segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.254, 1.255, 1.256 - continua Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações - VARGAS, Paulo S. R

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.254, 1.255, 1.256 - continua

Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações 

- VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.248 ao 1.259) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções III, IV e V

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé.

 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo cm exame nada inovou, em substância, o que continha o art. 546 do Código Civil de 1916. Trata da hipótese do dono do solo plantar ou edificar em terreno próprio, mas utilizando-se de materiais ou plantas alheias. A solução adotada pelo legislador está na aquisição, pelo dono do solo, da propriedade da construção e da plantação, atendendo o princípio superfícies solo cedit e na impossibilidade de se devolver os materiais ou plantas alheios sem fratura ou dano. De outro lado, o proprietário do solo, e agora também das acessões a ele incorporadas, indeniza o valor dos materiais e plantas alheios, para evitar o enriquecimento sem causa. O valor a ser indenizado, segundo Carvalho Santos, é o que os materiais e sementes tinham quando passaram a ser propriedade do dono do solo, ou seja, o momento no qual foram plantados ou empregados na construção, devidamente atualizados, para evitar a depreciação da moeda (Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 404). Não se indeniza, portanto, o valor da obra concluída, nem o da plantação em fase de colheita, mas apenas o que perdeu efetivamente o ex-dono dos materiais e sementes, sem incluir a mais valia que acrescentaram ao dono do solo. É irrelevante, de outro lado, se a construção foi demolida, ou se a plantação se perdeu, pois o risco da perda ou deterioração é do dono da acessão (res perit domino). Se o dono do solo agir de má-fé, pagará também as perdas e danos causados ao dono dos materiais e sementes, cabendo a este último, porém, o ônus de provar os danos emergentes e os lucros cessantes decorrentes do ato ilícito. Finalmente, não mais persiste acesa discussão na doutrina, sobre casos em que ao dono dos materiais era admitida a reivindicação, em vez de singela indenização. Tomem-se como exemplo os casos das sementes e materiais ainda não incorporados ao solo, ou das coisas consideradas imóveis por acessão intelectual, como espelhos, quadros, eletrodomésticos e outros bens móveis intencionalmente destinados à exploração, aformoseamento ou comodidade de um prédio. A figura das pertenças, expressa no art. 93 do Código Civil de 2002, de um lado cria uma unidade econômico-social com a coisa a que elas servem, mas, de outro, garante a possibilidade de destaque do bem principal, podendo ser objeto de relações jurídicas próprias. Parece claro, portanto, que as pertenças, antigas acessões intelectuais, podem ser reivindicadas por seus proprietários, não se incorporando ao prédio, nem constituindo acessões. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.253. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Não acrescenta em nada a doutrina de Fiuza, além do que foi dito acima: Neste artigo está prevista a indenização por perdas e danos na hipótese de o construtor ou plantador ter agido de má-fé. É este dispositivo único ao art. 546 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 647-48, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nas palavras de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o dono do imóvel constrói ou planta com sementes ou material de terceiros, tornar-se-á o dono destas construções ou plantações, com base no preceito de que aquilo que adere ao solo a ele fica incorporado. Se estiver de má-fé, terá de ressarcir o valor, além de eventuais perdas e danos (CC 1.254). Se ambas as partes estiverem de má-fé, o proprietário terá de ressarcir apenas os gastos com a acessão, sem perdas e danos (CC 1.256). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 05.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

A propósito, atente-se para o artigo de Bruno Oliva intitulada “Da perda de uma chance” ainda a espera de uma previsão legal, publicada no site Jusbrasil.com.br. junho/2020. Segundo o autor, a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance no Brasil encontra, há anos, respaldo na doutrina e jurisprudência. A indenização desta espécie de dano na responsabilidade civil é autônoma e independente às existentes, quais sejam: material, moral e estético. Sua aplicação não é unânime, mas acontecerá o mesmo quando havia a divergência entre dano material e dano moral, e posteriormente entre o dano moral e dano estético. Isto porque, como o legislador não atuou para elaboração de uma lei criando a perda de uma chance, o Superior Tribunal de Justiça, assim como quando editou as Súmulas 37 e 387, também poderá criar, no ordenamento jurídico, a aplicação destes institutos.

