quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.473, 1.474, 1.475 DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.473, 1.474, 1.475

DA HIPOTECA – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo III – DA HIPOTECA

Seção I – Disposições Gerais –(Art. 1.473 a 1.488) –

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 Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca:

 I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles;

 

II - o domínio direto;

 

III - o domínio útil;

 

IV - as estradas de ferro;

 

V - os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham;

 

VI - os navios;

 

VII - as aeronaves;

 

VIII - o direito de uso especial para fins de moradia; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.481, de 31.05.2007.

 

IX - o direito real de uso; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.481, de 31.05.2007.

 

X - a propriedade superficiária. Inciso acrescentado pela Lei n. 11.481, de 31.05.2007.

 

§ Iº A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial. Antigo parágrafo único renumerado pela Lei n. 11.481, de 31.05.2007.

 

§ 2º Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos IX e X do caput deste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.481, de 31.05.2007. 

Prestando-se bastante atenção na conceituação de Loureiro, o caput desse artigo não alude mais à natureza civil da hipoteca e de sua jurisdição, ainda que a dívida seja comercial, diante da inserção do direito empresarial como livro do Código Civil e a ausência de previsão da criação de tribunais de comércio, encontra-se miríades de autores que aplicam a lógica tanto quanto a judicialização inseridos no contexto do tema.

Definição: Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “ hipoteca é o direito real de natureza civil, incidente em coisa imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão da posse ao credor” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 368).

Características: As principais características da hipoteca são: a) é direito real de garantia, de modo que adere ao bem e é dotada de oponibilidade geral; b) é acessória, porque não se concebe garantia sem uma obrigação a ser garantida, segue a sorte jurídica da obrigação garantida; c) tem por objeto coisa do devedor ou de terceiro - nada impede que o hipotecante seja pessoa diversa do devedor; d) tem por objeto coisa imóvel, navios e aeronaves; como direito real imobiliário, é em si mesma classificada como bem imóvel; e) a posse da coisa hipotecada permanece com o proprietário, seja devedor ou terceiro, sem transferência ao credor; f) é indivisível, porque enquanto não satisfeita integralmente a dívida, subsiste por inteiro sobre a totalidade dos bens gravados, com a exceção do CC 1.488, adiante comentado; e g) é temporária, porque tem como uma das causas de extinção a perempção, ou usucapião da liberdade, com cancelamento do registro, após o prazo de trinta anos (CC 1.485). Como os demais direitos reais de garantia, a hipoteca confere ao credor os direitos de sequela, preferência e excussão.

Objeto: O artigo em estudo trata do objeto da hipoteca. Cada um dos sete incisos prevê um bem passível de hipoteca. A doutrina tradicional diz que o rol é taxativo. Nada impede, porém, ante a tipicidade elástica que a doutrina moderna confere aos direitos reais, que situações jurídicas não expressamente contempladas pelo legislador possam ser objeto de hipoteca, desde que plenamente compatíveis com a natureza do instituto. Embora polêmico o tema, esses são os casos do direito real de superfície e de promissário comprador com preço pago e título levado a registro. 

O próprio legislador, na recente Lei n. 11.481/2007, incluiu no rol mais três casos de bens hipotecáveis (incisos VIII a X). A inclusão teve por escopo eliminar dúvidas da doutrina quanto à possibilidade de se hipotecar tais direitos reais que têm por objeto bens imóveis e são alienáveis a terceiros. Tais figuras, mesmo antes da reforma legislativa, já eram hipotecáveis. Embora não incluído no rol, é também hipotecável o direito de promissário comprador com título levado ao registro.

O inciso I afirma que são hipotecáveis os imóveis e os acessórios dos imóveis, conjuntamente com eles. Somente os imóveis alienáveis são hipotecáveis, porque a garantia real é uma alienação em potencial. Se a inalienabilidade ou a alienabilidade forem temporárias, assim também será a hipoteca. Logo, imóveis gravados com cláusula de inalienabilidade, ou bens de família no regime do Código Civil, não são hipotecáveis. Nada impede, porém, que o impropriamente denominado bem de família, previsto na Lei n. 8.009/90, seja hipotecado, porque na verdade é somente impenhorável. Como pode o dono alienar voluntariamente a casa, poderia também hipotecá-la.

No mais, admite-se a hipoteca de imóveis urbanos ou rurais, em condomínio vulgar ou edilício. O condômino pode hipotecar sua parte ideal sem a anuência dos demais condôminos, seja o imóvel divisível ou indivisível, à vista do que dispõe o CC 1.420, § 2º, já comentado. É possível a hipoteca de propriedade sob condição resolutiva (propriedade fiduciária, ou ao comprador, na venda e compra com pacto de retrovenda), caso em que se extingue a garantia, com a resolução do domínio. Não se admite, porém, a hipoteca sobre propriedade sujeita à condição suspensiva. Isso porque o titular de direito sob condição suspensiva não adquire o direito a que ela visa e tem mera expectativa, podendo apenas exercer atos de conservação, mas não de oneração.

Admite-se a hipoteca de unidades autônomas em construção. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, é viável a hipoteca de “quota ideal de terreno, ajustando que ao apartamento, quando for construído, se estenda o ônus real, porque, nesse instante, se fará um complexo jurídico inseparável com a copropriedade do solo” (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 148). Cuida-se de situação especial de hipoteca sobre coisa futura, especializada por antecipação.

Prossegue o inciso I afirmando que são hipotecados com os imóveis os seus acessórios. A regra se encontra mais bem explicitada no CC 1.474. Cabe destacar que o preceito, de natureza cogente, é expresso ao dispor que somente se admite a hipoteca dos acessórios com o imóvel principal. Disso decorre não se admitir a hipoteca dos acessórios independente ou separadamente da hipoteca do solo, sem embargo de respeitáveis opiniões em sentido contrário.

O termo “acessórios” merece cuidadoso exame. Há acessórios que são partes integrantes da coisa, pois a ela se vinculam por união física e não podem ser retirados sem fratura. São os casos de acessões e benfeitorias, que integram a hipoteca do imóvel, quer sejam anteriores, concomitantes ou posteriores à constituição da garantia, independentemente de cláusula expressa a respeito. Também os frutos pendentes são partes integrantes da coisa e, enquanto não destacados, são abrangidos pela hipoteca. Nota-se, porém, que os frutos destacados antes ou mesmo durante a hipoteca se desligam da garantia, porque o poder de fruição da coisa permanece com o dono e não com o credor. No que se refere aos produtos, que integram a substância da coisa, a regra é outra. Estão incluídos na garantia, e sua retirada desfalca a substância e desvaloriza a coisa, em prejuízo do credor. 

Há, porém, acessórios que consistem em simples pertenças (antigas acessões intelectuais), colocados à disposição duradoura da coisa, para otimizar seu uso, exploração, ou aformoseamento; mas, se retirados, readquirem sua autonomia jurídica e econômica (art. 93 do CC). Reza o art. 94 do Código Civil que “os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”. Disso decorre as pertenças não se incluírem naturalmente na garantia hipotecária. Deve o título constitutivo da hipoteca expressa e especializadamente abranger as pertenças para incluí-las na garantia, com inscrição no registro imobiliário. Tomem-se como exemplos o mobiliário de um imóvel residencial, as máquinas de um imóvel industrial, os equipamentos de um imóvel comercial, os implementos de um imóvel agrícola. A questão, porém, envolve sempre matéria de fato, porque equipamentos que se encontram fisicamente unidos ao imóvel e não podem ser retirados sem fratura, como elevadores ou aparelhos de ar-condicionado central, constituem benfeitorias e integram automaticamente a garantia real.

Os incisos II e III dizem poder ser objeto da garantia hipotecária o domínio direto e o domínio útil do imóvel. Cuidam do direito real de enfiteuse, aforamento ou emprazamento, previsto no art. 678 do Código Civil de 1916. Não mais se admite a criação de enfiteuse na vigência do Código Civil de 2002. Vigoram, porém, as enfiteuses instituídas na vigência da lei anterior, em atenção ao ato jurídico perfeito. Tanto o domínio útil do enfiteuta como o domínio direto do senhorio podem ser hipotecados, com a ressalva de que, no momento da arrematação, há direito de preferência recíproco entre os protagonistas da enfiteuse. 

Também podem ser hipotecados, embora não diga de modo expresso a lei, a nua propriedade - ou o domínio direto - nos casos de usufruto, uso, habitação e superfície. 

O CC 80 dispõe serem imóveis os direitos reais que têm por objeto coisas imóveis. Assim, os direitos reais de usufruto, uso, habitação e servidão são bens imóveis por definição legal, mas não podem ser hipotecados, porque são inalienáveis. Já o direito real de hipoteca, embora imóvel e passível de alienação, pode apenas ser dado em penhor, por força de disposição legal (Decreto n. 22.778/34).

Nada obsta, porém, que outros direitos reais sobre coisa alheia, imóveis por definição legal e alienáveis a terceiros, sejam dados em hipoteca. O direito real de superfície tem natureza imóvel e pode ser alienado por expressa disposição legal. Nada impede seja onerado por garantia real de hipoteca. Claro que a hipoteca se extinguirá com o direito real de superfície.

