Direito Civil Comentado - Art.
766, 767, 768
- DO
SEGURO - VARGAS,
Paulo S. R.
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digitadorvargas@outlook.com
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO –
Seção I
Disposições
Gerais - (art. 757 a 777)
Art.
766. Se
o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou
omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do
prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.
Parágrafo
único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do
segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo
após o sinistro, a diferença do prêmio.
Lecionando
com Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se acentuou nos comentários aos artigos
anteriores, especialmente ao antecedente, o contrato de seguro é daqueles
estreitamente baseados na boa-fé, na lealdade da conduta dos contratantes.
Explicitando-o, tal qual já fazia o Código de 1916 nos arts. 1.444 e 1445, mas
agora com melhor redação, em particular quanto à questão do seguro entabulado
por representante do segurado, o CC/2002 assenta a especial precisão e
veracidade de que devem se revestir as declarações e informações prestadas pelo
segurado ou por quem o represente e com lastro nas quais se calculam, para
consumação do ajuste securitário, o risco e o prêmio por sua cobertura. Como é
sabido, desde a proposta, ou mesmo independentemente dela, incumbe ao segurado,
como imperativo de boa-fé, informar ao segurador tudo quanto possa influir na
verificação da probabilidade do sinistro, inclusive de forma a se permitir a
justa fixação do prêmio devido pela garantia contratada.
São
comuns os questionários entregues ao segurado, ou já integrantes da proposta,
indagando sobre fatos relevantes à contratação daquela espécie de seguro. Nas
respectivas respostas, o segurado deve guardar a mais estreita veracidade e
transparência, informando tudo que possa interessar à mais escorreita análise
de probabilidade do sinistro contra o qual se faz o seguro, dessa forma
estabelecendo-se, de acordo com o grau desse risco, o prêmio devido. Assim, por
exemplo, e aliás costumeiramente repetido, deve o segurado declarar, no seguro
de coisas imóveis contra incêndio, sua localização próxima a focos inflamáveis
ou uso que implique armazenamento ou manuseio de produtos com essa
característica. No seguro de vida ou no seguro-saúde, têm de ser precisas as
informações sobre doenças preexistentes ou intercorrências já sofridas. No
seguro de acidentes de automóveis, deve-se informar com clareza a quem caberá,
rotineiramente, a condução do auto, da mesma forma impondo-se, no seguro de
roubo ou furto, indicação clara sobre onde o veículo ficará estacionado, de
maneira habitual.
Diferencia,
porém, o artigo em discussão, as hipóteses em que a falta da devida informação,
pelo segurado, dimana de deliberado propósito em fazê-lo ou de conduta despida
de qualquer má-fé, aqui, veja-se, sob sua vertente subjetiva. No primeiro caso,
havendo má-fé subjetiva, qualquer relevante inexatidão ou omissão nas
informações que influencie o cálculo do risco e, portanto, a aceitação do
seguro, pelo segurador, tanto quanto móvel de potencial afetação do cálculo do
prêmio respectivo, induz, por quebra do dever de boa-fé, o que, segundo a letra
da lei, é a perda do direito à garantia contratada. Para alguns autores, isso
significa a nulidade do contrato, porque rompido seu pressuposto de boa-fé,
elevado mesmo a requisito de validade. Já para outros, o caso seria de anulação
do contrato, por vício de vontade a que induzido o segurador, portanto por dolo
do segurado, como é a solução, por exemplo, do Código italiano, em seu art.
1.892. Sustenta-se, por fim, que a hipótese seria, nas palavras de Pontes de
Miranda (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.923, p. 324), de “deseficacização” do ajuste, como
que uma resolução por quebra de dever de informação, pressuposta aqui, como de
fato se entende, sua natureza contratual.
De
toda maneira, no entanto, qualquer que seja a qualificação jurídica da
consequência, sempre de desfazimento do contrato e, assim, de liberação da
obrigação, afeta ao segurador, de pagamento do valor segurado por qualquer
sinistro que então já tenha ocorrido, impõe a lei uma sanção ao segurado
propositadamente faltoso em seu dever de boa-fé, que é a perda do prêmio
vencido. Isso significa a obrigação, mesmo perdida a garantia contratada, de
pagamento do prêmio ajustado, coo assenta Jones Figueiredo Alves (Novo
Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza. São Paulo, Saraiva, 2002, p.