 

Muito embora inexista, na legislação pátria, previsão legal específica que conceitue a perda de uma chance, esta novel espécie de dano da responsabilização civil tem sido aplicada no Judiciário brasileiro há quase duas décadas. Surgido na França (final do século XIX), foi posteriormente aplicado, no século passado (início do século XX), na Itália, Inglaterra, EUA, assim como em outros países. No Brasil, aplicado desde o ano de 2005 (início do século XXI), possui como fundamentação legal a aplicação, por analogia, de garantias fundamentais e princípios gerais presentes tanto na Constituição Federal de 1998 quanto no Código Civil de 2002. Sendo considerada uma quarta espécie de dano passível de reparação, após o surgimento do dano material, moral e estético, constata-se, numa evolução histórica, a mesmíssima discussão de antigamente entre a autonomia e independência do dano material com o dano moral, sendo pacificada no ano de 1992 com a edição da Súmula 37 do STJ, assim como entre o dano moral e dano estético, sendo resolvida com a edição, em 2009, da Súmula 387 do STJ.

 A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida na França (la perte d'une chance), com posterior aplicação na Inglaterra (loss-ofachance), visando indenizar o evento danoso acarretado pela perda de uma chance de obter um proveito determinado ou ainda de evitar uma perda.

 O precedente mais antigo do mundo, no direito francês, foi o caso apreciado pela Corte de Cassação, em 17 de julho de 1889, que concedeu indenização à perda provocada pela conduta negligente de um oficial ministerial, que impediu o prosseguimento do procedimento e, consequentemente, a possibilidade de ganhar o processo.

Em seguida, um caso inglês de 1911, conhecido como Chaplin V. Hicks, a vítima estava entre as cinquenta finalistas de um concurso de beleza e teve sua chance interrompida, uma vez que o infrator a impediu de participar da última etapa do concurso. Em razão disso, entendeu-se que a vítima teria 25% de chances de ser a vencedora. Como houve divergências sobre esse caso inglês, a perda de uma chance foi objeto de estudo e análise na Itália, na década de 1940, quando Giovani Pacchioni tratou do assunto na obra “Diritto Civile Italiano”, reportando-se aos casos trazidos pelas doutrinas francesa e inglesa.


Por se tratar de uma espécie nova de dano no Direito Brasileiro sua identificação, caracterização e conceituação ainda não estão consagradas na legislação pátria. Considerado por muitos doutrinadores como “leading case no Direito Brasileiro, o julgamento de 08/11/2005, do Recurso Especial nº 788.549/BA, relatado pelo Ministro do STJ Fernando Gonçalves, aplicou-se a teoria da perda de uma chance no caso do "Show do Milhão". Segue o aresto:

 