Embora negue a doutrina tradicional, não se vê razão para que o direito real de promitente comprador, decorrente de contrato de compromisso de compra e venda sem cláusula de arrependimento e levado ao registro imobiliário, não possa ser dado em garantia hipotecária. É bem imóvel por definição legal e passível de cessão por simples trespasse. Como vimos anteriormente, nos comentários aos CC 1.417 e 1.418, é o compromisso de compra e venda contrato preliminar impróprio que concentra toda a carga negociai da compra e venda. Pago o preço, todos os poderes federados do domínio estão concentrados nas mãos do promitente comprador, nada mais restando ao promitente vendedor do que o dever de outorgar a escritura definitiva. Na lição de José Osório de Azevedo Júnior, “considerando que o compromisso já é hoje reconhecido, para inúmeros efeitos, como uma forma de alienação, ficando o compromissário com amplíssimo poder de disposição da coisa, cremos que, após o pagamento do preço, lhe devia ser permitido hipotecar o imóvel, ou pelo menos hipotecar seus direitos reais, que também são imóveis” (Compromisso de compra e venda, 2. ed. São Paulo, Saraiva, 1983, p. 100).

O inciso IV afirma que podem ser dadas em hipoteca estradas de ferro, urbanas ou não, de superfície ou subterrâneas. Elas são consideradas uma universalidade de fato, e, como bens coletivos, a hipoteca abrange os trilhos, as estações, os pátios de manobra, os terminais de passageiros, as locomotivas, os vagões e todos os demais acessórios necessários ao perfeito funcionamento do meio de transporte. A hipoteca é registrada e a inscrição se faz no oficial do registro do lugar do imóvel correspondente à estação inicial da linha (art. 171 da Lei n. 6.015/73). As estradas de ferro são exploradas, via de regra, sob o regime de concessão. O arrematante tem direito a explorar o serviço concedido, ressalvado, porém, o direito de preferência do poder concedente, de retomada da concessão, pagando o preço da arrematação no prazo de trinta dias, na forma do art. 699 do Código de Processo Civil (Revogado pela Lei nº 11.382, de 2006). 

O inciso V dispõe poder ser hipotecados os recursos naturais a que alude o CC 1.230, independentemente do solo onde se acham. Minas e jazidas, por força de preceito constitucional, são bens da União, independentes do solo onde se encontram. O objeto da hipoteca na verdade é o aproveitamento da mina, mediante direito de lavra. Na lição de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, “a garantia hipotecária está no valor da mina, que, genericamente, é o fato da exploração e que, objetivamente, é o conjunto lavrável acrescido, como partes integrantes dos edifícios, máquinas, instrumentos, animais, veículos etc.” (Hipoteca. Rio de Janeiro, Aide, 1996, p. 45). A hipoteca é registrada no Departamento Nacional de Produção Mineral.

Nos incisos VI e VII consta que podem ser hipotecados navios e aeronaves, regidos por disposto em lei especial. Embora sejam bens móveis por natureza, é da tradição do direito brasileiro e de legislações estrangeiras a admissão da hipoteca, em razão do vulto dos financiamentos à sua construção e manutenção. A instabilidade do constante deslocamento se compensa com a estabilidade dos registros em aeroportos e portos de origem.

A hipoteca de navios se encontra disciplinada pelo art. 278 do Decreto n. 18.871/29, que promulga a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana (Código Bustamante), e pelos arts. 12 a 14 da Lei n. 7.652/88, que dispõem sobre o registro de propriedade marítima. A hipoteca de aeronaves se encontra nos arts. 138 a 147 da Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica). 

Os incisos VIII e IX, adicionados pela recente Lei n. 11.481/2007, admitem a hipoteca sobre o direito de uso especial para fins de moradia e o direito real de uso, regulados, respectivamente, na Medida Provisória n. 2.220 /2001 e art. 4°, V, g, do Estatuto da Cidade. O acréscimo guarda simetria com a inclusão no CC 1.225 dos dois novos direitos reais de gozo e fruição. A medida constitui importante passo para que possam ocupantes de imóveis públicos obter financiamento imobiliário para construção de acessões. Lembre-se de que o direito real de uso é o previsto em lei especial, e não nos arts. 1.412 e 1.413 do Código Civil, que tem natureza personalíssima e, por ser intransmissível, também não é passível de ser dado em garantia real.

O inciso X dispõe ser hipotecável a propriedade superficiária. Tal possibilidade já era reconhecida pela doutrina antes mesmo da inovação legislativa. Isto porque a propriedade superficiária, como direito real sobre coisa alheia incidente sobre bem imóvel, é considerada também imóvel por definição legal. Como é o direito real de superfície alienável, é também hipotecável. Ressalte-se que o arrematante se sub-rogará no direito de superfície, pelo prazo faltante, previsto no título, e assumindo todas as obrigações do superficiário devedor, inclusive a do pagamento de encargos e de eventual solarium. 

O parágrafo segundo nada mais explicita que o caráter acessório dos direitos reais de garantia. Se o objeto da garantia for a termo, ou, ainda, embora não dito pela lei, mas implícito, extinguir-se por qualquer das causas previstas em lei, extingue-se juntamente a hipoteca. Assim, se o direito de uso especial for extinto por desvio de uso, ou por ter o titular adquirido outro imóvel, extingue-se também o direito real de hipoteca. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.570-71.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza resume tudo o que foi dito acima como: A palavra “hipoteca” vem do grego hypotheke, de hypo (por baixo), seguida de titheni (eu ponho), que foi traduzida literalmente para o Latim pela palavra supositio. Pode ser definida como o direito real sobre imóvel, navio ou avião que pertença ao devedor ou a terceiro, ficando na sua posse, garantindo ao credor o pagamento da dívida, pela preferência sobre o preço alcançado na execução.  O artigo é semelhante ao art. 810 do Código Civil de 1916, apenas acrescentou a hipótese de hipoteca de aeronaves. Deve a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 748, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 28/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu artigo, Talita Pozzebon Venturini e Renata Nascimento Bertagnoli, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, ensinam que O que distingue a hipoteca dos outros direitos reais de garantia, é que a posse do bem, oferecido como garantia, continua com a figura do devedor, o qual pode perceber-lhes os frutos. Considerando essa importante característica e considerando que esse instituto normalmente recai sobre um bem imóvel, embora possa incidir sobre aeronaves e navios, podemos defini-la como uma garantia real em que o devedor confere um direito ao credor sobre um bem imóvel de sua propriedade ou de outrem, para que o mesmo responda pelo resgate da dívida.

Assim, entende-se que a hipoteca possui dois elementos essenciais: a dívida que uma pessoa contrai com a outra e a garantia que um devedor ou um terceiro oferece para assegurar o pagamento.

As características principais da hipoteca são o direito de sequela e o direito de preferência, aquele nada mais é do que o direito de perseguir o bem, sendo este o direito que o credor hipotecário tem sobre os demais credores de receber o seu crédito.

Cumpre observar que a hipoteca, como os demais direitos reais de garantia, é mero acessório de uma obrigação principal, pois uma vez resgatada tal obrigação, ela se extingue. Além disso, a hipoteca trata-se de um direito indivisível, como bem ensina Orlando Gomes:

(...) o ônus real grava a coisa na sua totalidade e em todas as suas partes, pouco importando que seja dividida ou que a dívida seja amortizada. Assim, o que tenha pago parte da dívida não obtém redução proporcional da garantia hipotecária; o bem hipotecado continua a garantir o pagamento do saldo sem qualquer diminuição, tal como gravado ao se constituir a relação (Gomes, Orlando, 2006, p. 411).

Destarte, esse instituto não implica tradição, haja vista que sua pretensão é a de que o bem permaneça na posse do devedor para que ele possa retirar os frutos da coisa e pagar a dívida. Deste modo, a hipoteca não impede o real aproveitamento da coisa, continuando o devedor a exercer todos os direitos de proprietário, retirando todas as utilidades do bem, exercendo todos os poderes da propriedade e todas as vantagens, podendo até mesmo alienar a coisa e dar em garantia novamente.

Observa-se dois princípios importantes que regem a hipoteca. O princípio da especialização, o qual significa que todo o registro deve recair sobre um bem especificado, com descrição minuciosa e o quantum o devedor hipotecário está devendo. E o princípio da publicidade, que nada mais é do que o registro como veículo da publicidade imobiliária, de forma a proteger terceiros interessados em adquirir o bem ou que pretendam se utilizar dele de qualquer forma, bastando assim, o registro do título constitutivo no Cartório de Registro de Imóveis correspondente.

Face ao exposto, conclui-se que o objetivo da hipoteca, assim como os demais direitos reais de garantia, é assegurar o pagamento da obrigação principal.

O objeto deve ser da propriedade do devedor ou de terceiro, que dá imóvel seu para garantir a obrigação contraída pelo devedor. A hipoteca, então, recai em bens imóveis e alienáveis, podendo ser corpóreos ou incorpóreos. Assim, são hipotecáveis os imóveis e seus acessórios, o domínio direito e o domínio útil e os navios e aeronaves, estradas de ferro, minas e pedreiras.

Pode, assim, a hipoteca recair sobre o domínio pleno (do proprietário), bem como sobre o domínio útil (do enfiteuta) e o domínio direto e eminente (do enfiteuticador ou senhorio direto na enfiteuse). Importante lembrar, que o imóvel hipotecado pode ser alienado e se houver cláusula que proíba a alienação, ela será nula. Além disso, o bem pode ser hipotecado mais de uma vez a devedores diferentes. No entanto, deve-se sempre observar o direito de preferência.

