O Reconhecimento da Filiação Socioafetiva com
seus Efeitos Sucessórios – DIREITO DE FAMÍLIA – DIGITADOR VARGAS – 6º PERÍODO –
APOSTILA RETIRADA DA DOUTRINA DIREITO DAS FAMÍLIAS E SUCESSÕES nº 32 –
FEV-MAR/2013 – PROFESSORA VIVIANE BASTOS – DESTINADA A ESTUDOS DE GRUPO EM AULA
Advogada inscrita pela OAB/RS; Graduada no
Curso de
Direito pelo Centro Universitário Franciscano
“O afeto merece ser
visto como uma realidade digna de
tutela.”
(Maria
Berenice Dias)
RESUMO:
A presente pesquisa trata do instituto da filiação socioafetiva inserido de
modo recente nos debates jurídicos no Direito de Família, com o principal
escopo de estudar e compreender os seus efeitos sucessórios, uma vez que tal instituto não tem uma regulamentação
expressa no ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, são vislumbrados
os argumentos utilizados pela doutrina e jurisprudência brasileira, bem como as
normas legais aplicáveis a este caso, especialmente, a Constituição Federal de
1988.
PALAVRAS-CHAVES:
Filiações. Afeto. Princípios Constitucionais. Efeitos no Direito Sucessório.
SUMÁRIO:
1 Introdução. 2 O Novo Paradigma de Filiação e o Princípio da Afetividade. 3
Reconhecimento da Filiação Socioafetiva. 4 A Posse de Estado de Filho e a
Filiação Socioafetiva. 5 Efeitos dos Direitos Sucessórios na Filiação
Socioafetiva. 6. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1
Introdução
O conteúdo central do presente
trabalho é o reconhecimento da filiação socioafetiva e seus efeitos no âmbito
do Direito Sucessório. Tal tema foi delimitado por ser um assunto hodierno e
muito debatido entre os juristas, pelo fato de ter sido visualizado cada vez
mais na prática, trazendo à tona uma discussão com bases consolidadas pela
jurisprudência e doutrina.
Ademais, a filiação socioafetiva não
tem uma regulamentação expressa na legislação brasileira, o que dificulta sua
aplicação na esfera jurídica. Vale mencionar que a doutrina e jurisprudência estão valorizando cada vez mais a
importância da filiação socioafetiva, que vem se tornando um novo
paradigma.
As famílias formadas unicamente por
relações de afeto vêm sofrendo inúmeras injustiças, ocasionadas por mera
inobservância por parte de alguns juristas, sobretudo no que se refere ao filho socioafetivo quando sofre privação
na participação da divisão dos direitos e obrigações sucessórias de seus pais.
Uma vez que se tem posse de estado de
filho consolidado, logo este seria um herdeiro legítimo necessário como as
filiações biológicas.
Porém, a Carta Magna traz com toda
clareza que não pode haver discriminação sobre os tipos de filiações, ou seja,
não importa como se deu essa filiação, será igualitária como se fosse um filho
legítimo, conforme o art. 227, § 6º, do diploma lega referido. Dessa forma, caso haja o reconhecimento de uma
filiação socioafetiva, este terá os mesmos direitos das demais filiações.
Nesse sentido, pode-se afirmar que é
de grande relevância a pesquisa sobre o tema, no qual se busca fornecer um
entendimento sobre as novas orientações sobre as relações de filiações
socioafetivas no meio jurídico, principalmente quando se tem direito
hereditário envolvido.
2
O Novo Paradigma de Filiação e o Princípio da Afetividade
O Direito de Família passou por
grandes transformações ao longo do tempo, por causa da força cultural, do poder
econômico, de estruturas sociopolíticas, e também por abranger as diversas
estruturas familiares existentes na sociedade contemporânea.
O direito deve refletir a sociedade,
os seus costumes, suas novas concepções acerca do seu cotidiano e seus novos
paradigmas. Rodrigo da Cunha Pereira (1996, p.24 e 25) descreve que:
“A
família não se constitui apenas por um homem, mulher e filhos. Ela é uma
estruturação psíquica, onde cada um dos seus membros ocupa um lugar. Lugar de
pai, lugar de mãe, lugar dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente
ligados biologicamente. É nesta estrutura familiar, que existe antes e acima do
Direito, que devemos buscar, para sermos profundos, o que realmente é uma
família, para não incorrermos em moralismos e temporalidades que só fazem
impedir o avanço da ciência jurídica.”
A família é um organismo social
estabelecido através de preceito culturalmente elaborado. É nesse conjunto que
a pessoa nasce e desenvolve sua personalidade; por isso, a importância da
presença do afeto e respeito no núcleo familiar, pois é o que determina o
desenvolvimento desse sujeito. Ademais, a família concreta é aquela que garante
as condições reais de igualdade e liberdade.
Por sua vez, Maria Helena Diniz (2007,
p. 9-10) assevera que família, na sua amplitude, seriam todos os indivíduos que
estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade de ou da afinidade. Em seu
sentido limitado, é o conjunto de pessoas unidas pelo casamento e pela prole.
Já para Maria Berenice Dias (2008, p.
319), o nascimento faz com que ocorra uma “inserção do indivíduo em uma
estrutura que recebe o nome de família”. Além disso, explica que o ser humano,
para sobreviver, necessita do “elo de dependência” para que assegure o
crescimento e pleno desenvolvimento deste sujeito, que acaba se tornando um
ponto de identificação social.
Para Sílvio Venosa (2005, p. 18), esse
instituto, no sentido amplo, “é o conjunto de pessoas unidas por vínculo
jurídico de natureza familiar”; em sentido restrito, seria “o núcleo formado
por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder”.
Dessa forma, a partir desses
conceitos, pode-se perceber que a família atual é uma unidade básica da
sociedade formada por indivíduos com ascendentes em comum, ou aqueles ligados
por laços afetivos.
Vale trazer à pauta as palavras de
José Renato Nalini (2000, p.14-15), que disserta sobre o dinamismo dos papéis
familiares:
“Os
papéis familiares – papel conjugal, papel parental, papel filial e papel
fraternal – foram se alterando. Nem sempre há correspondência, hoje, entre o
papel típico que o protagonizaria. O papel nutrício da mãe pode eventualmente
ser desempenhado por uma avó ou até pelo pai. O papel fraterno poderá estar
acoplado ao do avô, circunstancialmente confidente ou companheiro de neto filho
único. até mesmo o namorado da mãe pode desempenhar tal função. O papel filial
poderá estar depositado num dos cônjuges cuja imaturidade emocional o torne
dependente do outro (...) Importante mencionar que essa dinâmica dos papéis no
contexto familiar ao respeita pessoas, nem tem mais fronteiras. Constatam os
estudiosos da família que um mesmo membro da família pode assumir
simultaneamente ou em tempos alternados, papéis diferentes.”
Essa evolução no conceito de família
atingiu o instituto da filiação. Primeiramente, é de grande relevância
conceituar o termo filiação (filiatio – no
latim), que é a relação de parentesco que constitui de um lado o filho como
titular do estado de filiação, e os pais como os titulares dos estados de
paternidade e de maternidade, em relação a ele.
Ainda, Maria Berenice Dias (2008, p.
