sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.251, 1.252, 1.253 - continua Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.251, 1.252, 1.253 - continua

Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações 

- VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.248 ao 1.259) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções III, IV e V

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Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.

 

Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização , o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.

 

Muito embora na página de Francisco Eduardo Loureiro, é citada a lição de Nelson Rosenvald, avulsão “ é o desprendimento, por força natural, violenta a abrupta, de uma porção de terra que vai se juntar ao terreno de outro proprietário, ocorrendo a consolidação de duas coisas em uma” (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 90). O Código Civil de 2002 disciplina de modo claro o direito potestativo do proprietário do prédio acrescido, de optar entre indenizar o proprietário do prédio desfalcado, ou aquiescer que se remova a porção acrescida. A obrigação de indenizar visa a evitar o enriquecimento sem causa do proprietário do prédio beneficiado, às custas do desfalque de prédio alheio. O proprietário do prédio desfalcado pode apenas pleitear indenização no prazo decadencial de um ano, e apenas no caso de recusa do beneficiado nasce a prerrogativa de pedir a remoção da porção acrescida, retornando as partes ao estado anterior. Decorrido o prazo decadencial sem manifestação do prejudicado, a porção de terra se incorpora definitivamente no prédio acrescido, sem qualquer indenização. Não disciplina a lei hipótese inversa da avulsão causar danos ao prédio acrescido. Não havendo ato imputável ao dono do prédio desfalcado, nenhuma indenização será devida a tal título. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.250. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

A doutrina coerente de Ricardo Fiuza, mostra que Avulsão é o desprendimento de urna porção de terra por força natural violenta. É diferente da aluvião, que pode ser definida como o acréscimo lento e insensível. Ocorrendo a avulsão, com o desprendimento da porção de terreno e sua juntada a outro, se o proprietário do segundo, que veio a adquirir o bloco arrancado do primeiro, indenizá-lo, ou se, no prazo de um ano, este não reclamar, o proprietário do segundo adquirirá a propriedade desse bloco de terreno por acessão. Se não indenizar, a acessão será considerada como não efetuada, e o dono que adquiriu a porção do terreno deverá concordar que essa terra seja removida. O dispositivo é idêntico aos arts. 541 a 543 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 646-47, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nas palavras de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Avulsão diz respeito ao procedimento natural considerado violento e abrupto, de onde uma porção de terra se descola de uma propriedade e adere à outra, contrariamente ao aluvião, que é um processo vagaroso e imperceptível de acessão. Tal se dá quando uma parte de terra se desloca, por conta de chuvas fortes e torrenciais, passando a integrar a propriedade de terceiro, por acessão. É assim, uma forma de aquisição imobiliária causada pela incorporação de porções de terra.

 

Diferentemente de aluvião, a avulsão prevê a obrigação do proprietário beneficiado pela acessão em indenizar aquele que perdeu a porção de terras, tendo este, entretanto, o prazo de um ano para pleiteá-la, sob pena de decadência, conforme o CC 1.521 do Código Civil. Caso haja recusa do primeiro em indenizar, por qualquer motivo, deverá o beneficiado pela acessão concordar que seja removida a parte de terra acrescida, sob pena de enriquecimento indevido, tal é a dicção do parágrafo único do dispositivo acima citado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 02.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.252. Subseção IV – Do álveo abandonado. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.

 

Diz Francisco Eduardo Loureiro que álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto (art. 9º do Código de Águas - Decreto n. 24.643/34). Segue a propriedade do álveo a natureza das águas, públicas ou particulares. Torna-se abandonado quando a corrente seca ou se desvia por fenômeno natural. Disciplina o artigo em exame dois efeitos da mudança do leito das correntes: a quem pertence o álveo abandonado e se o proprietário por onde passa o novo curso do rio faz jus à indenização. O álveo abandonado pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, até o seu eixo médio e na proporção das testadas dos respectivos prédios. Aplica-se o que foi dito no comentário ao CC 1.249, sobre a formação de ilhas. Note-se que não faz o CC 1.252 qualquer distinção entre correntes públicas ou particulares; ao contrário, o art. 26 do Código de Águas explicita que o álveo abandonado de corrente pública pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens. Tratando-se de águas públicas, público será o novo álveo, sem qualquer indenização aos proprietários particulares, mas, em compensação, perde o Poder Público o antigo álveo para os proprietários ribeirinhos. Os proprietários dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, por seu turno, não fazem jus a qualquer indenização, por se tratar de fato natural não imputável a terceiros. Diferente, todavia, é a solução se a mudança de curso da corrente decorreu de obra de utilidade pública, caso no qual, nos termos do art. 27 do Código de Águas, o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado; mas, em contrapartida, o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante. Nesse sentido decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça que “ no caso de mudança de corrente pública pela força das águas ou da natureza, o álveo abandonado é regido pelo art. 26 do Código de Águas. Mas, no caso de mudança da corrente pública por obra do homem, o leito velho, ou álveo abandonado, pertence ao órgão público. Atribui-se a propriedade do leito velho à entidade que, autorizada por lei, abriu o rio para um leito novo. Em tal caso de desvio artificial do leito, a acessão independe de prévio pagamento de indenização. Não é premissa dessa aquisição que o Poder Público indenize previamente o proprietário do novo álveo” (STJ, REsp n. 20.762/SP, rel. Min. Nilson Naves). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.250-51. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Diferentemente do anterior comentário de Francisco Eduardo Loureiro, acima, a doutrina de Ricardo Fiuza, deixa de citar o artigo 26 e 27 do Código de águas, e atem-se ao Álveo definido pelo art. 90 do Código de Águas — Decreto o. 24.643/ 34: “a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto”. O dispositivo é idêntico ao Art. 544 do Código Civil de 1916. devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 646-47, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Código de Águas - Decreto 24643/34 | Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, modificado em Brasília, 10 de abril de 1995; 174º da Independência e 107º da República, pelo então presidente FERNANDO HENRIQUE CARDOSO e seu vice José Serra. Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 11.4.1995 LIVRO I - Águas em geral e sua propriedade - TÍTULO I - Águas, álveo e margens - CAPITULO I - ÁGUAS PÚBLICAS:

 

Art. 26. O álveo abandonado da corrente pública pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham direito a indenização alguma os donos dos terrenos por onde as águas abrigarem novo curso. Ver tópico (243 documentos).