É de suma importância frisar que a lei estabelece que só poderá hipotecar aquele que pode alienar; então, somente quem é dono poderá hipotecar. Com isso, se a hipoteca for constituída por quem não seja proprietário, anula-se, com exceção, do possuidor de boa-fé que revalidará a garantia pela aquisição ulterior de domínio.

A constituição da hipoteca pode ser convencional, legal ou judicial. A convencional nasce do acordo de vontades através de contrato e constituindo-se mediante escritura pública, desde que o valor exceda a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Ressalta-se que por usucapião não há de se falar em hipoteca, por faltar um fundamental requisito, a transmissão da posse.

Já, conforme Arnaldo Rizzardo (2011): “A hipoteca legal é instituída pela lei, independentemente da vontade das partes interessadas.” Não havendo título executivo.

Na hipoteca judicial o título é a sentença judicial. Porém, o credor deve inscrevê-la no registro imobiliário para poder excluir os imóveis especializados, penhorando-os em poder de quem os adquiriu posteriormente. (Talita Pozzebon Venturini e Renata Nascimento Bertagnoli, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.474. A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.

No entender de Guimarães e Mezzalira, o dispositivo trata da extensão da hipoteca, estabelecendo que as acessões, melhoramentos e construções feitas no imóvel são abrangidas pela garantia. Seguindo a regra de que o acessório segue o principal, estabeleceu-se uma presunção relativa de que todas as acessões naturais ou artificiais, bem como as benfeitorias, também garantirão a obrigação principal. A extensibilidade não alcança direito real anteriormente constituído, respeitando-se a prioridade fixada pela prenotação do título junto ao Cartório de Registro de Imóveis.   (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.474, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como aponta Loureiro, duas são as regras enunciadas no preceito: (a) a hipoteca abrange a integralidade do imóvel, com todos os seus acessórios; (b) a hipoteca não afeta os direitos reais anteriormente constituídos e registrados.

No que se refere aos acessórios, remete-se o leitor ao comentário do artigo anterior, especialmente o inciso I. A hipoteca abrange todas as construções, plantações (acessões) e benfeitorias, que guardam relação de acessoriedade com o imóvel. Ainda que não mencionadas no título, integram naturalmente a garantia real. Também as construções e plantações não existentes ao tempo da constituição da garantia real, à medida que forem erigidas e plantadas, integram-se automaticamente à hipoteca, independentemente de previsão negociai. A regra tem especial relevância no que se refere às unidades autônomas de condomínio edilício em construção, hipótese cm que se admite, por exceção, a hipoteca sobre coisa futura, especializada por antecipação.

No artigo anterior também estudou-se as pertenças, que, por não se enquadrarem na condição de acessórias - embora sirvam à exploração da coisa a que servem -, gozam de autonomia jurídica e somente integram a garantia se expressamente previstas no título constitutivo. 

No que se refere às acessões e benfeitorias feitas por terceiros no imóvel hipotecado, a situação é outra. Na lição de Clóvis Bevilaqua, “as benfeitorias úteis e necessárias, realizadas por terceiros de boa-fé, não se desagregam do imóvel hipotecado, de modo que o credor exequente as terá de descontar do preço do imóvel arrematado ou adjudicado, para indenizar a quem as realizou. Quem, de boa-fé, melhora o prédio alheio nas condições acima expostas, tem direito a ser indenizado” (Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. II, p. 148). Do mesmo modo, Orlando Gomes afirma que “se as benfeitorias pertencerem a terceiros, aos quais assista direito de pedir indenização ao proprietário do imóvel, deduz-se o seu valor no preço da venda do bem principal” (Direitos reais, 19. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 416).

Em suma, em relação a terceiros, aplica-se o regime de indenização e de retenção previsto nos CC 1.219 a 1.222 (benfeitorias) e 1.253 a 1.259 (acessões) já estudados, sendo primordial conhecer a boa-fé do possuidor e do construtor. O direito que teriam contra o proprietário do imóvel hipotecado, podem abater do valor da arrematação, ou exercê-lo contra o credor adjudicante. Isso porque as acessões e benfeitorias valorizaram o imóvel e integram o preço de arrematação, de modo que a não indenização vulneraria a cláusula geral que veda o enriquecimento sem causa. 

Quanto aos frutos, o devedor hipotecário ou terceiro prestador da garantia conserva a posse, acompanhada dos poderes de usar e fruir a coisa dada em garantia, até o momento da excussão. Enquanto pendentes, os frutos são acessórios da coisa e integram, por consequência, a garantia hipotecária. Porém, o proprietário da coisa hipotecada pode destacar e consumir ou alienar os frutos, momento em que ganham autonomia jurídica e se desligam da garantia. Como os frutos são renováveis periodicamente e não desfalcam a substância da coisa hipotecada, preserva-se o seu valor e o interesse do credor. Em suma, até o momento da excussão, os frutos pertencem ao proprietário. Somente os frutos colhidos por antecipação é que devem ser devolvidos ao arrematante.

No que se refere aos produtos, a regra é outra. Eles não são renováveis e desfalcam a substância da coisa hipotecada, provocando sua desvalorização. Devem ser preservados pelo proprietário, evitando o prejuízo do credor hipotecário, salvo cláusula em sentido contrário contida no título. 

O segundo período do artigo em estudo ressalva subsistirem os ônus reais constituídos anteriormente à hipoteca. Natural que os anteriores direitos reais sobre coisa alheia, como superfície, servidão, usufruto, uso, habitação e mesmo anterior hipoteca, irradiem efeitos em relação à nova garantia, que recai sobre coisa já gravada. 

A regra inversa também é verdadeira. A hipoteca registrada prevalece e não é afetada diante dos posteriores direitos reais sobre coisa alheia, inclusive segunda hipoteca. 

Merece destaque a Súmula n. 308 do STJ: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. O STJ, em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e aos deveres de cuidado ao se contratar, a fim de não lesar interesses alheios, conferiu eficácia aos compromissos de venda e compra não registrados, perante o direito real de hipoteca das instituições financeiras. Partiu da correta premissa de que as instituições financeiras conheciam ou deveriam conhecer que as unidades recebidas em garantia eram prometidas à venda ao público. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.575-76.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em artigo publicado por Wellington Cacemiro, intitulado “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, em 14 de dezembro de 2016, no site conteúdojurídico.com.br., o autor, faz a seguinte menção: Não sem motivo a hipoteca é considera “o direito real de garantia sobre coisa alheia com maior repercussão prática” (TARTUCE, 2015, p. 873). Trata-se de modalidade de garantia real que recai, por regra, sobre bens imóveis, mas que também pode incidir sobre bens móveis. Neste caso consideram-se hipotecáveis aqueles enumerados pela vigente legislação. Tartuce (2015, p. 873) lembra que, “por razões óbvias, a hipoteca deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis”. O autor adverte, citando Lacerda de Almeida, que hipoteca não registrada é hipoteca inexistente e, Citando Donizetti e Quintella: “O direito real de hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel, e não interfere nos demais ônus reais sobre o mesmo imóvel, constituídos e registrados antes dela própria (art. 1.474).  (Wellington Cacemiro, artigo intitulado “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em 14 de dezembro de 2016, no site conteúdojurídico.com.br., acessado 28/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.

 

Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

 

Loureiro contemporiza que, o principal efeito da hipoteca é vincular um bem imóvel ao cumprimento de uma obrigação. Como alerta Caio Mário da Silva Pereira, o proprietário “ não está inibido de alienar o imóvel hipotecado, porque não perde o jus disponendi. Ao adquirente, porém, transfere-se o ônus que o grava, não lhe valendo de escusa a alegação de ignorância, que não prevalece contra o registro, nem lhe socorrendo para libertá-lo de qualquer cláusula de sua escritura, ou compromisso assumido pelo devedor hipotecário. A alienação transfere o domínio do imóvel; mas este passa ao adquirente com o ônus hipotecário - transit cum onere suo” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 386).

Em termos diversos, a sequela constitui um dos efeitos dos direitos reais de garantia, provocando a aderência do ônus à coisa, acompanhando-a em poder de quem se encontre. O artigo em exame destaca não ser o imóvel hipotecado inalienável, embora a alienação seja ineficaz perante o credor, que pode perseguir a coisa em poder de quem se encontre e promover sua excussão, no caso de inadimplemento do devedor.

A norma é cogente, de modo que se considera nula e não escrita qualquer cláusula negociai que impeça a alienação do imóvel hipotecado. Somente a cláusula é nula, não a garantia real. A regra tem razão de ser. É indiferente ao credor a alienação do imóvel, porque a garantia recai com vínculo real sobre a coisa, que será levada à hasta pública se houver inadimplemento. Se o imóvel hipotecado for alienável, também será penhorável, com as regras estabelecidas no CC 1.501, no caso de excussão. 

O parágrafo único admite, mediante cláusula convencional expressa constante do título e do registro imobiliário, para conhecimento de terceiros, que a alienação provocará o vencimento antecipado do crédito hipotecário. No silêncio do título ou na omissão do registro, a alienação não produz qualquer efeito em relação ao crédito. A lei somente admite a aposição de tal cláusula no caso de alienação e não no de oneração do imóvel, inclusive por segunda hipoteca, que respeita os direitos reais anteriormente constituídos. A regra, porém, estende-se ao compromisso de compra e venda, que, como já visto nos comentários aos CC 1.417 e 1.418, constitui direito real de aquisição e contrato preliminar impróprio, quase esgotando os efeitos da compra e venda. 