326) ensina que a filiação é “um conceito relacional”, ou seja, “é a relação de
parentesco que se estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente
direitos e deveres”.
A condição de filiação é a denominação
jurídica dessa relação, abrangendo um complexo de direitos e deveres mutuamente
considerados por lei. A filiação, todavia, nem sempre decorre somente da
consanguinidade, mas existem outras formas, como, por exemplo, a adoção e reprodução assistida heteróloga.
A filiação, como status familiae, também se volta para uma função que pode ser
sintetizada na proteção da dignidade humana, cuja responsabilidade é da
família, da sociedade e do Estado. Assim, Gustavo Tepedino (apud VENCELAU, 2004, p. 128) corrobora
apontando três características em matéria de filiação “1. A funcionalização das
entidades familiares à realização da personalidade de seus membros, em
particular dos filhos; 2. A despatrimonialização das relações entre pais e
filhos; 3. A desvinculação entre a proteção conferida aos filhos e a espécie de
relação dos genitores”.
Hoje se busca a igualdade, a
dignidade, a solidariedade e a efetividade dessa instituição, que é a base da
civilização, ou seja, a família socioafetiva vem sendo priorizada em nossa
doutrina e jurisprudência. A família passou a se juntar e a se conservar por
elos afetivos, um importante componente responsável pela sua formação,
compreensão e continuidade; com isso, a questão econômica passou a ser
secundária na constituição da família.
Por isso, é importante ressaltar que a
família só faz sentido para o Direito a partir do momento em que a sua
funcionalidade promova a dignidade dos seus membros. Por isso, o afeto
tornou-se um valor jurídico de enorme importância para Direito de Família.
“Segundo
Maria Christina de Almeida (2001, p. 154), a família no contexto constitucional
tornou-se democratizada, posto que as relações no âmbito familiar sejam de
igualdade e respeito recíproco, abandonando o conceito de sociedade hierarquizada.
Nessa perspectiva, na concepção social e jurídica de família, tem o princípio
do afeto como prevalência e da autenticidade das relações afetivas, como forma
mais justa e de maior respeito à dignidade humana”.
Afetividade, como elemento nuclear e
definidor da união familiar, tem a função de unificar e estabilizar o respeito,
a liberdade, a igualdade, o companheirismo, a cooperação, a amizade e a cumplicidade.
Isso deve ocorrer na relação entre os pais e os filhos, todos unidos pelos
sentimentos.
O princípio da afetividade foi de suma
importância na jurisdicização da paternidade socioafetiva, porque traz em seu
bojo o entendimento que o cumprimento das funções paternas é o cuidado e o
desvelo dedicados ao filho, e não simplesmente porque tem o mesmo tipo
sanguíneo. Importante salientar as palavras de Rodrigo da Cunha Pereira (2005,
p. 184), acerca desse assunto, que dispõe:
“A
filiação biológica não é nenhuma garantia da experiência da paternidade, da
maternidade ou da verdadeira filiação. Portanto, é insuficiente a verdade biológica, pois a filiação é uma construção
que a abrange muito mais do que uma semelhança entre os DNA. Afinal, o
que é essencial para a formação de alguém, para que possa tornar-se sujeito e
capaz de estabelecer laço social, é que uma pessoa tenha, em seu imaginário, o
lugar simbólico de pai e de mãe. A presença do pai ou da mãe biológica não é
nenhuma garantia de que a pessoa se estruturará como sujeito.”
Observa-se,
em uma análise aos arts. 226 a 230 da Constituição Federal, que o centro
da tutela constitucional se desloca do casamento para as relações familiares
dele decorrentes. E o amparo da família como instituição, unidade de produção e
reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, passa a dar
um espaço essencialmente à dignidade de seus membros, principalmente ao
desenvolvimento da personalidade dos filhos.
Paulo Lobo (apud DIAS 2008, P. 67) contribui na identificação, na
Constituição Federal de 1988, de quatro embasamentos essenciais e efetivos do
princípio da afetividade. São eles: primeiro, a igualdade de todos os filhos independentemente da sua
origem (art. 227, § 6º, da CF), segundo, adoção,
por causa da afetividade com igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º, da
CF); terceiro, a comunidade composta por pais e seus descendentes, abrangendo
os adotivos, com a mesma dignidade da família (art. 226, § 4º, da CF) e o
direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do
adolescente (art. 227 da CF).
·
O
art. 227, § 6º, da CF/88, é ratificado pela integralidade no Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei n. 8036/90, no art. 20, proibindo a discriminação
entre as filiações.
·
O
art. 226, § 4º, CF/88, também contribui como o entendimento que a família está
respaldada pelo princípio da afetividade, que declara nesse dispositivo:
“entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes” (BRASIL, 2009, P. 70).
Encontra-se na Carta Magna de 1988 fundamentos essenciais do princípio
da afetividade, que faz despontar a igualdade e o respeito a seus direitos
fundamentais no que tange à filiação, que estão resguardados em suas normas
legais. Observa-se que a Constituição foi categórica na isonomia das relações
familiares. A família, antes classificada em sua organização como hierárquica,
passa a ser igualitária.
A afetividade,
sob o ponto de vista jurídico, não se
confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, este de
ocorrência real necessária (LOBO, 2006, p. 16), sendo “traduzida no
respeito de cada um por si e por todos os membros a fim de que a família seja
respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o corpo social é, sem
dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual” (OLIVEIRA, 2002, p. 233).
Assim, o direito transformou a afetividade em um princípio jurídico, com força
normativa.
Com
a consagração do afeto a direito fundamental constitucional, resta
amortecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre a
filiação biológica e a socioafetiva. O princípio da afetividade faz despontar a
igualdade entre irmãos biológicos e afetivos e o respeito a seus direitos
fundamentais.
A paternidade humana não é um dado
pronto, recebido pela natureza; ela vai se construindo, progressivamente, nas relações
entre seres singulares no dia a dia (COMEL, 2004, p. 92).
Afetividade consagrou-se no Direito de
Família, no qual se configura distinta do vínculo de natureza obrigacional,
patrimonial ou societária. Nessa entidade familiar não há fim econômico. Assim,
insta salientar as palavras de Paulo Luiz Netto Lobo (2002, s. p.):
“A
afetividade é construção cultural, que se dá pela convivência, sem interesses
materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se extingue. Revela-se
em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como todo princípio, ostenta
fraca densidade semântica, que se determina pela mediação concretizadora do
intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim traduzido: onde houver uma
relação ou comunidade unidas por laços de afetividade, sendo estes suas causas
originária e final, haverá família.”.
Dessa forma, a família sociológica é aquela onde
permanece a prevalência dos laços afetivos, extrapola a composição por laços
meramente biológicos. A família é onde os pais assumem integralmente a
proteção e a educação de uma criança, independentemente de algum vínculo
jurídico ou biológico entre eles. Resumidamente, é aquela filiação decorrente
da afetividade como uma relação jurídica de amor e de respeito entre os entes
ligados pela relação paterno/materno-filial.
