segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 20 Descriminantes putativas – Erros sobre elementos do tipo VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 20

Descriminantes putativas – 

vargasdigitador.blogspot.com –

digitadorvargas@outlook.com –

 VARGAS, Paulo S. R.

Whatsapp: +55 22 98829-9130

Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Erro sobre elementos do tipo

 

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

Descriminantes putativas

 

§ 1º É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tomaria a ação legítima. Mão há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

Erro determinado por terceiro

 

§ 2º Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

 

Erro sobre a pessoa

 

§ 3º O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

As apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime doloso e crime culposo – Art. 20 do CP, p. 62-65 se iniciam com o conceito de erro:

 

Erro, seguindo a lição de Luiz Flávio Gomes, “é a falsa representação da realidade ou o falso ou equivocado conhecimento de   um objeto (é um estado positivo.)“. Conceitualmente, o erro difere da ignorância: esta é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto (("O objeto do erro de tipo não tem a extensão sugerida pela lei plena): o tipo legal é um conceito constituído de elementos subjetivos e objetivos, mas o erro de tipo só pode incidir sobre elemento objetivo do tipo legal, um conceito menos abrangente do que elemento constitutivo do tipo legal, que incluí a dimensão subjetiva do tipo" (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 82, (“é um estado negativo”). (GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 23).

 

Erro de tipo - Entende-se por erro de tipo aquele que recai sobre as elementares circunstâncias ou qualquer dado que se agregue à determinada figura típica, ou ainda aquele, segundo Damásio, incidente sobre os “pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora", (JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, v. j, p. 265).

 

Segundo Wessels, ocorre um “erro de tipo quando alguém não conhece, ao cometer o fato, uma circunstância que pertence ao tipo legal. O erro de tipo é o reverso do dolo do tipo: quem atua ‘não sabe o que faz’, falta-lhe, para o dolo do tipo, a representação necessária”. (WESSELS, Johannes. Derecho penal - Parte general, p. 129).

 

Quando o agente tem essa “falsa representação da realidade", falta-lhe, na verdade, a consciência de que pratica uma infração penal e, dessa forma, resta afastado o dolo que, como vimos, é a vontade livre e consciente de praticara conduta incriminada.

 

Se o recorrente sequer tinha conhecimento que a área por ele alugada era considerada de preservação permanente, acreditando piamente tratar-se de área destinada ao plantio, configurado está o erro de tipo, pois o agente nem ao menos sabia que estava, através de sua atividade agrícola, impedindo ou dificultando a regeneração de florestas e demais formas de vegetação, elementares do tipo penal insculpido no art. 48 da Lei ne 9.605/98, cuja inexistência de forma culposa impõe a decretação da absolvição (TJMG, AC 1.0024.06.106430-9/001, Rel. Des. Judimar Biber, DJ 30/5/2007).

 

O acusado que porta Carteira Nacional de Habilitação falsificada, acreditando tratar-se de documento legítimo, não pratica o delito previsto no art. 304 do CP. Erro de tipo que afasta a caracterização do fato como criminoso (TJRS, AC 70018565 275, 4ª C. Rel. Des. Gaspar Marques Batista).

 

Consequências do erro de tipo - O erro de tipo, afastando a vontade e a consciência do agente, exclui sempre o dolo.  Entretanto, há situações em que se permite a punição em virtude de sua conduta culposa, se houver previsão legal. Podemos falar, assim, em erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável) e erro de tipo vencível (inescusável, injustificável, evitável).

 

Erro de tipo essencial e erro de tipo acidental - Ocorre o erro de tipo essencial quando o erro do agente recai sobre elementares, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica. O erro de tipo essencial, se inevitável, afasta o dolo e a culpa; se evitável, permite seja o agente punido por um crime culposo, se previsto em lei. O erro acidental, ao contrário do essencial, não tem o condão de afastar o dolo (ou o dolo e a culpa) do agente, e, na lição de Aníbal Bruno, “não faz o agente julgar lícita a ação criminosa. Ele age com a consciência da antijuridicidade do seu comportamento, apenas se engana quanto a um elemento não essencial do fato ou erra no seu movimento de execução". (BRUNO, Aníbal. Direito penal - Parte geral, I, II, p. 123).

 

Poderá o erro acidental ocorrer nas seguintes hipóteses: a) erro sobre o objeto (error in objecto); b) erro sobre a pessoa (error in persona) - art. 20. § 32, do Código Penal; c) erro na execução (aberratio ictus) - art. 73 do Código Penal; d) resultado diverso do pretendido (aberratio críminis) - art. 74 do Código Penal; e) aberratio causae.

 

Descriminantes putativas - Diz respeito à situação em que o agente, nos termos do § 1º do art. 20 do Código Penal, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. O agente, portanto, atua acreditando estar agindo justificadamente, ou seja, em legítima defesa, em estado de necessidade, no estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito quando, na verdade, a situação que permitiria tal atuação não existe no mundo real, sendo, tão somente, imaginada por ele.

 

Efeitos das descriminantes putativas - Nos termos do art. 20, § 1º, do Código Penal, o erro plenamente justificável pelas circunstâncias, ou seja, o erro escusável, isenta o agente de pena. Sendo inescusável, embora ele tenha agido com dolo, será responsabilizado como se tivesse praticado um delito culposo.

 

Acusado que, em face de errônea apreciação da realidade fática, supôs atuar em legítima defesa porque, ao retirar-se do salão durante o tiroteio, deparando-se com um indivíduo, contra ele atirou, pensando ser integrante do grupo de agressores. Incidência da descriminante putativa derivada de erro de tipo permissivo (...J (TJRS, Ap. Crim. 696162858, 22 Câm. Crim., Rel. Luiz Armando Bertanha de Souza Leal, j. 22/5/1997).