A cláusula convencional do vencimento antecipado não é da natureza da garantia hipotecária e deve ser interpretada em cotejo com os princípios imperativos da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio contratual. A alienação, embora ineficaz frente ao credor, pode provocar agravamento do risco ou de depreciação do imóvel hipotecado. Basta imaginar o adquirente deixar de pagar impostos, ou o rateio das despesas de condomínio edilício, ou de promover a conservação da construção, não fazendo as benfeitorias necessárias. Haverá, em tais hipóteses, nítida depreciação da garantia, o que justifica o vencimento convencional imediato da dívida e, na falta de pagamento, a pronta execução e excussão do prédio hipotecado. 

Caso, porém, a alienação não provoque qualquer agravamento do risco de depreciação da garantia, inexiste razão para o vencimento antecipado da dívida, embora previsto em cláusula convencional. A medida provocaria a impossibilidade do devedor arcar com o pagamento integral e, por consequência, a execução da dívida, sem razão para tanto. É o que a melhor doutrina insere como uma das facetas do princípio da boa-fé objetiva e denomina de exercício desequilibrado de direitos (indiviliter agere), em que há manifesta desproporção entre a vantagem auferida pelo titular de um direito e o sacrifício imposto à contraparte, ainda que não haja o propósito de molestar. São casos em que o titular de um direito age sem consideração pela contraparte (Noronha, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 179). O clássico Menezes Cordeiro trata da matéria como desequilíbrio no exercício de direitos, provocando danos inúteis à desproporção dos efeitos práticos. Ensina que “da ponderação dos casos concretos que deram corpo ao exercício em desequilíbrio, desprende-se a ideia de que, em todos, há uma desconexão - ou, se quiser, uma desproporção - entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuíam direitos e o resultado prático do exercício desses direitos. Parece, pois, haver uma bitola que, transcendendo as simples normas jurídicas, regula, para além delas, o exercício de posições jus-subjetivas; essa bitola dita a medida da desproporção tolerável, a partir da qual já há abuso” (Da boa-fé no direito civil Coimbra, Almedina, 1977, p. 859). 

Em resumo, o vencimento antecipado da dívida, ainda que convencionado pelas partes, está subordinado à prova de que a alienação de algum modo feriu interesse do credor hipotecário, ou provocou a depreciação do imóvel objeto da garantia, sob pena da execução antecipada configurar abuso de direito.

As hipotecas vinculadas ao SFH - Sistema Financeiro de Habitação - são regidas por lei especial, que reclama prévia e expressa anuência do credor hipotecário para a alienação do imóvel gravado a terceiros. Dispõe a Lei n. 8.004/90, que o mutuário do SFH somente pode alienar o imóvel gravado com a concomitante transferência do financiamento e com interveniência obrigatória da instituição financeira. A norma não se encontra revogada pelo artigo em estudo do Código Civil de 2002, pois se trata de lei especial, voltada a financiamentos com regras pontuais e juros subsidiados, tendo como destinatários determinados segmentos da população. O financiamento tem caráter social, cobrando juros inferiores aos praticados pelo mercado. Os destinatários devem reunir certo perfil desenhado pelo legislador: não serem proprietários de imóvel residencial diverso e terem renda comprovada, cujo comprometimento não pode ultrapassar certo patamar.

Ressalte-se apenas a existência da Lei n. 10.150/2000, que prevê a possibilidade de regularização das transferências efetuadas sem a anuência da instituição financeira até 25.10.1996, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei n. 8.692/93, o que revela a intenção do legislador de possibilitar a regularização dos cognominados “contratos de gaveta”, originários da celeridade do comércio imobiliário e da negativa do agente financeiro em aceitar transferências de titularidade do mútuo sem renegociar o saldo devedor.

Afora essa hipótese, a vedação à cessão prevista na Lei n. 8.004/90 se justifica. O financiamento a juros subsidiados é concedido a certa camada da população de perfil socialmente desejável pelo legislador, de modo que a benesse não deve ser repassada a terceiros não portadores das mesmas características. Há razão objetiva para o discrimen justificador da incidência de regulação por norma especial, não afetada pela norma geral do Código Civil de 2002 (STJ, REsp n. 100.347/SC, rel. Min. Ari Pargendler).

O STJ, em mais de uma oportunidade, assentou o seguinte: “Com efeito, em qualquer transferência de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação é obrigatória a intervenção da instituição financeira no negócio jurídico de cessão de direitos e obrigações decorrentes do mútuo hipotecário. Caso, no entanto, a cessão ocorra sem essa intervenção, não haverá vínculo jurídico a obrigar a instituição financeira perante o cessionário, mesmo porque em tais contratos existe expressa previsão de que a cessão ou transferência a terceiros dos direitos contratuais, sem consentimento da credora, implicará vencimento antecipado da dívida” (REsp n. 184.337/ES, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

O julgado, porém, estabeleceu limites à atuação da credora hipotecária, ao admitir que ao mutuário “em resumo, de uma ponta, não pode privar-se de alienar seu imóvel. De outra, a credora hipotecária não pode estar alheia às transferências do bem hipotecado a seu favor. Todavia, não pode a Caixa ter para si o arbítrio exclusivo de utilizar essa condição da concordância na medida de sua conveniência, já que teria o poder de inviabilizar a faculdade de o proprietário dispor do imóvel. A harmonização dessas faculdades e direitos de ambos os contratantes está a exigir moderada interpretação da cláusula contratual, no sentido de que só poderá a Caixa recusar a transferência do imóvel nos casos de o adquirente não cumprir as exigências do SFH, na qualidade de sub-rogado naqueles direitos e obrigações. Sem esse motivo, torna a ela vedado recusar a alienação do imóvel” 

Parece ser esta a posição mais equânime para solução da questão: há necessidade do credor hipotecário, no sistema do SFH, anuir à alienação do imóvel hipotecado, mas a recusa não pode ser imotivada se o adquirente preencher o perfil social e financeiro para a modalidade especial de financiamento. Faz-se, porém, uma ressalva. Há casos em que, tratando-se de financiamentos habitacionais para camadas populares de baixa renda, a mera circunstância de o cessionário, ao adquirir o imóvel financiado, estar infringindo a ordem estabelecida para o benefício (em filas ou sorteios específicos) já representará razão suficiente para a recusa à anuência. 

Ao julgar em 04.05.2006 na Quarta Câmara de Direito Privado cio Tribunal de Justiça de São Paulo a Ap. cível n. 345.464.4/8-00, deixou-se assentado, em caso similar ao ora em exame, que “ não resta dúvida que legítimo é o interesse da recorrente de garantir seu direito fundamental à moradia. Há, porém, outras pessoas, tão ou mais carentes, que percorreram verdadeira via crucis de filas e documentos para obterem o cadastro no programa de habitação popular e que aguardam anos, à espera de contemplação em sorteio. Dizendo de outro modo, acolher a pretensão da autora significaria alijar pretensão tão ou mais legítima alheia, o que não se mostra factível”. 

Em data recente, após a vigência do atual Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça examinou o diálogo entre o CC 1.475 e a Lei n. 8.004/90. Assentou que o CC 1.475 “não alcança as hipotecas vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, posto que para esse fim há lei especial - Lei n. 8.004/90 -, a qual não veda a alienação, mas apenas estabelece como requisito a interveniência do credor hipotecário e a assunção, pelo novo adquirente, do saldo devedor existente na data da venda, em sintonia com a regra do CC 303 do Código Civil de 2002. Com efeito, associada à questão da dispensa de anuência do credor hipotecário está a notificação dirigida ao credor, relativamente à alienação do imóvel hipotecado e à assunção da respectiva dívida pelo novo titular do imóvel. A matéria está regulada nos arts. 299 a 303 do novel Código Civil - da assunção de dívida -, dispondo o CC 303 que “o adquirente do imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em 30 (trinta) dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento” (STJ, REsp n. 627.424/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 06.03.2007).

Em resumo, parece ser esta a mais recente orientação do Superior Tribunal de Justiça: no regime do SFH, exige-se a anuência do credor hipotecário para a cessão ou alienação do imóvel hipotecado; caso, porém, o adquirente notifique o credor hipotecário, com prazo de 30 dias, e tome a seu cargo o pagamento da dívida sem oposição do credor, entende-se suprido o assentimento. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.577-80.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 28/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

No entendimento de Guimarães e Mezzalira, o dispositivo comina a pena de nulidade para a cláusula que proíba o proprietário alienar o imóvel hipotecado. A hipoteca é um pacto adjeto que constitui uma garantia real, sendo abusiva a supressão do direito de alienação. 

O parágrafo único, em atenção ao princípio da autonomia da vontade, admite convenção no sentido de que a alienação do imóvel dado em garantia implicará no vencimento antecipado da dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.475, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em artigo de Silvio de salvo Venosa, intitulado “A hipoteca no novo Código Civil”, postado em 08/01/2003, no site migalhas.uol.com.br, lê-se, no estudo da hipoteca, não se deve perder de vista que, ao lado das normas estruturais estabelecidas pelo Código civil, a Lei dos Registros Públicos confere-lhe a necessária instrumentalidade, mostrando-se indissociáveis o exame de ambos os diplomas legais e o dos princípios processuais estabelecidos pelo CPC.