“Recurso Especial. Indenização. Impropriedade De Pergunta Formulada Em Programa De Televisão. Perda Da Oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.” Neste caso específico, a vítima alegou que a última pergunta do programa foi erroneamente formulada, por isso, perdera a chance de obter o prêmio máximo do jogo, ou seja, um milhão de reais. Isto porque, na última etapa do programa, realizou-se à vítima a pergunta sobre o percentual do território brasileiro que a Constituição Federal reconhecia aos índios, tendo como alternativas: 22%, 2%, 4% ou 10%. Sem saber responder à esta indagação, a vítima desistiu e, assim, recebeu R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), conforme regra do programa. No entanto, como a vítima posteriormente verificou que nenhuma das alternativas encontrava respaldo na Constituição Federal de 1988, ajuizou ação pleiteando o valor integral do prêmio em razão da questão mal formulada, ou seja, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Na primeira instância, a teoria da perda de uma chance foi acolhida, integralmente no valor pleiteado. Após análise do recurso de apelação, o Tribunal de Justiça da Bahia negou provimento ao recurso do infrator, mantendo a sentença. No Superior Tribunal de Justiça, houve provimento em parte do recurso especial interposto pelo infrator, não para afastar a perda de uma chance, mas para reduzir a indenização para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), que representava a probabilidade que a vítima possuía, ou seja, percentual de 25% que representam as quatro perguntas. Entretanto, a despeito de acertadamente ficar reconhecida a teoria da perda de uma chance, entende-se que, “data maxima venia”, seu desfecho no Superior Tribunal de Justiça não ocorreu de modo adequado, pois, ao indenizar a vítima com apenas 25% do valor máximo, considerar-se-ia que uma entre as quatro alternativas estivesse correta, porém, não é isso, na medida em que, se todas as alternativas formuladas no programa estavam incorretas, a reparação deveria ser mantida na integralidade, seja para reparar adequadamente a vítima, seja para aplicar o critério de desestímulo (pedagógico) ao infrator!

 

Fundamentação Legal - Nas palavras do ilustre Professor Flávio Tartuce: “A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida.” Assim acrescenta Gustavo Tepedino: “A ideia de responsabilidade civil relacionava-se, tradicionalmente, com o princípio elementar de que o dano injusto, ou seja, o dano causado pelo descumprimento de dever jurídico deve ser reparado.”

 

Pois bem. A responsabilidade civil consiste na obrigação legal de que cada um tem de reparar o prejuízo causado em decorrência de seu ato (comissivo ou omissivo) perante terceiros, sujeitando-se ao pagamento de uma compensação pecuniária.

 

Na hierarquia das leis (artigo 59 da Constituição Federal) encontra-se em primeiro lugar a Constituição Federal, de maneira que por esta começará a análise da perda de uma chance. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante consagra a Constituição Federal de 1988, está o de construir uma sociedade livre, “justa” e solidária, conforme artigo , inciso I. Diante dessa necessidade trazida pela Lei Maior de conceder à sociedade brasileira a proteção dos seus direitos com o respeito às garantias individuais, principalmente, com “dignidade à pessoa humana”, conforme previsto no artigo 1º, inciso III, é que algumas interpretações no Direito Brasileiro estão sendo aclaradas com o passar do tempo.

Consoante o exposto, dispõe Sérgio Savi: “Se a Constituição Federal estabelece que a reparação deve ser justa, eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem. Negar a indenização nestes casos equivaleria a infringência dos postulados do pós-positivismo como a hermenêutica principiológica, a força normativa da Constituição Federal e a necessidade de releitura dos institutos tradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional.”

 

No mesmo sentido, as palavras certeiras de Rafael Peteffi da Silva: “o novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificou o eixo da responsabilidade civil, que passou a não considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada. Essa nova perspectiva correspondente à aspiração da sociedade atual no sentido de que a reparação proporcionada às pessoas seja a mais abrangente possível.” Percebe-se, assim, que Constituição da República de 1988 promoveu uma verdadeira criação dogmática, influenciando, sobremaneira, a formulação dos institutos do Direito Civil.

 

Apesar da ausência de expressa disposição legal sobre a perda de uma chance, a Constituição Federal, nos artigos , inciso III, inciso I e também o 5º, incisos V e X, consagra ao Direito da Responsabilidade Civil situações merecedoras da tutela do Estado, principalmente no reconhecimento de novos institutos jurídicos. Sem perder de vista que “o estudo da matéria contribui para melhor compreensão da extensão dos danos, bem como de suas espécies de aplicação e ampla a margem de satisfazer pretensões de maneira mais completa, minimizando danos”, a perda de uma chance é tão relevante quanto às demais e, por isso, merece ampla reparação.