 

Parágrafo único. Retornando o rio ao seu antigo leito, o abandonado volta aos seus antigos donos, salvo a hipótese do artigo seguinte, a não ser que esses donos indenizem ao Estado. Ver tópico (13 documentos).

 

Art. 27. Se a mudança da corrente se fez por utilidade pública, o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado, e o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita. Ver tópico (235 documentos).

 

Art. 28. As disposições deste capítulo são também aplicáveis aos canais, lagos ou lagoas, nos casos semelhantes que ali ocorram, salvo a hipótese do art. 539 do Código Civil. (Disposições buscadas junto ao site Jusbrasil.com.br, para complementação ao disposto no comentário do art. 1.252, à Doutrina de Ricardo Fiuza. Acessado em 02/10/2020 por VD) (Grifo Nosso).

 

No saber de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ocorre o abandono de álveo quando uma corrente de águas, de forma natural, altera seu curso e abandona aquele leito, passando a correr sobre outra superfície de terras, tornando o leito anterior seco. Os proprietários do álveo abandonado adquirem, assim, a propriedade da terra seca, procedendo-se à sua divisão de acordo com a metade do álveo, destinada para cada um dos proprietários ribeirinhos.

 

Ainda que se verifique inundação sobre outras porções de terra, os proprietários do álveo abandonado não são obrigados a indenizar aqueles donos do novo leito, em razão de aquisição por força da natureza, e não da atividade humana. Se a corrente retornar seu curso anterior, a situação jurídica se estabelece como antes ocorria, segundo o art. 26, parágrafo único, do Código de Águas. Não ocorrerá acessão se o leito do rio for desviado por atividade humana, e não por força da natureza. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 02.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.253. Subseção V – Das Construções e Plantações – toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.

 

Acompanhando Francisco Eduardo Loureiro, a subseção em estudo trata da acessão de móvel a imóvel, abrangendo acréscimos naturais ou decorrentes de obra humana. Alude o preceito a construção ou plantação, que são acessões, não se confundindo com benfeitorias. Benfeitorias são obras ou despesas feitas na coisa, com o propósito de conservá-la, embelezá-la ou melhorá-la. São os acréscimos sobrevindos ao bem em virtude de esforço humano. Já as acessões, ora estudadas, são obras novas, criam coisas distintas que aderem ao bem anteriormente existente. A regra maior que rege a matéria é a propriedade do solo compreender a da superfície e as das coisas que a ela acedem - superfícies solo cedit. Cria o preceito em estudo duas presunções: as construções e plantações terem sido feitas pelo dono do solo, e construídas e plantadas às custas do dono do solo. As presunções são relativas - juris tantum - e seguem regra de senso comum, de normalmente o proprietário construir e plantar no que é seu e às próprias expensas. Basta, assim, ao dono do solo, fazer prova da propriedade, para presumir a origem das acessões. Cabe ao adversário destruir a presunção, por qualquer meio de prova, documental ou testemunhal.

 

Na lição de Clóvis, “para que alguém possa alegar direito sobre o que se encontre edificado ou plantado em terreno alheio, há de exigir título hábil” (Beviláqua, Clóvis. Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 148). A demonstração da existência de uma razão jurídica, de um título que justifique a posse sobre coisa alheia, constitui valioso meio de prova da origem das acessões. Mesmo sem título, pode o possuidor usar de qualquer outro meio para demonstrar que edificou ou plantou em terreno alheio. Note-se que não basta demonstrar quem fez a acessão, mas também quem arcou com seu custo, para pleitear eventual indenização em face do dono do solo. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.252. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a Doutrina de Ricardo Fiuza, Está embutida neste artigo a aplicação de dois princípios: ‘a coisa acessória segue a principal” e ‘a propriedade do solo compreende a da superfície” (superfícies solo cedit). O dispositivo é idêntico ao Art. 545 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 647, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Abrilhantando o comentário sobre o artigo, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, consideram-se construções as edificações levantadas num determinado terreno, sendo que estas são tidas como presumidamente feitas pelo próprio dono do imóvel, às suas custas, nos termos do CC 1.253. A mesma regra se aplica às plantações existentes no terreno. Entretanto, tal presunção é relativa, eis que admite prova em contrário. Esta forma de acessão é também conhecida como acessão de móvel a imóvel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 02.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.248, 1.249, 1.250 Da Aquisição por Acessão, Das ilhas, Da Aluvião - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.248, 1.249, 1.250

Da Aquisição por Acessão, Das ilhas, Da Aluvião  - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.248 ao 1.252) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções I e II

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.248. A acessão pode dar-se:

 

I – por formação de ilhas;

II – por aluvião;

III – por avulsão;

IV – por abandono de álveo;

V – por plantações ou construções.