 

Hipóteses de erro nas descriminantes putativas - Para que se tenha um erro de tipo, nas hipóteses de descriminantes putativas, 'é preciso que o agente erre, como diz o § 1º do art. 20 do Código Penal, sobre uma situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.

 

Diante dessa expressão, podemos fazer a seguinte ilação: somente quando o agente tiver uma falsa percepção da realidade no que diz respeito à situação de fato que o envolvia, levando-o a crer que poderia agir amparado por uma causa de exclusão da ilicitude, é que estaremos diante de um erro de tipo. Quando o erro do agente recair sobre a existência ou mesmo sobre os limites de uma causa de justificação, o problema não se resolve como erro de tipo, mas, sim, como erro de proibição, previsto no art. 21 do Código Penal.

 

Para caracterizar a legítima defesa putativa, não basta uma situação ofensiva imaginária por parte do agente, sendo necessário prova concreta de que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, o agente tenha suposto situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, e, via de consequência, o isentasse da pena. Não demonstrada a possibilidade de agressão ou situação que permitisse presumi-la, não há falar em legítima defesa putativa, impondo o decreto condenatório do agente (TJMG, Processo 1.0210.05.032796-9/001, Rel. Des. Eli Lucas de Mendonça, DJ 9/10/2008).

 

Se a prova dos autos não demonstrou que o agente supôs, erroneamente, a ocorrência de uma causa de justificação que, caso verificada, tornaria legítima a sua conduta (art. 20, § 1º, primeira parte, do Código Penal), não se configura a descriminante putativa da legítima defesa (TJRS, Ap. Crim. 700080 94526, 3ª Câm. Crim., Rel. Danúbio Edon Franco, j. 18/3/2004).

 

Teorias extremada e limitada - Segundo Assis Toledo, para a “teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição”, (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 285), não importando, aqui, distinguir se o erro em que incorreu o agente incide sobre uma situação de fato, sobre a existência ou mesmo sobre os limites de uma causa de justificação.

 

• A teoria limitada da culpabilidade difere da teoria anterior em um ponto muito importante: para a teoria limitada, se o erro do agente recair sobre uma situação fática, estaremos diante de um erro de tipo, que passa a ser denominado de erro de tipo permissivo; caso o erro do agente não recaia sobre uma situação de fato, mas, sim, sobre os limites ou a própria existência de uma causa de justificação, o erro passa a ser, agora, o de proibição.

 

A nova Parte Geral do Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade, conforme se dessume do item 17 da sua Exposição de Motivos.

 

Teoria da culpabilidade que remete às consequências jurídicas - Conforme preleciona Luiz Flávio Gomes, “o erro de tipo permissivo, segundo a moderna visão da culpabilidade, não é um erro de tipo incriminador excludente do dolo nem pode ser tratado como erro de proibição: é um erro sui generis (recte: erro de proibição sui generis), excludente da culpabilidade dolosa: se inevitável, destarte, exclui a culpabilidade dolosa, e não o dolo, não restando nenhuma responsabilidade penal para o agente; se vencível o erro, o agente responde pela culpabilidade negligente (pela pena do crime culposo, se previsto em lei), não pela pena do crime doloso, com a possibilidade de redução. Esta solução apresentada pela ‘teoria da culpabilidade que remete à consequência jurídica’ é a que, segundo penso, está inteiramente de acordo com o nosso jus positum. É ela que, adequadamente ao Código Penal brasileiro, explica a natureza jurídica, as características e as consequências do erro nas descriminantes putativas fáticas (erro de tipo permissivo), disciplinado no art. 20, § 1º, do CP." (GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição, p. 184). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime doloso e crime culposo – Art. 20 do CP, p. 62-65. Editora Impetus.com.br, acessado em 31/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para a crítica de Victor Augusto em artigo intitulado “Erro de tipo, descriminantes putativas, erro determinado por terceiro e error in perdonam”, comentários ao art. 20 do CP:

 

erro de tipo é o equívoco sobre os elementos que compõem a conduta típica. É a errônea representação do mundo dos fatos, situação que faz com que o elemento subjetivo do agente não se alinhe à realidade efetivamente vivenciada. Essa ruptura ocorre entre o psicológico do agente (que o faz atuar com base em um cenário inexistente) e o a realidade.


É possível destrinchar essas ideias básicas para melhor compreensão através de um exemplo. Imagine o crime de violação de correspondência: “Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem”:

A sua tipificação depende da compreensão de certos elementos típicos: a) a devassa; b) a correspondência; c) a condição de estar fechada; e d) o fato de estar dirigida a outrem.

O agente pode se equivocar sobre todos esses elementos, excluindo o dolo necessário à punição pelo crime. Por exemplo, ele pode pensar que a correspondência é para ele. Talvez ele pode pensar que a correspondência já estava aberta, ou que não se tratava de correspondência, mas de algum panfleto publicitário.

No final das contas, ele representou equivocadamente a realidade, errando sobre elementos do tipo.

Como esse crime não permite modalidade culposa, não há crime, pois não há dolo e, consequentemente, não há tipicidade.

Exemplos: o professor de anatomia golpeia mortalmente o corpo humano vivo, trazido ao anfiteatro, supondo tratar-se de um cadáver (não é punível por homicídio doloso e, se invencível o erro, nem mesmo por homicídio culposo); o visitante leva consigo, ao retirar-se, confundindo-o com o seu, o chapéu de sol do dono da casa (não é punível a título de furto); […] Hungria; Fragoso, 1978, P. 226-227.

A ideia por trás de toda modalidade de erro de tipo é, portanto, a equivocada representação do mundo fático. Inclusive, esta é a razão pela qual ele era denominado erro de fato originalmente no Código, mas a melhor técnica fez prevalecer a alcunha atual.