 

Diante disso, como Código Civil de 2002 utilizou-se de um conceito amplo de dano (cláusula aberta) não impedindo, nem restringindo, que ocorram interpretações extensivas na responsabilidade civil, a perda de uma chance também é derivada do “caput” do artigo 927 do Código Civil de 2002, consagrando que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, presumindo-se, portanto, que “todo” e “qualquer” tipo de dano mereça a devida reparação.

 

Ao contrário do preceito acima que não aponta para qual o dano abarcado (considera-se, assim, o dano material, moral, estético e perda da chance), o disposto no artigo 186 do Código Civil de 2002 apenas ressalta que existe violação ao direito ainda que o dano seja exclusivamente moral, senão vejamos in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

 

Na toada da incidência do Código Civil de 2002 para fundamentação legal da perda de uma chance, o Ministro do STJ Ricardo Villas Boas Cueva, em 20/08/2019, ponderou no Recurso Especial nº 1.757.936/SP que “a reparação dos danos pela perda de uma chance encontra fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, que estabelecem, respectivamente, uma cláusula geral de responsabilidade civil, utilizando um conceito amplo de dano, e o dever de reparar como consequência da prática de ato ilícito. Assim, ao adotar essa técnica legislativa, os danos passíveis de reparação não são apenas aqueles enumerados pelo legislador, a exemplo dos incisos I e II do artigo 948 do CC/2002, podendo abranger também a chance perdida, desde que estejam comprovados a prática do ato lesivo e o nexo causal entre a conduta do ofensor e a perda da chance.”

 

E com base no critério da extensão do dano prevista no artigo 944 do Código Civil de 2002 no sentido de que “A indenização mede-se pela extensão do dano”, inexiste qualquer óbice legal para a apuração, mensuração e arbitramento da indenização pela perda de uma chance. Nessa toada, explica Sérgio Savi que “o princípio da reparação integral dos danos, consagrado no artigo 944 do CC/2002, reforça a necessidade de reparação pelas chances perdidas, pois tem por objetivo proteger a vítima, colocando-a na mesma posição em que ela estaria caso não tivesse sofrido o dano considerado injusto pelo ordenamento jurídico.”

 

Entrementes, imperioso mencionar que a V Jornada de Direito Civil, realizada em maio de 2.002, com a coordenadoria do Ministro aposentado do STJ, Ruy Rosado de Aguiar, editou o Enunciado 444, de autoria de Rafael Peteffi da Silva, com a seguinte redação: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.” Na justificativa para elaboração do Enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil estão as seguintes considerações:

 

“Há consenso, entre as publicações que se aprofundam sobre o tema, que a chance perdida pode apresentar natureza jurídica de dano extrapatrimonial ou de dano patrimonial, conforme as circunstâncias do caso concreto. Essas publicações demoram-se em afastar a equivocada noção de chance perdida como subespécie de dano moral, uma vez que a teoria da perda de uma chance pode albergar danos de natureza patrimonial como de natureza extrapatrimonial. Nesse sentido, exemplificativamente, Sergio Savi, de onde se extrai a seguinte passagem, fundamentada na doutrina francesa, inglesa e norte-americana [...] se a perda da vantagem esperada representa um dano moral, a perda das chances também será um prejuízo extrapatrimonial, o mesmo acontecendo com o dano material, se este for a categoria na qual se encaixe o prejuízo derradeiro. Na jurisprudência brasileira, apesar de muitas decisões cometerem o equívoco de considerar a chance perdida como uma categoria de natureza exclusivamente extrapatrimonial, recentes julgados admitem a sua dupla natureza jurídica. Algumas das últimas decisões do STJ são expressas em afirmar a cambiante natureza jurídica da chance perdida, dependendo das circunstâncias do caso concreto.”