 

Segundo a doutrina de Ricardo Fiuza, Acessão é modo originário de aquisição da propriedade, em razão do qual tudo que se incorpora a um bem fica pertencendo a seu proprietário. Esse instituto é proveniente do direito romano, acessio cedit principal. É esta regra idêntica ao art. 536 do Código Civil de 1916, devendo a ela ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Subseção 1 Das ilhas (*) Houve aqui o acréscimo, como subdivisão da Seção RI do Capítulo II do Título RI, de subseções: Subseção 1— Das ilhas; Subseção II — Da aluvião; Subseção III — Da avulsão; Subseção IV — Do álveo abandonado; Subseção V — Das construções e plantações. A emenda, justificou-se o Senador Josaphat Marinho. “antes das expressões ‘Das ilhas’, ‘Da aluvião’, ‘Da avulsão’, ‘Do álveo abandonado’ e ‘Das construções e plantações’, encimando-as, acrescenta a indicação das respectivas subseções para resguardar a unidade de estilo do Projeto, como se vê, a exemplo, no trato do penhor rural (CC 1.436 e seguintes)”. O Deputado Batochio, relator parcial no período final de tramitação, conquanto considerasse formalmente correta a emenda, opinou pela sua rejeição, por considerar desnecessária a alteração. A posição da relatoria geral foi no sentido da aceitação da emenda, acompanhando, nesse particular, o próprio raciocínio da ilustrada relatoria geral no Senado. Com efeito, se era formalmente benéfica, e nada alterava quanto ao mérito; merecia acolhida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 645, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo orientação de Francisco Eduardo Loureiro, na precisa lição de Clóvis Bevilaqua, “acessão é modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem” (Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 142). O terceiro e último modo de aquisição da propriedade imóvel previsto no Código Civil é reflexo do princípio maior de que o acessório segue o principal. A coisa que adere ao solo e dele não pode ser retirada sem dano ou fratura, incorpora-se e passa a pertencer ao dono do prédio, evitando, assim, a criação de desconfortável situação de condomínio. A questão maior é determinar o acessório e o principal, matéria que ganhou relevo no Código Civil de 2002 como adiante veremos, no comentário ao CC 1.255. Na lição de Serpa Lopes, são requisitos para configuração da acessão: a união entre duas coisas corpóreas distintas; uma das duas coisas ser mais importante do que a outra, utilizando-se o critério econômico; as coisas se encontrarem unidas por um laço material, uma incorporação, por força natural ou do homem; as duas coisas pertencerem a proprietários diversos (Curso de direito civil, 4. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, v. V I, p. 488). Pode a acessão dar-se por fato natural, quando provém exclusivamente da natureza, ou artificial, quando provém de esforço do homem, com ou sem concurso da natureza. Pode, ainda, dar-se pela união de imóvel a imóvel, ou de móvel a imóvel. O artigo em exame elenca as cinco modalidades de aquisição por acessão, destacando sua natureza originária, que não deriva de negócio jurídico causai com o ex proprietário, mas de fato jurídico, ou comportamento ao qual a lei empresta efeitos de aquisição da propriedade. Disso decorre que a aquisição da coisa por acessão independe de seu ingresso no registro imobiliário, que tem efeito apenas publicitário e regularizatório, como se dá, por exemplo, com a averbação de construções. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.255. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No respeitável conhecimento dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Acessão significa o acréscimo de algo sobre o bem imóvel por razões naturais ou humanas, ou seja, é a incorporação de um bem por outro, seja por fenômenos da natureza, como o desvio de um rio, seja pela atuação do individuo, como uma construção. O Código Civil enumera as hipóteses de acessão, como causa de aquisição da propriedade, em seu CC 1.248, a saber: a) por formação de ilhas; b) por aluvião; c) por avulsão; d) por abandono de álveo; e) por plantações ou construções. Nos próximos artigos será discriminado cada item (Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 01.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros observadas as regras seguintes:


I – as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiras de ambas às margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;

 

II – as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiras desse mesmo lado;

 

III – as se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram.

 

Na visão de Ricardo Fiuza, em sua doutrina, o direito às ilhas que se formam no meio do rio ou pelo desdobramento de um novo braço teve seu desenvolvimento nas Institutas de Justiniano (2.1, 22). Aliás, essa matéria já havida sido cuidada pela jurisprudência clássica romana, como se vê em muitos textos do Digesto, entre eles o de Pompônio (41, 1; 30, 2). Os incisos I, II e III deste artigo tratam da formação de ilhas nos leitos dos rios particulares ou não navegáveis, que diferem dos rios públicos, que são os rios navegáveis. Formando-se a ilha no meio do rio, deve ela ser distribuída entre os terrenos ribeirinhos, na proporção de suas testadas, dividindo-se o álveo em duas partes. Na hipótese de a ilha surgir entre a linha central do rio e uma de suas margens, será considerada como acréscimo dos terrenos ribeirinhos fronteiriços, do mesmo lado. Da formação dessa ilha não se aproveitam os proprietários dos terrenos situados no outro lado. Ocorrendo a abertura de um braço do rio na terra, a ilha que daí resultar continuará a ser do proprietário do terreno onde ela se constituiu. • O artigo é idêntico ao art. 537 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 645-46, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Seguindo os ensinamentos de Francisco Eduardo Loureiro, dispõe o art. 20, III, da Constituição Federal, que são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água que banhem mais de um estado, sirvam de limite com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. O art. 26 da Carta Política, por seu turno, reza que são bens dos Estados Federados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, bem como as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União. Vê-se, portanto, a restrita aplicação do artigo em exame, uma vez que a Constituição Federal não mais contempla, ao contrário do que ocorria com o Decreto n. 24.643/34 - Código de Águas -, correntes navegáveis públicas e não navegáveis particulares. Como agora públicas são as correntes, públicas serão as ilhas fluviais que nela se formarem. A única exceção se encontra no inciso III, ou seja, as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um novo braço de rio, às custas de terras particulares, continuam a pertencer aos proprietários originários. Abstraindo a natureza pública das correntes fluviais, pode-se interpretar o preceito sobre novas ilhas, na leitura estrita do Código Civil, de acordo com a precisa lição de Caio Mário da Silva Pereira: “as que se formarem no meio do rio distribuem-se na proporção das testadas dos terrenos ribeirinhos, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais; as que se formarem entre a linha mediana e uma das margens, consideram-se acréscimos dos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado e, obviamente, nada lucram os proprietários situados do lado oposto” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. IV, p. 128). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.246-47 Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, formação de ilhas são porções de terra que podem surgir em leitos de rios ou córregos, que pertencerão ao titular do domínio de onde passam as águas, bastando, pois, que se identifique o dono do bem onde passa a corrente aquática. O CC 1.249 em comento, determina os critérios legais para aferição da propriedade das ilhas surgidas em leitos de rios particulares, traçando-se uma linha divisória sobre o álveo (a superfície dos rios que as águas cobrem), dividindo-o em duas partes iguais, pertencendo cada parte a um proprietário ribeirinho. Assim, a ilha formada pertencerá ao proprietário de acordo com a sua meação estipulada sobre o álveo. Se a ilha se situar nas duas meações, a partilha se fará proporcionalmente. De igual forma, o Código das águas – Decreto n. 24.643/1934 – trata da matéria em toda sua complexidade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 01.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.250. Subseção II – Da Aluvião – Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.

