Manual do Direito Civil - 3.
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO E OS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DO DIREITO CIVIL - Manual do Direito Civil – Volume Único –
Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017 -
Ed. Juspodivn - http://www.vargasdigitador.blogspot.com.br
3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO
DIREITO CIVIL
3.1. Noções
preliminares
Como
apontado por Farias e Rosenvald, (2007, p. 20-21), apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis
Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn),
é certo e induvidoso que a Constituição é a norma suprema do sistema jurídico
brasileiro, devendo-lhe obediência, formal e material, todos os demais atos
normativos, sob pena de se lhes reconhecer a inconstitucionalidade, com a conseqüente
expulsão do sistema.
Contudo,
há que se reconhecer que a preocupação com o cumprimento da constituição, ou
mesmo com a realização de seus princípios ou determinações, somente se fez
premente após a edição do texto de 1988. Com efeito, assinala Luiz Roberto
Barroso, Ed. Renovar, 2002, apud (Manual
do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn) que:
“a
Constituição, liberta da tutela indevida do regime militar, adquiriu forma
normativa e foi alçada, ainda que tardiamente, ao centro do sistema jurídico,
fundamento e filtro de toda a legislação infraconstitucional. Sua supremacia,
antes apenas formal, entrou na vida do país e das instituições.”
O
Código Civil, por sua vez, era visto, na feliz expressão de Gustavo Tepedino,
como “verdadeira constituição do direito
privado”. Logicamente não podemos esquecer que o Código Civil de 1916 foi
encaminhado ao Congresso Nacional em 1899, século XIX, portanto, elaborado sob
as concepções, individualista e voluntarista, próprias das codificações
oitocentistas.
O
século XX, entretanto, via surgir um movimento crescente de descodificação, com
o ajuste de diversas matérias em diplomas legislativos próprios, que se
propunham, ao menos em tese, a regular integralmente a matéria, inclusive
envolvendo campos distintos do direito, tanto de ordem privada quanto pública
(penal, processual), criando verdadeiros microssistemas.
Podem ser citados como exemplos a Lei de Registros Públicos (6.015/73), o
Estatuto da Mulher Casada, a Lei de Incorporações e Condomínios (4.591/64), o
Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o
Código de Trânsito. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de
Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed.
Juspodivn).
Dessa
forma, consoante Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis
Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn),
“houve, efetivamente um deslocamento do
centro nevrálgico do Direito Civil de um centro codificado monolítico para uma
realidade fragmentada e pluralista, através de estatutos autônomos, situados
hierarquicamente ao lado da Codificação e não submissos a ela” (2007, p.
23).
Sintetizando,
Gustavo Tepedino apud (Manual do
Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria
Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn) esclarece que:
O Código
Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito
privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios
relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao
império da vontade; a função social da propriedade, os limites da atividade econômica,
a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a
integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio
direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação
central, que não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por
ele desenvolvidas e os riscos delas decorrentes (2001, p. 7).
Portanto,
fica claro que a expressão Direito Civil
Constitucional traduz este novo sistema de normas e princípios, reguladores
da vida privada, relativos à proteção da pessoa nas suas mais diferentes
dimensões fundamentais integrado pela Constituição. (Manual do Direito Civil –
Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª
Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn).
Há
que se fazer uma leitura da norma civil, consequentemente, de modo a
compreender sua estrutura interna a partir da legalidade constitucional,
modificando, se necessário, seus contornos, alcance e consequências, e não
apenas interpretá-la em consonância com a Constituição. (Manual do Direito
Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel
Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn).
A
esse respeito há interessante precedente jurisprudencial, da lavra da Ministra
Fátima Nancy Andrighi (STJ, AC. 4ª T., REsp. 453464/MG, j. 02.09.2003), em que,
tratando-se de restituição de valores cobrados indevidamente de m correntista
por uma instituição financeira, cuja restituição veio a ser determinada
judicialmente e, claramente fundada no princípio da igualdade substancial
(constitucionalmente assegurada), a Ministra determinou que os valores
indevidamente cobrados pela entidade bancária fossem atualizados pelo
percentual de juros cobrados por eela de seus correntistas em situações de
atraso ou débito. Textualmente:
Contrato de
abertura de crédito em conta-corrente (cheque especial). Cobrança de valores
indevidos pela instituição financeira. Restituição ao correntista. Remuneração do
indébito. Taxa idêntica à exigida pela instituição financeira em situações
regulares. Possibilidade. [...] Se, em contrato de cheque especial pactuado à
taxa de 11% ao mês, a instituição financeira cobrou valor de seu correntista indevidamente,
deverá restituí-lo acrescido da mesma taxa, isto é, 11% ao mês. [...] A
remuneração do indébito à mesma taxa praticada para o cheque especial se
justifica, por sua vez, como a única forma de se impedir o enriquecimento sem
causa pela instituição financeira. Apud (Manual do Direito
Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel
Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed. Juspodivn).
Hoje
em dia podemos afirmar, sem receio algum, que a aplicação dos Direitos
Fundamentais (previstos constitucionalmente) se dá igualmente nas relações
privadas, essa a chamada eficácia
horizontal dos direitos fundamentais, reconhecida textualmente pelo STF em
outubro de 2006, no Recurso Extraordinário 201.819/RJ, em voto condutor do
Ministro Gilmar Mendes. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de
Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed.
Juspodivn).
