MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES
– PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - VARGAS DIGITADOR
Este
princípio nada mais representa que o coroamento do due process of law. É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio
de toda sociedade livre, como bem o disse A. Castanheira Neves (Sumários de processo penal, Coimbra,
1967, p. 26). Assenta no reconhecimento dos princípios do direito natural como
fundamento da sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto
da liberdade, constituem os elementos essenciais da democracia (Antônio
Ferreira Gomes, A sociedade e o trabalho:
democracia, sindicalismo, justiça e paz, in Direito e justiça. Coimbra,
1980, v. 1, n. 1, p, 7).
O princípio
remonta ao art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada
em Paris em 26-8-1789 e que, por sua vez, deita raízes no movimento filosófico humanitário
chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o
Marquês de Beccaria, Voltaire, Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de
ruptura com a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e
torturas, o acusado era tido como objeto do processo e não tinha nenhuma
garantia. Dizia Beccaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só
deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige” (Dos delitos e das penas, São Paulo, Atena
Ed., 1954, p. 106.).
Há mais
de duzentos anos, ou, precisamente, no dia 26-8-1789, os franceses, inspirados
naquele movimento, dispuseram na referida Declaração que: “Tout homme étant presume
innocent jusqu’à ce qu’il ait été déclaré coupable; s’il est jugé indispensable
de l’arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour s’assurer de sa personne,
doi être sévèrement reprimée par la loi” (Todo homem sendo presumidamente
inocente até que seja declarado culpado, se for indispensável prendê-lo, todo
rigor que não seja necessário para assegurar sua pessoa deve ser severamente
reprimido pela lei).
Mais
tarde, em 10-12-1948, a Assembleia das Nações Unidas, reunida em Paris, repetia
essa mesma proclamação.
Aí está
o princípio: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente.
Claro que a expressão “presunção de inocência” não pode ser interpretada ao pé
da letra, literalmente, do contrário os inquéritos e os processos não seriam
toleráveis, posto não ser possível inquérito ou processo em relação a uma
pessoa inocente. Sendo o homem presumidamente inocente, sua prisão antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória implicaria antecipação da pena, e
ninguém pode ser punido antecipadamente, antes de ser definitivamente
condenado, a menos que a prisão seja indispensável a título de cautela. Assim, p.
ex., condenado o réu, seja ele primário, seja ele reincidente, tenha ou não
tenha bons antecedentes, se estiver se desfazendo de seus bens, numa evidente
demonstração de que pretende fugir à eventual sanção, justifica-se sua prisão
provisória. Do contrário, não. Se o réu estiver perturbando a instrução
criminal, justifica-se a prisão, senão, não. Esse o real sentido do princípio. Daí
se conclui, a nosso ver, que a exigência de o réu não poder apelar em liberdade
quando reincidente ou portador de maus antecedentes (sem se recolher à prisão)
ou de o réu não fazer jus à liberdade provisória, em face da exclusiva
gravidade do crime, tudo constitui violência e desrespeito ao princípio
constitucional da presunção de inocência, por implicar antecipação da pena. Antecipação
de pena também existe quando se decreta a prisão preventiva como garantia da
ordem pública e da ordem econômica, mesmo porque nessas duas hipóteses a
privação da liberdade do acusado não acarreta nenhum benefício para o processo.
E para que prender o réu na fase de pronúncia? Para aguardar o julgamento na
cadeia se ele é presumidamente inocente? Não estaria o Juiz presumindo a sua
culpa ou a sua fuga? E isso não afrontaria o princípio da presunção de
inocência, dogma constitucional? Ademais, se toda prisão cautelar reclama, ao
lado do fumus boni juris (fumaça do
bom direito), o periculum libertatis (perigo
de estar em liberdade havendo um processo em andamento), onde a necessidade
dessa prisão para assegurar a realização do processo? Como justificar a medida
extrema? Onde a cautelaridade?
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