 

Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem.

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Aluvião diz respeito ao acréscimo contínuo e imperceptível oriundo do depósito de porções de terras de outra propriedade, causado, em geral, por desvios de águas. Trata-se de um movimento lento e não perceptível, passando estas porções a integrar o patrimônio do imóvel acrescido não gerando qualquer direito indenizatório àquele tido como prejudicado, por conta da ação exclusiva da natureza.

 

Os acréscimos artificiais não são considerados aluviões, como aqueles aterros feitos pelo indivíduo como acréscimos à propriedade, eis que o Código Civil trata, por seu CC 1.250, de uma modalidade natural de aquisição, sem interferência humana. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 01.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No parecer de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame deu definição e contornos mais precisos à figura da aluvião, que nada mais é do que “todo o acréscimo, sucessivo e imperceptível de terras que o rio anexa naturalmente às suas margens” (Carvalho Santos , J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 366). Equipara-se ao acréscimo gradativo de sedimentos a aluvião imprópria, consistente no desvio natural das águas dos rios, descobrindo terrenos abandonados. Exige o preceito que o acréscimo seja lento, paulatino e que ocorra de modo natural ao longo das correntes. Não constituem aluvião, por consequência, os aterros artificiais, feitos pela mão do homem, que conforma de modo proposital os contornos de sua propriedade. Não veda o Código Civil de 2002, como fazia o art. 539 do Código Civil de 1916, a aluvião por retração das águas dormentes de tanques e lagos, que alguns autores denominam de imprópria. O atual diploma é omisso a respeito, aplicando-se, por consequência, o disposto no art. 16 do Código de Águas, que admite como aluvião “a parte do álveo que se descobrir pelo afastamento das águas”. Note-se que o art. 16, § 1º, do Código de Águas (Decreto n. 24.643/34), em exata consonância com os arts. 20 e 26 da Constituição Federal, reza que os “acréscimos por aluvião, ou artificialmente, se produzirem nas águas públicas ou particulares, são públicos dominiais, se não estiverem destinados ao uso comum, ou se por algum título legítimo não forem do domínio particular”. O que foi dito no comentário ao artigo anterior sobre a formação de ilhas serve para a aluvião, que somente será modo de aquisição da propriedade particular caso se admitam correntes particulares. Admitindo-se a aluvião como modo de aquisição da propriedade particular, aproveita aos proprietários dos terrenos ribeirinhos, na proporção das respectivas testadas de seus prédios, sem obrigação de indenizar quem quer que seja. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.249. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para o entendimento de Ricardo Fiuza e sua doutrina, esse fenômeno da natureza já era conceituado nas Institutas de Justiniano como o acrescentamento insensível que o rio anexa às terras, tão vagarosamente que seria impossível, em dado momento, apreciar a quantidade acrescida. Ocorrendo a aluvião entre imóveis de donos diferentes, o terreno aluvial será proporcionalmente dividido entre eles. O artigo é idêntico aos arts. 538 e 540 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 646, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.245, 1.246, 1.247 Da Aquisição pelo Registro do Título - VARGAS, Paulo S. R.

 


Direito Civil Comentado - Art. 1.245, 1.246, 1.247

Da Aquisição pelo Registro do Título  - VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.245 ao 1.247) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção II – Da Aquisição pelo Registro do Título  

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

 

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

 

§ 2º Enquanto não se registrar o titulo translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.


Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, são três os princípios que regem a regularização do registro de um imóvel. O caráter constitutivo do registro: Como mencionado no comentário ao CC 1.227, ao qual se remete o leitor, o registro imobiliário é constitutivo da propriedade e demais direitos reais sobre coisa imóvel, adquiridos a título derivado e por ato entre vivos, salvo exceções expressamente previstas em lei; nas aquisições a título originário - tome-se como exemplo a usucapião - o registro tem efeito meramente regularizador e publicitário. De igual modo, nas aquisições a título causa mortis a transmissão da propriedade aos herdeiros, em razão do instituto da saisine, dá-se no exato momento da morte; Os sistemas de aquisição dos direitos reais: Nosso sistema de aquisição da propriedade e de outros direitos reais segue a tradição do Direito romano, exigindo título mais modo, consistente em uma providência suplementar que, somada ao título, provoca a transmissão do direito real. Ao contrário do sistema francês, a propriedade sobre coisas imóveis adquiridas a título derivado não se transmite somente com o contrato (solo consensu), mas, ao contrário, exige o registro do título no registro imobiliário. Até o registro, o adquirente é mero credor do alienante. O registro é que converte o título, simples gerador de crédito, em direito real.

