CÓDIGO
PENAL – DOS CRIMES CONTRA O
PATRIMÔNIO, DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL, VARGAS DIGITADOR – DECRETO-LEI N 2.848,
DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1940 – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO
CÓDIGO PENAL - VARGAS DIGITADOR
DOS CRIMES CONTRA O
PATRIMÔNIO
56. Várias são as inovações
introduzidas pelo projeto no setor dos crimes patrimoniais. Não se distingue,
para diverso tratamento penal, entre o maior ou menor valor da lesão
patrimonial; mas, tratando-se de furto, apropriação indébita ou estelionato,
quando a coisa subtraída, desviada ou captada é de pequeno valor, e desde que o
agente é criminoso primário, pode o juiz substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um até dois terços, ou aplicar somente a de multa
(artigos 155, § 2º, 170, 171, § 1º). Para afastar qualquer dúvida, é
expressamente equilibrada à coisa móvel e, consequentemente, reconhecida como
possível objeto de furto a “energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico”. Toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no
poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo (como por exemplo, a
eletricidade, a radioatividade, a energia genética dos reprodutores etc.) pode
ser incluída, mesmo do ponto de vista técnico entre as coisas móveis, a cuja
regulamentação jurídica, portando, deve ficar sujeita.
Somente quando há emprego de
força, grave ameaça ou outro meio tendente a suprimir a resistência pessoal da
vítima, passa o furto a ser qualificado roubo. No caso de violência contra a
coisa, bem como quando o crime é praticado com escalada ou emprego de chaves
falsas, não perde o furto seu nomen
juris, embora seja especialmente aumentada a pena, também importa majoração
de pena o furto como emprego de destreza ou de meio fraudulento, com abuso de
confiança ou concurso de duas ou mais pessoas. O furto com abuso de confiança
não deve ser confundido com a apropriação indébita, pois nesta a posse direta e desvigiada da coisa é
precedentemente concedida ao agente pelo próprio dominus.
É prevista como agravante
especial do furto a circunstancia de ter sido o crime praticado “durante o
período do sossego noturno”.
A violência como elementar
do roubo, segundo dispõe o projeto, não é somente a que se emprega para o
delito da apprehensio da coisa, mas
também a exercida post factum, para
assegurar o agente, em seu proveito, ou de terceiro, a detenção da coisa subtraída
ou a impunidade.
São declaradas agravantes
especiais do roubo as seguintes circunstâncias: ter sido a violência ou ameaça
exercida com armas, o concurso de mais de duas pessoas e achar-se a vítima em
serviço de transporte de dinheiro, “conhecendo o agente tal circunstância”.
57. A extorsão é definida
numa fórmula unitária, suficientemente ampla para abranger todos os casos
possíveis na prática. Seu tratamento penal é idêntico ao do roubo, mas, se é
praticada mediante sequestro de pessoa, a pena é sensivelmente aumentada. Se do
fato resulta a morte do sequestrado, é cominada a mais rigorosa sanção penal do
projeto: reclusão por 20 (vinte) a 30 (trinta) anos e multa de vinte a
cinquenta contos de réis. Esta excepcional severidade da pena é justificada pelo
caráter brutal e alarmante dessa forma de criminalidade nos tempos atuais.
É prevista no artigo 160,
cominando-se-lhe a pena de reclusão por 1 (um) a 3 (três) anos e multa de dois
a cinco contos de réis, a extorsão indireta, isto é, o fato de “exigir ou
receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que
pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro”.
Destina-se o novo dispositivo a coibir os torpes e opressivos expedientes a que
recorrem, por vezes, os agentes de usura, para garantir-se contra o risco do
dinheiro mutuado. São bem conhecidos esses recursos como, por exemplo, o de
induzir o necessitado cliente a assinar um contrato simulado de depósito ou a forjar
no título de dívida a firma de algum parente abastado, de modo que, não
resgatada a dívida no seu vencimento, ficará o mutuário sob a pressão da ameaça
de um processo por apreciação indébita ou falsidade.