692) e como consta do art. 1.892 do Código italiano, apenas que lá com fixação
de importe mínimo, correspondente a um ano de prêmio convencionado – de resto o
prazo normal do seguro no Brasil -, mais os prêmios vencidos depois desse
interregno, até a anulação, assim presumidamente sucedida após o primeiro ano,
consequência, como visto, disposta naquela legislação. Tem-se, como haurido
desde a lição de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4. ed. Rio de
Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 206), sempre repetida, real punição ao
segurado, em importe preestabelecido pela lei.
Finalmente, e de novo à semelhança do
que faz o Direito peninsular (art. 1.893), o CC/202, no artigo presente, agora
em seu parágrafo único, cuida da declaração inexata ou incompleta que preste o
segurado, mas sem má-fé, sob sua vertente subjetiva, ou seja, sem deliberado proposito
de enganar. Mostra-se a disposição sensível ao fato de que hoje, no sistema, a
boa-fé não é só a subjetiva, mas também aquele padrão objetivo de lealdade nas
contratações que constitui mesmo um novo princípio contratual, o da boa-fé
objetiva (ver comentário ao artigo anterior). Pois, se tiver faltado essa
boa-fé objetiva, pela inexatidão ou incompletude das informações, ainda que sem
deliberado propósito do segurado, autoriza a lei que o segurador possa resolver
o contrato ou readequá-lo com revisão do prêmio, agora em face de risco
convenientemente calculado. Isso, porém, sem a mesma sanção do caput do
artigo, como se cogita se a fata de informação é proposital. Na verdade, a
solução resolutória aqui atende à tese de que a falta de cumprimento de dever
chamado anexo, que a boa-fé objetiva cria e impõe aos vínculos obrigacionais,
em sua função supletiva, dente os quais o de informação, como também,
exemplificativamente, os de sigilo, cuidado, colaboração, implica real
inadimplemento, que a doutrina vem denominando, com base em expressão cunhada
no Direito alemão e com diverso significado, de violação positiva do contrato.
Assim, e sem maior dúvida sobre o fenômeno, que é resolutório, violado o
contrato pela falta de adequada informação, portanto antes que ele tome
qualquer das providências a seu dispor, de resolução ou revisão do contrato,
diferentemente do que ocorre se a indevida informação era dolosa (caput
do artigo), a cobertura deve ser honrada, pagando-se o valor segurado.
Entretanto, nesse caso, terá direito o segurador à diferença do prêmio, por
quanto ele seria devido se a informação tivesse sido precisa. É a interpretação
que se deve dar ao parágrafo e o que mais claramente prevê o art. 1.893 do
Código Civil italiano, estabelecendo, até uma compensação, de tal modo que o
pagamento do seguro se fará com abatimento da diferença entre o prêmio
convencionado e o que seria devido se fossem conhecidas as reais circunstâncias
não informadas pelo segurado, claro, desde que atendidos os pressupostos próprios
dessa espécie extintiva das obrigações. Por último, saliente-se que, na mesma
esteira do Código anterior, o atual apenas tratou, de forma específica, da
falta de devida informação do segurado, porque mais fácil de acontecer, em face
das indagações que normalmente lhe são feitas – não que o defeito de
informação, ao segurado imputável, não dê ao segurado igual direito à
resolução, com composição de perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 789-790 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso
31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo
a Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo estabelece preceito
sancionatório em face do inadimplemento ao dever de veracidade referido pelo
artigo anterior. Na análise de sua teleologia Washington de Barros Monteiro (Curso
de direito civil: direito das obrigações, 4.ed. São Paulo, Saraiva, 1965,
v. 2, p. 357) considera que, na hipótese, “o legislador só comina pena para o
segurado, porque este é que tem maior possibilidade de burlar o dever de
veracidade e boa-fé, inerentes ao contrato. Se a dobrez e a má-fé do segurador,
poderá o segurado pleitear a anulação do seguro; se do segurado, como é mais
frequente, a consequência é também a nulidade, respondendo pelo prêmio
vencido”. A norma dimana do princípio da boa-fé. O caráter doloso das
assertivas infundadas feitas pelo segurado na formação do contrato é punido
pela perda do direito à garantia, obrigando-se, ainda, ele a pagar o prêmio
ajustado. Desse modo, a má-fé somente ocorre, para os efeitos previstos neste
artigo, operando a resolução do contrato e a sanctio juris, quando o
segurado, ao fazer as declarações, omite-se de caso pensado, viciando, por
conseguinte, o contrato.