Além disso, nosso sistema de aquisição da propriedade é causai. O registro constitui a propriedade imobiliária, mas permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Ao contrário do sistema alemão, no qual o registro sofre processo de depuração e se torna abstrato, em nosso sistema jurídico o registro não se desliga do título. Daí se extraem as duas marcas fundamentais do registro no nosso sistema jurídico: é constitutivo da propriedade e de outros direitos reais sobre coisas imóveis adquiridas a título inter vivos e derivado e é causai, pois se encontra ligado ao título que lhe deu origem.

 Os princípios do registro de imóveis: O registro indica quem, do que e de quanto se é titular sobre a coisa imóvel, até que se prove o contrário. Há necessidade, por consequência, de regular de modo minucioso e dotar o registro de mecanismos de segurança, que impeçam o ingresso de títulos que constituam direitos reais a favor de falsos titulares, ou de direitos de qualidade ou quantidade distintas da realidade.

A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) regulamenta minuciosamente o registro de imóveis (arts. 167 a 288). Funda-se a Lei n. 6.015/73 no cadastramento do imóvel em matrículas, que contêm sua descrição e características. Nas matrículas são feitas, em ordem cronológica, registros e averbações (art. 167 da Lei n. 6.015/73). Os mecanismos de segurança e de controle de ingresso dos títulos no registro imobiliário se dão mediante diversos princípios registrários: inscrição; fé-pública ou presunção relativa; publicidade; continuidade; legalidade; prioridade; especialidade.

 

O princípio da inscrição está positivado no caput e no § 1º do artigo em exame. Traduz o caráter constitutivo do registro imobiliário, ou seja, a transmissão e a constituição de direitos reais sobre imóveis por ato entre vivos e derivado somente se dão com o registro, salvo exceções legais, como o casamento pelo regime da comunhão universal de bens. Juntamente ao registro da transmissão devem ser inscritos direitos relativos às condições resolutiva, suspensiva e às cláusulas adjetas, que provocam restrição do direito de dispor. Tomem-se como exemplos a cláusula resolutiva expressa, o pacto de melhor comprador e a retrovenda, que, caso omitidas, não preveniriam de modo eficaz terceiro adquirente de boa-fé.

 

Pelo princípio da fé-pública, positivado no § 2º do artigo em exame, se presume pertencer o direito real à pessoa em cujo nome está o registro. O registro, enquanto não for cancelado, produz todos seus efeitos, como reza o art. 252 da Lei n. 6.015/73. Em razão da natureza causal do registro, a presunção é meramente relativa, pois anulado ou resolvido o direito constante do título, cancela-se o registro dele produto. O cancelamento, se não for voluntário, depende de decisão judicial, e, segundo o preceito em estudo, deve ser promovido por meio de ação própria.

 

O termo ação própria deve ser interpretado com cautela, pois em determinados casos, de nulidade absoluta do título, sua invalidade e, por consequência, o cancelamento do registro podem ser reconhecidos de modo incidente cm ação judicial. Além disso, o art. 214 da Lei de Registros Públicos, com a redação que lhe deu a recente Lei n. 10.931/2004, dispõe que o cancelamento do registro pode ser feito pelo Juiz Corregedor Permanente independentemente de ação própria, desde que ouvidos os atingidos. Deve, portanto, ser feita importante distinção. Se o vício for do título, atingindo o registro apenas de modo reflexo, exige-se comando de cancelamento na esfera jurisdicional, mediante reconhecimento principal ou incidente em ação judicial. Caso, porém, o vício seja do próprio mecanismo de registro, por ofensa aos princípios registrários ou erro do exame qualificador do oficial registrador, o cancelamento pode ocorrer na esfera administrativa, perante o Juiz Corregedor Permanente, após oitiva dos atingidos. Os §§ 3º e 4° do art. 214 da Lei de Registros Públicos, acrescentados pela mencionada Lei n. 10.931/2004, positivam jurisprudência administrativa do Estado de São Paulo, admitindo a figura do bloqueio da matrícula na esfera administrativa, com o escopo de prevenir danos a terceiros de boa-fé. O bloqueio impede o ingresso de novos registros ou averbações, mas admite sua prenotação, que ficará prorrogada, com garantia da prioridade, até que se decida pelo cancelamento do registro, ou por sua liberação. O bloqueio, portanto, é medida provisória e temporária adotada pelo Juiz Corregedor Permanente ao se deparar com irregularidades que possam desembocar no cancelamento do registro. Mantém o registro paralisado, evitando dano a terceiro de boa-fé, até que se avalie a possibilidade de seu saneamento, ou se decida pelo cancelamento. O princípio da publicidade diz que os fatos e atos constantes do registro se presumem conhecidos de todos, não se podendo alegar ignorância de título que consta do registro imobiliário. O princípio tem regra inversa: só se presume conhecido o que consta do registro, pois antes o título gera somente direito de crédito entre as partes.

 

O princípio da continuidade, também chamado trato sucessivo e trato contínuo, está previsto nos arts. 195 e 237 da Lei n. 6.105/73. Expressa a regra que ninguém pode dispor de direitos que não tem, ou de direitos de qualidade e quantidade diversa dos quais é titular. Diz que, em relação a cada imóvel, deve haver uma cadeia de titularidades, à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação judicial. Cria-se, em outras palavras, um encadeamento de titularidades, ou cadeia dominial, na qual o transmitente de um direito deve necessariamente constar do registro como seu titular. Funciona o registro imobiliário como os elos de uma corrente, um encadeado no outro, sem saltos nem soluções, de tal modo que toda titularidade sobre o imóvel apareça concatenada com a anterior e a sucessiva. O transmitente de hoje será o adquirente de ontem, e o adquirente de hoje será o transmitente de amanhã. O princípio da continuidade repousa no pressuposto lógico de que “ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha” (Jose Maria Chico y Ortiz, Estúdios sobre Derecho Hipotecário, 3ª Edição Marcial Pons, Madrid, 1994, tomo I, p. 394). E o equivalente registrário do aforismo tiemo dat quod non liabet, ou seja, sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir, nem, tampouco, onerá-lo. A continuidade é a pedra de toque da segurança a que se predispõe o registro, permitindo ao adquirente conhecer a titularidade e a história da filiação dominial mediante simples leitura invertida dos registros e averbações lançados na matrícula. Não se encontram sujeitos a tal princípio os títulos que expressam modos originários de aquisição da propriedade, como a usucapião e a desapropriação judicial.