Em qualquer hipótese, é importante frisar que o erro pode ser escusável (perdoável, inevitável, invencível) ou inescusável (imperdoável, evitável, vencível). A depender da modalidade de erro, as consequências jurídicas serão diversas.

erro de tipo, por exemplo, pode ser essencial ou acidental.

No essencial, sempre há a exclusão do dolo, mas se ele for inescusável, é possível a imputação do correspondente tipo culposo. A essencialidade, no caso, diz respeito aos elementos básicos que tornam a conduta criminosa em si. O agente não sabe que está prestes a cometer um ato típico. Explica Cunha (2016) que, nesses casos, o agente para de agir criminosamente se avisado do erro.

O erro de tipo tem por efeito excluir sempre o dolo, embora possa subsistir a punibilidade a título de culpa, se o erro é inescusável. Hungria; Fragoso, 1978, P. 567.

erro de tipo acidental recai sobre elementos periféricos do crime que se pretende praticar. O intuito do agente é, de fato, criminoso, mas ele erra sobre detalhes do delito que quer cometer. Mesmo que avisado sobre o erro, ele continuaria com a conduta criminosa, apenas retificando o equívoco periférico. Algumas modalidades de erro de tipo acidental serão estudadas oportunamente.

Descriminantes putativas - § 1º – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

O erro também pode incidir sobre a existência fática de uma causa de exclusão de ilicitude. Ou seja, o agente imagina que está em uma situação em que pode agir albergado por uma causa excludente de antijuridicidade (ou seja, uma causa descriminante, que torna sua conduta lícita e, portanto, não criminosa). Ocorre que essa situação descriminante é imaginária (putativa).

O sujeito imagina estar vivenciando situação de estado de necessidade, ou que está sofrendo uma agressão injusta, permitindo sua legítima defesa etc., entretanto, tais causas de exclusão de ilicitude são imaginárias no contexto fático vivido.

O termo putativo significa imaginário, hipotético, decorrente de suposição. 1. Supostamente verdadeiro, sem o ser. (Michaelis)

Exemplos: um indivíduo, por errônea apreciação de circunstâncias de fato, julga-se na iminência de ser injustamente agredido por outro, e contra este exerce violência (legítima defesa putativa). ao falso alarma de incêndio numa casa de diversões, os espectadores, tomados de pânico, disputam-se a retirada, e alguns deles, para se garantirem caminho, empregam violência, sacrificando outros (estado de necessidade putativo); a sentinela avançada mata com um tiro de fuzil, supondo tratar-se de um inimigo, o companheiro d’armas que, feito prisioneiro, consegue fugir e vem de retorno ao acampamento (putativo cumprimento do dever legal); o adquirente de um prédio rural, enganado sobre a respectiva linha de limite, corta ramos da árvore frutífera do prédio vizinho, supondo erroneamente que avançam sobre sua propriedade, além do plano vertical divisório (putativo exercício regular de direito). Hungria; Fragoso, 1978, P. 229.

As descriminantes putativas, como espécies do erro de tipo, usualmente denominado erro de tipo permissivo (pois tratam de equívoco sobre a existência de uma situação que, se existisse, permitiria a conduta), seguem a mesma lógica do erro de tipo essencial anteriormente exposta: sempre excluem o dolo e, se decorrerem de erro vencível, permitem a imputação por culpa.

Cogitemos um exemplo:

O indivíduo A é ameaçado de morte por B. Dias depois, vê o desafeto vindo em sua direção com uma arma. Antes de qualquer interação, A atira preventivamente em B, pensando que este está na iminência de injustamente matá-lo, quando, na verdade, B portava um guarda-chuva e iria apenas desculpar-se pelo evento anterior.

Diante da ameaça prévia, pode-se supor que o erro era invencível, não respondendo A pelo homicídio.

Agora imagine que B apenas havia xingado A por uma disputa futebolística. Se A vem a matar B nas condições já explicadas, claramente estará caindo em um erro facilmente vencível, pois as circunstâncias não fariam supor a iminência de uma iminente agressão.

Erro determinado por terceiro - § 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.

Em algumas circunstâncias, o erro pode ter sido determinado por conduta de terceiro. Nessas situações, o agente em si muitas vezes atua como mero instrumento do delito maquinado por terceiro, sendo também possível que o terceiro tenha agido com culpa.

Nesses casos, seguimos a regra dos erros de tipo essencial: exclui-se o dolo do agente, que poderá responder por culpa se tiver agido com credulidade culpável. O terceiro responderá por dolo ou por culpa, a depender do seu elemento subjetivo.

Um exemplo: se C, querendo matar B, diz para A jogar no triturador industrial um pesado saco de lixo (onde B está, inconsciente), responderá C pelo homicídio de B, não respondendo A pelo evento.

Se o saco estivesse se mexendo e gemendo, por outro lado, esperar-se-ia de A uma natural desconfiança e prudência. Ao proceder com a conduta sem tomar esse cuidado, age de forma negligente, podendo ser condenado por crime culposo.

Erro sobre a pessoa - § 3º – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

Outro erro estuado nesse artigo é o erro sobre a pessoa (error in persona), que compreende o equívoco sobre a vítima pretendida pelo autor do crime. A doutrina classifica essa hipótese como um erro de tipo acidental, pois incide sobre aspectos secundários da conduta, persistindo um intuito criminoso mesmo se o agente não estivesse equivocado sobre a realidade (Cunha, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. Salvador: Juspodivm, 2016).