Entretanto,
se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o
segurador terá direito de resolver o contrato, caso o risco ainda não se tenha
verificado, ou de cobrar, mesmo após a ocorrência do sinistro, a diferença do
prêmio.
Jurisprudência:
1.
“Para que incida o disposto no CC 1.444, necessário que o segurado tenha feito
declarações inverídicas quando poderia fazê-las, verdadeiras e completas. E isso
não se verifica se não tiver ciência de seu real estado de saúde” (STJ, 3’ T.,
AGA 3.737-SP, rel. Mm Eduardo Ribeiro, DJ de 20-8-1990), 2. “A má-fé não
se pressupõe. Deve resultar plenamente demonstrada pela prova dos autos, na
dúvida o segurador responde pela obrigação” (RI’, 585/127). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo demostra a
importância especial do princípio da boa-fé objetiva no contrato de seguro. A
seguradora trabalha com estatísticas que servem à fixação do prêmio a ser pago
pelo segurado. Se as informações prestadas por ele não forem corretas, da
incorreção pode advir o agravamento do risco assumido pela seguradora, vindo a
consubstanciar verdadeiro erro substancial. O dispositivo, no entanto, modifica
a solução aplicável em relação à anulabilidade por erro, pois, nesta as partes
são restituídas ao status quo ante, enquanto, o CC 766 permite à
seguradora reter os valores que houver recebido e cobrar parcelas vencidas.
O
parágrafo único autoriza a seguradora a resolver o contrato em decorrência de
informações inexatas prestadas de boa-fé, pelo segurado. Alternativamente, pode
a segurador optar pela continuidade do contrato com a cobrança da diferença
devida. A resolução obriga a seguradora a devolver ao segurado o prêmio pago? O
dispositivo é omisso. A melhor solução é a de restituição proporcional ao prazo
de contrato não cumprido, solução que melhor combina com a possibilidade de
convalidação prevista no próprio dispositivo. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
767. No
seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas
que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do
contrato, ou de pagamento do prêmio.
Na
visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, de maneira mais ampla que o Código
anterior, o artigo em pauta trata de hipótese de seguro firmado em favor de
quem não o contrata pessoalmente. Abrange, portanto, não apenas nos casos,
referidos no CC 1.464, de sucessão ou de representação, este, a rigor, hoje
diretamente subsumido aos artigos precedentes, mas de verdadeira estipulação em
favor de terceiro, que no seguro, aliás, é por vezes obrigatória. Em outros
termos, em algumas hipóteses a contratação do seguro favorecendo terceiro é
impositiva, como, por exemplo, no seguro de responsabilidade civil de
proprietários de veículos, no seguro de dano a passageiros de aeronaves, no
seguro feito pelo incorporador, tudo, a rigor, de que já tratava o art. 20 do
Decreto-lei n. 73/66, assim como no art. 21, equiparando-se o estipulante à
condição de segurado, para os efeitos de contratação e manutenção do seguro.
Antes, todavia, impende não olvidar que
o seguro pode facultativamente ser contratado em favor de terceiro
beneficiário, típico caso de estipulação em favor de terceiro. e, se ao
beneficiário se reconhece a possibilidade de exigir o cumprimento das
obrigações do segurador, na esteira do que, para a estipulação em geral, dispõe
o CC 436, parágrafo único, em face dele podem ser opostas as exceções havidas
contra o estipulante ou por conta da conduta de quem estipulou o contrato. Em
outras palavras, pode o segurador opor ao beneficiário descumprimento, pelo estipulante,
de obrigações e deveres atinentes ao seguro contratado, tais como o pagamento
do prêmio e, justamente, em razão da exigida lealdade na contratação, a
informação precisa e completa que então se deve dar, consoante comentários aos
dois artigos precedentes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada
nesta data por VD).
Conforme
a doutrina de Ricardo Fiuza, o estipulante, como sabido, é aquele que contrata
o seguro por conta de terceiros. Assume, eventualmente, a qualidade de
beneficiário e equipara-se ao segurado nos contratos obrigatórios ou de
mandatário do segurado nos seguros facultativos. Segundo a dicção do
Decreto-lei n. 73, de 21-11-1006, “nos casos de seguros legalmente
obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para todos os efeitos de
contratação e manutenção do seguro” (art. 21), e, “nos seguros facultativos o
estipulante é mandatário dos segurados.” (§ 2º do art. 21). Evidente que,
agindo o estipulante em atenção de terceiro, nessa espécie de seguro à conta de
outrem, o segurador poderá opor ao segurado beneficiário os meios de defesa
contra o próprio estipulante do segurado tenha a produzir.