 

O princípio da legalidade tem estreita ligação com a natureza causal do registro. E o mecanismo que se interpõe entre o título e o registro, assegurando, o quanto possível, a correspondência entre a titularidade presumida e a verdadeira. É o filtro de entrada que segura títulos que rompam a malha da lei, devendo o registrador fazer o exame da obediência do título em seu aspecto formal quanto aos demais princípios registrários e normas cogentes. A essa atividade de verificação da aptidão do título para ingressar no registro dá-se o nome de qualificação do oficial do registrador. Todos os títulos, tanto extrajudiciais, como judiciais, estão sujeitos ao exame qualificador do registrador.

 

Os títulos judiciais podem ser próprios ou impróprios. São próprios os que provocam uma mutação jurídico-real, substituindo ou fazendo as vezes de negócio jurídico como, por exemplo, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e as sentenças de adjudicação compulsória, todos sujeitos à observância estrita dos princípios registrários. Os títulos judiciais impróprios consistem cm comandos ao oficial, que não provocam mutação jurídico-real, como mandados de arresto, penhora ou indisponibilidade de bens. Em tais casos, o registrador não questiona seu conteúdo e sua coerência com os princípios registrários, pois não pode a decisão administrativa se sobrepor à proferida na esfera jurisdicional. Caso não se conforme o interessado com as exigências formuladas pelo oficial, deve suscitar dúvida ao Juiz Corregedor Permanente, na forma dos arts. 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos. Os princípios da prioridade e da especialidade dos registros serão comentados nos artigos subsequentes, que a eles se referem. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.238-40. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o dispositivo foi objeto de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. Os vocábulos “transcrição” e “transcrever” foram substituídos pelas expressões “registro” e “registrar”, respectivamente. visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

 

Quanto à doutrina referida por Ricardo Fiuza, a este artigo foram acrescentados dois parágrafos que fazem jus à tradição secular do direito brasileiro de que “quem não registra não é dono”, pois, enquanto não for registrado o título competente, o alienante continuará a ser tido como dono do imóvel. É certo, também, que o adquirente continuará a ser havido como dono do imóvel até que seja promovida a ação própria que decrete a invalidade do título translativo (aquele pelo qual se opera a transferência de algum direito), e nele se decrete sua inexistência ou nulidade e mande cancelar seu registro. Corresponde o artigo em exame ao art. 531 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 643, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob a lente de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tal como no Código de 1916, inspirado na tradição germânica de aquisição do domínio, embora com algumas diferenciações, o atual Código Civil traz a orientação de que o simples  contrato não é suficiente para operar a transferência no domínio, gerando, tão-somente, um direito obrigacional, ou de crédito. O registro imobiliário não tem natureza de negócio jurídico, como no direito alemão, tratando-se, em verdade, de um ato jurídico causal, eis que só opera a transferência se o título jurídico (contrato de compra e venda) firmado pelas partes for efetivamente válido, ou seja, se produzir valor jurídico (Mário, 2004, p. 122).

 

Enunciado 87 do Conselho da Justiça Federal: “Considera-se também título translativo, para fins do CC 1.245, a promessa de compra e venda devidamente quitada (CC 1.417 e 1.418 e § 6º do art. 26 da Lei n. 6.766/79)” (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

 

Às vistas de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o registro público gera eficácia a partir do momento em que for apresentado o título ao oficial de registro, e este o prenotar no protocolo. Prenotação é a apresentação do título para registro, que será protocolizado. É a partir desta data que a propriedade considerar-se-á adquirida, ainda que decorra algum tempo entre a data de apresentação do título e o efetivo registro.

 

Assim, nos termos do art. 188 da Lei de Registros Públicos (LRP), uma vez protocolizado o título no registro Imobiliário, seu registro será efetivado em trinta dias, sendo que cada título apresentado ao protocolo terá um número de ordem específico. O título de transferência será feito por escritura pública, necessariamente, quando o valor do imóvel for superior a trinta salários mínimos, como prevê o CC 108. O registro público imobiliário gera uma presunção juris tantum, ou seja, relativa, uma vez que se considera proprietário aquele que tiver seu título translativo devidamente registrado, enquanto este não for anulado e, posteriormente, cancelado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo parecer de Ricardo Fiuza, em sua Doutrina, a eficácia do registro tem seu início com a apresentação do título ao oficial do registro e com sua prenotação (anotação prévia e provisória. lançada no protocolo, decorrente da sequência rigorosa da apresentação dos títulos dependentes de registros públicos (v. Lei n. 6.015/73, arts. 182, 198, 203. 1. 205 e 286, e Walter Ceneviva, Lei dos Registros Públicos comentada, 14. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 351 e s.), no protocolo (que é o livro em que o oficial toma apontamento dos títulos que lhe são apresentados para as formalidades do registro).  O artigo equipara-se ao art. 534 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na supervisão de Francisco Eduardo Loureiro, o preceito em exame positiva o princípio da prioridade, que, na expressão de Afrânio de Carvalho, significa que “num concurso de direitos reais sobre um mesmo imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento” (Registro de imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1977). Vigora a máxima prius in tempus, mellior in jus, de modo que o título, que traduz simples relação de crédito, converte-se em direito real e ganha eficácia contra terceiros no exato momento no qual é prenotado no registro imobiliário. Entre o protocolo do título e seu efetivo registro decorre certo tempo para que o oficial faça a qualificação, fixado em um máximo de trinta dias no art. 188 da Lei de Registros Públicos. O registro, porém, é feito com a data do protocolo e todos seus efeitos a ela retroagem, pois a eficácia erga omnes nasce com a prenotação. Dispõem os arts. 11 e 12 da Lei de Registros Públicos que todos os títulos ingressados no registro serão protocolados para assegurar a preferência sobre outro eventual direito contraditório. A única exceção a tal regra é a recepção do título para simples exame e cálculo, mediante requerimento expresso do interessado de que não deseja seu registro e tem ciência dos efeitos jurídicos da ausência da prenotação. Tem o princípio da prioridade o escopo principal de evitar o conflito de títulos contraditórios, ou seja, aqueles que têm por objeto direitos que não podem coexistir, relativos ao mesmo imóvel, cuja força dependa da ordem de ingresso no registro imobiliário ( ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira Mendes, 1997, p. 62). Os títulos serão protocolados e prenotados na sequência rigorosa de sua apresentação, como determina o art. 182 da Lei n. 6.015/73. O art. 186 dispõe que “o número de ordem determinará a prioridade do título e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente”.

