJTJESP 69/166) ou direito de marca e nome industrial (TJTJESP 99/197).

 

Inicia o legislador - ao contrário do que ocorre na usucapião sobre coisa imóvel -, por tratar da usucapião na modalidade ordinária, com prazo reduzido de três anos, para disciplinar, no artigo subsequente, a usucapião extraordinária. Não se cogita das modalidades de usucapião especial urbano, rural ou coletivo sobre coisas móveis. Os requisitos da usucapião ordinária são rigorosamente os mesmos, salvo no tocante ao prazo, da usucapião sobre bens imóveis, ou seja: coisa hábil, posse contínua, sem oposição, com animus domini, justo título e boa-fé. A única alteração dos requisitos se refere ao prazo da usucapião, que se reduz de dez para três anos. Remete-se o leitor ao comentário ao CC 1.242, em que se analisou cada um dos requisitos da posse ad usucapionem.

 

Podem ser usucapidos semoventes e coisas inanimadas. Os casos mais frequentes de usucapião sobre coisas móveis recaem sobre direitos de uso de linha telefônica e veículos. Em relação ao primeiro caso, depois de certo titubeio, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 193, do seguinte teor: “O direito de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião”. Talvez a solução encontrada pelo pretório não seja a de maior rigor técnico, pois não se pode falar propriamente em posse sobre a linha, mas apenas em direito de uso do assinante em relação a serviço de concessão pública. O entendimento do tribunal, porém, serviu para acomodar e dar solução confortável à situação jurídica na qual o adquirente dos direitos de uso não conseguia formalizar a transferência formal da assinatura para seu nome.

 

Em relação ao segundo caso, cabe, em tese, usucapião ordinária ao terceiro de boa-fé que adquire veículo irregular, ainda que proveniente de furto, desde que tenha posse pelo prazo de três anos, contínua e sem oposição, com ânimo de dono. O justo título se consubstancia no negócio de aquisição do veículo, muitas vezes merecedor de registro no departamento de trânsito, ou seja, potencialmente hábil à transferência da propriedade, mas que padece de vício substancial. Em sentido contrário, porém, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, entendendo que o veículo objeto de furto não pode ser possuído “como próprio”, em razão da precariedade da posse (REsp n. 247.345/MG, rel. Min. Nancy Andrighi). Não parece, contudo, ser precária a posse do terceiro adquirente de boa-fé, diante da falta de relação jurídica preexistente com o dono da coisa. Ademais, na accessio possessionis pode o possuidor aproveitar ou descartar a posse do antecessor, de modo que a posse violenta ou clandestina do furtador não contamina necessariamente a do terceiro adquirente de boa-fé.

 

Diversa, porém, é a solução no caso do próprio ladrão ou do receptador doloso requererem a usucapião. Embora Nelson Rosenvald alerte que a usucapião extraordinária não exige boa-fé e que a violência cessa quando adquire o furtador a soberania sobre a coisa (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 101), na verdade, no caso nem posse há, mas mera detenção. Enquanto o ladrão não dá a conhecer ao esbulhado onde se encontra a coisa, impedindo sua reação e recuperação da res, persiste a clandestinidade, que, na forma da parte final do CC 1.208, antes comentado, impede o nascimento da posse. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.262-63. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 


Em artigo de Felipe Carvalho de Souza, “Usucapião de bem móvel extraordinário e sua incompatibilidade com o princípio da eticidade” publicado em novembro de 2015 no site Jus.com.br, ele comenta: A possibilidade da usucapião extraordinária de bem móvel oriundo de furto ou roubo é questão tormentosa na doutrina na atualidade. Diante disso, demonstra-se aqui, que tal instituto não coaduna com o princípio da Eticidade. O CC 1261 prevê uma modalidade de usucapião para o bem móvel, que independe de boa-fé e da possibilidade da usucapião extraordinária sobre bens oriundos de furto e roubo, já que tal instituto não exige a boa-fé. Em síntese, quer-se saber se o produto oriundo de furto ou de roubo, mesmo quando o proprietário legítimo exerça a função social para aquele bem e busque auxílio do Estado para reavê-lo por ter sido subtraído de forma violenta, se vê impedido pela ineficácia do Estado em garantir a proteção do bem do cidadão. Identifica-se, em dados estatísticos, que dos inquéritos policiais no estado de Minas Gerais que apuram crimes contra o patrimônio, citam-se como exemplos, o furto e roubo, em mais de 80% dos casos não se descobriu a autoria. O grande conflito seria a possibilidade da usucapião sobre bens oriundos de práticas criminosas, pois o instituto seria incompatível com um dos princípios norteadores do Código Civil, qual seja, a Eticidade. Observamos ainda que o produto adquirido de forma ilícita não pode ser passível de posse. Seria mera detenção, pois não há possibilidade do próprio autor do delito se beneficiar do instituto da usucapião para aquisição da ‘’RES’’ produto de furto ou de roubo, fato esse que colidiria com o princípio ora citado.

 

Cabe citar ser o Brasil um dos países mais violentos da América Latina, que, por sua vez, se apresenta como  região mais violenta do mundo, os dados são do “Estudo Global Sobre Homicídios” em pesquisa realizada pela ONU, com dados do ano de 1997, o Brasil foi indicado na quinta posição em quantidade de roubos no mundo. Entende-se que a modalidade de usucapião extraordinária, além de colidir com o princípio da Eticidade, também não condiz com a realidade social de nosso país, que vive um colapso em seu sistema de segurança pública. Sendo assim, com a devida vênia, há que se discordar dos doutrinadores que legitimam a usucapião extraordinária de bem móvel oriundo de furto ou roubo.

 

Conforme assevera Deocleciano Guimarães: “Do latim usucapião, capitação ou aquisição pelo uso prolongado. Seu significado original era de posse. A lei das XII tábuas estabeleceu que quem possuísse por dois anos um imóvel tornar-se-ia proprietário.”

 

Era modalidade de aquisição ius civile, portanto, destinado aos cidadãos romanos. Posteriormente, no direito clássico, surgiu a usucapião que estipulava que quem possuísse um imóvel provincial por certo tempo poderia repelir qualquer ameaça à sua propriedade pela longi temporis praescriptio. Essa alegação poderia ser utilizada tanto pelos cidadãos romanos, como pelos estrangeiros.

 

O fato de a usucapião constituir-se em espécie de prescrição se justifica, em última análise, ao princípio constante na construção jurídica romana, qual seja o direito de proteger aos que vigiam. Pois que seu principal fundamento se baseia no interesse social, e consequentemente, no interesse público, quer no tocante à prescrição extintiva ou liberatória, quer à prescrição aquisitiva. Assim, quando o proprietário de um bem imóvel se mostra negligente diante de uma violação por parte de um ocupante e não reclama a restauração do estado do status quo ante, dentro do prazo que a lei estipula, para o proprietário, opera-se a prescrição extintiva, ao passo que, para o ocupante, poder-se-á verificar a prescrição aquisitiva”. (Guimarães, 2011:582). (Felipe Carvalho de Souza, “Usucapião de bem móvel extraordinário e sua incompatibilidade com o princípio da eticidade” publicado em novembro de 2015 no site Jus.com.br. Acessado 07/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião independentemente de título ou boa-fé.