3
Reconhecimento da Filiação Socioafetiva
Dentro do direito de família e da
noção do melhor interesse da criança, a
posse de estado de filho é um tema que exige a aplicação dos novos
valores jurídicos trazidos pela Constituição Federal de 1988, Convenções
Internacionais e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com a promulgação da Constituição
Federal, que reformou o instituto da filiação, adotando um sistema unificado em
relação aos filhos, cabe agora o ordenamento jurídico achar meios para
reconhecer a paternidade mais condizente com a realidade dos postulantes.
No Direito de Família identificam-se três critérios referenciais dos
laços de paternidade e filiação: a
jurídica (ou registral), a
biológica, e a afetiva
(ou socioafetiva ou sociológica). Podem esses tipos estar coligados em uma só
paternidade, mas como também podem estar dissociados.
A paternidade
jurídica ou registral é aquela demonstrada por documento público hábil
(certidão oficial de registro de nascimento), alcançando uma “verdade legal”
pela presunção de veracidade e publicidade, gerando direitos e deveres
imediatos.
Em outras palavras, aqueles que
comparecerem perante o oficial do Registro Civil e se declararem pais de um
recém-nascido, acontecerá que recairá sobre estes todos os efeitos legais. Em face da presunção da paternidade, o
filho havido na Constância do casamento, pode somente um dos pais ir fazer o
registro da criança. Caso contrário, deverão os dois, tanto pai quanto a mãe,
ir perante o oficial fazer o registro.
Nesse caso, prestigia a lei o registro de nascimento* como meio
de prova da filiação. Em regra
a presunção da paternidade é juris
tantum, ou seja, admite a prova em contrário, através da ação negatória de paternidade,
que é imprescritível, uma vez que somente a existência do registro civil não
poderá impedir o direito da busca, a qualquer tempo, do reconhecimento da
paternidade. Também poderá ser invalidado quando o registro contiver erro ou
falsidade, conforme o art. 1.604 do Código Civil.
·
Não
obstante ressaltar que a filiação é provada na certidão do termo de nascimento
que está registrada no cartório de registro civil, como preceitua o art. 1603
CC. Desse modo, a certidão pode conter a filiação biológica ou a não biológica,
pois no ato do registro não se exige qualquer prova, basta a declaração do
suposto pai ou da suposta mãe. Por sua vez, a declaração pode conter um vício,
por erro ou falsidade, mas não haverá vício de declaração para registro de
filiação proveniente de posse de estado, assim consolidado na convivência
familiar (LOBO, 2006, p. 18).
Assim, a filiação formal, considerada uma ficção jurídica, foi suprimida do ordenamento jurídico
nacional por causa da unidade da filiação e da certeza científica da paternidade.
Conservaram-se na esfera jurídica as filiações genéticas e afetivas, por
consequência domando e entendimento constitucional.
“Em
nome da preservação do núcleo familiar e da mantença da paz social, a lei
prestigia a relação de paternidade por presunção legal (art. 1597 CC): o pai é o marido da mãe. (...)
Mesmo em época de pleno desenvolvimento da engenharia genética, que permite
identificar com certeza quase absoluta a verdade biológica, permaneceram
presunções na lei.” (DIAS, 2008, p. 345).
A paternidade biológica* está entrelaçada com
a consanguinidade, alcançando a verdade técnica através do exame de ácido desoxirribonucleico (DNA),
que estabelece com segurança, com uma margem de veracidade de 99,9%, que o
filho é biologicamente daquele pai ou mãe.
·
Para
o sistema biológico, filho seria aquele que detém os genes do pai, ou seja,
contém laços de consanguinidade entre o pai e o filho.
Com isso, surge a investigação de paternidade
como meio de instituir paternidade/maternidade e os laços de filiação. Uma vez
reconhecida essa identidade, passa a criança ser detentora de direitos, como
usar o nome do pai, alimentos e herança.
Vale ressaltar que até hoje, quando se
fala em reconhecimento de filho, liga-se à noção de filiação biológica, pois
muitos buscam no juízo a verdade real, assim sendo considerada a relação de
filiação embasada na consanguinidade.
A paternidade
afetiva ou socioafetiva tem uma base fortemente sociológica, sendo aqueles filhos ligados com os pais por
meio do amor, convivência e respeito, através de uma verdadeira relação
paterno-materno-filial. Mesmo sem nenhum vínculo biológico, os pais, mesmo
assim, criam uma criança por mera opção.
Essa paternidade socioafetiva pode ser dividida em quatro tipos:
pela adoção, que é um ato
jurídico regular que cria, entre duas pessoas, uma relação que resulta da
paternidade e filiação legítima; adoção à brasileira, que versa em registrar uma criança em nome
dos adotantes, sem o devido processo legal; também o filho de criação sem registro civil; e por reprodução assistida.
A adoção
judicial é compreendida, atualmente, não apenas como um ato jurídico
voluntário, mas como um surgimento emocional de afeto, de amor e de
solidariedade, unindo os pais ao filho como se fosse sanguíneo.
Já a adoção à brasileira decorre quando a criança, ao nascer, é
registrada diretamente pelos pais afetivos, como se fosse biológicos. Desse
modo, como ilustração, o caso da gestante que entrega seu filho,
voluntariamente, a um casal, o qual faz o registro de nascimento do recém-nascido
em nome deles.
O filho
de criação advém quando alguém educa por mera opção uma criança ou
adolescente, resguardando e protegendo em seu lar, tendo como base um vínculo
de amor, tratando perante terceiros
como filho fosse.
Por fim, a reprodução assistida heteróloga, que consiste em um conjunto
de técnicas que auxiliam o processo de reprodução. Essa possibilidade tem sido
a escolha de muitas pessoas para terem filhos que tanto desejam, mas que não
podem ter por causa de circunstâncias biológicas ou sociais.
Entretanto, para o mestre e professor
Belmiro Pedro Welter (apud PEREIRA, 2004,, P.81), existe
a filiação eudemonista no
reconhecimento voluntário e judicial da paternidade e da
maternidade. Aconteceria quando alguém comparece no Cartório de Registro Civil,
de forma livre e espontânea, solicitando o registro de uma criança, não
precisando comprovar o laço
consanguíneo, podendo denominar uma “adoção de fato”. Quando acontece
esse caso em tela, estabelece-se o estado
de filho afetivo.
A verdadeira paternidade ou
maternidade somente ocorre quando existe um ato
de vontade por parte destes, independente de ser biológica ou não, mas
deve ser expresso o desejo de criar um vínculo com o filho, apresentando-se
através de um fruto emocional e menos fisiológico (SAMPAIO, 2006, P. 14).
Ainda que o exame do DNA conferisse
facilidades no reconhecimento dos laços de filiações, não estabelece, por
muitas vezes, os laços de filiações esperado. Pode trazer direitos, mas não
afeto essencial para o desenvolvimento humano.
“A
vinculação socioafetiva prescinde da paternidade biológica. No sentido da
paternidade de afeto, o pai é mais importante como função do que, propriamente
como genitor. O novo posicionamento acerca da verdadeira paternidade não
despreza o liame biológico da relação paterno-filial, mas dá notícia do
incremento da paternidade socioafetiva, da qual surge um novo personagem a
desempenhar o importante papel de pai: o pai social, que é o pai de afeto,
aquele que constrói uma relação com o filho seja biológico ou não, moldada pelo
amor, dedicação e carinho constantes.” (ALMEIDA, 2001, p. 159-160).
