sexta-feira, 3 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO - Art. 1º

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 COMENTADAS

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

LEI 13.256 de 04.02.2016
Art. 1º. Esta lei altera a Lei 13.105 de março/2015 (CPC), para disciplinar o processo e o julgamento de recurso extraordinário e do recurso especial.

    1.    ESTRUTURAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves, (P. 1, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm), mesmo a doutrina mais entusiasmada, como o art. 1º do CPC 2015, reconhece que em uma perspectiva normativa o dispositivo prevê  uma obviedade: as normas processuais previstas no Código e em outras leis extravagantes – devem ser criadas e interpretadas de acordo com os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição Federal.
            Ainda que se possa elogiar o dispositivo legal por consagrar expressamente a força normativa do texto constitucional, ainda sob o enfoque de Daniel Amorim (P. 1, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm), o seu conteúdo não traz qualquer novidade ou mesmo inovação. Trata-se, insista-se, do óbvio, inclusive não sendo exclusividade da norma processual a exigência de que sejam construídas e interpretadas de acordo com  a Constituição federal, sendo essa uma realidade aplicável para qualquer espécie de norma legal.
            Conclui o Autor, às pp. 2: Mas como no direito brasileiro algumas vezes é preciso se dizer o óbvio de forma expressa para que os operadores comecem a notar e a aceitar a obviedade, o art. 1º do CPC é importante por consagrar de forma expressa o direito processual constitucional. Dessa forma, ao afirmar que o Código de Processo Civil deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal o dispositivo ora analisado exige que as dúvidas interpretativas sejam resolvidas a favor da otimização dos valores e das normas fundamentais previstas no texto constitucional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, P. 2, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

     2.    O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO RESPEITA A PREVISÃO DE SEU ART. 1º?
   
Não deixa de ser curiosa a opção do legislador de já no primeiro dispositivo do Código de Processo Civil consagrar o amplo e irrestrito respeito ao texto constitucional e no decorrer do diploma legal criar previsões que são flagrantemente contrárias ao texto constitucional. Alguns exemplos demonstram de forma clara tal paradoxo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, P. 2, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
            O art. 927 do CPC cria uma série de hipóteses de precedentes vinculantes, o que tem duvidosa constitucionalidade, considerando-se que esse tipo de eficácia depende de norma constitucional, como ocorre com a súmula vinculante e com o controle concentrado de constitucionalidade. O inciso IV do dispositivo ora analisado é o mais intrigante, ao prever que as súmulas de direito constitucional, editadas pelo Superior Tribunal Federal e as súmulas de direito infraconstitucional, editadas pelo Superior Tribunal de Justiça têm eficácia vinculante. Não são súmulas vinculantes essas previstas no inciso II do art. 927 do CPC, mas têm o mesmo efeito vinculante. O sistema agora passa a ter súmula vinculante prevista em texto infraconstitucional. (Daniel Amorim Assumpção Neves, P. 2, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
            O ar. 987, caput, do CPC prevê o cabimento de recurso especial e extraordinário contra a decisão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, enquanto os arts. 102, III, caput, e 105, III, caput, ambos da Constituição Federal, preveem que só são cabíveis tais espécies de recursos quando houver decisão da causa. E obviamente incidente processual não é uma causa, pelo menos não era até o advento do Código atual. (Daniel Amorim Assumpção Neves, P. 2, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
            Compreendo que se entender pela inconstitucionalidade do dispositivo seria trágico para a realidade forense e para os objetivos traçados pelo legislador para o IRDR. A solução ainda que tecnicamente discutível, será alagar o conceito de “causa” para fazer nele caber o julgamento do IRDR. O histórico desse entendimento, entretanto, não é favorável, como denuncia o enunciado da Súmula 513 do STF: “A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento do feito.” (Daniel Amorim Assumpção Neves, P. 2, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
            Ademais, como bem colocado pela melhor doutrina, um problema colateral de entender-se que o IRDR é uma “causa” é a constitucionalidade do próprio IRDR, que passaria a ser uma causa de competência originária do tribunal de segundo grau sem previsão expressa na Constituição Federal (art. 108 da CF), nem nas Constituições Estaduais (art. 125, § 1º, da CF). (Daniel Amorim Assumpção Neves, P. 2, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

