MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Ed. Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES -
O LITÍGIO - VARGAS DIGITADOR
Capítulo
1
O
LITÍGIO
O homem não pode viver senão
em sociedade. As sociedades são organizações de pessoas para a obtenção de fins
comuns, em benefício de cada qual. Mas, se não houvesse um poder, nessas
sociedades, restringindo as condutas humanas, elas jamais subsistiriam. Cada um
faria o que bem quisesse e entendesse, invadindo a esfera de liberdade do
outro, e, desse modo, qualquer agrupamento humano seria caótico. Daí o
surgimento do Estado, com os seus indefectíveis elementos: povo, território e governo.
Visando à continuidade da
vida em sociedade, à defesa das liberdades individuais, em suma, ao bem-estar
geral, os homens organizaram-se em Estado. Desde então eles se submeteram às
ordens dos governantes, não mais fazendo o que bem queriam e entendiam, mas o
que lhes era permitido ou não proibido.
Evidentemente, nos seus
primeiros anos, todos os poderes se enfeixavam nas mãos de uma só pessoa, como
no regime tribal, ou na família de tipo patriarcal. Depois, com o crescimento
do agrupamento humano, por certo houve necessidade de distribuição de funções,
e, finalmente, num estágio mais avançado, os órgãos que desempenhavam as
funções mais importantes, as funções básicas, atingiram a posição de Poderes.
A transformação foi
paulatina.
Para atingir seus fins, as
funções básicas do Estado – legislativa, administrativa e jurisdicional – foram
entregues a órgãos distintos: Legislativo, Executivo e Judiciário. Três, pois,
os órgãos que se altearam a Poderes.
Eles devem ser independentes
e harmônicos entre si. Nenhum deles pode sobrepor-se aos demais dentro nos seus
círculos de atribuições. Não há nem deve haver hierarquia entre eles. Cada qual
atua dentro nas suas respectivas esferas,
A função do Legislativo é
legislar, elaborando leis que venham ao encontro dos reclamos da sociedade, sem
ferir a Constituição. A do Executivo, administrar, observando os preceitos
legais. A do Judiciário, julgar, aplicando as leis aos casos concretos.
Para manter a harmonia no
meio social e, enfim, para atingir os seus objetivos, um dos quais se alça à
posição de primordial – o bem-estar geral -, o Estado elabora as leis, por meio
das quais se estabelecem normas de conduta, disciplinam-se as relações entre os
homens e regulam-se as relações derivadas de certos fatos e acontecimentos que
surgem na vida em sociedade. Essas normas, gerais e abstratas, dispõem,
inclusive, sobre as consequências que podem advir do seu descumprimento. Em face
de um conflito de interesses, desde que juridicamente relevante, a norma dispõe
não só quanto à relevância de um deles, como também quanto às consequências da
sua lesão.
Tais normas são
indispensáveis, para que se saiba o que se pode e o que não se pode fazer. O homem
precisa, pois, contribuir para que a sociedade não se destrua, não se
extermine, porquanto sua destruição implica seu próprio aniquilamento. Se ele
precisa da sociedade, obviamente deve pautar seus atos de acordo com as normas
de conduta que lhe são traçadas pelo Estado, responsável pelos destinos,
conservação, harmonia e bem-estar da sociedade.
Entretanto, não é isso o que
ocorre. Os conflitos de interesses, dos mais singelos aos mais complexos, verificam-se
com frequência.
Quando “o sujeito de um dos
interesses em conflito encontra resistência do sujeito do outro interesse”,
fala-se em lide.
Lide, pois, na difundida
lição de Carnelutti, é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão
resistida ou insatisfeita.
Ainda segundo o ensinamento
do mestre, denomina-se pretensão a
exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. Na lide,
há um interesse subordinante e um subordinado. Um que deve prevalecer, por ser
protegido pelo Direito, e outro que deve ser subordinado, por lhe faltar a
tutela jurídica.
Mas pouca importância teria
essa tarefa do Estado em estabelecer normas de conduta aos seus coassociados
com a ameaça de uma sanção se, porventura, não conseguisse um modo razoável
para solucionar esses conflitos de interesses que surgem a todo instante na
vida em sociedade. E os conflitos se resolvem e ficam solucionados fazendo-se
prevalecer o interesse que realmente for tutelado pelo direito objetivo.
De nada valeriam essas
normas se o legislador não cominasse sanções àqueles que viessem a transgredi-las.
Para as infrações mais graves, sanções mais severas; para os ilícitos menos
graves, sanções mais brandas. Mas como resolver esses conflitos?
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