Destarte, que a identificação dos
vínculos de parentalidade, o campo genético não é o único meio exclusivo para
determinar uma paternidade, pois as situações fáticas análogas ensejam soluções
diferentes.
Além do mais, o afeto é subjetivo, não
pode ser mensurável, ninguém pode ser obrigado por lei ou socialmente amar
outra pessoa, mesmo que essa pessoa seja seu descendente consanguíneo, não será
comprovando o laço biológico que o afeto vai surgir. Pode-se ter paternidade
biológica, mas não ter intrinsecamente a paternidade afetiva associados. Sendo
“insuficiente uma paternidade que se funda apenas no dado genético, uma vez que
sem exercício da sua função mais se
apresenta como um vínculo fictício, pois não encontra correspondência com o ato
de ser pai, isto e, amar, cuidar, educar” (VENCELAU, 2004, p. 113).
Atualmente, a doutrina e a
jurisprudência fazem partido da paternidade socioafetiva para atingir o princípio
da dignidade da pessoa humana, preponderando o valor do sentimento como
verdadeira paternidade, visto que a família afetiva foi constitucionalmente
reconhecida. Em matéria de filiação; a
verdade real é o fato de o filho gozar de posse de estado, que prova o
vínculo parental (DIAS, 2008, p. 334).
A paternidade não é só um ato físico,
mas um ato de opção, passando por cima de aspectos meramente biológicos, para
adentrar com eficácia e intensidade na área afetiva. Vale ressaltar que a
paternidade é conceito não só genético ou biológico, mas também é uma definição
no contexto psicológico, moral e sociocultural. Esse entendimento corrobora com
as palavras do professor Paulo Luiz Netto Lobo (2006, p. 16):
“Paternidade é muito mais que prover alimentos ou causa
de partilha de bens hereditários; envolve a constituição de valores e da
singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente
pela convivência familiar durante a infância e a adolescência. A paternidade é
múnus, direito-dever, construída na relação afetiva, e assume os deveres de
realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação, isto é, à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência (art. 227 da Constituição).
É pai quem assumiu esses deveres, embora não seja genitor.”
Para identificar os verdadeiros pais,
devem-se analisar os pequenos gestos de carinho, de ações, na capacidade de
renunciar certas coisas em favor do filho, na capacidade de transmitir amor,
saber proteger e passar a devida educação. A filiação-paterna/materna se
constrói no dia a dia.
Inclusive a própria psicanálise, ao
analisar e examinar as relações familiares, assevera que a família não se
compõe só de um homem e/ou uma mulher e descendente, mas em uma edificação
psíquica, na qual cada parte ocupa um lugar/função de pai, de mãe, de filho,
sem que haja necessidade de vínculo biológico (PEREIRA, 2004, p. 84)
O reconhecimento
voluntário da paternidade independe da prova da origem genética. É um
ato espontâneo, solene, público e
incondicional. Ademais, é ato
pessoal, irrevogável e de eficácia erga omnes. O ato de reconhecimento
é irretratável e indisponível,
pois gera o estado de filiação.
O reconhecimento
do filho pode ser voluntário, também conhecido por perfilhação, judicial, coativo ou forçado, que se realiza por meio
de ação de investigação de paternidade. Em ambos os casos, o ato e
reconhecimento vai ser declaratório, pois apenas declara uma realidade fática dos
demandantes.
Contudo, o reconhecimento produz
efeitos de natureza patrimonial e de cunho moral, tendo o principal papel de
constituir a relação jurídica de parentesco entra pais e filhos. O efeito desse
reconhecimento é retroativo (ex tunc),
gerando como consequência o reconhecimento a partir do nascimento do filho,
além de direitos advindos com tal ato.
Seja qual for a forma de
reconhecimento, o filho ingressa na família do genitor e passa a usar o
sobrenome deste, se assim necessitar haverá alteração no registro de nascimento.
Outra característica do reconhecimento é a sua forma incondicional, ou seja, não se
pode subordiná-lo a condição,
ou a termo, conforme o art.
1613 do Código Civil de 2002. Desse modo, é vedado ao pai subordinar à eficácia
do reconhecimento a determinada data ou a determinado período.
O reconhecimento tem efeito e validade erga omnes, no
qual não se pode idealizar que “alguém seja filho de uma pessoa, para uns, e
seja filho desta pessoa para outros”, segundo o entendimento de Zeno Veloso (apud GONÇALVES, 2007, p.335).
Proclama o art. 1609 do Código Civil
de 2002, que “o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é
irrevogável” (BRASIL, 2009, p 274), mas nem por isso impede que o
ato seja anulado por algum defeito existente, podendo ser arguida pelo
reconhecente ou seus herdeiros.
O reconhecimento, depois de realizado,
passa a integrar âmbito de tutela
jurídica do perfilhado, convertendo-se em direito subjetivo deste (LOBO, 2003, p. 115),
sendo inadmissível o arrependimento
posterior de quem reconhece.
Entretanto, o princípio da coisa julgada na investigação de
paternidade está relativizada,
com base nos princípios constitucionais da igualdade entre a filiação biológica
e socioafetiva, na busca da proteção integral e absoluta dos interesses dos
filhos, do afeto, da proporcionalidade, da cidadania e da dignidade (PEREIRA, 2004, p. 85).
Com esse entendimento, mesmo que na
anterior ação de investigação de paternidade tiver sido declarado um pai
registral, a paternidade biológica
pode ser novamente investigada, desde que não edificada a filiação afetiva
porque a existência de um nome de pai na certidão de nascimento não significa a
certeza da posse de estado de filho.
Porém, o ser humano tem necessidade
psicológica de saber quem são seus pais
genéticos, sendo um direito
fundamental da parte, por base do princípio
da dignidade da pessoa humana e o direito à identidade biológica.
Todavia,
quando o filho já tiver um pai
jurídico (biológico ou afetivo), essa
perfilhação é irrevogável. Nesse caso, é cabível o ajuizamento de uma ação declaratória, com a finalidade
de conhecer a ancestralidade genética, mas não para buscar um nome, a herança,
o parentesco, os alimentos, porque esses direitos foram outorgados para o pai
socioafetivo.
De outra sorte, em se tratando de
reconhecimento de filho extramatrimonial por um dos cônjuges reconhecido,
mantém-se o limite à convivência, conforme o art. 1.611 do CC/02*.
· Art. 1611. O filho
havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir
no lar conjugal sem o consentimento do outro (BRASIL, 2009, p 275).
Portanto,
tem a criança o direito de viver em ambiente familiar, porém deve ser recebido
de forma livre de qualquer preconceito, devendo proporcionar-lhe uma vivência
harmoniosa. Se isso não for possível, aquele que reconheceu deverá lhe prestar
toda assistência material e moral (FACHIN, 2003, p
142).
Toda vez que um estado de filiação estiver estabelecido na convivência familiar
duradoura, com a paternidade socioafetiva consolidada, esta não poderá ser impugnada nem
contraditada.
Desse
modo, é incabível fundamentar a
investigação da paternidade biológica, para contraditar a paternidade
socioafetiva já existente, embasado no princípio da dignidade da pessoa
humana e os demais princípios constitucionais.
