quinta-feira, 9 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - VARGAS DIGITADOR

Este princípio nada mais representa que o coroamento do due process of law. É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre, como bem o disse A. Castanheira Neves (Sumários de processo penal, Coimbra, 1967, p. 26). Assenta no reconhecimento dos princípios do direito natural como fundamento da sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto da liberdade, constituem os elementos essenciais da democracia (Antônio Ferreira Gomes, A sociedade e o trabalho: democracia, sindicalismo, justiça e paz, in Direito e justiça. Coimbra, 1980, v. 1, n. 1, p, 7).

O princípio remonta ao art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789 e que, por sua vez, deita raízes no movimento filosófico humanitário chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o Marquês de Beccaria, Voltaire, Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de ruptura com a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e torturas, o acusado era tido como objeto do processo e não tinha nenhuma garantia. Dizia Beccaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige” (Dos delitos e das penas, São Paulo, Atena Ed., 1954, p. 106.).

Há mais de duzentos anos, ou, precisamente, no dia 26-8-1789, os franceses, inspirados naquele movimento, dispuseram na referida Declaração que: “Tout homme étant presume innocent jusqu’à ce qu’il ait été déclaré coupable; s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour s’assurer de sa personne, doi être sévèrement reprimée par la loi” (Todo homem sendo presumidamente inocente até que seja declarado culpado, se for indispensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para assegurar sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei).

Mais tarde, em 10-12-1948, a Assembleia das Nações Unidas, reunida em Paris, repetia essa mesma proclamação.


Aí está o princípio: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Claro que a expressão “presunção de inocência” não pode ser interpretada ao pé da letra, literalmente, do contrário os inquéritos e os processos não seriam toleráveis, posto não ser possível inquérito ou processo em relação a uma pessoa inocente. Sendo o homem presumidamente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória implicaria antecipação da pena, e ninguém pode ser punido antecipadamente, antes de ser definitivamente condenado, a menos que a prisão seja indispensável a título de cautela. Assim, p. ex., condenado o réu, seja ele primário, seja ele reincidente, tenha ou não tenha bons antecedentes, se estiver se desfazendo de seus bens, numa evidente demonstração de que pretende fugir à eventual sanção, justifica-se sua prisão provisória. Do contrário, não. Se o réu estiver perturbando a instrução criminal, justifica-se a prisão, senão, não. Esse o real sentido do princípio. Daí se conclui, a nosso ver, que a exigência de o réu não poder apelar em liberdade quando reincidente ou portador de maus antecedentes (sem se recolher à prisão) ou de o réu não fazer jus à liberdade provisória, em face da exclusiva gravidade do crime, tudo constitui violência e desrespeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, por implicar antecipação da pena. Antecipação de pena também existe quando se decreta a prisão preventiva como garantia da ordem pública e da ordem econômica, mesmo porque nessas duas hipóteses a privação da liberdade do acusado não acarreta nenhum benefício para o processo. E para que prender o réu na fase de pronúncia? Para aguardar o julgamento na cadeia se ele é presumidamente inocente? Não estaria o Juiz presumindo a sua culpa ou a sua fuga? E isso não afrontaria o princípio da presunção de inocência, dogma constitucional? Ademais, se toda prisão cautelar reclama, ao lado do fumus boni juris (fumaça do bom direito), o periculum libertatis (perigo de estar em liberdade havendo um processo em andamento), onde a necessidade dessa prisão para assegurar a realização do processo? Como justificar a medida extrema? Onde a cautelaridade?

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