Com
idênticos caracteres, recolhe-se a ensinança do permanente João Luiz Alves:
“Como o devedor, na cessão de crédito, em relação ao cessionário, o segurador
pode opor ao sucessor ou representante do segurado todos os meios de defesa que
contra aquele lhe competiam, porque afetam a própria validade do contrato de
seguro. Assim, pode opor o dolo do segurado, o excessivo valor dado à coisa, o
não-pagamento dos prêmios no prazo estipulado, ou no de graça, a existência de
outro seguro pelo valor total da coisa, a agravação dos riscos, a falta de
comunicação imposta pelo Art. 1455 do CC de 1916 etc.” (Código Civil
da República dos Estados Unidos do Brasil anotado. Rio de Janeiro. E
Briguiet, 1917, p. 1010). (Direito Civil
- doutrina, Ricardo Fiuza – p. 403 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
segurado é, mais comumente, o estipulante e o beneficiário do contrato. É à
conta de outrem o seguro em que estipulante e beneficiário são pessoas
distintas. O dispositivo permite que a seguradora oponha ao beneficiário o
descumprimento do contrato cometido pelo estipulante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
768. O
segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco
objeto do contrato.
Na
visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente trata da hipótese de
agravamento do risco coberto, já prevista no art. 1.454 do CC/1916, embora com
diversa redação, a rigor complementando a regra contida no CC 766, caput,
do CC/2002. Isso porque, naquele dispositivo, tem-se o caso de proposital
inexatidão ou incompletude de informação que presta o segurado, no momento da
contratação, ao segurador, o que importa à avaliação do risco e consequente
cálculo do prêmio do seguro. Já no artigo presente, versa a lei sobre caso de,
no curso do ajuste, portar-se o segurado, também intencionalmente, de modo a
aumentar a probabilidade de sinistro, portanto agravando o risco coberto, fora
de quanto originariamente era dado ao segurador avaliar, desequilibrando a
equação econômica do contrato, uma vez que outro seria o prêmio então devido
se, desde o início, fosse sabida a circunstância que, agora, é de agravamento.
Assim, trata-se de uma circunstância que influi diretamente na probabilidade do
acontecimento contra cuja ocorrência se contrata o seguro, o que, em outras
palavras, significa dizer ser necessária a superveniência de uma conduta do
segurado, de aumento do risco, que, além de intencional, se desde a contatação
ostentada, levaria o segurado a não contratar ou a contratar mediante outro
valor, maior, de prêmio.
Nessa
apreciação, já assentava o antigo Código, em dispositivo não repetido (art.
1.456), mas cujo princípio sobrevive, deve o juiz atentar a circunstâncias
reais de agravamento, e não a probabilidades infundadas, portanto interpretando
de maneira restritiva o preceito em discussão. É o caso de agravamento, por
exemplo, a contratação de seguro contra incêndio de imóvel que depois, no curso
do ajuste, tem sua destinação alterada, passando a ser usado como local de
manuseio de material inflamável; ou, no segura contra acidentes de automóvel,
legar sua direção, costumeiramente, a pessoa inabilitada. Exige a lei que a
alteração, para pior, do estado de fato subjacente ao seguro derive de conduta
intencional do segurado. Isso significa, primeiro, que, no caso de agravamento
por caso fortuito ou fato de terceiros, aplicável a regra do artigo seguinte e
sem perda da garantia, por sinistra havido, eis que justamente diante dessa
contingência é que se contrata o seguro. Assim, em exemplo bastante repetido,
não há qualquer possibilidade do direito ao ressarcimento de seguro de vida se
o segurado acaba vitimado porque vivia em local colhido por uma epidemia, o
que, decerto, agravou o risco de morte. É, de resto, o que textualmente previa
o art. 1.453 do Código de 1916, agora modificado pelo CC 769, a seguir
comentado.