A
jurisprudência tem aderido à ideia de filiação afetiva independente da
biológica. As ações negatórias de
paternidade, que buscam negar a paternidade em relação ao filho já registrado,
têm sido improvidas quando se comprova a existência de um vínculo afetivo de
filiação, quando existe uma convivência duradoura entre pai e filho.
Verifica-se que o Estado Democrático
de Direito, constituído pela Constituição Federal de 1988, tem como embasamento
a dignidade da pessoa humana, sua personalidade e seu livre desenvolvimento (NOGUEIRA,
2001, p 163).
São esses valores estabelecidos pela Lei Maior que orientam todos os demais
ramos do direito, refletindo no direito de família, que busca a preservação do
bem-estar da criança e, para tal fim, deve ser acolhida a paternidade
socioafetiva.
4
A Posse de Estado de Filho e a Filiação Socioafetiva
Nesse momento, é importante fazer um
estudo mais detalhado sobre o estado de posse de filho no estabelecimento da
filiação. A posse do estado de
filiação decorre quando alguma pessoa responsabiliza-se no papel de pai
ou de mãe, ou ambos juntos, em face do filho, tendo vínculos consanguíneos ou
não, construindo uma convivência familiar, com base na afetividade.
“Posse
de estado de filho é aquela relação afetiva íntima e duradoura, que decorre de
circunstâncias de fato, situação em que uma criança usa o patrimônio do pai,
por este é tratado como filho, exercitando todos os direitos e deveres
inerentes a uma filiação, criando-o, amando-o, educando-o e o protegendo, e
esse exercício é notório e conhecido pelo público.” (NOGUEIRA, 2001, p. 85).
Nesse caso, estabelece uma relação
clara e pública de um vínculo natural entre pais e filhos, sendo indispensável que os pais tratem o filho
como tal, e vice-versa; com isso, acarretando direitos e deveres desta
relação paterno/materno-filial.
Assim, a posse de estado de filho é o
reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade
dessa instituição familiar, como um direito a ser alcançado (DIAS,
2008, P. 68).
Observa-se que esse instituto serve para valorizar o elemento afetivo e
sociológico da filiação, posto que sua ausência possa pôr em dúvida o vínculo
da filiação (FACHIN, 1992, p. 151).
A noção de posse de estado de filho
não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se baseia no
campo da afetividade, ultrapassando a verdade jurídica ou aquela constituída
pela certeza científica. Ela emerge como elemento caracterizador da filiação de
afeto, para demonstrar a verdade socioafetiva, formada por situações de fato (NOGUEIRA,
2001, p.148).
Em se tratando de filiação, a verdade
real é o fato de o filho estar ensejado na posse de estado, sendo a prova mais
adequada e conveniente quando se trata de relações familiares, pois tem como
objetivo central de trazer para o mundo jurídico uma verdade social (FACHIN,
1992, p. 157).
A importância de tal instituto* se
revela quando da existência de conflitos de paternidade. Ocorre quando, nos
casos em que as relações de afeto entre pai e filho não se enquadram com a
paternidade jurídica, ou, ainda, quando comprovada
a paternidade biológica; porém a existência de posse de estado de filho se dá
com um terceiro, que não é o pai genético. Em todos esses casos, assume
importância primordial a posse de estado de filho, para se chegar numa decisão
de melhor interesse da criança.
·
O
reconhecimento da “posse de estado de filho” leva o reconhecimento pelo mundo
jurídico do “afeto”, com o objetivo prioritário de garantir à criança todos os
direitos a ela resguardados, na busca de permitir o seu bem-estar e a sua
felicidade (NOGUEIRA, 2001, p. 177).
Dessa forma, os direitos da criança devem ter
primazia sobre todos os outros. O principal argumento é de que não são os pais
biológicos e nem os afetivos que têm direito de ficar com a criança, mas é a
criança que tem o direito de ficar com aquela família na qual criou vínculo.
Assim, possibilitando que essa criança tenha um ambiente de equilíbrio, de
proteção, cumplicidade e afeto.
Como já mencionado, a posse do estado
de filho não foi recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro. portanto, o
julgador tem um papel essencial para solucionar os conflitos que são
apresentados, pois suas decisões serrão fundamentadas pelos princípios
constitucionais do Direito de Família, suprindo os vazios normativos que ainda
existem no direito brasileiro.
A jurisprudência cada vez mais utiliza
a posse de estado de filiação como um requisito para o estabelecimento da
paternidade/maternidade afetiva. Desse modo, fica demonstrado na decisão do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pela oitava Câmara Cível, pelo
Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, que dispõe:
“EMBARGOS
INFRINGENTES. AÇÃO DE INVERSTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DE RELAÇÃO DE
SOCIOAFETIVIDADE. O estado de filiação
é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai ie filho que
estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados.
Constitui-se em decorrência da lei (arts 1593, 1596 e 1597 do Código Civil, e
227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Para anulação do registro civil, deve ser
demonstrado um dos vícios do ato jurídico ou, ainda mesmo, a ausência da relação de socioafetividade.
Registro mantido no caso concreto. Embargos desacolhidos, por maioria.”
(BRASIL, 2010).
A filiação socioafetiva ou sociológica
corresponde à realidade que existe, e juridicizar a verdade aparente garante a
estabilidade social (DIAS, 2002, s. p.). A posse do estado de filho mostra a
assiduidade da relação paterno-filial, caracterizando uma paternidade que
existe, em decorrência de subsídios que exclusivamente estão presentes, porque
há uma convivência afetiva.
Para Luiz Edson Fachin (1992, p.
158-159), a função probatória é uma das atuações primordiais que exerce a posse
de estado de filho, que basta proceder-se da reunião de fatos evidentes que
demonstram a relação paterno/materno-filial. A prova pode ser produzida por
todos os meios admitidos por lei, como a oitiva de testemunhas e a prova
documental, isto é, recolher os dados da realidade fática.
Os elementos que demonstram as
relações de afeto entre pais e filhos devem ser avaliados pelos julgadores,
apreciando a posse de estado, não como prova subsidiária, mas aquela capaz de
estabelecer o vínculo de paternidade.
Existem, para a doutrina, três elementos principais
caracterizadores da posse de estado de
filho, sendo a seguinte trilogia: o nome, o trato e a fama.
Entretanto, afirma o professor Luiz Edson Fachin, que os elementos “são os
principais dados formadores daquele conceito, mas nem a doutrina nem o
legislador se arriscam em dar um rol completo ou definição acabada dos fatos
aptos a constituí-lo” (1992, p. 156).
O nome
(nomem ou nominatio) é analisado
primeiramente quando o pretenso filho utiliza nome da família do suposto pai,
ou seja, a criança tem o nome da família de criação.
Porém, a doutrina não dá maior
relevância a esse elemento, pois pode o filho não utilizar o nome de seu pai ou
de sua mãe, e, ainda, existir um vínculo paterno/materno-filial.