A hipoteca, como direito real, acessório de garantia, mantem os mesmos preceitos da última fase do Direito Romano. Aplicam-se-lhe os princípios gerais estabelecidos no Código Civil (artigos 755 a 767 do Código de 1916 e artigos 1.419 a 1.430 do novo código). Tal como os outros direitos de igual natureza, a hipoteca é acessória a uma garantia e indivisível. Não se admite entre nós a chamada hipoteca abstrata, existente por si mesma, independente de qualquer crédito. 

Considera-se direito real a partir do registro imobiliário. Enquanto não registradas, as hipotecas são válidas e eficazes como garantia entre as partes, tendo portanto alcance real limitado ou meramente obrigacional.

No estudo da hipoteca, não se deve perder de vista que, ao lado das normas estruturais estabelecidas pelo Código Civil, a Lei dos registros Públicos confere-lhe a necessária instrumentalidade, mostrando-se indissociáveis o exame de ambos os diplomas legais e o dos princípios processuais estabelecidos pelo CPC. Como direito real, confere ao credor direito de sequela, permanecendo a garantia ainda que alienado o bem. A instituição da hipoteca não retira o bem de comércio, pois pode o bem gravado ser alienado. Como se trata de direito real, com a alienação, permanece a hipoteca incidindo sobre o imóvel.

O CC 1.475 é expresso ao dizer que é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar o imóvel hipotecado. O parágrafo único desse artigo, porém, acrescenta que pode ser convencionado que o crédito hipotecário ter-se-á por vencido, no caso de alienação. Nessa hipótese, o adquirente saberá que, ao adquirir o bem, deverá também liquidar a dívida que onera o imóvel. 

Ocorre com frequência que um imóvel de apartamentos em construção ou um imóvel de um empreendimento como um futuro loteamento aberto ou fechado seja dado em hipoteca. Essa hipoteca, como é evidente, de início onera a totalidade do imóvel. Posteriormente, quando instituído o condomínio e passam a ser vários os adquirentes-condôminos, a totalidade do imóvel continua gravada. Essa situação tem gerado questões complexas, gerando problemas sociais quando, por exemplo, o empreendedor originário se torna insolvente ou vai à bancarrota. Pois não sem atraso em nosso ordenamento, o CC 1.488 procura socorrer essas situações: se o imóvel, dado em garantia hipotecária vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito. 

Discriminando-se os 3 parágrafos, torna-se um direito dos proprietários de cada unidade desmembrada do imóvel originário, tanto na situação de condomínio como na de loteamento, requerer que a hipoteca grave, proporcionalmente cada lote ou unidade condominial, tanto que possuem eles legitimidade concorrente com o credor ou devedor para requerer essa divisão proporcional.

A dúvida que o dispositivo não esclarece é saber se cada titular do domínio, isoladamente, pode requerer essa divisão no tocante ao seu próprio quinhão. A melhor opinião é, em dúvida, nesse sentido, pois exigir que todos o façam coletivamente ou que a entidade condominial o faça, poderá retirar o alcance social que pretende a norma. Isto porque pode ocorrer que não exista condomínio regular instituído, como nos casos de loteamento, e principalmente porque todas as despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento correm por conta do requerente. Ainda que se convencione em contrário como menciona a lei, as custas e emolumentos de cunho oficial serão sempre pagos pelo interessado que requerer a medida, o qual poderá não ter meios ou não ter sucesso em uma ação de regresso. Se fosse exigido que a integralidade da divisão proporcional fosse feita em ato único, o elevado custo inviabilizaria, sem dúvida, a medida, nessa situação narrada. 

Nada impede, pois, que cada proprietário requeira que se atribua a seu imóvel ou sua unidade a proporção do gravame independentemente do próprio condomínio ou da totalidade de interessados fazê-lo. Por outro lado, não haverá problema registrário pois a nova situação ficará averbada junto a cada matrícula. A lei regulamentadora desse dispositivo deve atentar para esse fato, ainda porque raramente haverá interesse do credor ou devedor requerer esse desmembramento da hipoteca. De qualquer forma, mesmo que lei alguma permita expressamente o ato registrário, o decreto de desmembramento será feito por sentença judicial, como estatui esse dispositivo, e não se discute o seu mandamento. Deverá, no entanto, ser adaptada a lei registrária a essa problemática.

Por outro lado, no que é mais relevante nesse dispositivo, o credor somente poderá se opor ao pedido de desmembramento se provar que este importa em diminuição da sua garantia, o que, na prática, raramente deverá ocorrer. 

Ademais, como é de justiça e decorre da lei, ainda que ocorra o desmembramento do gravame, o devedor originário continuará responsável por toda a dívida hipotecária, salvo anuência expressa do credor.

Como esse direito de divisão proporcional do gravame deflui de uma situação de comunhão, não há prazo para que os proprietários das unidades, o credor ou o devedor requeiram essa medida, pois esse direito subjetivo se insere na categoria dos direitos potestativos. Enquanto perdurar a indivisão do ônus, pode o requerimento ser feito. Ainda, por essa razão, nada impede seja requerida a divisão ainda que iniciada a excussão de todo o imóvel ou que se oponha a esta o interessado por meio de embargos de terceiro. Aliás, no sistema do Código de 1916, já defendia-se essa posição. (Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil – sócio no  escritório Demarest e Almeida Advogados – Autor de obra completa de Direito Civil em seis volumes. (Silvio de salvo Venosa, intitulado “A hipoteca no novo Código Civil”, postado em 08/01/2003, no site migalhas.uol.com.br, acessado em 28.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.470, 1.471, 1.472 Do Penhor Legal - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.470, 1.471, 1.472

Do Penhor Legal - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção IX – Do Penhor Legal (Art. 1.467 a 1.472) - 

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Art. 1.470. Os credores, compreendidos no art. 1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem.

Na lição de Loureiro, o artigo em exame acrescentou à lei um dever ao credor pignoratício, qual seja o de fornecer ao devedor comprovante especificado dos bens de que se apossou sem intervenção judicial. 

A doutrina tradicional, amparada na lição de Clóvis Bevilaqua, entende que o penhor legal, independentemente do perigo da demora, se inicia com o apossamento dos bens pelo credor e se completa com a homologação judicial. Quando houver perigo na demora, pode ser iniciada desde logo a execução dos bens empenhados, sem se aguardar a homologação (Direito das coisas, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951,1.1, p. 68).

Parece, no entanto, preferível a interpretação que deram os autores mais modernos ao preceito, qual seja a de que o apossamento de bens por força própria do credor, sem intervenção judicial, somente é cabível quando houver perigo na demora. Caso não exista tal perigo, o credor deve pedir apossamento dos bens para constituição do penhor por ordem judicial (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 310-4).

Dito de outro modo, a autotutela somente se justifica em circunstâncias excepcionais, quando não haja outro meio para reparar a violação a direito subjetivo. A ausência de risco na demora das providências necessárias à constituição judicial do penhor é que autoriza que o credor primeiro aja e depois busque a chancela judicial de sua conduta.

É verdade que os arts. 703 a 706 do Código de Processo Civil preveem apenas a homologação do penhor legal, cujo apossamento foi previamente consumado pelo credor. Tais preceitos se aplicam apenas aos casos de urgência, que não poderiam aguardar o ajuizamento da medida judicial correta para apossamentos dos bens móveis do devedor. 

A novidade do Código Civil está na parte final do artigo, que atribui ao credor que se apossou de bens do devedor para constituição do penhor legal o dever de lhe passar recibo. O recibo deve conter a relação dos bens apossados e, embora não diga a lei, o valor e a natureza do crédito, para que possa o devedor reclamar judicialmente do excesso de garantia, ou de sua ilegalidade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.569-70.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Em reflexo ao todo explicitado acima, Guimarães e Mezzalira apontam que os credores poderão efetivar o penhor legal pessoalmente, antes de  recorrer à autoridade judiciária, se houver perigo da demora (risco do crédito), entregando aos devedores o comprovante dos bens retidos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.470, acessado em 27.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em artigo buscado no site anoreg.org.br, intitulado – Novo CPC e o penhor legal em cartório de notas – por Letícia Assumpção e Gustavo de Faria, trazem à baila “O Novo CPC e o penhor legal em cartório de notas, com notificação do devedor pelo Registrador de Títulos e Documentos”, nota jurisprudencial, nos seguintes termos:

“O art. 1.470 utiliza a expressão ‘apossar’ ao destacar dever do credor fornecer aos devedores o “comprovante dos bens de que se apossarem”.

15TJDFT, 5ª TURMA CÍVEL. APELAÇÃO N. 20090710162526APC (0001830-96.2009.8.07.0007). “Decisão proferida em 26 de novembro de 2014. Além disto, o fornecedor deve tão somente aceitar em penhor ou apreender os bens que sejam suficientes à satisfação do débito, uma vez que lhe é vedado exigir vantagem manifestamente excessiva (inciso V do art. 39 do C.D.C).