O agente pensa que comete o crime contra um indivíduo A quando, na realidade, acaba por cometê-lo em face de B. Nesse caso, irá responder pelo delito como se o houvesse praticado contra A, seu alvo inicial. Isso impõe a aplicação das circunstâncias agravantes e qualificadoras que correspondem à qualidade da vítima (ex: Feminicídio, patricídio etc.). (Victor Augusto em artigo intitulado “Erro de tipo, descriminantes putativas, erro determinado por terceiro e error in perdonam”, comentários ao art. 20 do CP, no site Index Jurídico, em 18 de janeiro de 2019, acessado em 31/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Complementando o assunto, no entanto sem esgotá-lo, temos as apreciações de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 20 do Código Penal, publicado no site Direito.com:

 

Erro: ação ou consequência de errar, de se enganar ou de se equivocar. Para o artigo em comento falsa consciência da realidade.

 

O erro tipo que o agente não sabe o que faz dentro do princípio nullum crimen sine culpa.

 

A ocorrência do erro de tipo afasta o dolo e torna a conduta subjetivamente atípica se não houver previsão culposa para o crime, se tiver ausente a culpa.

 

Exemplo clássico da doutrina: Dois amigos, caçando e um atira contra arbusto, imaginando que um cervo estava escondido. Entretanto, quem estava em meio ao arbusto era o amigo que falece em face dos disparos. Lógico que sua intenção não era matar o amigo, sendo que a figura é atípica.

 

Descriminantes putativas – Trata-se do erro que é causa excludente de ilicitude (ou antijuridicidade) prevista no artigo 23 do Código Penal, estado de necessidade, legítima defesa, enfim, o exercício regular do direito.

 

Putativo significa: suposto ou imaginário ou de aparência enganosa. No momento da conduta o agente imagina ser lícita, mas concebido de maneira falsa fora da realidade fática.

 

O exemplo do casamento putativo é nulo ou anulável. É ficção de enlace matrimonial perante a Lei, apesar de contraído de boa-fé, porém, possui vícios determinados por algum fato previsto em lei.

 

Erro determinado por terceiro – “Estatui o § 2º do art. 20, que se erro foi determinado por terceiro, responde este pelo crime. O causar o erro no agente, deve ter sido intencional, como por exemplo, se alguém incita o agente a atirar em uma moita, na qual sabe que sempre adormece um desafeto. Trata-se de autoria mediata e imediata, atuando o agente com longa manus, sendo apenas um instrumento do crime, na verdade, ação perpetrado pelo instigador, por meio do instigado” (Código Penal comentado, Miguel Reale et al, p. 84). (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 20 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 31/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

domingo, 30 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 19 Agravação pelo resultado – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 19
Agravação pelo resultado – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Agravação pelo resultado (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Art. 19. Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Finalidade - Eliminar a chamada responsabilidade penal objetiva, também conhecida como responsabilidade penal sem culpa ou pelo resultado, evitando-se, dessa forma, que o agente responda por resultados que sequer ingressaram na sua órbita de previsibilidade.

 

Princípio da culpabilidade - O item 16 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal explica a adoção expressa do princípio da culpabilidade no art. 19 do Código Penal, dizendo: Retoma o Projeto, no art. 19, o princípio da culpabilidade, nos denominados crimes qualificados pelo resultado, que o Código vigente submeteu à injustificada responsabilidade objetiva. A regra se estende a todas as causas de aumento situadas no desdobramento causal da ação.

 

Crimes qualificados pelo resultado - Conforme preleciona Roxin, “historicamente, os delitos qualificados pelo resultado procedem da teoria, elaborada pelo Direito Canônico, do chamado versarí in re hillicita conforme a qual qualquer pessoa responderá, ainda que não tenha culpa, por todas as consequências que derivem de sua ação proibida”. (ROXIN, Claus. Derecho penal - Parte general, p. 335).

 

Atualmente, ocorre o crime qualificado pelo resultado quando o agente atua com dolo na conduta e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo na conduta e culpa no que diz respeito ao resultado qualificador. Daí dizer-se que todo crime praeterdoloso é um crime qualificado pelo resultado, mas nem todo crime qualificado pelo resultado é um crime praeterdoloso. Há, portanto, dolo e dolo, ou dolo e culpa.

 

Crítica aos crimes praeterdolosos - Embora nosso ordenamento jurídico preveja uma série de crimes praeterdolosos, sua existência contradiz a regra constante do parágrafo único do art. 18 do Código Penal, que assevera: Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

 

Isso porque, nas hipóteses em que o resultado qualificador deva ser atribuído ao agente a título de culpa, não existe nenhuma ressalva nos artigos constantes do Código Penal ou na legislação extravagante. Em algumas situações, o resultado qualificador poderá ser imputado tanto a título de dolo como de culpa. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com a lesão corporal qualificada pela perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Esse resultado, como é cediço, poderá ter sido querido inicialmente pelo agente, fazendo, outrossim, parte do seu dolo, ou poderá ter sido produzido culposamente. Em ambas as hipóteses, o agente responderá pelo delito qualificado.

 

Admitindo-se a possibilidade, em certos casos, na linha da dicção de parte da doutrina, da conatus em crimes praeterdolosos (v.g., quando a ação realiza culposamente o resultado mais grave e não perfaz totalmente a forma básica do delito), tal não alcançaria a hipótese em que o evento mais grave, a par de incompleto, se realiza acidentalmente (sem afirmação, sequer, de culpa) {STJ, REsp. 285560/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., RSTJ 160, p. 461).

 

No entender de Victor Augusto em artigo intitulado “Crime doloso e culposo, comentários ao art. 19 do CP, no site Index Jurídico: A lógica por trás do Código Penal é simples: o agente responde pelos eventos a que deu causa dolosa ou culposamente.

 

Se o resultado da conduta determina uma agravação da pena, essa só será aplicável ao agente se ele houver causado o resultado dolosa ou culposamente.