58. Sob a rubrica “Da
usurpação”, o projeto incrimina certos fatos que a lei penal vigente conhece
sob diverso nomen juris ou ignora
completamente, deixando-os na órbita dos delitos civis. Em quase todas as suas
modalidades, a usurpação é uma lesão ao interesse jurídico da inviolabilidade
da propriedade imóvel.
Assim, a alteração de limites (artigo 161), a usurpação de
águas (artigo 161, § 1º, I) e o esbulho
possessório, quando praticados com violência à pessoa, ou mediante grave
ameaça, ou concurso de mais de duas pessoas (artigo 161, § 1º, II). O emprego
de violência contra a pessoa, na modalidade da invasão possessória, é condição
de punibilidade, mas se dele resulta outro crime, haverá um concurso material
de crimes, aplicando-se, somadas as respectivas penas (artigo 161, § 2º).
Também constitui crime de
usurpação o fato de suprimir ou alterar marca ou qualquer sinal indicativo de
propriedade em gado ou rebanho alheio, para dele se apropriar, no todo ou em
parte. Não se confunde esta modalidade de usurpação com o abigeato, isto é, o furto de animais: o agente limita-se a empregar
meio fraudulento (supressão ou alteração de marca ou sinal) para irrogar-se a
propriedade dos animais. Se esse meio fraudulento é usado para dissimular o
anterior furto dos animais, já não se tratará de usurpação, o crime continuará com o seu nomen juris, isto é furto.
59. ao cuidar do crime de dano, o projeto adota uma fórmula
genérica (“destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”) e, a seguir, prevê
agravantes e modalidades especiais do crime. Estas últimas, mais ou menos
estranha à lei vigente, são a “introdução ou abandono de animais em propriedade
alheia”, o “dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico” e a
“alteração de local especialmente protegido”.
Como certos fatos que a lei
atual considera variantes de dano não figuram como tais, no projeto. Assim, a
destruição de documentos públicos ou particulares (artigo 325, e seu parágrafo
único, da Consolidação das leis Penais) passa a constituir crime de falsidade
(artigo 305 do projeto) ou contra a administração pública (artigos 314 e 356).
60. A apropriação indébita (furtum improprium) é conceituada, em
suas modalidades da mesma forma na lei vigente, mas o projeto contém inovações
no capítulo reservado a tal crime. A pena (que passa a ser reclusão por um a
quatro anos e multa de quinhentos mil-réis a dez contos de réis) é aumentada de
um terço, se ocorre infidelidade do agente como depositário necessário ou
judicial, tutor, testamenteiro, ou no desempenho de ofício, emprego ou
profissão. Diversamente da lei atual não figura entre as modalidades da
apropriação indébita o abigeato, que
é, indubitavelmente, um caso de furtum
proprium e por isso mesmo, não especialmente previsto no texto do projeto.
É especialmente equiparado à
apropriação indébita o fato do inventor do tesouro em prédio alheio que retém
para si a quota pertencente ao proprietário deste.
61. O estelionato é assim
definido: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou outro meio
fraudulento”. Como ser vê, o dispositivo corrige em três pontos a fórmula genérica
do inciso 5º do artigo 338 do Código atual; contempla a hipótese de captação de
vantagem para terceiro, declara que a vantagem deve ser ilícita e acentua que a
fraude elementar do estelionato não é somente a empregada para induzir alguém
em erro, mas também a que serve para manter
(fazer subsistir, entreter) um erro preexistente.
Com a fórmula do prometo, já
não haverá dúvida que o próprio silêncio, quando malicioso ou intencional,
acerca do preexistente erro da vítima, constitui meio fraudulento
característico do estelionato.
Entre tais crimes, são
incluídos alguns contemplados na lei em vigor, como exempli gratia, a fraude relativa a seguro contra acidentes (artigo
171, § 2º, V) e a “frustração de pagamento de cheques” (artigo 171, § 2º, VI).