Dessa
forma, é evidente que, em muitas situações, o operador do Direito se deparará
com situações de conflito normativo, envolvendo os princípios e critérios
apontados anteriormente. Essa possibilidade de contradição entre diferentes
normas ou princípios integrantes de um mesmo sistema é um fenômeno perfeitamente
normal e até mesmo inevitável. A propósito, a lição de Daniel Sarmento: “a Constituição de 1988 espraiou-se por uma
miríade de assuntos, que vão da família à energia nuclear. Assim, é difícil que
qualquer controvérsia relevante no direito brasileiro não envolva, direta ou
indiretamente, o manejo de algum princípio ou valor constitucional” (2002, p.
23), apud (Manual
do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed. Juspodivn).
A
resolução dos conflitos normativos, como asseveram Nelson Rosenvald e Cristiano
Chaves, não mais pode estar sustentada pelos critérios clássicos estabelecidos,
como os pouco eficientes e insuficientes “norma
posterior revoga norma anterior” e “norma especial revoga a geral” (2007, p.
33), apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis
Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed. Juspodivn).
Assim surge a ponderação de interesses (ou
proporcionalidade) como critério seguro para as colisões normativas, sempre
centrada no valor máximo constitucional, a dignidade da pessoa humana.
Observe-se,
a respeito, o disposto nos enunciados 274 e 279 da IV Jornada de Direito Civil
do Conselho da Justiça Federal:
274 – Art. 11. Os direitos
da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são
expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º,
III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de
colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a
técnica da ponderação.
279 – Art. 20. A proteção à
imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados,
especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de
imprensa.
Em caso de
colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados,
bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização
(comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam
a divulgação de informações.
Sempre mantendo em vista o princípio da dignidade da
pessoa humana, podemos estabelecer que o CC adota, além dos princípios basilares
(personalidade, autonomia da vontade, liberdade de estipulação negocial,
propriedade individual, intangibilidade familiar, legitimidade da herança e
direito de testar) novos princípios norteadores, a saber, a socialidade, a eticidade e a operabilidade.
(Manual
do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).
A Socialidade,
que traz consigo a determinação de eu as relação não devam mais ser vistas como
de interesse apenas interpessoal dos indivíduos vinculados á obrigação, mas de
toda a sociedade, em virtude de valores de bem comum, fazendo com que, o
princípio da autonomia da vontade seja relativizado, como por exemplo, nas
relações contratuais, onde, hodiernamente, há marcante intervencionismo
estatal. (Manual
do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).
O
princípio da Eticidade traz consigo
a ideia da essencialidade da boa-fé objetiva das relações, sem a qual o negócio
jurídico padece de irregularidade.
Há
também, como disciplina da nova civilística, o princípio da operabilidade, buscando trazer uma
maior efetividade das regras do Código Civil.
Tais
modificações, relacionadas aos princípios mencionados, são melhores
compreendidas se examinados pontualmente, alguns de seus exemplos.
Inicialmente,
no que tange à socialização,
preliminarmente especulou-se que havia surgido uma espécie de crise dos
contratos, haja vista que a autonomia da vontade plena perde espaço para a
relação contratual voltada à realidade social dos envolvidos na redação
negocial. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto,
Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).
Por
certo, não há uma crise em si, mas apenas uma modificação do prisma fundamental
da relação obrigacional-contratual, qual seja, a vontade. Não há mais vontade
livre e irrestrita das partes para contratarem da forma que entenderem. (Manual
do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).
Há
um marcante intervencionismo estatal, por vezes com a edição de leis
específicas, provocando a tendência do que se vem a chamar de “Império dos
contratos Standard”, ou seja,
fórmulas contratuais preestabelecidas para adesão ou não dos interessados. (Manual
do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).
Nunca
é demais lembrar que, conforme disposição do artigo 104, do Código Civil, a
validade do negócio jurídico requer, além de agente capaz e objeto lícito, a
forma prescrita ou não defesa em lei. Isto significa que as relações contratuais
ficam adstritas aos limites impostos pelo legislador, que prouz, cada vez mais,
regras de cunho social, como pro exemplo, o Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto,
Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).
No
que tange ao princípio da eticidade,
o novo código reserva importância fundamental à boa-fé, conforme já mencionado
anteriormente. Vê-se exemplo disso, em vários dispositivos concernentes à parte
geral e ao direito obrigacional da referida codificação, como no artigo 113,
onde há previsão de que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme
a boa-fé, e ainda, por exemplo, no art. 311, que dispões que é autorizado a
receber o pagamento o portador da quitação, por aver aí a presunção da boa-fé
dos agentes. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto,
Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).
Por
fim, acerca da operabilidade, há que
se mencionar que por certo é a vertente mais modificadora da sistemática do
novo código. Tanto é assim, que muda a própria disposição da parte do Direito
das Obrigações como primeiro Livro da Parte Especial, diversamente do que
ocorria ao Código de 1916 (Livro III da Parte Especial), por ser de melhor
aceitação lógica, pois os diversos ramos do Direito Civil dependem de prévio
conhecimento de conceitos da teoria do Direito obrigacional, bem como de sua
ordenação legislativa. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de
Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed.
Juspodivn).
Por
outro lado, a operabilidade também se faz presente na adoção inovadora de
dispositivos tendentes à autotutela, quais seja, por exemplo, os artigos 249, parágrafo
único, e 251, parágrafo único. Tais artigos visam a uma proteção de urgência
contra o perecimento de direitos, trazendo eficácia das determinações legais,
de forma imediata. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis
Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.51. Ed. Juspodivn).
Também
se aponta como importante consequência da operalidade do CC-2002, em
contraponto com a antiga codificação, o estabelecimento técnico da dicotomia
entre prescrição e decadência, com o fornecimento de critérios precisos para a
sua diferenciação. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis
Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.51. Ed. Juspodivn).
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