 

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame reproduz o que continha o art. 619 do Código Civil de 1916, apenas corrigindo antigo defeito de redação, que falava em “título de boa-fé”, agora transformado, de modo adequado, em “título ou boa-fé”. Os requisitos da usucapião extraordinária - posse contínua, sem oposição e com animus domini - foram analisados no comentário ao CC 1.238 do Código Civil, ao qual se remete o leitor. Note-se, como lá acentuado, que não exige a lei a posse ser justa. Ao contrário, ao dispensar a boa-fé dos requisitos desta modalidade de usucapião, admite implicitamente a existência de vícios conhecidos do possuidor. Ressalte-se, porém, que a posse violenta e a posse clandestina são aquelas adquiridas de modo ilícito, cuja causa ofende o ordenamento, mas a clandestinidade e a violência são pretéritas e não mais persistem. Enquanto perdurarem, não nasce a posse, nos exatos termos da parte final do CC 1.208. Tudo o que se afirmou no comentário ao CC 1.238 aqui se aplica, com exceção do tempo da posse, que é de apenas cinco anos. No que se refere ao objeto da usucapião sobre bens móveis, em especial a possibilidade de recair sobre veículos objeto de furto, remete-se o leitor ao artigo anterior. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.272. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

A Doutrina de Ricardo Fiuza não acrescenta nenhum plus. Caracteriza-se a usucapião extraordinária de bem móvel quando houver posse ininterrupta e pacífica, pelo prazo de cinco anos, sem que se tenha justo título e boa-fé (v. Súmula 445 do STF). A norma é idêntica ao art. 619 do Código Civil de 1916, ressaltando-se que foi suprimido o parágrafo único. Deve, pois, a ela ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 651, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 07/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Investindo no saber do unisalesiano.edu.br, Formas De Aquisição Da Propriedade Móvel Formas Originárias E Derivadas” tem-se que, usucapião de bens móveis não é forma originária de aquisição somente da propriedade imóvel, sendo também aplicada aos bens móveis. Assim sendo, há duas formas de usucapião de móveis, a ordinária (CC 1.260) e a extraordinária (CC 1.261). a) Estabelece o primeiro dispositivo citado que aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente, durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade. Esse era o menor prazo de usucapião previsto na lei brasileira. Todavia, com a introdução no Código Civil da nova modalidade de usucapião especial urbano por abandono do lar, o menor prazo passou a ser de dois anos (CC 1.240-A). b) Seguindo no estudo da categoria em apreço, nos termos do CC 1.261, se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião extraordinária, independentemente de título ou boa-fé. Resumindo, percebe-se que são requisitos da usucapião ordinária de bens móveis: Posse mansa, pacífica em com intenção de dono por três anos. Justo título e boa-fé. Para a caracterização do que seja justo título, aqui também pode ser aplicado o Enunciado n. 86 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, pelo qual a expressão justo título, contida nos arts. 1.242 e 1.260 do CC/2002, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro. Por outra via, para a usucapião extraordinária de bens móveis, há apenas o requisito da posse de mansa, pacífica e com intenção de dono por cinco anos. Quanto ao justo título e à boa-fé, como ocorre com a usucapião extraordinária de bens imóveis, há uma presunção absoluta ou iure et de iure das suas presenças. Deve ficar claro que as formas constitucionais ou especiais de usucapião imobiliária, obviamente, não se aplicam aos bens móveis. Partindo para a exemplificação, a situação típica de usucapião mobiliária envolvia as linhas telefônicas, nos termos da Súmula 193 do STJ. Porém, como é notório, as linhas telefônicas perderam o valor de mercado de outrora, não tendo, em realidade, valor algum. Sendo assim, perdeu-se o interesse em sua usucapião. (unisalesiano.edu.br,Formas De Aquisição Da Propriedade Móvel Formas Originárias E Derivadas” acesso ao site em 07.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


 Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e 1.244.

 Na toada de Francisco Eduardo Loureiro, manteve o legislador tratamento unitário, tal como já fazia o Código Civil de 1.916, quanto ao regime do aproveitamento da posse do possuidor anterior (CC 1.243) e da incidência das causas obstativas, suspensivas e interruptivas da prescrição (CC 1.244), ao prazo da usucapião sobre coisas imóveis e móveis. Remete-se o leitor aos comentários aos aludidos CC 1.243 e 1.244 aplicando-se inteiramente o que lá se disse à usucapião sobre coisas móveis. Em resumo, estendeu o legislador o regime jurídico da usucapião sobre coisas imóveis - salvo no tocante ao prazo - à usucapião sobre coisas móveis. No que se refere a aspectos processuais, algumas distinções persistem. Assim, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que se aplica o art. 94 do Código de Processo Civil de 1973, hoje correspondendo no CPC/2015  ao art. 46 §§ 1º ao 5º (Grifo VD), à usucapião sobre coisa móvel, cuja competência é a do foro do domicílio do réu (REsp n. 31.204-1-SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro). A reforma processual excluiu do rito sumário a ação de usucapião sobre coisa móvel que, assim, se regula pelo rito ordinário do procedimento comum. Não se aplicam as regras do procedimento especial dos arts. 941 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973, Capítulo VII Da Ação De Usucapião De Terras Particulares com reflexos e correspondência no CPC/2015, mantendo-se o art. 941 anterior e o novo art. 246 § 3º do CPC/2015 bem como os arts. 569 do Capítulo IV Da Ação De Divisão E Da Demarcação De Terras Particulares, seção I – disposições Gerais (Grifo VD), expressamente circunscrito à ação de usucapião sobre coisa imóvel, com peculiaridades como a citação de confrontantes e cientificação das Fazendas Públicas incompatíveis com a coisa móvel. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.273. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Sem alteração para a Doutrina de Ricardo Fiuza na usucapião de coisas móveis também é permitido que seja acrescenta à sua posse, a de seus antecessores (CC 1.243). Aplicam-se à usucapião de bens móveis as causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição (CC 1.244).  É o artigo idêntico ao parágrafo único do art. 619 do Código Civil de 1916, suprimido pelo dispositivo anterior, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 651, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 07/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No luzir de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo 1) trata  da aplicação subsidiária das regras relativas à usucapião de imóvel; 2) o possuidor pode, com a finalidade de contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, desde que todas sejam contínuas e pacíficas. Na hipótese do CC 1.242, também depende de justo título e boa-fé; e 3) se estende ao possuidor o disposto em relação ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 07.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.257, 1.258, 1.259 Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações - VARGAS, Paulo S. R. -

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.257, 1.258, 1.259

Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações 

- VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.248 ao 1.259) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções III, IV e V

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.257. o disposto no artigo antecedente aplica-se ao caso de não pertencerem as sementes, plantas ou materiais a quem de boa-fé os empregou em solo alheio.

 Parágrafo único. O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização de vida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor.

 Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, manteve o legislador em substância o que continha o art. 549 do Código de 1916, alterando apenas a redação do dispositivo. Trata-se, segundo Carvalho Santos, do caso “em que alguém faz plantações ou edifica em terreno alheio, pertencendo as sementes, plantas e materiais a um terceiro, não a ele, plantador ou construtor” Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 424). Segundo o mesmo autor, criam-se, em tal caso, relações jurídicas de três ordens, entre os diversos interessados: entre o proprietário do solo e o construtor/plantador; entre o construtor/plantador e o proprietário do material; entre o proprietário do solo e o dono do material (op. cit., p. 424).

 

Inicia o artigo regulando a primeira das relações mencionadas e dispõe que o dono do solo adquire a propriedade das acessões (aplica-se o que contém o artigo anterior), mas indeniza o construtor/plantador por seu valor atual, ainda que o material empregado na obra seja alheio. A indenização a que faz jus o construtor/plantador, portanto, é pela totalidade da acessão e não apenas pelo valor da mão de obra. Tal solução se impõe, por dever o construtor/plantador indenizar o dono do material ou das sementes empregados na acessão. Em termos diversos, o construtor/plantador recebe a indenização do dono do solo, que se beneficiou com a aquisição da acessão, mas repassa o valor do material a seu proprietário.