 

Caso ingressem dois títulos contraditórios, estabelece-se uma sequência de prioridades, pois, nos termos do art. 205 da Lei n. 6.015/73, “cessarão automaticamente os efeitos da prenotação, se, decorridos trinta dias do seu lançamento no protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender as exigências legais”. Cancelada a prenotação do primeiro título, o segundo título assume a prioridade e é, então, submetido à qualificação registrária. A regra geral de que a prioridade é determinada pela ordem de protocolo tem duas exceções, previstas na Lei n. 6.015/73. A primeira está no art. 189 e diz respeito à segunda hipoteca, cujo título, na ausência de registro da primeira hipoteca, aguarda pelo prazo de trinta dias para que os interessados na primeira hipoteca promovam sua inscrição. A segunda está prevista no art. 192 e diz respeito às escrituras públicas lavradas na mesma data e apresentadas a registro no mesmo dia. Em tal caso, a prioridade é conferida não ao título de protocolo inferior, mas àquele lavrado em primeiro lugar, desde que deles conste taxativamente a hora da lavratura. Vimos que a prenotação tem prazo de trinta dias, assegurando nesse período a prioridade ao interessado. Em casos excepcionais, pode haver prorrogação do prazo da prenotação, em razão da impossibilidade de se fazer o registro no trintídio. Tomem-se como exemplos a suscitação da dúvida, os registros de loteamento e de bem de família, que dependem da publicação de editais, ou a própria reapresentação do título defeituoso nos últimos dias do trintídio. Os arts. 188 e 205 da Lei de Registros Públicos encerram certa contradição em termos. Ambos assinam o mesmo prazo de trinta dias, o primeiro para que o oficial proceda ao exame e registro do título e o segundo para que o interessado tenha assegurada a prenotação. Assim, se o oficial devolver o título sem registro no último dia, não teria o interessado como cumprir as exigências formuladas, antes do cancelamento da prenotação. Visando a corrigir tal falha, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo determinou que o prazo para exame e eventual devolução do título pelo registrador é de quinze dias, ficando a segunda quinzena reservada ao interessado, para que atenda eventuais exigências levantadas pelo registrador. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.242-43. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.

 

Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

 

Fechando a seção Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, refletem desde que não haja decisão judicial determinando a invalidade do negócio jurídico subjacente e o respectivo cancelamento do registro imobiliário, considera-se proprietário aquele que tem seu nome ali gravado por último. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 30.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Em visão expandida, vê Francisco Eduardo Loureiro, que o registro imobiliário, nas aquisições derivadas e inter vivos, é constitutivo dos direitos reais e tem presunção relativa de veracidade, até que seja cancelado, por ser causai. Não só constitui propriedade, mas modula sua quantidade e a qualidade. É fundamental, portanto, o registro imobiliário ser sistema seguro e público, devendo espelhar a realidade. Pode ocorrer, em casos excepcionais, que o registro não reflita a realidade, caso no qual poderá o interessado pleitear sua retificação ou, em casos mais graves, até mesmo seu cancelamento. O erro pode dizer respeito ao direito ou aos fatos constantes do registro. Tome-se como exemplo de erro de direito o registro da escritura de doação, com omissão da reserva de usufruto. Poderá o interessado pleitear ao oficial que proceda ao registro do direito real de usufruto. Já a retificação de fato, no dizer de Narciso Orlandi Neto, “destina-se a corrigir imprecisões relativas às características do imóvel ou à identificação das pessoas envolvidas no registro” (Retificação do registro de imóveis. São Paulo, Oliveira Mendes, 1997, p. 81). O cancelamento do registro, por meio de ação na esfera jurisdicional ou pedido deduzido na esfera administrativa, já foi tratado nos comentários ao CC 1.245. Resta a retificação do registro imobiliário, disciplinado nos arts. 212 e 213 da Lei de Registros Públicos, com as profundas alterações introduzidas pela recente Lei n. 10.931/2004. Pode a retificação dar-se em três vias: perante o próprio oficial do registro imobiliário, com ou sem oitiva dos confrontantes; perante o Juiz Corregedor Permanente, ainda na esfera administrativa; nas vias ordinárias, na esfera jurisdicional.