 

Em conclusão, está descrito que “A proposição ora apresentada tem por finalidade incorporar no ordenamento jurídico nacional a teoria da perda de uma chance, já pacificamente aceita na doutrina e na jurisprudência.” No projeto de lei enviado ao Congresso Nacional para aprovação da perda de uma chance possui a seguinte proposta de alteração ao Código Civil de 2002: “Art. 1º: Acrescente-se ao art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os seguintes parágrafos, renumerando-se os demais: ‘Art. 927............................................ § 2º A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais. § 3º A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.’” Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

 

Em linhas gerais, constata-se que a perda de uma chance, num futuro próximo, será agregada ao ordenamento jurídico pátrio como, por exemplo, ocorreu com o dano estético, que tornou-se autônomo e independente pelo Judiciário brasileiro após a edição, em 01/09/2009, da Súmula 387 do STJ, prevendo que “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”

 

Acresce-se que, antes mesmo da polêmica de parte da doutrina e da jurisprudência em relação à independência e autonomia dos danos estético e moral (Súmula 387 do STJ), havia também debates sobre o mesmo critério entre os danos moral e material, ocorrendo sua pacificação somente com a publicação, em 17/03/1992, da Súmula 37 do STJ, estabelecendo que “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

 

Portanto, muito embora ainda inexista qualquer previsão legal específica para conceituar a perda de uma chance, sua aplicação no Direito Brasileiro, que data desde 2005, acredita-se que não tardará até que ganhe abrigo na legislação pátria, seja por meio de lei, seja pela edição de Súmula no Superior Tribunal de Justiça, como ocorreram com as Súmulas 37 e 387 do STJ.

 

Na hierarquia das leis (artigo 59 da Constituição Federal) encontra-se em primeiro lugar a Constituição Federal, de maneira que por esta começará a análise da perda de uma chance. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante consagra a Constituição Federal de 1988, está o de construir uma sociedade livre, “justa” e solidária, conforme artigo , inciso I. (Bruno Oliva intitulada “Da perda de uma chance” ainda a espera de uma previsão legal, publicada no site Jusbrasil.com.br. junho/2020, Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

 

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

 

No iluminar de Francisco Eduardo Loureiro o artigo em exame, especialmente seu parágrafo único, introduz relevante novidade em nosso ordenamento jurídico, consagrando exceção ao princípio superfícies solo cedit. Trata-se, sem dúvida, da mais importante alteração introduzida no capítulo das acessões, como adiante veremos. O caput do artigo trata do caso daquele que edifica ou planta em terreno alheio, com materiais ou sementes próprias. Hipótese diversa, portanto, da estudada no CC 1.254, no qual havia construção feita em terreno próprio, mas com materiais ou sementes alheios. Traça o legislador a regra geral de o construtor ou plantador perder o que plantou ou construiu a favor do proprietário do solo, mas ter direito à indenização, se agiu de boa-fé. Visa a reparação a evitar o enriquecimento sem causa do proprietário do solo, que terá incorporadas as acessões, em desfavor do construtor ou plantador, que as perderá. É intuitivo que para construir ou plantar em terreno alheio deve-se ter a posse do prédio. O preceito alcança todas as classificações da posse, desde que cumpra o requisito da boa-fé subjetiva, entendida como ignorância ou desconhecimento do vício que a afeta. Assim, terá direito à indenização o possuidor direto, com posse ad interdicta ou ad usucapionem, e até mesmo o possuidor com posse injusta, desde que desconheça o vício.

 

Não diz a lei, mas por analogia se aplicam as regras relativas à indenização das benfeitorias úteis, de modo que, além da indenização, terá o construtor ou plantador de boa-fé direito de retenção, permanecendo com a coisa até o recebimento do crédito, consoante tranquilo entendimento dos nossos tribunais. Nesse sentido o Enunciado n. 81 do Conselho de Estudos Judiciários do Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: “O direito de retenção previsto no CC 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações), nas mesmas circunstâncias”. No que se refere à oportunidade e modo de exercício do direito de retenção, se remete o leitor ao comentário ao CC 1.219 do Código Civil, que aqui se aplica.