     3.    ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA

A visão moderna do princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF é representada pela ideia de “acesso à ordem jurídica justa”, ou, como preferem alguns, “acesso à tutela jurisdicional adequada”. Segundo lição corrente na doutrina, essa nova visão do princípio da inafastabilidade encontra-se fundada em quatro ideais principais, verdadeiras vigas mestras do entendimento. (Daniel Amorim Assumpção Neves, P. 2 e 3, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Em primeiro lugar, deve-se ampliar o máximo possível o acesso ao processo, permitindo-se que eventuais obstáculos sejam mínimos, senão inexistentes. Esse amplo acesso cresce em importância quando referente ao aspecto econômico da demanda e aos direitos transindividuais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 3, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
No tocante ao acesso dos necessitados econômicos, que não têm condição econômica de acessar o Poder judiciário, o sistema pátrio vale-se da assistência judiciária ampla para os “pobres” na acepção jurídica do termo e os Juizados Especiais, que com seu princípio de gratuidade (art. 1ª da Lei 9.099/1995), ao menos até a sentença, facilitam o acesso de muitos. Isso sem falar na nobre disposição de alguns Tribunais na instalação de Juizados itinerantes, permitindo o maior acesso de pessoas que não encontram viabilidade em se locomover até a sede do juízo e na ainda incipiente atuação da Defensoria Pública. . (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 3, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Por outro lado, a criação da tutela jurisdicional coletiva, com seus diplomas legais específicos, em especial a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, permitiu que os direitos difusos e coletivos finalmente pudessem ser tutelados pelo Poder Judiciário. Com a estrutura da tutela individual, em especial no tocante às regras de legitimação e coisa julgada, é impossível a tutela jurisdicional desses direitos, naturalmente frustrando a promessa de inafastabilidade. Esse acesso também atinge os direitos individuais homogêneos, ainda que de forma diferente. Estes até encontram guarida nas regras da tutela individual, mas são tantos e de tão diversas naturezas os obstáculos para a demanda individual, que naturalmente a tutela coletiva desses direitos auxilia na ampliação do acesso ao processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 3, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Uma vez ampliado o acesso, deve=se observar o respeito ao devido processo legal, em especial a efetivação do contraditório real e do princípio da cooperação. Significa dizer que as partes devem desempenhar um papel fundamental durante o processo, com ampla participação e efetiva influência no convencimento do juiz. De nada adiantará a ampliação do acesso se tal participação não for incentivada e respeitada no caso concreto. Essa ampla participação pode ser obtida por intermédio de um contraditório participativo, mediante o qual o juiz mantenha um diálogo permanente e intenso com as partes, bem como por meio do contraditório efetivo, sendo as participações das partes aptas a influenciar a formação do convencimento do juiz. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 3, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
A mencionada participação das partes acarreta ao menos duas evidentes vantagens: a) quanto mais ampla tiver sido a participação das partes, maiores serão as chances de obtenção de pacificação social, considerando-se que a parte derrotada que entende ter feito tudo que havia a fazer para defender seu interesse em juízo tende a se conformar mais facilmente com sua derrota; b) sendo a participação das partes ampla, o juiz terá mais elementos para valorar e proferir uma decisão de melhor qualidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 3, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Amplia-se o acesso, permite-se a ampla participação, mas profere-se uma decisão injusta. É fácil perceber que nesse caso tanto o acesso como a ampla participação não levaram as partes a lugar algum. Em razão disso, a terceira “viga mestra” é a decisão com justiça, ainda que o conceito de justiça seja indeterminado, suscetível de certa dose de subjetivismo. O que se pode afirmar, com segurança, é que a missão de decidir com justiça não significa a permissão de julgamento por equidade, espécie de julgamento reservado às situações excepcionais, expressamente previstas em lei (art. 140, parágrafo único, do CPC). Trata-se de preferir a interpretação mais justa diante de várias possíveis, ou, ainda, de aplicar a lei sempre se levando em consideração os princípios constitucionais de justiça e os direitos fundamentais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 3/4, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Por fim, de nada adiantará ampliar o acesso, permitir a ampla participação e proferir decisão com justiça, se tal decisão se mostrar, no caso concreto, ineficaz. O famoso “ganhou, mas não levou” é inadmissível dentro do ideal de acesso à ordem jurídica justa. A eficácia da decisão, portanto, é essencial para se concretizar a promessa constitucional de inafastabilidade da jurisdição. A questão da eficácia pode ser enfrentada por três diferentes perspectivas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 4, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Na primeira, a necessidade de tutela de urgência ampla, de forma a afastar concretamente o perigo de ineficácia representado pelo tempo necessário à concessão da tutela definitiva. Nesse tocante, o direito brasileiro encontra-se excepcionalmente servido, contando com a tutela cautelar, garantidora, e a tutela antecipada, satisfativa, ambas amplas e genéricas, cabíveis em qualquer hipótese e a qualquer momento desde que preenchidos os requisitos legais para sua concessão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 4, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Em segundo lugar, a necessidade de aumentar os poderes do juiz na efetivação de suas decisões, o que se pode fazer – como o direito brasileiro vem fazendo – por dois caminhos distintos: (a) disponibilizar ao juiz mecanismos de execução indireta, por meio dos quais poderá convencer o devedor que o melhor a fazer é cumprir a obrigação. A execução indireta pode ocorrer de duas formas: ameaça de piora na situação atual (astreintes, prisão civil) ou oferecimento de melhora na situação atual (arts. 827, § 1º, e 702, § 8º, ambos co CPC); (b) aumentar as sanções processuais a serem aplicadas pelo juiz na hipótese de não cumprimento ou criação de obstáculos à efetivação da decisão judicial, com especial ênfase ao ato atentatório à dignidade da justiça (contempt of court), previsto no art. 77, § 2º, deste Código.

Em terceiro lugar, cumprir a promessa constitucional prevista no art. 5º, LXXVIII, e art. 4º também do CPC, que garante às partes uma razoável duração do processo por meio da adoção de técnicas procedimentais que permitam uma maior celeridade, naturalmente se afastar as garantias constitucionais do processo. O raciocínio é bastante simples: quanto mais demore uma demanda judicial, menores são as chances de o resultado final ser eficaz, devendo-se atentar para essa realidade no momento da estruturação procedimental e da fixação das regras para a condução do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 4, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

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