A incriminação deste último
fato, de par com a da emissão de cheque sem fundo, resulta do raciocínio de que
não há distinguir entre um e outro caso, tão criminoso é aquele que3 emite
cheque sem provisão como aquele que, embora dispondo de fundos em poder do
sacado, maliciosamente os retira antes da apresentação do cheque ou, por outro
modo, ilude o pagamento, em prejuízo do portador.
O “abuso de papel em banco”,
previsto atualmente como modalidade do estelionato, passa, no projeto, para o
setor dos crimes contra a fé pública (artigo
299).
62. A “duplicata simulada” e
o “abuso de incapazes” são previstos em artigos distintos. Como forma especial
de fraude patrimonial, é também previsto o fato de “abusar, em proveito próprio
ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de
outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos
ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa”.
63. Com a rubrica da “fraude
no comércio”, são incriminados vários fatos que a lei atual não prevê
especialmente. Entre eles figura o de “vender, como verdadeira ou perfeita,
mercadoria falsificada ou deteriorada”, devendo entender-se que tal crime
constitui “fraude no comércio”, quando não importe crime contra a saúde
pública, mais severamente punido.
São destacadas, para o
efeito de grande atenuação da pena, certas fraudes de menor gravidade, como
sejam a “usurpação de alimentos” (filouterie
d’aliments ou grivèlerie dos
franceses, ; scrocco, dos italianos,
ou Zachprellerei, dos alemães), a
pousada em hotel e a utilização de meio de transporte, sabendo o agente ser-lhe
impossível efetuar o pagamento. É expressamente declarado que, em tais casos,
dadas as circunstâncias, pode o juiz abster-se de aplicação da pena, ou
substituí-la por medida de segurança. Às
“fraudes e abusos na fundação e administração das sociedades por ações” (não
constituindo qualquer dos fatos crime contra a economia popular definido na
legislação especial, que continua em vigor) são minuciosamente previstos,
afeiçoando-se o projeto à recente lei sobre as ditas sociedades.
O projeto absteve-se de
tratar dos crimes de falência que deverão ser objeto de legislação especial, já
em elaboração.
Na sanção relativa à fraudulenta
insolvência civil é adotada a alternativa entre privativa da liberdade (detença) e a pecuniária (multa
de quinhentos mil-réis a cinco contos de réis); e a ação penal dependerá de
queixa.
64. Em capítulo especial,
como crime sui generis contra o
patrimônio, e com pena própria, é prevista a receptação (que o Código vigente,
na sua parte geral, define como forma de cumplicidade post factum, resultando daí muitas vezes, a aplicação de penas
desproporcionadas). O projeto distingue, entre a receptação dolosa e a culposa,
que a lei atual injustificadamente equipara. É expressamente declarado que a
receptação é punível ainda que não seja conhecido ou passível de pena o autor
do crime de que proveio a coisa receptada. Tarando-se de criminoso primário,
poderá o juiz, em face das circunstâncias, deixar de aplicar a pena, ou substituí-la
por medida de segurança.
Os dispositivos do projeto
em relação à circunstância de parentesco, entre os sujeitos ativo e passivo,
nos crimes patrimoniais, são mais amplos da que os do direito atual ficando,
porém, explícito que o efeito de tal circunstância não aproveita aos coparticipes
do parente, assim como não se estende aos casos de roubo, extorsão e, em geral, aos crimes patrimoniais praticados
mediante violência contra a pessoa.
DOS CRIMES CONTRA A
PROPRIEDADE IMATERIAL
65. Sob esta rubrica é que o
projeto alinha os crimes que o direito atual denomina “crimes contra a
propriedade literária, artística, industrial e comercial”. São tratados como
uma classe autônoma, que se reparte em quatro subclasses: “crimes contra as
marcas de indústria e comércio” e “crimes de concorrência desleal”. Tirante uma
e outra alienação ou divergência, são reproduzidos os critérios e fórmulas da
legislação vigente.
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