 

O dono do solo, a princípio, não tem relação jurídica direta com o dono do material. Logo, a responsabilidade primária será do construtor/plantador indenizar o dono do material. Caso isso não ocorra, nasce, então, a responsabilidade subsidiária do dono do solo, que se beneficiou com a incorporação da acessão, frente ao dono do material, como reza o parágrafo único do art. 549 do Código Civil. Como, porém, alerta Carvalho Santos, este último nada poderá receber se o proprietário do solo já pagou a indenização completa ao construtor/plantador. O preceito visa a evitar o enriquecimento sem causa indireto, que ocorre quando existem duas transmissões sucessivas de valor econômico; primeiro, do patrimônio do empobrecido para o de um intermediário e, depois, do intermediário para o beneficiário final. É por isso que, ao contrário do entendimento da doutrina tradicional, se o construtor/plantador nada tiver a receber, por estar de má-fé, ainda assim pode o proprietário do material pedir indenização de seu valor ao dono do solo, que se beneficiou da acessão. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.258-59. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza alude a lição de Maria Helena Diniz, “Se terceiro de boa-fé vier a plantar ou construir com semente ou material de outrem, em terreno igualmente alheio, o dono da matéria-prima perderá sua propriedade, mas será indenizado pelo valor dela” (Código Civil anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 421). O artigo é idêntico ao Art. 549 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 649, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Pouca acrescenta Alexandre Ferreira simplesmente observando que o parágrafo único, obriga primeiramente a cobrança do plantador ou construtor, para posteriormente, caso não consiga receber, cobrar o proprietário. (Alexandre Ferreira, em 21/10/2003, no site www.direitonet.com.br, Estudos sobre as diversas formas de aquisição da propriedade móvel, Acessado em 06/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Seguindo o parecer dos demais, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, hipótese análoga à do artigo anterior, mas em que são utilizados bens de terceira pessoa em terreno alheio. O agente será ressarcido do valor das acessões pelo proprietário das sementes ou materiais. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 06.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente.

 

Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção.

 

Como ensinam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ainda que o construtor esteja de má-fé, se invadir área sem que ultrapasse a vigésima parte do solo alheio, poderá adquirir a propriedade invadida, pagando em décuplo as perdas e danos. Neste sentido o Enunciado 318 do Conselho da Justiça federal: “O direito à aquisição da propriedade do solo em favor do construtor de má-fé (art. 1.258, parágrafo único) somente é viável quando, além dos requisitos explícitos previstos em lei, houver necessidade de proteger terceiros de boa-fé”.(Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 06.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No dizer de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tinha correspondência no Código Civil de 1916, embora códigos estrangeiros, como, por exemplo, o italiano (art. 938), já adotassem providência similar. O caput do CC 1.258 é desdobramento do que contém o parágrafo único do CC 1.255, anteriormente comentado; ou seja, constitui exceção ao princípio superfícies solo cedit, permitindo ao construtor de boa-fé que construiu em pequena faixa do imóvel vizinho se tornar dono dela, indenizando o proprietário. Cuida-se, novamente, de direito potestativo, assegurando ao esbulhado a alienação compulsória de parte do imóvel invadido. Mais uma vez, procura o legislador tutelar a função econômica e social da propriedade imóvel, evitando a demolição da construção feita de boa-fé, com regra especial para a invasão de pequena monta. A solução legal, de resto, já era adotada pelos tribunais, na vigência do Código Civil de 1916 (R T 493/107,517/201).

 

Como diz Marco Aurélio S. Viana, são requisitos cumulativos da incidência da regra: "a) a construção se tenha feito parcialmente em solo próprio, mas havendo invasão de solo alheio; b) a invasão do solo alheio não pode ser superior à vigésima parte deste; c) a boa-fé do construtor; d) o valor da construção deve exceder o da parte invadida; d) o construtor indenizará o dono do terreno invadido, pagando-lhe o valor da área perdida e a desvalorização do remanescente” (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XVI, p. 162).

 

Note-se que restringe o legislador a incidência da regra à construção, não abrangendo, portanto, as acessões por plantação. A construção deve estar parcialmente em solo próprio e parcialmente em solo alheio, não se aplicando a regra à construção feita inteiramente em pequena porção do imóvel vizinho. A invasão não pode ser superior à vigésima parle do imóvel vizinho e deve ser erigida de boa-fé pelo construtor, sendo, por consequência, determinante o momento no qual tomou este ciência de que construía em terreno alheio, pois incidirá na regra do parágrafo único do artigo em exame, com efeitos distintos. O valor da construção deve exceder o da porção de solo invadido do prédio vizinho, com a ressalva de que não utiliza o legislador, aqui, a qualificação “consideravelmente”, como fez no parágrafo único do CC 1.255. Logo, basta, utilizando critério econômico, que o valor da construção supere o valor da faixa invadida, sem importar a proporção.

 

Finalmente, determina o legislador a indenização da faixa invadida, por se tratar, como dito, de direito potestativo do construtor à aquisição compulsória, ainda que contra a vontade do vizinho. A indenização engloba o valor da faixa perdida e a desvalorização do remanescente. No referente à faixa perdida, não se computa na indenização, como é evidente, o valor da acessão feita pelo adquirente. O valor é o do solo, contemporâneo à época do pagamento.

 

Para a desvalorização do remanescente, deve ser calculada a diminuição de seu potencial de utilização, levando em conta normas urbanísticas, gabaritos e coeficientes de aproveitamento. Muitas vezes, o remanescente já não tem a mesma utilidade do todo, ou sua desvalorização é desproporcional à faixa perdida, correspondendo tal déficit ao valor complementar a ser indenizado. Pode ocorrer, finalmente, como alerta Marco Aurélio S. Viana (op. cit., p. 163), de o remanescente ficar inaproveitável, caso no qual haverá direito de acrescer, abrangendo a indenização a totalidade do imóvel vizinho, que se transferirá por inteiro ao construtor. O desmembramento do imóvel é feito contra a vontade de seu proprietário, por acessão inversa - modo originário de aquisição da propriedade -, de maneira que o remanescente poderá ter medidas inferiores às exigidas pela Lei n. 6.766/79 ou legislações municipais, sem que tal fato impeça o registro imobiliário. A faixa invadida, por seu turno, será unificada ao prédio vizinho.

 

O parágrafo único do artigo em exame trata da construção feita de má-fé, que invade faixa de até 1/20 da área total do imóvel vizinho. Em caráter excepcional e cercada de requisitos especialíssimos, admite-se a acessão inversa, mediante alienação compulsória da faixa invadida ao construtor. Lida o preceito com dois vetores opostos: de um lado, manter a unidade econômica do imóvel do construtor, evitando a demolição de parte da construção, que comprometa o restante da edificação e a própria função social do prédio; de outro lado, punir o comportamento malicioso do construtor, que erigiu em faixa do imóvel vizinho, ciente de tal circunstância. Da congruência dos dois fatores, extraem-se os requisitos para a acessão inversa ao construtor de má-fé: a faixa invadida não pode superar a vigésima parte do imóvel vizinho; o valor da construção supera consideravelmente o valor da faixa invadida. Note-se que voltou o legislador a qualificar o excesso, tal como fez no parágrafo único do CC 1.255, exigindo desproporção entre os dois valores. Leva-se em conta, para interpretar o termo aberto consideravelmente, o critério econômico primário e os critérios subsidiários do grau de malícia do construtor e da função social dada ao imóvel; a porção invasora não puder ser demolida, sem grave prejuízo para a construção. Leva em conta o preceito critério utilitário de que a perda da porção invasora não comprometa, de modo grave, o restante da construção. Devem-se analisar as circunstâncias do caso concreto, levando em conta a natureza e características da porção invasora e sua conexão com o restante da construção. Claro que algum prejuízo sempre haverá, mas exige o legislador que seja ele grave, ou seja, que impossibilite a utilização ou provoque desvalorização desproporcional do restante, em sacrifício que não seria razoável exigir, mesmo do construtor de má-fé; o pagamento do décuplo das perdas e danos referidas no caput do CC 1.258. Visa a multa a desestimular o comportamento malicioso do construtor, impondo-lhe pesado ônus. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.259-61. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

O Projeto de monografia de Matheus Pio de Souza, “Acessão Inversa Como Instrumento De Concretização Da Função Social Da Propriedade Imóvel”, versa sobre o instituto da acessão inversa e a possibilidade do mesmo se configurar como instrumento de concretização da função social da propriedade imóvel. A problemática desenvolvida consistiu na dúvida quanto à concretização do princípio da função social da propriedade imóvel diante da implementação do instituto da acessão inversa no ordenamento jurídico Brasileiro. A partir do momento em que o foco principal nos litígios oriundos do universo das aquisições de propriedades imóveis se tornou a proteção da função social da propriedade imóvel, devido à implementação da acessão inversa no ordenamento jurídico, confirmou-se que o instituto é um instrumento capaz de concretizar tal função social, deixando de lado o engessamento da legislação e abrindo portas para inovações que de certa forma acompanham o desenvolvimento da sociedade. O instituto possibilita a utilização de medida alternativa para solução dos conflitos que tratam sobre as invasões de propriedade imóvel, resultadas das construções realizadas parcialmente ou por inteiro em terrenos alheios, levando em consideração uma série de requisitos e garantindo com que o interesse da sociedade se sobressaia ao individual. Após apontamentos doutrinários e jurisprudenciais, a hipótese respondeu afirmativamente ao problema proposto.