Essencial também que o credor dê o comprovante dos bens simultaneamente ao ato de apreensão, nos termos do art. 1.470 do Código Civil. A ausência do fornecimento deste comprovante, assim como da subsequente homologação, descaracteriza o penhor e pode, inclusive, ensejar indenização por dano moral, tal como já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Também o requerimento de homologação extrajudicial deve ocorrer seguidamente à apreensão dos bens, justificando-se a razão da apreensão realizada. O longo transcurso de tempo entre a apreensão e a homologação pode descaracterizar o penhor legal, uma vez que o caput do art. 703 estipula que o credor deve requerer a homologação em ato contínuo à tomada do penhor. (Letícia Assumpção e Gustavo de Faria, “O Novo CPC e o penhor legal em cartório de notas, com notificação do devedor pelo Registrador de Títulos e Documentos”, publicado em 21/03/2019, no site anoreg.org.br, Acessado 27/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Art. 1.471. Tomado o penhor, requererá o credor, ato contínuo, a sua homologação judicial.

 

Em comento, Loureiro, o artigo em exame corresponde ao art. 780 do Código Civil de 1916, com alterações. Foram extraídas as regras de natureza adjetiva, disciplinadas nos arts. 703 a 706 do Código de Processo Civil.

 

O penhor judicial, nos casos urgentes, constitui-se em duas etapas. A primeira é o apossamento do bem móvel pelo credor, por sua própria força. A segunda é a homologação judicial do comportamento do credor.

 

Deve o credor requerer, ato contínuo, a homologação judicial do penhor, instruindo a inicial com a conta pormenorizada das despesas, a tabela de preços e a relação dos objetos apossados; no caso de locação, o contrato escrito, com os respectivos recibos e memória de cálculo.

 

O devedor é citado para, no breve prazo de 24 horas, ofertar defesa, na qual somente poderá alegar: i) a nulidade do processo, ii) a extinção da obrigação e iii) não estar a dívida compreendida nas hipóteses do art. 1.467 do Código Civil. 

Homologado o penhor, os autos serão entregues, independentemente de traslado, ao interessado, que poderá, então, iniciar a execução da garantia. Indeferida a homologação, a posse do credor, que era direta e justa, converte-se em posse injusta, marcada pelo vício da precariedade. Deve devolver os bens empenhados ao devedor e cobrar seu crédito como quirografário. Caso não devolva os bens, pode o devedor ajuizar ação possessória ou petitória para reavê-los.  (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.570.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Segundo instrução de Ricardo Fiuza, feito o penhor, o credor deverá requerer — por petição instruída com a conta detalhada das despesas, com a tabela dos preços em vigor e com a relação dos objetos retidos para a garantia do débito (arts. 703 a 706 do CPC) — sua homologação judicial. • É este dispositivo idêntico ao art. 780 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 746-47, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Ainda sob orientação de Letícia Assumpção e Gustavo de Faria sabe-se, a 12ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu que “Não observando o locador os termos do CC 1.471, que permite a ele o penhor legal dos bens móveis do locatário pelo valor dos aluguéis devidos, a retenção dos bens se afigura ilegal.”

O Relator, Desembargador Saldanha da Fonseca asseverou em seu voto que:

 “Assim sendo, a retenção dos móveis pelo locador pode não ser ilegal; contudo, para que o penhor se faça na forma da lei, não pode o locador somente reter os bens móveis, devendo também cumprir o art. 1.471 do Código Civil, requerendo a homologação judicial. Desatendido o comando legal, não pode se sustentar a retenção dos bens pertencentes ao agravante, restando configurado o abuso de direito.”

16TJSP – 26ª Câmara – Apelação com Revisão n° 992.06.064952-5 (1.079.854-0/9) São José Do Rio Preto. Trecho da Ementa: “No caso, não há prova de que a ré deu ao devedor, ou às autoras, comprovante dos bens de que se apossou nem de que, ato contínuo, requereu a homologação judicial do penhor legal (arts. 703 a 706, CPC), nos termos do CC 1.471.” (Letícia Assumpção e Gustavo de Faria, “O Novo CPC e o penhor legal em cartório de notas, com notificação do devedor pelo Registrador de Títulos e Documentos”, publicado em 21/03/2019, no site anoreg.org.br, Acessado 27/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Nesse sentido, Talita Pozzebon Venturini entende o art. 1467, CC/02, que são credores pignoratícios e independente de convenção: I – os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiveram consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; II – o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio ou rendas. O limite da tomada de objetos é o necessário quantitativamente para compreender a dívida, não sendo possível a retenção extensiva, sem alcances.

Para que seja concretizado o penhor, é imprescindível homologação judicial, para que então seja legalizada a posse tomada pelo credor e concretizar a construção do débito garantido por garantia real, conforme. Art. 1471, CC/02. Caso não seja homologado pelo juiz, o credor ficará evidenciado como mero detentor da coisa do devedor, podendo ainda ser configurado o esbulho.

Interessante observar que se configurará penhor legal, desde que o hóspede, fornecido, consumidor, inquilino etc., tenha simbolizado uma hospedagem habitual, no qual tenha permanecido no mesmo por alguns dias. Diferentemente daquele que se hospeda acidentalmente ou porque é de extrema necessidade o seu paradeiro por tempo ínfimo, como por exemplo, o viajante que, cansado de viajar, passa a noite em um hotel e no dia seguinte, segue viagem. Nestes casos, como mencionado, não caberá o penhor legal. (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 27.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.472. Pode o locatário impedir a constituição do penhor mediante caução idônea.

 

Como esclarece Loureiro, Confere apenas a uma das hipóteses do art. 1.467 - locação - a possibilidade de o devedor impedir a constituição do penhor, mediante a prestação de caução. A caução pode ser em dinheiro, real ou fidejussória, desde que idônea para assegurar o recebimento do crédito, e pode ser pleiteada em ação cautelar própria (art. 829 do CPC) ou em defesa na homologação judicial do penhor. 

Embora não diga o artigo, os devedores de serviços de hospedagem e consumo de alimentos também podem prestar caução em dinheiro enquanto discutem a exigibilidade do crédito. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.570-71.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Dando continuidade ao seu comentário, Talita Pozzebon Venturini, o dono da coisa empenhada poderá conseguir a liberação do seu bem com determinada quantia estipulada de caução depositada em juízo, conforme aduz o CC 1472.  “Pode o locatário impedir a constituição do penhor mediante a caução idônea”.

Por fim, cumpre dizer que o penhor, direito real de garantia, seja qual for a sua modalidade, tem por finalidade abonar a obrigação do credor, seja pela transferência da sua posse ao devedor (regra geral) ou não (modalidades especiais). (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 27.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Concluindo o Capítulo II, Guimarães e Mezzalira apontam que o locatário pode impedir a constituição do penhor mediante o oferecimento de caução idônea, que pode ser real ou fidejussória. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.472, acessado em 27.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.467, 1.468, 1.469 Do Penhor Legal - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.467, 1.468, 1.469

Do Penhor Legal - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção IX – Do Penhor Legal (Art. 1.467 a 1.472) - 

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 Art. 1.467. São credores pignoratícios, independentemente de convenção: 

I — os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; 

II — o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas.

O Mestre Loureiro define penhor legal acompanhando Barros Monteiro como a “garantia instituída pela lei para assegurar o pagamento de certas dívidas que, por sua natureza, reclamam tratamento especial. Esse penhor independe de convenção, resultando, exclusivamente, da vontade expressa do legislador” (Barros Monteiro, Washington de. Curso de direito civil, 37. ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 362). Tal como ocorre no usufruto legal, no direito real de habitação legal e na hipoteca legal, a lei arma certos credores ou titulares de direitos em situação jurídica especialmente vulnerável com a faculdade de constituírem direitos reais sobre coisa alheia independentemente de convenção.

O penhor legal, porém, somente existe quando constituído pelo credor, que, usando da faculdade que a lei lhe assegura, se apodera por força própria de certos bens móveis do devedor. É um dos casos excepcionais admitidos pela lei civil, que facultam ao titular do direito o exercício da autotutela. Não há qualquer inconstitucionalidade no preceito, uma vez que, tão logo se apodere dos bens, deverá o credor requerer em juízo a homologação do penhor legal. Não é, portanto, um penhor tácito nem mero privilégio pessoal. Por se tratar da imposição de um ônus, deve ser interpretado restritivamente.

Não se confunde o penhor legal com o direito de retenção, do qual difere: a) pela tomada da posse do objeto, que se acha em poder do devedor, o que não se dá no direito de retenção, que pressupõe a posse do retentor; b) pelo direito de excussão do bem empenhado, após homologação judicial; c) porque recai somente sobre bens móveis do devedor (Beviláqua, Clóvis. Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951,1.1, p. 67).

Discute-se até onde vai o poder de autotutela do credor. Tal como ocorre no § Iº do CC 1.210, anteriormente comentado, deve o credor usar de meios moderados e estritamente necessários ao exercício da faculdade que a lei lhe concede, se necessário com concurso da autoridade policial. Não se admite, porém, que para garantia do crédito se ofendam direitos fundamentais do devedor.

O inciso I diz que têm penhor legal os (i) hospedeiros, (ii) fornecedores de pousada e (iii) fornecedores de alimento. A interpretação sistemática do preceito com o artigo subsequente, que exige tabela impressa, prévia e ostensivamente exposta na casa, deixa claro que o benefício alcança apenas aqueles que exercem a atividade com habitualidade e caráter oneroso. No que se refere aos fornecedores de alimentos, alcança, segundo Gladston Mamede, somente a atividade de restauração, na qual alimentos são preparados e podem ser consumidos no próprio local e não a venda de alimentos em mercados, mercearias e supermercados (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 299).