 

Essa discussão é especialmente comum no âmbito dos crimes praeterdolosos (ou preterintencionais), onde a execução do delito se inicia com uma conduta dolosa direcionada a um resultado menos gravoso, mas o deslinde do iter criminis se dá com um resultado mais grave que deriva de culpa do agente.

 

No crime praeterdoloso há um concurso de dolo e culpa: dolo no antecedente (minus delictum) e culpa no subsequente (majus delictum). Trata-se de um crime complexo, in partibus doloso e in partibus culposo. (Hungria: Fragoso, 1978, p. 140).

 

Tome-se a lesão corporal seguida de morte (129, § 3º), clássico exemplo de crime praeterdoloso.

 

O resultado final foi a morte, mas o agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de produzi-lo.

 

Para que o agente seja enquadrado na modalidade praeterdolosa (4 a 12 anos), deve ser comprovado que, no contexto da ação, a morte foi ocasionada culposamente.

 

Então, se duas pessoas brigam na borda de um precipício, ambos com animus laedendi (de lesionar), e, eventualmente, diante de um ataque um deles cai no precipício e morre, será possível imputar o resultado mais grave ao autor do golpe, pois havia previsibilidade do resultado mais grave.

 

Se o resultado mais grave decorrer de um fortuito qualquer, não há como imputá-lo ao autor, que responderá pela consumação do delito mais ameno que intencionava. (HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978) (Victor Augusto em artigo intitulado “Crime doloso e culposo, comentários ao art. 19 do CP, no site Index Jurídico, em 18 de janeiro de 2019, acessado em 30/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo as apreciações de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 19 do Código Penal, publicado no site Direito.com: O resultado não desejado pelo agente, são crimes denominados praeterdolosos:

 

“O resultado não querido, mas que advém como consequência da ação realizada, pode estar na mesma linha do bem jurídico que deseja atingir. Por exemplo, o agente visa ferir a vítima, causando-lhe uma lesão corporal, mas que se segue de morte. Há um dano na integralidade da vítima que se expande e vem a causar não apenas um ferimento, corte profundo na perna, mas a morte, porquanto, a vítima é hemofílica e não consegue ter coagulação. Nestas hipóteses, está-se diante de um crime praeterdoloso, pois o agente não quer o resultado morte, que se encontra na mesma linha de atingimento da integralidade física”. (Código Penal comentado, Miguel Reale, et al, p. 78).

 

O autor na obra citada ensina que o agente responderá pelo evento morte por ser cognoscível a doença da vítima. Mas, se não conhecia a doença da vítima, não responderá por homicídio, pois sequer agiu com culpa em face dele. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 19 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 30/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 766, 767, 768
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)

 

 

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

 

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

 

Lecionando com Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se acentuou nos comentários aos artigos anteriores, especialmente ao antecedente, o contrato de seguro é daqueles estreitamente baseados na boa-fé, na lealdade da conduta dos contratantes. Explicitando-o, tal qual já fazia o Código de 1916 nos arts. 1.444 e 1445, mas agora com melhor redação, em particular quanto à questão do seguro entabulado por representante do segurado, o CC/2002 assenta a especial precisão e veracidade de que devem se revestir as declarações e informações prestadas pelo segurado ou por quem o represente e com lastro nas quais se calculam, para consumação do ajuste securitário, o risco e o prêmio por sua cobertura. Como é sabido, desde a proposta, ou mesmo independentemente dela, incumbe ao segurado, como imperativo de boa-fé, informar ao segurador tudo quanto possa influir na verificação da probabilidade do sinistro, inclusive de forma a se permitir a justa fixação do prêmio devido pela garantia contratada.

 

São comuns os questionários entregues ao segurado, ou já integrantes da proposta, indagando sobre fatos relevantes à contratação daquela espécie de seguro. Nas respectivas respostas, o segurado deve guardar a mais estreita veracidade e transparência, informando tudo que possa interessar à mais escorreita análise de probabilidade do sinistro contra o qual se faz o seguro, dessa forma estabelecendo-se, de acordo com o grau desse risco, o prêmio devido. Assim, por exemplo, e aliás costumeiramente repetido, deve o segurado declarar, no seguro de coisas imóveis contra incêndio, sua localização próxima a focos inflamáveis ou uso que implique armazenamento ou manuseio de produtos com essa característica. No seguro de vida ou no seguro-saúde, têm de ser precisas as informações sobre doenças preexistentes ou intercorrências já sofridas. No seguro de acidentes de automóveis, deve-se informar com clareza a quem caberá, rotineiramente, a condução do auto, da mesma forma impondo-se, no seguro de roubo ou furto, indicação clara sobre onde o veículo ficará estacionado, de maneira habitual.

 

Diferencia, porém, o artigo em discussão, as hipóteses em que a falta da devida informação, pelo segurado, dimana de deliberado propósito em fazê-lo ou de conduta despida de qualquer má-fé, aqui, veja-se, sob sua vertente subjetiva. No primeiro caso, havendo má-fé subjetiva, qualquer relevante inexatidão ou omissão nas informações que influencie o cálculo do risco e, portanto, a aceitação do seguro, pelo segurador, tanto quanto móvel de potencial afetação do cálculo do prêmio respectivo, induz, por quebra do dever de boa-fé, o que, segundo a letra da lei, é a perda do direito à garantia contratada. Para alguns autores, isso significa a nulidade do contrato, porque rompido seu pressuposto de boa-fé, elevado mesmo a requisito de validade. Já para outros, o caso seria de anulação do contrato, por vício de vontade a que induzido o segurador, portanto por dolo do segurado, como é a solução, por exemplo, do Código italiano, em seu art. 1.892. Sustenta-se, por fim, que a hipótese seria, nas palavras de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.923, p. 324), de “deseficacização” do ajuste, como que uma resolução por quebra de dever de informação, pressuposta aqui, como de fato se entende, sua natureza contratual.