 

Da relevância para a sociedade estar relacionada com o direito de propriedade e as demolições antieconômicas causadas pela realização de obras com pequenas invasões. A construção que invade uma determinada área de um terreno limítrofe não precisa necessariamente ser demolida, é possível que a área invadida se torne propriedade do construtor mediante uma indenização ao verdadeiro dono, evitando assim o dispêndio de recursos econômicos que já foram utilizados para a construção e também os que necessitariam para a demolição. O instituto traz uma alternativa social e econômica em que as medidas a serem adotadas visam beneficiar tanto as partes quanto a sociedade em si. De certa forma o instituto oferece um amparo para o ordenamento jurídico em situações peculiares, resultando em uma maior segurança jurídica no universo das aquisições de propriedades imóveis. A problemática em questão enfrentada se refere às demolições antieconômicas realizadas devido às construções que por algum motivo externo a vontade do construtor, invadem certa área do terreno limítrofe vizinho, causando a destruição da coisa nova e um dispêndio desnecessário de recursos econômicos, descaracterizando por fim a função social inerente à propriedade imóvel. Quando há uma invasão de uma construção a um terreno vizinho limítrofe, a solução para o conflito nem sempre traz consigo o princípio da função social da propriedade, resultando em um dispêndio desnecessário de recursos, além de não cumprir com os interesses da sociedade. O artigo em exame não possuía correspondência no Código Civil de 1.916, embora códigos estrangeiros já adotassem providências similares, como, por exemplo, o Código Italiano - em questão se refere a construções realizadas em terrenos limítrofes que eventualmente invadem o terreno alheio. Ressaltando que há a exigência de que a construção esteja parcialmente em terreno próprio e também parcialmente em terreno alheio. Sendo assim, a construção que invade terreno alheio não sendo ela superior à vigésima parte deste, poderá adquirir a parte invadida o construtor ornado de boa fé. A indenização neste caso é mais ampla, levando em consideração o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente, sendo somadas e devidas ao proprietário do terreno invadido. A função social presente neste artigo é semelhante a do artigo trabalhado anteriormente, pois leva em consideração o valor socioeconômico presente na coisa nova e a partir disso permite que o construtor adquira a propriedade da parte invadida em prol da não demolição da coisa nova que futuramente poderá atender os interesses sociais da sociedade. É importante comentar que mesmo que os casos nos artigos trabalhados sejam diferentes, os proprietários das áreas invadidas ou construídas não são prejudicados, tem total amparo da legislação para serem indenizados de maneira proporcional e direta com a lesão sofrida. Ressalta-se também que a indenização sobre a lesão sofrida é a maneira menos agravada para a solução do conflito, levando em consideração a função social presente na coisa nova, inviabilizando assim a demolição. Conforme mencionado anteriormente, a boa fé seria um pressuposto para que a acessão inversa seja configurada, entretanto, o parágrafo único do CC 1.258 relata da possibilidade do instituto agir mesmo que o construtor esteja desprovido da boa fé. A limitação imposta pelo artigo no que tange ao tamanho da invasão e o valor consideravelmente excedente da coisa nova ainda são necessários, porém, a boa fé deixa se ser afirmada como pressuposto e desta forma o parágrafo único possibilita a aquisição da parte invadida pelo construtor que age de má fé quando for comprovado que a demolição da parte invasora não poderá ser realizada sem causar graves prejuízos para a construção. Apesar de a má fé não ser um empecilho para que o construtor adquira a parte invadida, o mesmo fica obrigado ao pagamento do décuplo das perdas e danos referidas no caput do CC 1258, visando assim desestimular o comportamento malicioso do construtor, impondo-lhe um pesado ônus. Mesmo com a má fé registrada, somada ao risco que a demolição da parte invadida causaria à coisa nova, o valor social econômico ainda se sobressai sobre o particular, evidenciando cada vez mais a concretização da função social da propriedade a partir do instituto da acessão inversa. (Matheus Pio de Souza, “Acessão Inversa Como Instrumento De Concretização Da Função Social Da Propriedade Imóvel”, do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, apresentado em 2017, publicado pela core.ac.uk/download/pdf/. Acessado 06/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.259. se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devolvidos em dobro.

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se a área invadida ultrapassar a vigésima parte do solo alheio, adquirirá o construtor de boa-fé a propriedade da área invadida, respondendo por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente. Caso o construtor esteja de má-fé, e a invasão ultrapassar a vigésima parte do solo alheio, deverá demolir a construção, pagando perdas e danos, que serão devidos em dobro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 06.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No artigo de Matheus Pio de Souza, “Acessão Inversa Como Instrumento De Concretização Da Função Social Da Propriedade Imóvel”, o artigo em questão aborda algumas alterações nos pressupostos, oportunidade pela qual traz novamente a boa fé e a limitação quanto ao tamanho da invasão é desnecessária. O construtor de boa fé adquirirá a propriedade da parte do solo invadido mesmo que ela ultrapasse o limite imposto, ou seja, a vigésima parte do solo alheio. No caso em exame, embora não diga expressamente na lei, está implícito dever a acessão exceder o valor da faixa invadida, para que se inverta o princípio da gravitação jurídica, passando o solo a ser acessório da construção. A indenização prevista no artigo é mais complexa devido ao fato da ultrapassagem dos limites impostos. O construtor fica obrigado ao pagamento de indenização pelo valor da faixa perdida, pela desvalorização do remanescente e a sobrevalia da construção que corresponde à valorização desproporcional do imóvel do construtor. O final da disposição do CC 1259 relata o caso mencionado acima, porém com a configuração da má fé do construtor. Neste caso não há o que ser feito e o instituto da acessão inversa fica inerte levando em consideração a total desídia do construtor quanto aos pressupostos. A ausência da boa fé implica a demolição da coisa nova e o pagamento de indenização em dobro pelo construtor neste caso em específico. Apesar do CC 1259 em seu final recorrer pela demolição da coisa nova, tendo em vista ao desrespeito aos pressupostos necessários, em sua maioria acompanha os artigos mencionados anteriormente no quesito de que a função social presente na propriedade é superior aos desejos privados, sendo de uma clareza solar a concretização da função social da propriedade quando configurado o instituto da acessão inversa. (Matheus Pio de Souza, “Acessão Inversa Como Instrumento De Concretização Da Função Social Da Propriedade Imóvel”, do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, apresentado em 2017, fls. 30-32, publicado pela core.ac.uk/download/pdf/. Acessado 06/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Finalizando o Capítulo na lição de Francisco Eduardo Loureiro, cuida-se, novamente, de variante do parágrafo único do CC 1.255, permitindo a acessão inversa no caso de invasão parcial decorrente de construção no imóvel vizinho. A peculiaridade, aqui, está na dimensão da invasão, que supera a vigésima parte do imóvel vizinho, comportando soluções diversas daquelas previstas no artigo anterior. Note-se que a construção deve situar-se parte em terreno do próprio construtor e parte no terreno vizinho. Duas situações são possíveis: a construção de boa-fé e a construção de má-fé que invadem parcialmente o terreno vizinho. No caso da construção de boa-fé, embora não diga expressamente a lei, está implícito dever a acessão exceder o valor da faixa invadida, para que se inverta o princípio da gravitação jurídica, passando o solo a ser acessório da construção. Não se exige, porém, que o excesso seja considerável, diante da falta de qualificação do legislador. A boa-fé, como frisado no comentário ao artigo anterior, deve persistir durante todo o período no qual se erigiu a construção, pois no exato momento em que se converte em má-fé, como se verá, a solução é inversa. A acessão inversa, do dono do solo ao construtor, está subordinada, ainda, ao pagamento de indenização cabal, que abrange o valor da faixa perdida, a desvalorização do remanescente e a sobrevalia da construção. A última verba constitui a peculiaridade do preceito. A aquisição da propriedade da faixa invadida pode, em determinados casos, provocar uma valorização desproporcional do imóvel do construtor, potencializando sua utilização. Em tal caso, esse plus integra a indenização, como mecanismo destinado a evitar o enriquecimento sem causa do construtor. O que foi dito sobre o modo de exercício do direito potestativo e do ingresso do título no registro imobiliário no comentário ao artigo anterior aqui se aplica. No caso de construção de má-fé no terreno vizinho, a solução é diametralmente inversa e se assemelha à da parte final do caput do CC 1.255, já comentado. Diante da maior porção do imóvel vizinho invadido, já não mais há porque exigir sacrifício do dono do solo em proveito do construtor malicioso, ainda que este tenha dado aproveitamento econômico à faixa apossada. Diz a lei que o vizinho esbulhado pode pedir a retomada da posse da porção invadida, e demolir - se quiser - o que nela se construiu, arcando o invasor com seu custo, além de perdas e danos, que serão devidos em dobro. Claro que pode o dono do solo ficar com a acessão, nada pagando por ela, cm solução semelhante à do CC 1.255, diante da má-fé do construtor. A peculiaridade da sanção imposta ao construtor está no pagamento das perdas e danos em dobro, pena não pre­vista pelo legislador no caso de invasão total do imóvel vizinho. Há uma nítida incongruência da lei: aquele que constrói de má-fé na totalidade do imóvel vizinho paga perdas e danos simples, mas o que o faz parcialmente paga em dobro. É, porém, a solução adotada de modo explícito pelo legislador, talvez imaginando que a invasão parcial dificilmente permitirá ao dono do solo aproveitar a acessão ligada funcionalmente ao imóvel vizinho do invasor. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.261-62. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.254, 1.255, 1.256 - continua Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações - VARGAS, Paulo S. R