Desse modo, entende-se que o fato de o
filho nunca ter usado o patronímico do pai não impede o reconhecimento da posse
de estado de filho, pois, comprovando-se os elementos analisados a seguir, será
suficiente para que haja o reconhecimento e a constituição da paternidade
socioafetiva perante o Judiciário. Corroborando com o mesmo posicionamento,
José Bernardo Ramos Boeira (1999, p. 53-54) afirma que:
“(...) a doutrina
reconhece em sua maioria que, o fato de o filho nunca ter usado o patronímico
do pai, não enfraquece a posse do estado de filho de concorrerem os demais
elementos – trato e fama – a confirmarem a verdadeira paternidade. Na verdade,
esses dois elementos são os que possuem densidade suficiente capaz de informar
e caracterizar a posse de estado.”
Insta salientar que a jurisprudência
segue o mesmo entendimento que a doutrina majoritária, dizendo que o nome não pode ser um fator decisivo,
no qual não desfigura, por si só, o estado de posse.
No que se refere ao trato (tractatus), não podendo este ser descartado como o
nome, deve ser considerado como essencial para configurar a posse de estado de
filiação. Esse elemento é considerado objetivo, porque caracteriza o
comportamento real dessa relação pater/materno-filial, no qual deve prover as
necessidades e assegurar-lhe manutenção, educação e instrução, e,
principalmente, dando-lhe carinho e afeto, conforme os ditames da Constituição
Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, tudo pelo simples fato de
amar.
Conforme o entendimento de Elisabeth
Nass Anderle (2002, s. p.). o uso do
termo “filho” e do termo “pai” não são necessários. O que deve ser
valorizado dessa relação é tudo aquilo que se dá na convivência, ou seja, manifestação
de atos que, no dia a dia, são de
extrema relevância, como educar, instruir, se divertir, no chorar e no sorrir.
Enfim, o trato representa a manifestação fática da mais pura e verdadeira prova
de filiação, pois é aquela que se constrói na afetividade.
Já o elemento fama, é aquele em que o suposto filho sempre foi considerado perante a sociedade como legítimo daquele ou
daqueles que criam; é a notoriedade
e convicção social dessa situação. Em outras palavras é a situação de uma
criança ter sempre sido considerada pelas pessoas que acercam como filho
daqueles que criam.
Essa sociedade pode ser formada por
parentes, vizinhos, amigos, empregados, entre outras pessoas. Sendo esse outro
elemento de grande importância para comprovação e convicção de posse de estado
de filiação, pois é o lado propriamente social da situação fática dessa relação
socioafetiva.
Assim pode-se assegurar que
comprovando os elementos, trato e fama, já é o suficiente para o reconhecimento
e constituição da paternidade socioafetiva.. vale ressaltar que não se podem
estabelecer conceitos fechados sobre esse dois elementos, sendo necessário
avaliar bem cada caso concreto, pois sua determinação decorrerá das
circunstâncias da realidade fática.
Além desses elementos, Luiz Edson Fachin
(1992, p. 157) afirma que a posse de estado de filho exige três qualidades que
caracterizam tal instituto, nos quais são a publicidade, a continuidade e a
ausência de equívoco, explicando cada uma da seguinte forma:
“A notoriedade se
mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse
fato deve ser contínuo, e essa continuidade, quem nem sempre exige atualidade,
deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade. Os fatos, enfim, dos
quais se extrai a existência da posse do estado não devem causar dúvida ou
equívoco.”
Além da tríade clássica, uma questão
que é de extrema relevância para a caracterização da posse de estado de filho é
exatamente a referente à sua duração.
O fator tempo é condição de existência de tal instituto sem o qual ela não se
constitui.
Diante disso, a posse de estado deve
estabelecer um mínimo de duração dos atos repetidos, a qual preenche a sua
estabilidade, para que seus elementos constitutivos se considerem perfeitos.
Assim, a posse de estado é constituída
de habitualidade e estabilidade, devendo o magistrado, na difícil
tarefa frente ao caso concreto, verificar a ocorrência desses fatores, que não
implica dizer que é na atualidade, mas que ocorreu dentro de um lapso de tempo.
Verifica-se, dessa maneira, que a
conjugação dos três elementos não é taxativa para configuração da posse de
estado, devendo fazer uma consideração das circunstâncias de cada caso.
Principalmente, devem ser valorizados os cuidados, o carinho, o amor, a
estrutura que essa pessoa transfere a um filho.
5 Efeitos dos Direitos Sucessórios na filiação
Socioafetiva
Se reconhecida
e declarada a filiação socioafetiva, o filho afetivo terá todos os direitos
relativos a esta paternidade, incluindo o Direito Sucessório. Nesse
campo, pode-se afirmar que o sistema unificado da filiação, implantado pela
Carta da República, reestruturou as relações de filiação, como bem expõe a
doutrinadora Julie Cristine Delinski (1997, p. 12):
“Essa realidade foi
acatada pela Constituição da República, que apreendeu o conceito de família no
seu aspecto social, com repercussão principalmente em novos conceitos de
filiação. A igualdade constitucional de filiação considerou o estabelecimento
da paternidade de um ‘direito’ de todo filho – legítimo, espúrio, ou natural –
possibilitando a toda criança conhecer sua origem e crescer em um ambiente
familiar.”
Tal entendimento é corroborado por
Paulo Luiz Netto Lôbo (2006, p. 20), esclarecendo que “nem toda paternidade
socioafetiva resulta da consanguinidade”, por isso o meio jurídico “assegura
igualdade de direitos e deveres ao pai que assumiu voluntariamente o estado de
filiação nas hipóteses de adoção, de inseminação artificial heteróloga e de
posse de estado”.
A afetividade, hoje em dia,não é mera
orientação das relações de filiação, mas, mormente, é princípio norteador e
determinante, já que impõe deveres e obrigações aos membros da família,
independentemente de ainda existir o sentimento do afeto.
A profunda mudança de paradigma na
questão da paternidade, no Direito de Família, fez com que os interesses
patrimoniais perdessem o papel principal dos litígios e soluções de tais
demandas, assumindo o posto secundário dos interesses pessoais.
Dessa
forma, não podem os interesses
patrimoniais ser objeto de investigação de paternidade, quando o genitor
biológico falece e existe uma paternidade afetiva estabelecida. Nesse
ponto, vale citar no bojo do tema novamente a explicação de Paulo Luiz Netto
Lôbo (2006, p. 20), que profere:
“(...) É razoável a pretensão patrimonial
daquele que teve negado seu originário direito à filiação, cuja paternidade foi
assumida por outrem. O conflito apenas
é possível em se tratando de situações enquadráveis na posse de estado de
filiação, pois os demais estados de filiação não biológica, isto é, decorrentes
de adoção e de inseminação artificial heteróloga, cortam integralmente a
relação com o passado biológico.”
Tanto
na adoção quanto na inseminação artificial heteróloga, a
presunção legal de paternidade é absoluta, ou seja, o filho destes, nos
casos, perde o vínculo jurídico com o seu genitor, assim, não há de se falar em Direito Sucessório com o pai biológico.
Devendo, então, receber a sucessão dos novos pais nessas duas situações, que são formas de filiações
socioafetivas.
Já
no caso do estado de filiação, sendo matéria que afeta o Direito de Família e
Sucessões por consequência, é inviolável que uma decisão judicial negue a
legitimidade da posse de estado de filiação. Devendo, assim, o filho socioafetivo ser considerado como herdeiro
necessário, sendo qualificado e portador dos mesmos direitos, conforme o
disposto no art. 1845 do Código Civil de 2002.
