MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES
PRELIMINARES – AUTONOMIA DO DIREITO PROCESSUAL PENAL – NOMENCLATURA –
FINALIDADE – POSIÇÃO NO QUADRO GERAL DO DIREITO – RELAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL
PENAL COM OUTROS RAMOS DO DIREITO E CIÊNCIAS AUXILIARES - VARGAS DIGITADOR
O
Direito Processual Penal
O Direito Processual
constitui ciência autônoma no campo da dogmática jurídica, uma vez que tem
objeto e princípios que lhe são próprios. O objeto do Processo Penal é,
precipuamente, a prestação jurisdicional, vale dizer, a solução do conflito
entre o jus puniendi do Estado e o
direito de liberdade do presumido autor do fato infringente da norma. Enquanto
o Direito Penal tem por finalidade preservar e resguardar os bens jurídicos
mais importantes no meio social, como o direito à vida, à integridade física, à
honra, à propriedade etc., descrevendo as condutas proibidas e as respectivas
sanções, o Direito Processual Penal mostra os meios para se provocar a
atividade do Juiz para que este decida se o acusado foi, ou não, o autor do
crime e se merece, ou não, ser punido. Em última análise, este o seu objeto: a
solução do litígio que surgiu com a prática do fato infracional. Com razão
disse Canelutti: “O direito penal cuida da patologia... e o processual penal,
da farmacologia” (Francesco Canelutti, Lecciones
sobre el proceso penal, Buenos Aires, EJEA, 1950, v. 1, p. 69). Ou, como
esclareceu Beling, a realização do Direito Penal é a tarefa do Direito
Processual Penal (Ernst Beling, Derecho
procesal penal, trad. Miguel Fenech, Labor, 1943, § 26). Quanto aos
princípios, por óbvio, são eles distintos daqueles que disciplinam o Direito
Penal. Este é o Direito Material; aquele, o Direito Formal. Ali se cuida,
especificamente, das figuras delituais e da respectiva sanção penal. Pelo fato
de terem objetos distintos, seus princípios são diversos. Daí os princípios da
reserva legal (nullum crimen, nulla poena
sine praevia lege), da proibição da analogia da Parte Especial do Código
Penal e, na Parte Geral, a proibição da analogia in malam partem, da proporcionalidade da pena, da irretroatividade
da lei mais severa, da insignificância, do nulla
poena sine culpa, da ultra-atividade da lei mais benigna (Lex mitior etc.). No Processo Penal, em
face mesmo do seu objeto, outros são os princípios: o da verdade real,
publicidade, devido processo legal, presunção de inocência, imparcialidade do
Juiz, duplo grau de jurisdição, ampla defesa, contraditório, igualdade das
partes, paridade de armas, inadmissibilidade de prova ilícita, iniciativa das
partes, nulla poena sine judice
(nenhuma pena pode ser imposta senão através do Juiz), nulla poena sine judicio (nenhuma pena pode ser imposta senão
através do processo), Juiz natural etc.
Instrumentalidade
do Direito Processual
Não se pode negar o caráter instrumental
do Direito Processual, porquanto constitui ele um meio, o instrumento para
fazer atuar o Direito material.
No que concerne ao Direito
Processual propriamente, mais clara se apresenta tal instrumentalidade, uma vez
que não sendo o Direito Penal de coação direta, e uma vez que o Estado
autolimitou o seu jus puniendi, não
se concebe aplicação de pena sem processo. Nulla
poena sine judicio; nulla poena sine judice (nenhuma pena pode ser imposta
sem processo; nenhuma pena pode ser imposta senão pelo Juiz). Certo que nas
infrações de menor potencial ofensivo não há propriamente um “processo”, mas,
também, a medida alternativa proposta ao autor do fato, pela acusação, não
constitui pena. E, ainda que o fosse, a “medida” seria proposta pelo acusador
e, se aceita, só teria eficácia uma vez homologada pelo Juiz. Sem a homologação
judicial nenhum valor teria a transação. Por outro lado, o devido processo
legal para essas infrações é o traçado na Lei n. 9.099/95. O que não se concebe
é um acordo exclusivamente entre as partes materiais (autor e ofendido) para a
inflição de pena ou medida alternativa.
Nomenclatura
Direito Processual Penal ou
Direito Judiciário Penal? A despeito de mais antiga, a expressão “Direito
Judiciário Penal” está sendo abandonada. E isso talvez pelo fato de poder ser
entendido como ramo que se ocupa mais da Organização Judiciária que do próprio
processo.
Finalidade
Qual a finalidade do Direito
Processual Penal? Podemos dizer que existe uma finalidade mediata, que se
confunde com a própria finalidade do Direito Penal – paz social -, e uma
finalidade imediata, que outra não é senão a de conseguir a “realizabilidade da
pretensão punitiva derivada de um delito, através da utilização da garantia
jurisdicional”. Sua finalidade, em suma, é tornar realidade o Direito Penal. Enquanto
este restabelece sanções aos possíveis transgressores das suas normas, é pelo
Processo Penal que se aplica a sanctio
juris, porquanto toda pena é imposta “processualmente”. Por outro lado,
convém deixar assinalado, como bem o disse Tornaghi, que as normas processuais
representam o prolongamento e a efetivação do capítulo constitucional sobre os
direitos e as garantias individuais (Compêndio
de processo penal, t. I, Rio de Janeiro, Konfino, 1967, p. 15). Por isso
mesmo João Mendes Júnior ensinava que “as leis do processo são o complemento
necessário das leis constitucionais” (O
processo criminal brasileiro, 2. ed., Freitas Bastos, v. 1, p. 7). E. F. Manduca,
por seu turno, proclamava que o processo penal “é a parte essencial do moderno
direito constitucional dos Estados livres” (apud José Frederico Marques, Estudos de direito processual penal, Rio
de Janeiro, Forense, 1960, p. 45). Enquanto a Constituição proclama os direitos
e garantias fundamentais do homem, é por meio do processo penal que as
garantias tornam os direitos fundamentais realidade.
Posição
no quadro geral do Direito
O Direito Processual Penal é
ramo do Direito Público. E o é porque o Estado Soberano, nas relações reguladas
pelo Direito Processual Penal, interfere como um dos sujeitos, e, além disso, o
objetivo das normas que informam o Direito Processual Penal constitui um fim
específico do próprio Estado.
Relação
do Direito Processual Penal com outros ramos do Direito e ciências auxiliares
Não se concebe um
ordenamento jurídico em que os vários ramos do Direito que o compõem se
contradigam. Pelo contrário: o ordenamento deve apresentar-se de maneira
unitária. Ora, sendo o Direito Processual Parte desse ordenamento, “vive em íntima
comunicação com os demais ramos do Direito”, nomeadamente com o Direito
Constitucional.
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