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.254, 1.255, 1.256 - continua

Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações 

- VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.248 ao 1.259) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções III, IV e V

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé.

 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo cm exame nada inovou, em substância, o que continha o art. 546 do Código Civil de 1916. Trata da hipótese do dono do solo plantar ou edificar em terreno próprio, mas utilizando-se de materiais ou plantas alheias. A solução adotada pelo legislador está na aquisição, pelo dono do solo, da propriedade da construção e da plantação, atendendo o princípio superfícies solo cedit e na impossibilidade de se devolver os materiais ou plantas alheios sem fratura ou dano. De outro lado, o proprietário do solo, e agora também das acessões a ele incorporadas, indeniza o valor dos materiais e plantas alheios, para evitar o enriquecimento sem causa. O valor a ser indenizado, segundo Carvalho Santos, é o que os materiais e sementes tinham quando passaram a ser propriedade do dono do solo, ou seja, o momento no qual foram plantados ou empregados na construção, devidamente atualizados, para evitar a depreciação da moeda (Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 404). Não se indeniza, portanto, o valor da obra concluída, nem o da plantação em fase de colheita, mas apenas o que perdeu efetivamente o ex-dono dos materiais e sementes, sem incluir a mais valia que acrescentaram ao dono do solo. É irrelevante, de outro lado, se a construção foi demolida, ou se a plantação se perdeu, pois o risco da perda ou deterioração é do dono da acessão (res perit domino). Se o dono do solo agir de má-fé, pagará também as perdas e danos causados ao dono dos materiais e sementes, cabendo a este último, porém, o ônus de provar os danos emergentes e os lucros cessantes decorrentes do ato ilícito. Finalmente, não mais persiste acesa discussão na doutrina, sobre casos em que ao dono dos materiais era admitida a reivindicação, em vez de singela indenização. Tomem-se como exemplo os casos das sementes e materiais ainda não incorporados ao solo, ou das coisas consideradas imóveis por acessão intelectual, como espelhos, quadros, eletrodomésticos e outros bens móveis intencionalmente destinados à exploração, aformoseamento ou comodidade de um prédio. A figura das pertenças, expressa no art. 93 do Código Civil de 2002, de um lado cria uma unidade econômico-social com a coisa a que elas servem, mas, de outro, garante a possibilidade de destaque do bem principal, podendo ser objeto de relações jurídicas próprias. Parece claro, portanto, que as pertenças, antigas acessões intelectuais, podem ser reivindicadas por seus proprietários, não se incorporando ao prédio, nem constituindo acessões. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.253. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Não acrescenta em nada a doutrina de Fiuza, além do que foi dito acima: Neste artigo está prevista a indenização por perdas e danos na hipótese de o construtor ou plantador ter agido de má-fé. É este dispositivo único ao art. 546 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 647-48, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nas palavras de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o dono do imóvel constrói ou planta com sementes ou material de terceiros, tornar-se-á o dono destas construções ou plantações, com base no preceito de que aquilo que adere ao solo a ele fica incorporado. Se estiver de má-fé, terá de ressarcir o valor, além de eventuais perdas e danos (CC 1.254). Se ambas as partes estiverem de má-fé, o proprietário terá de ressarcir apenas os gastos com a acessão, sem perdas e danos (CC 1.256). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 05.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

A propósito, atente-se para o artigo de Bruno Oliva intitulada “Da perda de uma chance” ainda a espera de uma previsão legal, publicada no site Jusbrasil.com.br. junho/2020. Segundo o autor, a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance no Brasil encontra, há anos, respaldo na doutrina e jurisprudência. A indenização desta espécie de dano na responsabilidade civil é autônoma e independente às existentes, quais sejam: material, moral e estético. Sua aplicação não é unânime, mas acontecerá o mesmo quando havia a divergência entre dano material e dano moral, e posteriormente entre o dano moral e dano estético. Isto porque, como o legislador não atuou para elaboração de uma lei criando a perda de uma chance, o Superior Tribunal de Justiça, assim como quando editou as Súmulas 37 e 387, também poderá criar, no ordenamento jurídico, a aplicação destes institutos.

 

Muito embora inexista, na legislação pátria, previsão legal específica que conceitue a perda de uma chance, esta novel espécie de dano da responsabilização civil tem sido aplicada no Judiciário brasileiro há quase duas décadas. Surgido na França (final do século XIX), foi posteriormente aplicado, no século passado (início do século XX), na Itália, Inglaterra, EUA, assim como em outros países. No Brasil, aplicado desde o ano de 2005 (início do século XXI), possui como fundamentação legal a aplicação, por analogia, de garantias fundamentais e princípios gerais presentes tanto na Constituição Federal de 1998 quanto no Código Civil de 2002. Sendo considerada uma quarta espécie de dano passível de reparação, após o surgimento do dano material, moral e estético, constata-se, numa evolução histórica, a mesmíssima discussão de antigamente entre a autonomia e independência do dano material com o dano moral, sendo pacificada no ano de 1992 com a edição da Súmula 37 do STJ, assim como entre o dano moral e dano estético, sendo resolvida com a edição, em 2009, da Súmula 387 do STJ.

 A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida na França (la perte d'une chance), com posterior aplicação na Inglaterra (loss-ofachance), visando indenizar o evento danoso acarretado pela perda de uma chance de obter um proveito determinado ou ainda de evitar uma perda.

 O precedente mais antigo do mundo, no direito francês, foi o caso apreciado pela Corte de Cassação, em 17 de julho de 1889, que concedeu indenização à perda provocada pela conduta negligente de um oficial ministerial, que impediu o prosseguimento do procedimento e, consequentemente, a possibilidade de ganhar o processo.

Em seguida, um caso inglês de 1911, conhecido como Chaplin V. Hicks, a vítima estava entre as cinquenta finalistas de um concurso de beleza e teve sua chance interrompida, uma vez que o infrator a impediu de participar da última etapa do concurso. Em razão disso, entendeu-se que a vítima teria 25% de chances de ser a vencedora. Como houve divergências sobre esse caso inglês, a perda de uma chance foi objeto de estudo e análise na Itália, na década de 1940, quando Giovani Pacchioni tratou do assunto na obra “Diritto Civile Italiano”, reportando-se aos casos trazidos pelas doutrinas francesa e inglesa.