Insta trazer o conceito de herdeiro
legítimo, por Orlando Gomes (2004, p. 40), que “é a pessoa indicada na lei como
sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou
quota-parte da herança”. Assim, o herdeiro necessário “é o parente e o cônjuge
com direito a uma quota-parte da herança, da qual não pode ser privado”.
São
herdeiros necessários os descendentes
e ascendentes sem limitação no grau de parentesco e, ainda o cônjuge. É um rol taxativo
trazido pela legislação civil. A sucessão dos descendentes se dá de forma
equitativa, ou seja, pouco importa a origem da descendência e a partilha é
realizada em partes iguais.
Assim, uma vez que, a primeira referência na ordem de
vocação hereditária, é a classe de
descendentes do autor, que concorre eventualmente com o cônjuge do
falecido. Por serem herdeiros necessários, aos descendentes do de cujus estará resguardada a quota da
legítima (50% do total do patrimônio). Vale ressaltar que, além de concorrerem
com igualdade, os descendentes devem ter a partilha do acervo em quotas iguais
(CAHALI, 2007, p 145).
Se
o filho socioafetivo for considerado herdeiro necessário, deve-se observar a
norma do art. 1789 do Código Civil de 2002, que dispõe que o testador poderá
dispor da metade de seu patrimônio, respeitando a quota da legítima, quando
existir tal herdeiro. Dessa forma, o filho sociológico poderia impugnar
eventual abuso do testador em relação á legítima.
Começa aqui um grande conflito da
justiça, pois existem aqueles que são opositores à filiação sociológica, com o
argumento de que se o pretenso pai gostaria de realmente reconhecer o suposto
filho, teria manifestado a vontade de reconhecê-lo ou teria deixado um
testamento que beneficiasse o mesmo.
É importante salientar que, uma vez no
caso concreto não caracterizado a posse de estado de filho, por ventura este
suposto filho tentar justificar o direito hereditário, mas não tem comprovação
da filiação socioafetiva, deve ser preservado a sucessão para quem é legítimo.
Só que a jurisprudência não pode generalizar que todos os casos semelhantes a
esse serão por interesse patrimonial.
Primeiramente, se for comprovado o
vínculo de afeto, se os elementos da posse de filho estão constituídos, estando
reconhecida judicialmente ou não, essa apreciação de juízo continua
discriminando* esse tipo de filiação. Inúmeros podem ser os motivos pelos quais
não houve o reconhecimento expresso. O que vale na filiação afetiva é ter tido
laço de afeto com o pai ou a mãe ou ambos, ainda mais se comprovado o trato, a
fama e eventualmente o nome, principalmente com uma convivência contínua.
·
TJRS.
Apelação cível. Ação declaratória de filiação socioafetiva c/c petição herança.
Declarada para fim exclusivo ao direito sucessório. Descabimento. Se a família
afetiva transcende os mares do sangue,
se a verdadeira filiação só pode vingar no terreno da afetividade, se a
autêntica paternidade/maternidade não se funda na verdade biológica, mas, sim,
na verdade afetiva, a ponto de o direito atual autorizar que se dê prevalência
à filiação socioafetiva, esta só pode ser reconhecida na integralidade, com
todos os seus efeitos, e não somente no tocante ao direito sucessório. Se o
pedido do autor de ver reconhecida a filiação socioafetiva relativamente à
falecida madrasta, tem fim exclusivamente patrimonial, visando unicamente se
habilitar no inventário dela, sem que seja reconhecido como filho e sem
qualquer alteração nos seus registros civis, descabida é a pretensão. Apelação desprovida (BRASIL, 20089, p. 1).
Ademais, sendo o
filho socioafetivo igual a todos os outros filhos, este é descendente, não
precisando ser beneficiado através de um testamento* para comprovar que o
suposto pai ou mãe desejava que esse fosse reconhecido como herdeiro, pois iria
totalmente contra o que profere art. 227, § 6º, da Constituição Federal.
·
TJRS.
Apelação Cível. Adoção “socioafetiva
póstuma”. Ausência de manifestação de vontade do falecido.
Impossibilidade do pedido. Dano moral. Descabimento. 1. É possível a adoção
póstuma quando existe inequívoca manifestação de vontade do adotante e este vem
a falecer no curso do procedimento, antes da sentença. Inteligência do art. 42,
§ 5º, da Lei n. 8.069/90. 2. Revela-se juridicamente impossível, no entanto, o
pedido de transformação da mera guarda fática em “adoção socioafetiva”, quando
as pessoas apontadas como adotantes não deixaram patente a vontade de adotar em
momento algum, nem em testamento, nem em algum escrito, nem tomaram quaisquer
medidas atendentes ao estabelecimento do vínculo de filiação, ficando claro que
o vínculo pretendido era apenas e tão somente
de mera guarda fática, mormente quando ainda viva uma das partes e esta
nega, veementemente, a sua intenção de ter a autora como filha adotada. 3.
Revela-se descabido o pleito de indenização por dano moral, quando não
evidenciada a existência de abalo moral. Recurso desprovido (BRASIL, 2001, p.
1).
Obviamente que o testamento é um meio hábil e
admissível para reconhecimento voluntário incidental. Basta que o testador, de
modo expresso e direito, anuncie que determinada pessoa é seu filho ou sua
filha, para que assuma a condição e participe como herdeiro necessário dos bens
deixados pelo testador.
Não obstante, a posse de estado de
filho, base do reconhecimento da filiação socioafetiva, por mais que não tenha
sido legislada no ordenamento jurídico, cabe à doutrina e à jurisprudência
assegurar que o filho socioafetivo seja protegido, sobretudo, após o
falecimento daquele que o criou. Protegido, quando provado os elementos
constitutivos da posse de estado, e que realmente no mundo dos fatos existia
uma relação afetiva.
Destaque para as palavras da Maria
Berenice Dias (2008, p. 128), que já trata os filhos socioafetivos como
herdeiros descendentes necessários:
“Os primeiros
figurantes da ordem de vocação hereditária são os descendentes (CC, art. 1.829,
I); filhos, netos, bisnetos e assim sucessiva e infinitamente. Este conceito de
descendentes abriga todas as espécies de filiação: (a) consanguínea ou natural,
que tem origem na verdade biológica; (b) civil, quando decorre da adoção; (c)
socioafetivo, que se constituiu a partir da posse de estado de filho; e (d) social,
quando decorre de técnicas de reprodução assistida e a concepção ocorre in vitro, inclusive com o uso de
material genético de outra pessoa.”
Atualmente,
o panorama na jurisprudência, sobretudo no Estado do Rio Grande do Sul, a
filiação socioafetiva está sendo prestigiada cada vez mais. Porém, quando este busca reconhecimento
posterior ao falecimento do pai ou da mãe afetiva judicialmente, até para ser considerado
um herdeiro, tem-se pouca decisão que reconhece a filiação socioafetiva.
Ao reconhecimento de paternidade, efetuada
regularmente, está apto a produzir seus efeitos jurídicos (PEREIRA, 1997, p.
66). A maior dificuldade quando nãohouve esse reconhecimento antes do
falecimento, mas se produzido provas que o falecido tratava como filho fosse não
hã de se questionar o Direito Sucessório do filho sociológico.