 

Diz a parte final do caput do CC 1.255 que o construtor e plantador de boa-fé terão direito à indenização pelas acessões perdidas para o dono do solo, mas não quantifica seu valor. Aplica-se o disposto na parte final do CC 1.222, que assegura ao possuidor de boa-fé a indenização pelo “ valor atual”. Repete-se o que foi dito no comentário àquele artigo. Indeniza-se o valor das acessões, no estado em que se encontram, no momento da devolução do prédio. Leva-se em conta, portanto, o desgaste e a depreciação da acessão, assim como o decréscimo de sua utilidade, para aferir seu valor atual, pouco importando se o possuidor gastou mais ou menos para fazê-las. A regra tem lógica: de um lado, não deve o dono do solo pagar mais do que recebeu; de outro lado, porém, se o custo para fazer a benfeitoria ou acessão foi inferior a seu valor atual, é justo receber o construtor/plantador de boa-fé a diferença, pois corresponde àquilo que enriqueceu o dono do solo. É relevante saber o exato momento em que cessou a boa-fé do construtor/plantador, marco divisor do direito à percepção de indenização das acessões erigidas até aquela data. Não é relevante o fato da acessão ser regular ou irregular, na esfera administrativa. Ainda que não aprovada por autoridade administrativa, tem a construção valor, embora sofra alguma depreciação. Assim, ainda que o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/89, reze que nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis loteados não serão indenizadas as benfeitorias (caso se estenda o preceito às acessões), mesmo feitas em desconformidade com o contrato ou com a lei, não significa que obras não aprovadas sejam perdidas sem qualquer indenização.

 

O construtor/plantador de má-fé, além de perder a construção ou plantação a favor do dono do solo, não tem direito à indenização. Embora não repita o atual CC 1.255 o contido na parte final do art. 547 do revogado Código Civil, está claro que também responde por eventuais perdas e danos, além de ser obrigado a repor o prédio no estado anterior, se assim desejar o dono do solo, em vez de se apropriar da construção ou plantação.

 

A principal novidade do preceito se encontra no parágrafo único do CC 1.255, que inverte um paradigma milenar, de o solo ser o principal e a construção/plantação o acessório. Atende a regra à cláusula geral da função social da propriedade, conferindo ao construtor/plantador de boa-fé, que deu destinação econômica e social ao prédio, sobre ele consolidar a propriedade, indenizando o dono do solo, que permaneceu inerte, não utilizando o que era seu. O direito assegurado ao construtor/plantador está subordinado a dois requisitos cumulativos: a boa-fé e o valor consideravelmente superior da construção/plantação, em relação ao solo.

 

Na expressão de Nelson Rosenvald, trata-se de acessão inversa, na qual a construção ou plantação são os bens principais e o solo é acessório (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 93). O critério é econômico e exige que o valor da acessão supere consideravelmente o valor do terreno. Usou o legislador propositalmente termo indeterminado - consideravelmente - conferindo maior poder ao juiz, para, no caso concreto, aferir a disparidade de valores entre o solo e a acessão. Deve-se levar em conta, dentro do parâmetro econômico primário fixado pelo legislador, a natureza da utilização do imóvel, a relevância dos investimentos e a função social que o construtor/plantador deu ao prédio.

 

Na falta de consenso entre as partes, será fixada a indenização pelo juiz, levando em conta, como é óbvio, o valor do solo sem as acessões erigidas por terceiro de boa-fé. O direito potestativo do construtor/plantador pode ser agitado em ação própria ou como exceção em demanda reivindicatória ou possessória. Contra o pagamento do valor fixado judicialmente, será o imóvel transferido ao construtor/plantador, servindo a sentença como título derivado para o registro imobiliário. Cuida-se de mais uma modalidade de alienação compulsória do proprietário que deixou de dar função social à propriedade, ao possuidor que a deu, tal como previsto no CC 1.228, § 4º, do Código Civil de 2002.