Por se tratar de uma espécie nova de dano no Direito Brasileiro sua identificação, caracterização e conceituação ainda não estão consagradas na legislação pátria. Considerado por muitos doutrinadores como “leading case no Direito Brasileiro, o julgamento de 08/11/2005, do Recurso Especial nº 788.549/BA, relatado pelo Ministro do STJ Fernando Gonçalves, aplicou-se a teoria da perda de uma chance no caso do "Show do Milhão". Segue o aresto:

 

“Recurso Especial. Indenização. Impropriedade De Pergunta Formulada Em Programa De Televisão. Perda Da Oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.” Neste caso específico, a vítima alegou que a última pergunta do programa foi erroneamente formulada, por isso, perdera a chance de obter o prêmio máximo do jogo, ou seja, um milhão de reais. Isto porque, na última etapa do programa, realizou-se à vítima a pergunta sobre o percentual do território brasileiro que a Constituição Federal reconhecia aos índios, tendo como alternativas: 22%, 2%, 4% ou 10%. Sem saber responder à esta indagação, a vítima desistiu e, assim, recebeu R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), conforme regra do programa. No entanto, como a vítima posteriormente verificou que nenhuma das alternativas encontrava respaldo na Constituição Federal de 1988, ajuizou ação pleiteando o valor integral do prêmio em razão da questão mal formulada, ou seja, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Na primeira instância, a teoria da perda de uma chance foi acolhida, integralmente no valor pleiteado. Após análise do recurso de apelação, o Tribunal de Justiça da Bahia negou provimento ao recurso do infrator, mantendo a sentença. No Superior Tribunal de Justiça, houve provimento em parte do recurso especial interposto pelo infrator, não para afastar a perda de uma chance, mas para reduzir a indenização para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), que representava a probabilidade que a vítima possuía, ou seja, percentual de 25% que representam as quatro perguntas. Entretanto, a despeito de acertadamente ficar reconhecida a teoria da perda de uma chance, entende-se que, “data maxima venia”, seu desfecho no Superior Tribunal de Justiça não ocorreu de modo adequado, pois, ao indenizar a vítima com apenas 25% do valor máximo, considerar-se-ia que uma entre as quatro alternativas estivesse correta, porém, não é isso, na medida em que, se todas as alternativas formuladas no programa estavam incorretas, a reparação deveria ser mantida na integralidade, seja para reparar adequadamente a vítima, seja para aplicar o critério de desestímulo (pedagógico) ao infrator!

 

Fundamentação Legal - Nas palavras do ilustre Professor Flávio Tartuce: “A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida.” Assim acrescenta Gustavo Tepedino: “A ideia de responsabilidade civil relacionava-se, tradicionalmente, com o princípio elementar de que o dano injusto, ou seja, o dano causado pelo descumprimento de dever jurídico deve ser reparado.”

 

Pois bem. A responsabilidade civil consiste na obrigação legal de que cada um tem de reparar o prejuízo causado em decorrência de seu ato (comissivo ou omissivo) perante terceiros, sujeitando-se ao pagamento de uma compensação pecuniária.

 

Na hierarquia das leis (artigo 59 da Constituição Federal) encontra-se em primeiro lugar a Constituição Federal, de maneira que por esta começará a análise da perda de uma chance. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante consagra a Constituição Federal de 1988, está o de construir uma sociedade livre, “justa” e solidária, conforme artigo , inciso I. Diante dessa necessidade trazida pela Lei Maior de conceder à sociedade brasileira a proteção dos seus direitos com o respeito às garantias individuais, principalmente, com “dignidade à pessoa humana”, conforme previsto no artigo 1º, inciso III, é que algumas interpretações no Direito Brasileiro estão sendo aclaradas com o passar do tempo.

Consoante o exposto, dispõe Sérgio Savi: “Se a Constituição Federal estabelece que a reparação deve ser justa, eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem. Negar a indenização nestes casos equivaleria a infringência dos postulados do pós-positivismo como a hermenêutica principiológica, a força normativa da Constituição Federal e a necessidade de releitura dos institutos tradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional.”

 

No mesmo sentido, as palavras certeiras de Rafael Peteffi da Silva: “o novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificou o eixo da responsabilidade civil, que passou a não considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada. Essa nova perspectiva correspondente à aspiração da sociedade atual no sentido de que a reparação proporcionada às pessoas seja a mais abrangente possível.” Percebe-se, assim, que Constituição da República de 1988 promoveu uma verdadeira criação dogmática, influenciando, sobremaneira, a formulação dos institutos do Direito Civil.

 

Apesar da ausência de expressa disposição legal sobre a perda de uma chance, a Constituição Federal, nos artigos , inciso III, inciso I e também o 5º, incisos V e X, consagra ao Direito da Responsabilidade Civil situações merecedoras da tutela do Estado, principalmente no reconhecimento de novos institutos jurídicos. Sem perder de vista que “o estudo da matéria contribui para melhor compreensão da extensão dos danos, bem como de suas espécies de aplicação e ampla a margem de satisfazer pretensões de maneira mais completa, minimizando danos”, a perda de uma chance é tão relevante quanto às demais e, por isso, merece ampla reparação.

 

Diante disso, como Código Civil de 2002 utilizou-se de um conceito amplo de dano (cláusula aberta) não impedindo, nem restringindo, que ocorram interpretações extensivas na responsabilidade civil, a perda de uma chance também é derivada do “caput” do artigo 927 do Código Civil de 2002, consagrando que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, presumindo-se, portanto, que “todo” e “qualquer” tipo de dano mereça a devida reparação.

 

Ao contrário do preceito acima que não aponta para qual o dano abarcado (considera-se, assim, o dano material, moral, estético e perda da chance), o disposto no artigo 186 do Código Civil de 2002 apenas ressalta que existe violação ao direito ainda que o dano seja exclusivamente moral, senão vejamos in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

 

Na toada da incidência do Código Civil de 2002 para fundamentação legal da perda de uma chance, o Ministro do STJ Ricardo Villas Boas Cueva, em 20/08/2019, ponderou no Recurso Especial nº 1.757.936/SP que “a reparação dos danos pela perda de uma chance encontra fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, que estabelecem, respectivamente, uma cláusula geral de responsabilidade civil, utilizando um conceito amplo de dano, e o dever de reparar como consequência da prática de ato ilícito. Assim, ao adotar essa técnica legislativa, os danos passíveis de reparação não são apenas aqueles enumerados pelo legislador, a exemplo dos incisos I e II do artigo 948 do CC/2002, podendo abranger também a chance perdida, desde que estejam comprovados a prática do ato lesivo e o nexo causal entre a conduta do ofensor e a perda da chance.”

 

E com base no critério da extensão do dano prevista no artigo 944 do Código Civil de 2002 no sentido de que “A indenização mede-se pela extensão do dano”, inexiste qualquer óbice legal para a apuração, mensuração e arbitramento da indenização pela perda de uma chance. Nessa toada, explica Sérgio Savi que “o princípio da reparação integral dos danos, consagrado no artigo 944 do CC/2002, reforça a necessidade de reparação pelas chances perdidas, pois tem por objetivo proteger a vítima, colocando-a na mesma posição em que ela estaria caso não tivesse sofrido o dano considerado injusto pelo ordenamento jurídico.”

 

Entrementes, imperioso mencionar que a V Jornada de Direito Civil, realizada em maio de 2.002, com a coordenadoria do Ministro aposentado do STJ, Ruy Rosado de Aguiar, editou o Enunciado 444, de autoria de Rafael Peteffi da Silva, com a seguinte redação: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.” Na justificativa para elaboração do Enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil estão as seguintes considerações:

 

“Há consenso, entre as publicações que se aprofundam sobre o tema, que a chance perdida pode apresentar natureza jurídica de dano extrapatrimonial ou de dano patrimonial, conforme as circunstâncias do caso concreto. Essas publicações demoram-se em afastar a equivocada noção de chance perdida como subespécie de dano moral, uma vez que a teoria da perda de uma chance pode albergar danos de natureza patrimonial como de natureza extrapatrimonial. Nesse sentido, exemplificativamente, Sergio Savi, de onde se extrai a seguinte passagem, fundamentada na doutrina francesa, inglesa e norte-americana [...] se a perda da vantagem esperada representa um dano moral, a perda das chances também será um prejuízo extrapatrimonial, o mesmo acontecendo com o dano material, se este for a categoria na qual se encaixe o prejuízo derradeiro. Na jurisprudência brasileira, apesar de muitas decisões cometerem o equívoco de considerar a chance perdida como uma categoria de natureza exclusivamente extrapatrimonial, recentes julgados admitem a sua dupla natureza jurídica. Algumas das últimas decisões do STJ são expressas em afirmar a cambiante natureza jurídica da chance perdida, dependendo das circunstâncias do caso concreto.”