Quando
constituído um estado de posse de filho totalmente válido, com relação ao
genitor não há de falar de direito de família ou de sucessões. Porém, pode ser
resolvida a questão patrimonial no âmbito do direito das obrigações em relação
ao genitor. Vale trazer a explicação com as palavras de Paulo Luiz
Netto Lôbo (2006, p. 20):
“é razoável atribuir-se-lhe um crédito
decorrente do dano causado pelo
inadimplemento dos deveres gerais de paternidade (educação, assistência
moral, sustente, convivência familiar, além dos demais direitos fundamentais
previstos no art. 227 da Constituição) por
parte do genitor biológico falecido, cuja reparação pode ser fixada pelo juiz
em valor equivalente ao de uma quota hereditária se herdeiro fosse.
Para isso será necessário ajuizar ação
de reparação de dano moral e material, habilitando-se no inventário como credor
do espólio, com requerimento de reserva de bens equivalentes, para
garantia da ação.”
Vale ressaltar que a Carta da
República encerrou qualquer definição que contivesse resíduos de tratamento
discriminatório, ao determinar que os filhos, independentemente de suas
origens, são dotados dos mesmos direitos, não sendo admitidas qualificações
distintas, nem restrições de garantias legais.
Por mais que o legislador tenha
deixado uma lacuna nessa questão, não será por isso que o filho sociológiconão
vai ter o direito de ser reconhecido como filho para garantir os seus direitos
hereditários ou qualquer outro direito garantido a esse e às demais filiações.
Isso, também, só demonstra a importância de um reconhecimento da filiação
socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro.
6 Conclusão
O Direito de Família possui no âmbito
de relações subjetivas e delicadas, que cada vez mais estão se adaptando às
transformações sociais, buscando efetivar seu papel de garantidor da ordem nas
relações privadas. Tais transformações atingem diretamente o direito
hereditário.
Com advento da constituição Federal de
1988, foi inserida, no ordenamento jurídico nacional, uma gama de princípios e
direitos fundamentais, que amparou as questões familiares de difícil solução e
de entendimento divergentes dos operadores do Direito.
Os novos valores estabelecidos pela
Carta Magna, como a valoração do ser humano, trouxeram para o Direito de
Família, direitos subjetivos, entre estes o afeto, a dignidade humana no meio
familiar, o melhor interesse do menor, igualdade de direitos de qualquer
espécie de filiação, dentre outros.
O contemporâneo conceito de família
prioriza o laço de afetividade que une seus membros; com isso, ensejou também a
reformulação da definição de filiação que se desvinculou da presunção de
paternidade que predominou em um primeiro momento, ou da verdade biológica que
ainda tem grande resistência no âmbito das filiações.
Pode-se dizer que uma das principais
mudanças trazidas pela Constituição da República foi a equiparação dos filhos
havidos ou não dentro do casamento, tendo todos os mesmos direitos previstos em
lei. Nesse sentido, o ditame constitucional pôs fim às desigualdades e
discriminações que permeavam as filiações.
Dessa forma, é cediço que, apesar da
Constituição Federal de 1988 ter equiparado as filiações, proibindo a
discriminação e reconhecendo o princípio da afetividade, a filiação de afeto
não está protegida pelo ordenamento jurídico, por falta de uma regulamentação
expressa.
Ainda que com grande esforço se
consiga visualizar na lei a elevação do afeto a valor jurídico, deve-se
reconhecer que o legislador não enfrentou como sabido, a maior parte da
doutrina e boa parte da jurisprudência consagram
a filiação socioafetiva como sendo a verdadeira base da relação
paterno/materno-filial, pois é uma relação baseado no amor, convivência
e respeito, não podendo deixar de ser tutelada judicialmente.
O princípio da afetividade foi de suma
importância para a jurisdicização da paternidade socioafetiva, simplesmente
porque traz à inteligência que o cumprimento das funções paternas é o cuidado e
o desvelo dedicados ao filho, independentemente se é filho biológico ou não.
A verdadeira paternidade ou
maternidade ocorre quando existe um ato de vontade por parte desses, no qual
deve ser expresso o desejo de criar uma ligação com o filho, apresentando-se por
meio de um fruto emocional.
A jurisprudência, principalmente no
Estado do Rio Grande do Sul, tem sido bastante favorável para prevalência da
filiação socioafetiva. Isso quer dizer, quando
configurada a posse de estado de filho, pela vontade livre, daquele em assumir
o papel de pai ou de mãe, a jurisprudência dá o aval para o reconhecimento de
tal instituto do Direito de Família.
Porém, o reconhecimento da filiação
socioafetiva, após o falecimento do
suposto pai ou da suposta mãe afetiva, faz com que poucos julgadores reconheçam e legitimem tal relação
paterno/materno-filial.
Um dos principais argumentos para o
não reconhecimento é que, se o pai ou a mãe socioafetiva quisesse ter
manifestado a vontade de assumir a relação paterno/materno-filial teriam feito em vida ou por meio de
testamento.
Outro argumento utilizado, como
observado nas jurisprudências analisadas no presente trabalho, é que esse tipo
de ação visa somente o interesse patrimonial, ou seja, busca somente a quota do direito hereditário.
Tais argumentos podem ser levados em
conta quando realmente, no caso concreto, não foi comprovado a configuração da
filiação sociológica. Até porque muitos podem utilizar desse artifício para
conseguir um direito hereditário no qual não têm nenhum direito.
Porém, não pode generalizar, uma vez
que, se comprovada a filiação socioafetiva no mundo dos fatos, não há motivo
para não haver o reconhecimento de tal filiação, garantido a esse a
participação da partilha dos bens do pai ou da mãe falecidos.
Além do mais, podem ter acontecido
vários motivos para não ter sido reconhecida tal filiação antes do falecimento,
mas o importante é a comprovação da posse do estado de filho, independentemente
se foi ou não reconhecido por meios legais. O mundo dos fatos merece ser
tutelado e preservado.
Dentro dessa compreensão, vale
salientar que o filho socioafetivo é
um descendente, não necessitando ser favorecido por meio de um
testamento para evidenciar a sua filiação para que possa ser reconhecido como
herdeiro, pois iria totalmente contra o ditame do art. 227, § 6º, da
Constituição Fedral de 1988.
Nesse sentido, conclui-se que, por
mais que o legislador tenha desamparado
legalmente tal situação, o filho sociológico tem o total direito de ser
reconhecido como filho, antes ou depois
do falecimento do pai ou da mãe socioafetiva, quando caracterizado nessa
relação a posse de estado de filho. Tal reconhecimento acarreta efeitos
jurídicos tanto no Direito de Família como no direito das Sucessões, de tal
modo que para o filho sociológico deve
ser garantida a quota hereditária prevista para os descendentes ou qualquer
outro direito garantido ao todos os tipos de filiações.
Diante de tal quadro, só demonstra a
seriedade de um reconhecimento da filiação socioafetiva no ordenamento jurídico
brasileiro para evitar injustiças, mas, mesmo assim cabe ao magistrado julgar
de forma coerente para proteger tal instituto quando identificado no caso concreto,
uma vez que a verdadeira paternidade/maternidade é configurada na base do
afeto, no qual merece ser garantida judicialmente uma resposta justa e sem
discriminação.
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