 

Embora não preveja a lei, também o proprietário do solo, onde foi construída a acessão inversa de boa-fé, tem o direito de postular a aquisição compulsória do terreno pelo construtor ou plantador. Basta lembrar a hipótese do valor das acessões de boa-fé, com direito de retenção, superar em muito o valor do terreno, e o proprietário não dispuser de recursos para a indenização. Parece sensato que para resolver o impasse, em vez de indenizar as acessões, prefira perder o terreno e receber o seu valor correspondente em dinheiro. A figura da acessão inversa se aplica exclusivamente à propriedade privada, pois a propriedade pública, para efeito de alienação, deve ser previamente desafetada. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.262-63. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sob o enfoque do Deputado Ricardo Fiuza, em sua Doutrina, o caput do artigo é mera repetição do Art. 547 do Código Civil de 1916, contudo o seu parágrafo único traz inovação, permitindo que aquele que construiu de boa-fé no terreno de outrem adquira sua propriedade, desde que pague indenização ao proprietário, cujo valor será fixado judicialmente ou por acordo. O legislador, com esta regra, quis evitar o enriquecimento sem justa causa do possuidor (nesse sentido v. artigo de Carlos Alberto Dabus Maluf intitulado Benfeitoria não se confunde com acessão, O Estado de S. Paulo, de 18-1-1991, e RT, 692/201).

 

Estende-se o comentário de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, que, se o dono de sementes ou materiais planta ou constrói em terreno alheio, perderá estas em proveito do dono do imóvel. Se estiver de boa-fé, terá direito ao ressarcimento. Nesta última hipótese, caso o valor das plantações ou construções exceda consideravelmente o valor do imóvel, estando de boa-fé, adquirirá o dono dos materiais a propriedade do solo.

 

O parágrafo único do CC 1.255 inova ao traduzir uma verdadeira inversão, no sentido de que o solo deixa de ser o principal e passa a ser acessório (Mário, 2004, p. 133). Destarte, se não houver acordo entre as partes, o juiz fixará o pagamento da indenização corresponde ao imóvel, outorgando, posteriormente, sua propriedade ao dono das plantações ou construções realizadas. Trata-se, como visto, de uma modalidade de desapropriação judicial que exige: a) a valorização das construções ou plantações em patamares superiores ao do imóvel; b) a comprovação de boa-fé do dono das plantações ou construções. O juiz tem ampla discricionariedade para analisar, com base em dados técnicos, os bens em questão. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 05.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.256. Se de ambas as partes houver má-fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões.

 

Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua.

 

Recordando com Francisco Eduardo Loureiro o Código Civil de 1916 tinha regra similar no art. 548. Foi a redação do preceito aperfeiçoada, substituindo-se o termo “valor das benfeitorias” por “valor das acessões”, eliminando qualquer dúvida a respeito do objeto da indenização. O artigo anterior disciplinou hipóteses nas quais o dono do solo está de boa-fé, variando apenas a boa-fé ou a má-fé do construtor/plantador. Agora trata o legislador do caso em que tanto o construtor/plantador como o dono do solo estão de má-fé, de modo que não há razão para tutelar o interesse de qualquer deles, em detrimento do outro. A solução dada foi a do dono do solo se apropriar das acessões, que se incorporam ao prédio, mas em contrapartida indenizar o seu valor ao construtor/plantador, evitando, assim, o enriquecimento sem causa de qualquer das partes. No que se refere ao valor da indenização, aplica-se por analogia o disposto na parte final do CC 1.222 do Código Civil de 2002: a indenização se faz pelo valor atual da acessão, evitando vantagem a qualquer das partes maliciosas. O parágrafo único do artigo em exame trata da presunção de má-fé do proprietário do solo, quando a construção ou plantação se fez em sua presença e sem impugnação. Na lição de Carvalho Santos, “ não precisa o construtor ou o plantador provar a má-fé do dominus soli, bastando que ele prove: a) que o proprietário estivera presente ao serviço de plantação ou construção; b) que a ele não fez oposição” (Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 422). Nada impede, porém, que o construtor/plantador faça a seu cargo prova por outros meios de que o dono do solo tinha ciência do levantamento das acessões e a elas não se opôs, apesar de não se achar presente. A presunção de má-fé que emana da presença do dono do solo é relativa e pode ser elidida por circunstâncias e provas em sentido contrário, como, por exemplo, convenção entre as partes de que as acessões não seriam indenizadas, ou de que o seu custo já se achava embutido na equação econômica do contrato. Finalmente, a presunção de má-fé do dono do solo presente exige também o requisito da falta de impugnação, pois, se reclamou, o risco passa a ser inteiramente do construtor/plantador. A impugnação pode ser judicial ou extrajudicial, comprovável por documentos, notificações ou testemunhas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.257-58. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em síntese, a redação de Ricardo Fiuza, cuida o artigo da hipótese de ter ocorrido má-fé tanto por parte do causotor ou plantador como por parte do proprietário, presumindo-se a má-fé deste se a construção ou lavoura se deu em sua presença, sem oposição. É idêntico ao art. 548 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário.