 

Em conclusão, está descrito que “A proposição ora apresentada tem por finalidade incorporar no ordenamento jurídico nacional a teoria da perda de uma chance, já pacificamente aceita na doutrina e na jurisprudência.” No projeto de lei enviado ao Congresso Nacional para aprovação da perda de uma chance possui a seguinte proposta de alteração ao Código Civil de 2002: “Art. 1º: Acrescente-se ao art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os seguintes parágrafos, renumerando-se os demais: ‘Art. 927............................................ § 2º A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais. § 3º A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.’” Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

 

Em linhas gerais, constata-se que a perda de uma chance, num futuro próximo, será agregada ao ordenamento jurídico pátrio como, por exemplo, ocorreu com o dano estético, que tornou-se autônomo e independente pelo Judiciário brasileiro após a edição, em 01/09/2009, da Súmula 387 do STJ, prevendo que “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”

 

Acresce-se que, antes mesmo da polêmica de parte da doutrina e da jurisprudência em relação à independência e autonomia dos danos estético e moral (Súmula 387 do STJ), havia também debates sobre o mesmo critério entre os danos moral e material, ocorrendo sua pacificação somente com a publicação, em 17/03/1992, da Súmula 37 do STJ, estabelecendo que “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

 

Portanto, muito embora ainda inexista qualquer previsão legal específica para conceituar a perda de uma chance, sua aplicação no Direito Brasileiro, que data desde 2005, acredita-se que não tardará até que ganhe abrigo na legislação pátria, seja por meio de lei, seja pela edição de Súmula no Superior Tribunal de Justiça, como ocorreram com as Súmulas 37 e 387 do STJ.

 

Na hierarquia das leis (artigo 59 da Constituição Federal) encontra-se em primeiro lugar a Constituição Federal, de maneira que por esta começará a análise da perda de uma chance. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante consagra a Constituição Federal de 1988, está o de construir uma sociedade livre, “justa” e solidária, conforme artigo , inciso I. (Bruno Oliva intitulada “Da perda de uma chance” ainda a espera de uma previsão legal, publicada no site Jusbrasil.com.br. junho/2020, Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

 

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

 

No iluminar de Francisco Eduardo Loureiro o artigo em exame, especialmente seu parágrafo único, introduz relevante novidade em nosso ordenamento jurídico, consagrando exceção ao princípio superfícies solo cedit. Trata-se, sem dúvida, da mais importante alteração introduzida no capítulo das acessões, como adiante veremos. O caput do artigo trata do caso daquele que edifica ou planta em terreno alheio, com materiais ou sementes próprias. Hipótese diversa, portanto, da estudada no CC 1.254, no qual havia construção feita em terreno próprio, mas com materiais ou sementes alheios. Traça o legislador a regra geral de o construtor ou plantador perder o que plantou ou construiu a favor do proprietário do solo, mas ter direito à indenização, se agiu de boa-fé. Visa a reparação a evitar o enriquecimento sem causa do proprietário do solo, que terá incorporadas as acessões, em desfavor do construtor ou plantador, que as perderá. É intuitivo que para construir ou plantar em terreno alheio deve-se ter a posse do prédio. O preceito alcança todas as classificações da posse, desde que cumpra o requisito da boa-fé subjetiva, entendida como ignorância ou desconhecimento do vício que a afeta. Assim, terá direito à indenização o possuidor direto, com posse ad interdicta ou ad usucapionem, e até mesmo o possuidor com posse injusta, desde que desconheça o vício.

 

Não diz a lei, mas por analogia se aplicam as regras relativas à indenização das benfeitorias úteis, de modo que, além da indenização, terá o construtor ou plantador de boa-fé direito de retenção, permanecendo com a coisa até o recebimento do crédito, consoante tranquilo entendimento dos nossos tribunais. Nesse sentido o Enunciado n. 81 do Conselho de Estudos Judiciários do Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: “O direito de retenção previsto no CC 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações), nas mesmas circunstâncias”. No que se refere à oportunidade e modo de exercício do direito de retenção, se remete o leitor ao comentário ao CC 1.219 do Código Civil, que aqui se aplica.

 

Diz a parte final do caput do CC 1.255 que o construtor e plantador de boa-fé terão direito à indenização pelas acessões perdidas para o dono do solo, mas não quantifica seu valor. Aplica-se o disposto na parte final do CC 1.222, que assegura ao possuidor de boa-fé a indenização pelo “ valor atual”. Repete-se o que foi dito no comentário àquele artigo. Indeniza-se o valor das acessões, no estado em que se encontram, no momento da devolução do prédio. Leva-se em conta, portanto, o desgaste e a depreciação da acessão, assim como o decréscimo de sua utilidade, para aferir seu valor atual, pouco importando se o possuidor gastou mais ou menos para fazê-las. A regra tem lógica: de um lado, não deve o dono do solo pagar mais do que recebeu; de outro lado, porém, se o custo para fazer a benfeitoria ou acessão foi inferior a seu valor atual, é justo receber o construtor/plantador de boa-fé a diferença, pois corresponde àquilo que enriqueceu o dono do solo. É relevante saber o exato momento em que cessou a boa-fé do construtor/plantador, marco divisor do direito à percepção de indenização das acessões erigidas até aquela data. Não é relevante o fato da acessão ser regular ou irregular, na esfera administrativa. Ainda que não aprovada por autoridade administrativa, tem a construção valor, embora sofra alguma depreciação. Assim, ainda que o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/89, reze que nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis loteados não serão indenizadas as benfeitorias (caso se estenda o preceito às acessões), mesmo feitas em desconformidade com o contrato ou com a lei, não significa que obras não aprovadas sejam perdidas sem qualquer indenização.

 

O construtor/plantador de má-fé, além de perder a construção ou plantação a favor do dono do solo, não tem direito à indenização. Embora não repita o atual CC 1.255 o contido na parte final do art. 547 do revogado Código Civil, está claro que também responde por eventuais perdas e danos, além de ser obrigado a repor o prédio no estado anterior, se assim desejar o dono do solo, em vez de se apropriar da construção ou plantação.

 

A principal novidade do preceito se encontra no parágrafo único do CC 1.255, que inverte um paradigma milenar, de o solo ser o principal e a construção/plantação o acessório. Atende a regra à cláusula geral da função social da propriedade, conferindo ao construtor/plantador de boa-fé, que deu destinação econômica e social ao prédio, sobre ele consolidar a propriedade, indenizando o dono do solo, que permaneceu inerte, não utilizando o que era seu. O direito assegurado ao construtor/plantador está subordinado a dois requisitos cumulativos: a boa-fé e o valor consideravelmente superior da construção/plantação, em relação ao solo.

 

Na expressão de Nelson Rosenvald, trata-se de acessão inversa, na qual a construção ou plantação são os bens principais e o solo é acessório (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 93). O critério é econômico e exige que o valor da acessão supere consideravelmente o valor do terreno. Usou o legislador propositalmente termo indeterminado - consideravelmente - conferindo maior poder ao juiz, para, no caso concreto, aferir a disparidade de valores entre o solo e a acessão. Deve-se levar em conta, dentro do parâmetro econômico primário fixado pelo legislador, a natureza da utilização do imóvel, a relevância dos investimentos e a função social que o construtor/plantador deu ao prédio.