 

De toda maneira, no entanto, qualquer que seja a qualificação jurídica da consequência, sempre de desfazimento do contrato e, assim, de liberação da obrigação, afeta ao segurador, de pagamento do valor segurado por qualquer sinistro que então já tenha ocorrido, impõe a lei uma sanção ao segurado propositadamente faltoso em seu dever de boa-fé, que é a perda do prêmio vencido. Isso significa a obrigação, mesmo perdida a garantia contratada, de pagamento do prêmio ajustado, coo assenta Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 692) e como consta do art. 1.892 do Código italiano, apenas que lá com fixação de importe mínimo, correspondente a um ano de prêmio convencionado – de resto o prazo normal do seguro no Brasil -, mais os prêmios vencidos depois desse interregno, até a anulação, assim presumidamente sucedida após o primeiro ano, consequência, como visto, disposta naquela legislação. Tem-se, como haurido desde a lição de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 206), sempre repetida, real punição ao segurado, em importe preestabelecido pela lei.

 

Finalmente, e de novo à semelhança do que faz o Direito peninsular (art. 1.893), o CC/202, no artigo presente, agora em seu parágrafo único, cuida da declaração inexata ou incompleta que preste o segurado, mas sem má-fé, sob sua vertente subjetiva, ou seja, sem deliberado proposito de enganar. Mostra-se a disposição sensível ao fato de que hoje, no sistema, a boa-fé não é só a subjetiva, mas também aquele padrão objetivo de lealdade nas contratações que constitui mesmo um novo princípio contratual, o da boa-fé objetiva (ver comentário ao artigo anterior). Pois, se tiver faltado essa boa-fé objetiva, pela inexatidão ou incompletude das informações, ainda que sem deliberado propósito do segurado, autoriza a lei que o segurador possa resolver o contrato ou readequá-lo com revisão do prêmio, agora em face de risco convenientemente calculado. Isso, porém, sem a mesma sanção do caput do artigo, como se cogita se a fata de informação é proposital. Na verdade, a solução resolutória aqui atende à tese de que a falta de cumprimento de dever chamado anexo, que a boa-fé objetiva cria e impõe aos vínculos obrigacionais, em sua função supletiva, dente os quais o de informação, como também, exemplificativamente, os de sigilo, cuidado, colaboração, implica real inadimplemento, que a doutrina vem denominando, com base em expressão cunhada no Direito alemão e com diverso significado, de violação positiva do contrato. Assim, e sem maior dúvida sobre o fenômeno, que é resolutório, violado o contrato pela falta de adequada informação, portanto antes que ele tome qualquer das providências a seu dispor, de resolução ou revisão do contrato, diferentemente do que ocorre se a indevida informação era dolosa (caput do artigo), a cobertura deve ser honrada, pagando-se o valor segurado. Entretanto, nesse caso, terá direito o segurador à diferença do prêmio, por quanto ele seria devido se a informação tivesse sido precisa. É a interpretação que se deve dar ao parágrafo e o que mais claramente prevê o art. 1.893 do Código Civil italiano, estabelecendo, até uma compensação, de tal modo que o pagamento do seguro se fará com abatimento da diferença entre o prêmio convencionado e o que seria devido se fossem conhecidas as reais circunstâncias não informadas pelo segurado, claro, desde que atendidos os pressupostos próprios dessa espécie extintiva das obrigações. Por último, saliente-se que, na mesma esteira do Código anterior, o atual apenas tratou, de forma específica, da falta de devida informação do segurado, porque mais fácil de acontecer, em face das indagações que normalmente lhe são feitas – não que o defeito de informação, ao segurado imputável, não dê ao segurado igual direito à resolução, com composição de perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 789-790 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo estabelece preceito sancionatório em face do inadimplemento ao dever de veracidade referido pelo artigo anterior. Na análise de sua teleologia Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil: direito das obrigações, 4.ed. São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 357) considera que, na hipótese, “o legislador só comina pena para o segurado, porque este é que tem maior possibilidade de burlar o dever de veracidade e boa-fé, inerentes ao contrato. Se a dobrez e a má-fé do segurador, poderá o segurado pleitear a anulação do seguro; se do segurado, como é mais frequente, a consequência é também a nulidade, respondendo pelo prêmio vencido”. A norma dimana do princípio da boa-fé. O caráter doloso das assertivas infundadas feitas pelo segurado na formação do contrato é punido pela perda do direito à garantia, obrigando-se, ainda, ele a pagar o prêmio ajustado. Desse modo, a má-fé somente ocorre, para os efeitos previstos neste artigo, operando a resolução do contrato e a sanctio juris, quando o segurado, ao fazer as declarações, omite-se de caso pensado, viciando, por conseguinte, o contrato.

 

Entretanto, se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito de resolver o contrato, caso o risco ainda não se tenha verificado, ou de cobrar, mesmo após a ocorrência do sinistro, a diferença do prêmio.

 

Jurisprudência: 1. “Para que incida o disposto no CC 1.444, necessário que o segurado tenha feito declarações inverídicas quando poderia fazê-las, verdadeiras e completas. E isso não se verifica se não tiver ciência de seu real estado de saúde” (STJ, 3’ T., AGA 3.737-SP, rel. Mm Eduardo Ribeiro, DJ de 20-8-1990), 2. “A má-fé não se pressupõe. Deve resultar plenamente demonstrada pela prova dos autos, na dúvida o segurador responde pela obrigação” (RI’, 585/127). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

 No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo demostra a importância especial do princípio da boa-fé objetiva no contrato de seguro. A seguradora trabalha com estatísticas que servem à fixação do prêmio a ser pago pelo segurado. Se as informações prestadas por ele não forem corretas, da incorreção pode advir o agravamento do risco assumido pela seguradora, vindo a consubstanciar verdadeiro erro substancial. O dispositivo, no entanto, modifica a solução aplicável em relação à anulabilidade por erro, pois, nesta as partes são restituídas ao status quo ante, enquanto, o CC 766 permite à seguradora reter os valores que houver recebido e cobrar parcelas vencidas.