 

O princípio da especialidade não tolera a imprecisão do registro imobiliário e significa que “toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado” (CARVALHO, Afrânio de. Registro de imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1977, p. 219). O art. 176, § I o, 11, 3, da Lei de Registros Públicos dispõe que a matrícula deve descrever com precisão o imóvel especializando-o, de modo a torná-lo inconfundível com qualquer outro. Devem constar as características do imóvel como confrontação, localização, área, logradouro e número, se urbano; denominação, se rural, além de sua designação cadastral. O preceito deve ser lido em consonância com o art. 225, § 2ª da mesma Lei, que dispõe: “a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”. Da congruência dos dois artigos, tolera-se a abertura de matrícula com exata coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de descrição completa do imóvel, desde que seja possível sua localização geodésica, com um mínimo de certeza de que não haverá sobreposição a registros vizinhos. O inadmissível é a criação de nova unidade imobiliária, por fusão ou desmembramento, de imóveis que não disponham de todas as medidas e características. Prédio com descrição imprecisa não pode dar origem a prédio com descrição perfeita.

 

Complementando tal regra, temos que o interessado não pode incluir unilateralmente no registro alteração das características do imóvel. Embora a propriedade imóvel seja direito patrimonial, o registro é público, pois diz respeito à segurança das relações jurídicas. A imperfeição ou omissão do registro, portanto, devem ser objeto de retificação perante o oficial do registro imobiliário, ou Juiz Corregedor Permanente, ou Juiz de Direito, na esfera jurisdicional. Retificar é corrigir, sanear, adequar o registro à realidade. A Lei n. 10.931/2004, que deu nova redação aos arts. 212 e 213 da Lei dos Registros Públicos, deslocou a retificação do registro da competência do Juiz Corregedor Permanente para a atribuição do oficial do registro imobiliário. A regra é a opção do interessado pela retificação mediante pedido administrativo ao oficial. A exceção, o encaminhamento dos autos ao Juiz Corregedor Permanente. O art. 213 da Lei de Registros Públicos é bipartido. O inciso I trata das retificações de registro ou de averbações a requerimento da parte ou de ofício, sem necessidade de anuência ou notificação dos confinantes. O princípio da instância - o registro não pode ser alterado sem requerimento do interessado - sofreu novas e importantes exceções, por não ter o interessado direito à manutenção do registro errado. As hipóteses de erro ou omissão evidentes foram alargadas. Note-se que, para aplicação do preceito sem oitiva dos confinantes, o erro e sua correção devem ser evidentes. Especialmente no referido à alínea d do inciso I, que trata da inserção de rumos, ângulos de deflexão e coordenadas georreferenciadas, deverá o oficial verificar a ausência de potencialidade danosa a terceiros, ou seja, a certeza de que não se alterará a figura geodésica do imóvel. Sem tal certeza, exigirá a anuência dos confrontantes, na forma do inciso 11 do mesmo art. 213. O inciso II do art. 213 trata das retificações bilaterais, nos casos de inserção ou alteração de medidas perimetrais que resultem, ou não, alteração da área de superfície, a serem postuladas pelos interessados diretamente ao oficial do registro imobiliário, instruídas com planta e memorial descritivo subscritos por profissional habilitado e com anuência dos confrontantes. Por interessado se entende qualquer titular de direito real ou titular de direito pessoal de aquisição - comprador, promissário comprador, donatário - que demonstre a utilidade que lhe trará a retificação. Segundo o § 10 do art. 213, por confrontante se entende lodo titular de direito real sobre imóvel contíguo, sendo desnecessária a anuência do cônjuge. Fala a lei em ocupante, termo impróprio, pois na retificação não se altera posse, mas domínio. Desnecessária, assim, a anuência de detentores ou de possuidores diretos. Apenas o possuidor com posse ad usucapionem deve anuir. Note-se que pode o oficial registrador, em determinados casos, especialmente em áreas rurais com descrições antigas e imprecisas, não dispor de elementos minimamente confiáveis para saber se as pessoas indicadas pelo interessado são realmente confrontantes, ou se a retificação importará em sobreposição a registros vizinhos. Em tal caso, com ou sem impugnação, remeterá os autos ao juiz corregedor permanente, para que determine este a realização de prova pericial.

 

Caso o pedido de retificação não conte com a anuência dos confrontantes, devem ser eles indicados pelo interessado e notificados pelo oficial do registro imobiliário, com prazo de quinze dias para ofertarem impugnação. O silêncio do confrontante significa sua concordância com o pedido, podendo ser averbada a retificação. Se houver impugnação, o oficial do registro imobiliário intimará o requerente para respondê-la e encaminhará os autos ao Juiz Corregedor Permanente. Este, por sua vez, atuando na esfera administrativa, decidirá de plano ou após instrução sumária, desde que não verse a impugnação, na dicção legal, “sobre direito de propriedade”. Não se fala mais em impugnação fundamentada, como fazia a redação original do art. 213, que dizia respeito não à natureza do direito invocado, mas à complexidade da prova a ser produzida. O termo direito de propriedade, antes referido, deve ser entendido como questão que não diga respeito a mero erro registrário, mas que encubra pretensão de natureza reivindicatória, demarcatória ou de usucapião, insuscetível, portanto, de ser dirimida na esfera administrativa. As impugnações fundadas em questões possessórias, de inexistência de posse do requerente ou de existência de posse do impugnante, podem ser rejeitadas de plano, porque a retificação de registro visa a apenas corrigir o domínio e não verificar alterações possessórias. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.244-45. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Historicamente, o dispositivo foi alvo de emenda aprovada pela Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O vocábulo “transcrição” foi substituído pela palavra “registro”, visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73). 

Na doutrina finalista de Ricardo Fiuza, este dispositivo trata da retificação e da anulação do registro, inclusive, a qual só é possível judicialmente, indo além, portanto, do art. 213 da Lei n. 6.015, de 31-12-1973, que regula apenas a retificação do registro que não prejudique terceiro. O parágrafo único traz a consequência do cancelamento do registro e a possibilidade de o proprietário reivindicar o imóvel independentemente da boa-fé do terceiro adquirente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 644, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).