 

Na falta de consenso entre as partes, será fixada a indenização pelo juiz, levando em conta, como é óbvio, o valor do solo sem as acessões erigidas por terceiro de boa-fé. O direito potestativo do construtor/plantador pode ser agitado em ação própria ou como exceção em demanda reivindicatória ou possessória. Contra o pagamento do valor fixado judicialmente, será o imóvel transferido ao construtor/plantador, servindo a sentença como título derivado para o registro imobiliário. Cuida-se de mais uma modalidade de alienação compulsória do proprietário que deixou de dar função social à propriedade, ao possuidor que a deu, tal como previsto no CC 1.228, § 4º, do Código Civil de 2002.

 

Embora não preveja a lei, também o proprietário do solo, onde foi construída a acessão inversa de boa-fé, tem o direito de postular a aquisição compulsória do terreno pelo construtor ou plantador. Basta lembrar a hipótese do valor das acessões de boa-fé, com direito de retenção, superar em muito o valor do terreno, e o proprietário não dispuser de recursos para a indenização. Parece sensato que para resolver o impasse, em vez de indenizar as acessões, prefira perder o terreno e receber o seu valor correspondente em dinheiro. A figura da acessão inversa se aplica exclusivamente à propriedade privada, pois a propriedade pública, para efeito de alienação, deve ser previamente desafetada. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.262-63. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sob o enfoque do Deputado Ricardo Fiuza, em sua Doutrina, o caput do artigo é mera repetição do Art. 547 do Código Civil de 1916, contudo o seu parágrafo único traz inovação, permitindo que aquele que construiu de boa-fé no terreno de outrem adquira sua propriedade, desde que pague indenização ao proprietário, cujo valor será fixado judicialmente ou por acordo. O legislador, com esta regra, quis evitar o enriquecimento sem justa causa do possuidor (nesse sentido v. artigo de Carlos Alberto Dabus Maluf intitulado Benfeitoria não se confunde com acessão, O Estado de S. Paulo, de 18-1-1991, e RT, 692/201).

 

Estende-se o comentário de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, que, se o dono de sementes ou materiais planta ou constrói em terreno alheio, perderá estas em proveito do dono do imóvel. Se estiver de boa-fé, terá direito ao ressarcimento. Nesta última hipótese, caso o valor das plantações ou construções exceda consideravelmente o valor do imóvel, estando de boa-fé, adquirirá o dono dos materiais a propriedade do solo.

 

O parágrafo único do CC 1.255 inova ao traduzir uma verdadeira inversão, no sentido de que o solo deixa de ser o principal e passa a ser acessório (Mário, 2004, p. 133). Destarte, se não houver acordo entre as partes, o juiz fixará o pagamento da indenização corresponde ao imóvel, outorgando, posteriormente, sua propriedade ao dono das plantações ou construções realizadas. Trata-se, como visto, de uma modalidade de desapropriação judicial que exige: a) a valorização das construções ou plantações em patamares superiores ao do imóvel; b) a comprovação de boa-fé do dono das plantações ou construções. O juiz tem ampla discricionariedade para analisar, com base em dados técnicos, os bens em questão. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 05.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.256. Se de ambas as partes houver má-fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões.

 

Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua.

 

Recordando com Francisco Eduardo Loureiro o Código Civil de 1916 tinha regra similar no art. 548. Foi a redação do preceito aperfeiçoada, substituindo-se o termo “valor das benfeitorias” por “valor das acessões”, eliminando qualquer dúvida a respeito do objeto da indenização. O artigo anterior disciplinou hipóteses nas quais o dono do solo está de boa-fé, variando apenas a boa-fé ou a má-fé do construtor/plantador. Agora trata o legislador do caso em que tanto o construtor/plantador como o dono do solo estão de má-fé, de modo que não há razão para tutelar o interesse de qualquer deles, em detrimento do outro. A solução dada foi a do dono do solo se apropriar das acessões, que se incorporam ao prédio, mas em contrapartida indenizar o seu valor ao construtor/plantador, evitando, assim, o enriquecimento sem causa de qualquer das partes. No que se refere ao valor da indenização, aplica-se por analogia o disposto na parte final do CC 1.222 do Código Civil de 2002: a indenização se faz pelo valor atual da acessão, evitando vantagem a qualquer das partes maliciosas. O parágrafo único do artigo em exame trata da presunção de má-fé do proprietário do solo, quando a construção ou plantação se fez em sua presença e sem impugnação. Na lição de Carvalho Santos, “ não precisa o construtor ou o plantador provar a má-fé do dominus soli, bastando que ele prove: a) que o proprietário estivera presente ao serviço de plantação ou construção; b) que a ele não fez oposição” (Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 422). Nada impede, porém, que o construtor/plantador faça a seu cargo prova por outros meios de que o dono do solo tinha ciência do levantamento das acessões e a elas não se opôs, apesar de não se achar presente. A presunção de má-fé que emana da presença do dono do solo é relativa e pode ser elidida por circunstâncias e provas em sentido contrário, como, por exemplo, convenção entre as partes de que as acessões não seriam indenizadas, ou de que o seu custo já se achava embutido na equação econômica do contrato. Finalmente, a presunção de má-fé do dono do solo presente exige também o requisito da falta de impugnação, pois, se reclamou, o risco passa a ser inteiramente do construtor/plantador. A impugnação pode ser judicial ou extrajudicial, comprovável por documentos, notificações ou testemunhas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.257-58. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em síntese, a redação de Ricardo Fiuza, cuida o artigo da hipótese de ter ocorrido má-fé tanto por parte do causotor ou plantador como por parte do proprietário, presumindo-se a má-fé deste se a construção ou lavoura se deu em sua presença, sem oposição. É idêntico ao art. 548 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário.

 

Escreve Alexandre Ferreira, em 21/10/2003, no site www.direitonet.com.br, Estudos sobre as diversas formas de aquisição da propriedade móvel, como acessão e usucapião. Adquire-se a propriedade de forma originária e derivada:

Originária – Quando desvinculada de qualquer relação com titular anterior, não existindo relação jurídica de transmissão. A maioria da doutrina, entende também como originária a aquisição por usucapião e acessão natural, formas de aquisição que vistas adiante. Derivada – Ocorre quando há relação jurídica com o antecessor. Existe transmissão da propriedade de um sujeito a outro. A regra fundamental dessa modalidade é que ninguém pode transferir mais direitos do que tem “ nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet” . Existe transmissão derivada tanto por inter vivos como mortis causa, Nesta última, o fato da morte faz com que o patrimônio do falecido transfira-se a herdeiros. (Princípio da Saisine).

 

Da Aquisição por registro do título: Elencada nos CC 1.245, 1.246 e 1.247 a aquisição da propriedade imóvel pelo registro do título é a transferência entre vivos da propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis competente. Enquanto não se registrar o título, que deve ser público, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. O registro torna-se eficaz no momento da apresentação do título ao oficial do registro e assim que este prenotar no protocolo que é a chave do registro geral. O CC 1.247, traz a possibilidade de cancelamento de registro caso este não exprima a verdade. Cancelado o registro cabe ação de reivindicação de imóvel independente de boa fé ou justo título. (Direito de Sequela). Devem ser igualmente registradas as sentenças proferidas em ações divisórias, inventários, partilhas, as sentenças que adjucarem bens de raiz em pagamentos de dividas de herança, as sentenças de separação, nulidade e anulação de casamento quando houver imóveis na partilha e sentença proferia em ação de usucapião bem como qualquer sentença, transitada em julgado, que transmita, total ou parcialmente a propriedade de um bem imóvel. Como já foram vistos nos artigos comentados anteriormente.

 

Se o semeador, plantador ou construtor agiu de má fé, poderá ser constrangido a repor as coisas no estado em que se estavam e a pagar pelos prejuízos, No entanto se ambos estão de má fé o CC 1256 determina que o proprietário adquira os acréscimos e pague o valor das acessões. Presume-se a má fé do proprietário quando este sabia do trabalho de construção ou lavoura e não o impugnou. Locupletando-se a custa de outrem, este adquirirá a propriedade da acessão mas ficará com encargo de indeniza-la ao construtor ou plantador. (Alexandre Ferreira, em 21/10/2003, no site www.direitonet.com.br, Estudos sobre as diversas formas de aquisição da propriedade móvel, Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).