 

O parágrafo único autoriza a seguradora a resolver o contrato em decorrência de informações inexatas prestadas de boa-fé, pelo segurado. Alternativamente, pode a segurador optar pela continuidade do contrato com a cobrança da diferença devida. A resolução obriga a seguradora a devolver ao segurado o prêmio pago? O dispositivo é omisso. A melhor solução é a de restituição proporcional ao prazo de contrato não cumprido, solução que melhor combina com a possibilidade de convalidação prevista no próprio dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio.

 

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, de maneira mais ampla que o Código anterior, o artigo em pauta trata de hipótese de seguro firmado em favor de quem não o contrata pessoalmente. Abrange, portanto, não apenas nos casos, referidos no CC 1.464, de sucessão ou de representação, este, a rigor, hoje diretamente subsumido aos artigos precedentes, mas de verdadeira estipulação em favor de terceiro, que no seguro, aliás, é por vezes obrigatória. Em outros termos, em algumas hipóteses a contratação do seguro favorecendo terceiro é impositiva, como, por exemplo, no seguro de responsabilidade civil de proprietários de veículos, no seguro de dano a passageiros de aeronaves, no seguro feito pelo incorporador, tudo, a rigor, de que já tratava o art. 20 do Decreto-lei n. 73/66, assim como no art. 21, equiparando-se o estipulante à condição de segurado, para os efeitos de contratação e manutenção do seguro.

 

Antes, todavia, impende não olvidar que o seguro pode facultativamente ser contratado em favor de terceiro beneficiário, típico caso de estipulação em favor de terceiro. e, se ao beneficiário se reconhece a possibilidade de exigir o cumprimento das obrigações do segurador, na esteira do que, para a estipulação em geral, dispõe o CC 436, parágrafo único, em face dele podem ser opostas as exceções havidas contra o estipulante ou por conta da conduta de quem estipulou o contrato. Em outras palavras, pode o segurador opor ao beneficiário descumprimento, pelo estipulante, de obrigações e deveres atinentes ao seguro contratado, tais como o pagamento do prêmio e, justamente, em razão da exigida lealdade na contratação, a informação precisa e completa que então se deve dar, consoante comentários aos dois artigos precedentes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Conforme a doutrina de Ricardo Fiuza, o estipulante, como sabido, é aquele que contrata o seguro por conta de terceiros. Assume, eventualmente, a qualidade de beneficiário e equipara-se ao segurado nos contratos obrigatórios ou de mandatário do segurado nos seguros facultativos. Segundo a dicção do Decreto-lei n. 73, de 21-11-1006, “nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para todos os efeitos de contratação e manutenção do seguro” (art. 21), e, “nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.” (§ 2º do art. 21). Evidente que, agindo o estipulante em atenção de terceiro, nessa espécie de seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado beneficiário os meios de defesa contra o próprio estipulante do segurado tenha a produzir.

 

Com idênticos caracteres, recolhe-se a ensinança do permanente João Luiz Alves: “Como o devedor, na cessão de crédito, em relação ao cessionário, o segurador pode opor ao sucessor ou representante do segurado todos os meios de defesa que contra aquele lhe competiam, porque afetam a própria validade do contrato de seguro. Assim, pode opor o dolo do segurado, o excessivo valor dado à coisa, o não-pagamento dos prêmios no prazo estipulado, ou no de graça, a existência de outro seguro pelo valor total da coisa, a agravação dos riscos, a falta de comunicação imposta pelo Art. 1455 do CC de 1916 etc.” (Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado. Rio de Janeiro. E Briguiet, 1917, p. 1010). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 403 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado é, mais comumente, o estipulante e o beneficiário do contrato. É à conta de outrem o seguro em que estipulante e beneficiário são pessoas distintas. O dispositivo permite que a seguradora oponha ao beneficiário o descumprimento do contrato cometido pelo estipulante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

 

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente trata da hipótese de agravamento do risco coberto, já prevista no art. 1.454 do CC/1916, embora com diversa redação, a rigor complementando a regra contida no CC 766, caput, do CC/2002. Isso porque, naquele dispositivo, tem-se o caso de proposital inexatidão ou incompletude de informação que presta o segurado, no momento da contratação, ao segurador, o que importa à avaliação do risco e consequente cálculo do prêmio do seguro. Já no artigo presente, versa a lei sobre caso de, no curso do ajuste, portar-se o segurado, também intencionalmente, de modo a aumentar a probabilidade de sinistro, portanto agravando o risco coberto, fora de quanto originariamente era dado ao segurador avaliar, desequilibrando a equação econômica do contrato, uma vez que outro seria o prêmio então devido se, desde o início, fosse sabida a circunstância que, agora, é de agravamento. Assim, trata-se de uma circunstância que influi diretamente na probabilidade do acontecimento contra cuja ocorrência se contrata o seguro, o que, em outras palavras, significa dizer ser necessária a superveniência de uma conduta do segurado, de aumento do risco, que, além de intencional, se desde a contatação ostentada, levaria o segurado a não contratar ou a contratar mediante outro valor, maior, de prêmio.