 

Escreve Alexandre Ferreira, em 21/10/2003, no site www.direitonet.com.br, Estudos sobre as diversas formas de aquisição da propriedade móvel, como acessão e usucapião. Adquire-se a propriedade de forma originária e derivada:

Originária – Quando desvinculada de qualquer relação com titular anterior, não existindo relação jurídica de transmissão. A maioria da doutrina, entende também como originária a aquisição por usucapião e acessão natural, formas de aquisição que vistas adiante. Derivada – Ocorre quando há relação jurídica com o antecessor. Existe transmissão da propriedade de um sujeito a outro. A regra fundamental dessa modalidade é que ninguém pode transferir mais direitos do que tem “ nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet” . Existe transmissão derivada tanto por inter vivos como mortis causa, Nesta última, o fato da morte faz com que o patrimônio do falecido transfira-se a herdeiros. (Princípio da Saisine).

 

Da Aquisição por registro do título: Elencada nos CC 1.245, 1.246 e 1.247 a aquisição da propriedade imóvel pelo registro do título é a transferência entre vivos da propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis competente. Enquanto não se registrar o título, que deve ser público, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. O registro torna-se eficaz no momento da apresentação do título ao oficial do registro e assim que este prenotar no protocolo que é a chave do registro geral. O CC 1.247, traz a possibilidade de cancelamento de registro caso este não exprima a verdade. Cancelado o registro cabe ação de reivindicação de imóvel independente de boa fé ou justo título. (Direito de Sequela). Devem ser igualmente registradas as sentenças proferidas em ações divisórias, inventários, partilhas, as sentenças que adjucarem bens de raiz em pagamentos de dividas de herança, as sentenças de separação, nulidade e anulação de casamento quando houver imóveis na partilha e sentença proferia em ação de usucapião bem como qualquer sentença, transitada em julgado, que transmita, total ou parcialmente a propriedade de um bem imóvel. Como já foram vistos nos artigos comentados anteriormente.

 

Se o semeador, plantador ou construtor agiu de má fé, poderá ser constrangido a repor as coisas no estado em que se estavam e a pagar pelos prejuízos, No entanto se ambos estão de má fé o CC 1256 determina que o proprietário adquira os acréscimos e pague o valor das acessões. Presume-se a má fé do proprietário quando este sabia do trabalho de construção ou lavoura e não o impugnou. Locupletando-se a custa de outrem, este adquirirá a propriedade da acessão mas ficará com encargo de indeniza-la ao construtor ou plantador. (Alexandre Ferreira, em 21/10/2003, no site www.direitonet.com.br, Estudos sobre as diversas formas de aquisição da propriedade móvel, Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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