O penhor recai sobre bagagens, joias, móveis ou dinheiro, em garantia das despesas realizadas naquele momento, não servindo débitos pretéritos, que os consumidores tiverem consigo no restaurante, hotel ou hospedaria, desde que penhoráveis, em obediência às regras dos arts. 833 e 834 do Código de Processo Civil e Lei n. 9.009/90, como veremos adiante. Alerta, com razão, Marco Aurélio S. Viana que o penhor recai também sobre o veículo que o devedor tenha na garagem do estabelecimento. Devem os bens tomados em garantia pertencer ao devedor, com a ressalva de que podem recair sobre bens de integrantes de um grupo, como joias da esposa que se hospeda com o marido (Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 785). 

O inciso II diz que tem penhor legal o dono de prédio rústico ou urbano sobre bens móveis do rendeiro ou inquilino que estiverem guarnecendo o prédio, para garantia dos aluguéis e rendas. Abrange os contratos de locação de coisa, urbana ou rural, desde que imóvel, bem como os de constituição de renda. A expressão dono de prédio tem o sentido de locador, não se exigindo a existência de construção e nem de título dominial. O objeto são bens móveis que guarnecem o prédio, abrangendo não somente o mobiliário como também veículos, máquinas, arados e animais que se encontram sobre o imóvel rural ou urbano, conforme o caso. Mais uma vez se destaca que não pode o penhor, dada sua origem legal, recair sobre bens impenhoráveis. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.567-68.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Resumindo em sua doutrina, para Ricardo Fiuza o penhor legal não decorre de convenção entre as partes, mas sim do negócio, como, por exemplo, o do hoteleiro sobre os bens dos hóspedes. em garantia do pagamento de suas despesas. • o artigo é idêntico ao de n. 776 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 745, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Expõe-se aqui, exemplificativamente, o seguinte Acórdão: Apelação Cível n. 2007.05.1.001334-9, de Brasília. Relator: Des. Ana Maria Duarte Amarante Brito. Data da decisão: 06.10.2010. Órgão 6ª Turma Cível Processo N. Apelação Cível 20070510013349APC Apelante(s): ICS INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE Apelado(s): ESPÓLIO DE RAIMUNDO ARAÚJO COSTA Relatora: Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito Revisor: Desembargador JAIR SOARES Acórdão Nº 453.326. EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL NÃO REQUERIDA OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO. HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL. GARANTIA SOBRE ALUGUÉIS INADIMPLIDOS. LEGALIDADE. EXTENSÃO DA GARANTIA PARA ALCANÇAR O VALOR DAS REFORMAS EFETUADAS NO IMÓVEL. NÃO CABIMENTO. A possibilidade atribuída à Curadoria de Ausentes, no sentido de protocolar contestação por negativa geral, e, assim, tornar controvertidos os fatos deduzidos pelo autor, não acarreta a imediata e automática produção irrestrita de provas, independentemente de pedido das partes. Não havendo qualquer pedido de produção de prova pericial, aliado à inexistência nos autos de elementos hábeis a demonstrar a necessidade da prova técnica, não há que se falar em cerceamento de defesa, se o julgador monocrático decide a lide unicamente com base na prova documental acostada aos autos, mormente quando esta prova se mostra suficiente para a formação do convencimento do magistrado. De acordo com doutrina de Francisco Eduardo Loureiro, constitui-se o penhor legal quando o credor, "usando da faculdade que a lei lhe assegura, se apodera por força própria de certos bens móveis do devedor". Prossegue aduzindo que "o inciso II diz que tem penhor legal o dono do prédio rústico ou urbano sobre bens móveis do rendeiro ou inquilino que estiverem guarnecendo o prédio, para garantia dos aluguéis e rendas. Abrange os contratos de locação de cosa, urbana ou rural, desde que imóvel, bem como os de constituição de renda." (in Código civil comentado. 3ª edição. São Paulo: Manole, 2009. p. 1.467). Tem o locador do imóvel alugado o direito de obter o penhor legal dos móveis deixados pelo locatário, a fim de garantir o pagamento dos aluguéis devidos, nos termos do artigo 1.467, II, do Código Civil. Todavia, gastos com a reforma do imóvel, compreendendo materiais de construção e mão-de-obra, não se incluem no conceito de aluguéis e acessórios, para efeito de garantia por penhor legal, motivo pelo qual devem ser excluídos da garantia pignoratícia. Não ostentando a ação grande complexidade, tampouco exigindo excessivo tempo de trabalho dos patronos, mostra-se exorbitante a verba honorária arbitrada em quase 70% do valor da causa, merecendo, pois, diminuição. Apelo conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO: Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Relatora, JAIR SOARES - Revisor, VERA ANDRIGHI - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador JAIR SOARES, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. 

Brasília (DF), 6 de outubro de 2010 Certificado nº: 44 36 98 76 07/10/2010 - 18:20 Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO Relatora. 

RELATÓRIO: O relatório é, em parte, o da r. sentença de fls. 147/149, que ora transcrevo: "ESPÓLIO DE RAIMUNDO ARAÚJO COSTA promoveu ação de homologação de penhor legal em face de ICS - INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE, aduzindo, em síntese, que o falecido celebrou com o réu um contrato de locação, estando o locatário inadimplente com a obrigação de pagamento dos alugueres. Ocorre que o imóvel estava sendo desocupado, pelo que se utilizou da faculdade prevista nos arts. 1.467 e ss., do Código Civil. Requereu, ao final, a homologação do penhor dos bens descritos à fl. 07 [que foram deixados no imóvel pelo locatário].

O réu foi citado por edital e, diante da sua inércia, foi-lhe nomeada a Defensoria Pública como curador especial, que apresentou contestação. Afirmou, em síntese, que o valor dos bens retidos é superior ao montante da dívida e que não restou demonstrado que o credor esgotou os meios de que dispunha para receber a sua dívida. Acrescentou que os bens tomados em penhor são essenciais para o desenvolvimento da atividade do réu e, no mais, contestou por negativa geral.

Às fls. 137/138 o autor rebateu os argumentos da contestação e ratificou os termos da inicial, ressaltando a intempestividade da resposta. À fl. 141- verso o réu requereu a produção de prova oral e o autor, à fl. 143, pugnou pelo julgamento antecipado."

Acrescento que foi proferida sentença julgando procedente o pedido aduzido na inicial, para homologar o penhor dos bens indicados pelo autor à fl. 07, os quais pertencem ao réu locatário, e foram deixados no imóvel quando da desocupação.

Em face da sucumbência, o réu foi condenado a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00. Irresignado, apela o réu, por meio da Curadoria de Ausentes (fls. 151/163).

Preliminarmente, alega, em suas razões recursais, que o autor realizou obras de reforma no imóvel locado, incluindo, no valor devido pelo apelante, a ser garantido pelo penhor legal, os gastos com material e mão-de-obra. Sustenta ser imprescindível a produção de prova pericial para verificar a extensão e os valores das obras realizadas pelo autor apelado no imóvel. Sustenta que o julgador a quo, ao indeferir a produção da prova pericial e quaisquer outras provas, incorreu em cerceamento de defesa, devendo o processo ser anulado para a realização das provas pericial e oral necessárias.

No mérito, aduz que o penhor legal somente se dá pelos aluguéis ou rendas devidos. O autor, contudo, pretendeu a realização do penhor legal com arrimo em gastos com material de construção e mão-de-obra utilizados na reforma do imóvel alugado, o que não se coaduna com o disposto no artigo 1467, inciso II, do Código Civil. Assevera que o penhor legal é medida de caráter excepcional, somente permitida em casos expressos no ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso de dívidas com aluguéis e rendas.

Por fim, sustenta que os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00, mostram-se exorbitantes. Requer seja conhecido e provido o recurso, acolhendo-se a preliminar de cerceamento de defesa. No mérito, pugna pela reforma da sentença, julgando-se improcedente a pretensão de penhor legal manejada pelo apelado. Eventualmente, pleiteia a minoração da verba honorária advocatícia. Preparo dispensado, tendo em vista que o recurso foi interposto pela Curadoria de Ausentes. Contrarrazões às fls. 169/172, oportunidade em que o autor pleiteia o não-provimento do recurso. É o relatório. (Acórdão: Apelação Cível n. 2007.05.1.001334-9, de Brasília. Relator: Des. Ana Maria Duarte Amarante Brito. Data da decisão: 06.10.2010. Órgão 6ª Turma Cível Processo N. Apelação Cível 20070510013349APC Apelante(s): ICS INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE Apelado(s): ESPÓLIO DE RAIMUNDO ARAÚJO COSTA Relatora: Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito Revisor: Desembargador JAIR SOARES Acórdão Nº 453.326. EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL NÃO REQUERIDA OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO. HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL. GARANTIA SOBRE ALUGUÉIS INADIMPLIDOS. LEGALIDADE. EXTENSÃO DA GARANTIA PARA ALCANÇAR O VALOR DAS REFORMAS EFETUADAS NO IMÓVEL. NÃO CABIMENTO (cc2002.com.br – noticia > tjdft-penhor-legal- art. 1467, Acessado 26/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Art. 1.468.  A conta das dívidas enumeradas no inciso I do artigo antecedente será extraída conforme a tabela impressa, prévia e ostensivamente exposta na casa, dos preços de hospedagem, da pensão ou dos gêneros fornecidos, sob pena de nulidade do penhor.