 

Nessa apreciação, já assentava o antigo Código, em dispositivo não repetido (art. 1.456), mas cujo princípio sobrevive, deve o juiz atentar a circunstâncias reais de agravamento, e não a probabilidades infundadas, portanto interpretando de maneira restritiva o preceito em discussão. É o caso de agravamento, por exemplo, a contratação de seguro contra incêndio de imóvel que depois, no curso do ajuste, tem sua destinação alterada, passando a ser usado como local de manuseio de material inflamável; ou, no segura contra acidentes de automóvel, legar sua direção, costumeiramente, a pessoa inabilitada. Exige a lei que a alteração, para pior, do estado de fato subjacente ao seguro derive de conduta intencional do segurado. Isso significa, primeiro, que, no caso de agravamento por caso fortuito ou fato de terceiros, aplicável a regra do artigo seguinte e sem perda da garantia, por sinistra havido, eis que justamente diante dessa contingência é que se contrata o seguro. Assim, em exemplo bastante repetido, não há qualquer possibilidade do direito ao ressarcimento de seguro de vida se o segurado acaba vitimado porque vivia em local colhido por uma epidemia, o que, decerto, agravou o risco de morte. É, de resto, o que textualmente previa o art. 1.453 do Código de 1916, agora modificado pelo CC 769, a seguir comentado.

 

Na verdade, então, quer a lei que não se dê agravamento considerável do risco por conduta voluntária, consciente do segurado, não se exigindo, propriamente, que seja seu intuito burlar a equivalência das prestações do contrato. É, conforme acentua José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 247), a ação designada, querida, determinada do segurado, consciente e livre de qualquer pressão ou coerção. A propósito, a advertência sempre citada é a de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 216), de que essa avaliação deve fazer-se da perspectiva da equidade, ainda uma vez tal qual explicitava o Código de 1916 (art. 1.456), de tal modo, em seu dizer, a não se exigir do segurado que esteja, angustiosamente, atento a todo o perigo para evitá-lo, já que ele contratou o seguro para mais tranquilamente enfrentar o perigo. Exemplifica o autor com o caso de quem contrata seguro de vida e adoece sem de pronto chamar um médico, ao primeiro sinal de incômodo (idem, ibidem), aí não se entrevendo, a seu juízo, a deslealdade do segurado. Tem-se entendido que o ato de agravamento de risco, nas condições já examinadas, deve provir do próprio segurado, e não de um seu preposto, de resto já na esteira do que se comentou quando analisado o CC 766.

 

Por fim, a consequência para o caso de agravamento, de que ora se cuida, é, segundo está no texto legal, a perda, pelo segurado, da garantia contratada, decorrente, a rigor, da resolução culposa do ajuste, livrando-se o segurador da obrigação de pagar o valor do seguro por sinistro que se tenha dado após a alteração do estado de coisas, depois do agravamento do risco. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma empreende hipótese legal de exclusão da cobertura securitária, quando o contratante do seguro venha direta e intencionalmente agir de forma a agravar o risco, o que ocorre, por óbvio, após a conclusão do contrato. Deve o segurado, portanto, atuar com diligência e cautela, de modo a não exacerbar as especificações do risco pactuado. Não é o caso, por exemplo, quando a própria seguradora admite assumir risco maior do que o normal, atribuindo-lhe menor alcance do que razoavelmente ocorreria. Só se podem compreender, pois, por agravamento do risco os fatos ou circunstâncias que ocorram durante a eficácia do contrato, e, ainda assim, quando aja o segurado com intencionalidade àquele agravamento.

 

A douta ensinança de Pontes de Miranda, ao tratar do tema, em termos da punição da lei à infração do dever do segurado, expõe com clareza, o seguinte: “para que haja a pena, é preciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao tempo da aceitação existisse o risco agravado, não teria aceito a oferta ou teria exigido prêmio maior” (Tratado de direito privado, 2.ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1964, t. 45, § 4.924, n. 2, p. 329).

 

Como observado, para a configuração da hipótese é imperativo que o segurado tenha, intencional ou dolosamente, agido de forma a aumentar o risco. Caso contrário, não poderá ele se responsabilizar pelo eventual agravamento. Assim, “não terá consequência o gravame oriundo do fortuito, pois que, em princípio, é contra a ação deste que se estipula o seguro, e o segurado viveria em clima de instabilidade permanente se o seu direito fosse suscetível de sofrer as consequências de alteração pelas circunstâncias involuntárias” (Caio Mário da silva Pereira, Instituições de direito civil, 10.ed., Rio de Janeiro, forense, 1996, v. 3, p. 306).

 

Vale observar, afinal, que “não se estende ao segurado a culpa ou dolo que se possa atribuir ao preposto. Diferentemente do ilícito civil, o contrato de seguro se além entre a linha seguradora-segurado, não se podendo transferir para este último um comportamento alheio, conquanto de preposto, se circunstância nenhuma aflora para jungir o preponente ao procedimento fora da lei” (RI’, 589/118). Desse modo, tem sido reiterada a posição do 511 ao reconhecer que a culpa ou dolo do preposto não é causa da perda do direito ao seguro, porquanto o agravamento “deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado” (STJ, ØI., REsp 223.119-MG, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 25-10-1999), i.é, “Exige-se que o contratante do seguro tenha diretamente agido de forma a aumentar o risco” (511, 4~ I., REsp 79.533-MG, rel. Mm Aldir Passarinho Júnior, DJ de 6-12-1999). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na contemplação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o escopo do contrato de seguro é o de garantir o segurado contra os prejuízos advindos do sinistro. O sinistro é, pois, fato indesejável, a ser evitado. Não se admite o contrário. Assim, nem mesmo se admite a cobertura de ato doloso do segurado (CC 762), como não se admite a indenização se o segurado houver agravado intencionalmente o risco do objeto do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).