Na
verdade, então, quer a lei que não se dê agravamento considerável do risco por
conduta voluntária, consciente do segurado, não se exigindo, propriamente, que
seja seu intuito burlar a equivalência das prestações do contrato. É, conforme
acentua José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio
de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 247), a
ação designada, querida, determinada do segurado, consciente e livre de
qualquer pressão ou coerção. A propósito, a advertência sempre citada é a de
Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1939, v. V, p. 216), de que essa avaliação deve fazer-se da
perspectiva da equidade, ainda uma vez tal qual explicitava o Código de 1916
(art. 1.456), de tal modo, em seu dizer, a não se exigir do segurado que
esteja, angustiosamente, atento a todo o perigo para evitá-lo, já que
ele contratou o seguro para mais tranquilamente enfrentar o perigo. Exemplifica
o autor com o caso de quem contrata seguro de vida e adoece sem de pronto
chamar um médico, ao primeiro sinal de incômodo (idem, ibidem), aí não se
entrevendo, a seu juízo, a deslealdade do segurado. Tem-se entendido que o ato
de agravamento de risco, nas condições já examinadas, deve provir do próprio
segurado, e não de um seu preposto, de resto já na esteira do que se comentou
quando analisado o CC 766.
Por fim, a consequência para o caso de
agravamento, de que ora se cuida, é, segundo está no texto legal, a perda, pelo
segurado, da garantia contratada, decorrente, a rigor, da resolução culposa do
ajuste, livrando-se o segurador da obrigação de pagar o valor do seguro por
sinistro que se tenha dado após a alteração do estado de coisas, depois do
agravamento do risco. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 791 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na
doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma empreende hipótese legal de
exclusão da cobertura securitária, quando o contratante do seguro venha direta
e intencionalmente agir de forma a agravar o risco, o que ocorre, por óbvio,
após a conclusão do contrato. Deve o segurado, portanto, atuar com diligência e
cautela, de modo a não exacerbar as especificações do risco pactuado. Não é o
caso, por exemplo, quando a própria seguradora admite assumir risco maior do
que o normal, atribuindo-lhe menor alcance do que razoavelmente ocorreria. Só
se podem compreender, pois, por agravamento do risco os fatos ou circunstâncias
que ocorram durante a eficácia do contrato, e, ainda assim, quando aja o
segurado com intencionalidade àquele agravamento.
A
douta ensinança de Pontes de Miranda, ao tratar do tema, em termos da punição
da lei à infração do dever do segurado, expõe com clareza, o seguinte: “para
que haja a pena, é preciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao
tempo da aceitação existisse o risco agravado, não teria aceito a oferta ou
teria exigido prêmio maior” (Tratado de direito privado, 2.ed., Rio de
Janeiro, Borsoi, 1964, t. 45, § 4.924, n. 2, p. 329).
Como
observado, para a configuração da hipótese é imperativo que o segurado tenha,
intencional ou dolosamente, agido de forma a aumentar o risco. Caso contrário,
não poderá ele se responsabilizar pelo eventual agravamento. Assim, “não terá
consequência o gravame oriundo do fortuito, pois que, em princípio, é contra a
ação deste que se estipula o seguro, e o segurado viveria em clima de
instabilidade permanente se o seu direito fosse suscetível de sofrer as
consequências de alteração pelas circunstâncias involuntárias” (Caio Mário da
silva Pereira, Instituições de direito civil, 10.ed., Rio de Janeiro,
forense, 1996, v. 3, p. 306).
Vale
observar, afinal, que “não se estende ao segurado a culpa ou dolo que se possa
atribuir ao preposto. Diferentemente do ilícito civil, o contrato de seguro se
além entre a linha seguradora-segurado, não se podendo transferir para este
último um comportamento alheio, conquanto de preposto, se circunstância nenhuma
aflora para jungir o preponente ao procedimento fora da lei” (RI’, 589/118).
Desse modo, tem sido reiterada a posição do 511 ao reconhecer que a culpa ou
dolo do preposto não é causa da perda do direito ao seguro, porquanto o
agravamento “deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado” (STJ, ØI.,
REsp 223.119-MG, rel. Mm. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de
25-10-1999), i.é, “Exige-se que o contratante do seguro tenha diretamente agido
de forma a aumentar o risco” (511, 4~ I., REsp 79.533-MG, rel. Mm Aldir
Passarinho Júnior, DJ de 6-12-1999). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Na contemplação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
escopo do contrato de seguro é o de garantir o segurado contra os prejuízos
advindos do sinistro. O sinistro é, pois, fato indesejável, a ser evitado. Não
se admite o contrário. Assim, nem mesmo se admite a cobertura de ato doloso do
segurado (CC 762), como não se admite a indenização se o segurado houver
agravado intencionalmente o risco do objeto do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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