Na forma como explica Loureiro, a regra é simples e exige que os créditos de i) hospedeiros, ii) fornecedores de pousada e iii) fornecedores de alimento, previstos no inciso I do artigo antecedente, deve ser fundado em tabela impressa prévia e ostensivamente exposta ao consumidor. O preceito traduz os deveres de prévia informação e cautela, decorrentes da boa-fé objetiva e do Código de Defesa do Consumidor. Devem as informações ser completas e abranger todos os serviços e produtos cobrados, como preços do cardápio, de serviços de quarto, lavanderia, telefonia e outros onerosos ofertados aos hóspedes.

Não se exige que a conta constitua título executivo, prevista no art. 784 do Código de Processo Civil, bastando que seja líquida, certa e exigível para ensejar o direito ao penhor legal. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.568-69.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Apesar da importância das características óbvias, como demonstram Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, Penhor legal é uma espécie de direito real sobre coisa alheia. Não necessita de contrato ou convenção entre as partes, sendo formado por ato unilateral do credor ou por força da lei, diferente do penhor comum e até de algumas espécies de penhor especial que exigem o acordo.

As despesas não pagas, as quais objetivam o penhor legal, devem ser atuais e não pretéritas. Devendo ainda que sejam justas, corretas, fiéis e de acordo com os preços ou taxas fixado em tabela exposta no local da hospedagem, pensão ou dos gêneros fornecidos, sob pena de nulidade do penhor. Art. 1468, CC/02, contudo, faz-se necessário buscar a legitimidade e objeto, que estão no art. Imediatamente antecedente, CC 1.467, que, nesse sentido, entende o dispositivo, que são credores pignoratícios e independente de convenção:

I – os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, joias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiveram consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; II – o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio ou rendas. O limite da tomada de objetos é o necessário quantitativamente para compreender a dívida, não sendo possível a retenção extensiva, sem alcances, assunto que será tratado na referência ao CC 1.472. (Franceschina e Aline Oliveira Mendes de Medeiros, ao falarem dos “Direitos reais de garantia, do penhor e artigos comentados individualmente”, publicado no site Lexmagister.com.br, Acessado 26/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na apresentação de Guimarães e Mezzalira, a validade da realização do penhor pelo hospedeiro ou fornecedor de pousada depende da apresentação de conta elaborada com base em tabela impressa, exposta de forma prévia e ostensiva.

A elaboração da conta na forma deste artigo afasta a alegação, por parte do hóspede ou consumidor, de que ignorava os valores ou de que eles seriam exagerados, pois teria aderido aos termos do contrato.  (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.468, acessado em 26.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.469. Em cada um dos casos do art. 1.467, o credor poderá tomar em garantia um ou mais objetos até o valor da dívida.

Da forma como expõe Loureiro, o artigo em exame deve ser interpretado em consonância com o que dispõe o art. 1.467, anteriormente comentado. Não são todos os bens móveis do devedor que podem ser tomados em penhor, mas somente aqueles mencionados nos incisos I e II do citado artigo. Os bens móveis pessoais devem estar em poder do hóspede ou cliente do restaurante, ou guarnecer o imóvel locado. Não recai a garantia legal, portanto, a outros bens do devedor que se encontrem em local diverso.

Embora não diga o artigo em exame, tem razão Gladston Mamede ao alertar que, como não há concurso da vontade do devedor no penhor legal, somente podem ser tomados em garantia os bens legalmente penhoráveis. Disso decorre que não recai o penhor sobre os bens referidos nos arts. 833 e 834 do Código de Processo Civil e Lei n. 8.009/90. 

Além disso, o penhor legal, em vista de sua excepcionalidade e de permitir a autotutela do credor, está limitado a tantos bens quantos bastem para satisfação do crédito, numa estimativa razoável. O excesso de garantia, ou sua incidência sobre bens impenhoráveis sujeitam o credor aos efeitos do abuso de direito, previsto no CC 187. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.569.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Na visão de Guimarães e Mezzalira, o credor poderá apreender objetos independentemente de autorização judicial, sendo que a quantidade será regulada pelo valor da dívida. 

O dispositivo pressupõe duas providências: a) a apuração do valor da dívida; b) a avaliação dos objetos empenhados. Em se tratando de atos unilaterais, os valores poderão ser impugnados judicialmente, por ocasião da homologação do penhor (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, Volume V, 2010, p. 583).  (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.469, acessado em 26.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No site de modeloinicial.com.br/lei/CC/codigo-civil/art-1469, um acórdão no TJ-SP, publicado em 29/06/2019, chama a atenção, exemplificativamente para o comentário do artigo em pauta:

APELAÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA REQUERIDA EM GRAU DE RECURSO. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. CONSTATAÇÃO. DIREITO AO BENEFÍCIO. RECURSO PROVIDO NESSA PARTE, COM DETERMINAÇÃO SOBRE O INÍCIO DE VIGÊNCIA. Nos termos da legislação de regência sobre a matéria, o benefício da gratuidade da justiça não é concedido apenas aos miseráveis, mas também àqueles que estejam em situação econômica que não lhes permitam pagar despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio ou da família. No caso em julgamento, o pedido da gratuidade da justiça foi formulado em grau de recurso por sustentar insuficiência financeira para arcar com as custas e despesas do processo na forma da lei. Havendo convicção a respeito da atual hipossuficiência financeira do réu, possível conceder a gratuidade da justiça com efeito a partir de sua formalização. APELAÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO VERBAL FIRMADO ENTRE AS PARTES PARA OCUPAÇÃO DE GALPÃO COM MAQUINÁRIOS. RESCISÃO DETERMINADA, MAS, APÓS ESSE TERMO INCONTROVERSO, AS PARTES PACTUARAM NOSSO AJUSTE PARA MANTER EQUIPAMENTOS ATÉ A DESOCUPAÇÃO FINAL. OBRIGAÇÃO QUE NÃO SE CONFUNDE COM LOCAÇÃO. PRESTAÇÃO MENSAL INADIMPLIDA. RETENÇÃO DO EQUIPAMENTO EM PODER DO AUTOR. COMPORTAMENTO INDEVIDO. PROIBIDO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA. INEXISTÊNCIA DA FIGURA DO PENHOR LEGAL PARA GARANTIA DO VALOR DA DÍVIDA. ORDEM JUDICIAL PARA RESTITUIÇÃO. RECURSO PROVIDO NESSA PARTE, COM DETERMINAÇÃO DE AJUSTE PELO PERÍODO EM QUE O MAQUINÁRIO PERMANECEU NO IMÓVEL. 1.- No caso em julgamento, vislumbra-se o que o autor extrapolou o exercício da autotutela mantendo o equipamento em seu poder. Isso por que, não havendo contrato de locação vigente, o autor, dono do galpão, não se enquadra na figura jurídica definida como penhor legal, nos termos do art. 1.467, II, do Código Civil (CC), podendo para garantia da dívida manter o maquinário até a satisfação da obrigação devida (art. 1.469 do CC). A retenção praticada pelo autor é indevida e malgrado o réu não seja o legítimo proprietário, ao menos, a condição de possuir está comprovada, cabendo a imperiosa restituição para restabelecer sobre o bem móvel os plenos poderes do exercício de fato que ele tem direito. 2.- O valor exigido pelo autor a título de prestação pela permanência do equipamento no galpão deverá ser decotado a partir do ajuizamento da ação (novembro de 2018). A ilegalidade praticada pela retenção do bem móvel não pode propagar efeitos de cunho patrimonial cujo beneficiário possa ser aquele que praticou o referido ato. APELAÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO VERBAL FIRMADO ENTRE AS PARTES PARA OCUPAÇÃO DE GALPÃO COM MAQUINÁRIOS. RESCISÃO DETERMINADA, MAS, APÓS ESSE TERMO INCONTROVERSO, AS PARTES PACTUARAM NOSSO AJUSTE PARA MANTER EQUIPAMENTOS ATÉ A DESOCUPAÇÃO FINAL. PRESTAÇÃO MENSAL INADIMPLIDA. RETENÇÃO DO EQUIPAMENTO EM PODER DO AUTOR. DIREITO MATERIAL. LUCROS CESSANTES. PRETENSÃO QUE DEVE SER DISCUTIDA, SE O CASO, EM AÇÃO AUTÔNOMA. RECURSO IMPROVIDO NESSA PARTE. No que tange aos lucros cessantes, a importância dessa discussão não poderá ser resolvida neste processo, porquanto o réu não propôs reconvenção. A afirmação da violação de eventual direito, no caso, deverá ser feita em ação autônoma. Além disso, o réu pede indenização para si e ao verdadeiro proprietário do equipamento, mas, este, não é parte no processo, não podendo, assim, pleitear direito alheio em nome próprio. (TJSP;  Apelação Cível 1007039-59.2018.8.26.0597; Relator (a): Adilson de Araujo; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sertãozinho - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/06/2019; Data de Registro: 29/06/2019). (modeloinicial.com.br/lei/CC/codigo-civil/art-1469, um acórdão no TJ-SP, publicado em 29/06/2019, acessado 26/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).