segunda-feira, 5 de junho de 2017

Manual do Direito Civil - 3. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO CIVIL - VARGAS, Paulo. S. R.


Manual do Direito Civil  - 3. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO CIVIL - Manual do Direito Civil – Volume Único – Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017 - Ed. Juspodivn - http://www.vargasdigitador.blogspot.com.br

3    A CONSTITUCIONALIZAÇÃO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO CIVIL

3.1. Noções preliminares

Como apontado por Farias e Rosenvald, (2007, p. 20-21), apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn), é certo e induvidoso que a Constituição é a norma suprema do sistema jurídico brasileiro, devendo-lhe obediência, formal e material, todos os demais atos normativos, sob pena de se lhes reconhecer a inconstitucionalidade, com a conseqüente expulsão do sistema.

Contudo, há que se reconhecer que a preocupação com o cumprimento da constituição, ou mesmo com a realização de seus princípios ou determinações, somente se fez premente após a edição do texto de 1988. Com efeito, assinala Luiz Roberto Barroso, Ed. Renovar, 2002, apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn) que:

“a Constituição, liberta da tutela indevida do regime militar, adquiriu forma normativa e foi alçada, ainda que tardiamente, ao centro do sistema jurídico, fundamento e filtro de toda a legislação infraconstitucional. Sua supremacia, antes apenas formal, entrou na vida do país e das instituições.”

O Código Civil, por sua vez, era visto, na feliz expressão de Gustavo Tepedino, como “verdadeira constituição do direito privado”. Logicamente não podemos esquecer que o Código Civil de 1916 foi encaminhado ao Congresso Nacional em 1899, século XIX, portanto, elaborado sob as concepções, individualista e voluntarista, próprias das codificações oitocentistas.

O século XX, entretanto, via surgir um movimento crescente de descodificação, com o ajuste de diversas matérias em diplomas legislativos próprios, que se propunham, ao menos em tese, a regular integralmente a matéria, inclusive envolvendo campos distintos do direito, tanto de ordem privada quanto pública (penal, processual), criando verdadeiros microssistemas. Podem ser citados como exemplos a Lei de Registros Públicos (6.015/73), o Estatuto da Mulher Casada, a Lei de Incorporações e Condomínios (4.591/64), o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Trânsito. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn).

Dessa forma, consoante Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn), houve, efetivamente um deslocamento do centro nevrálgico do Direito Civil de um centro codificado monolítico para uma realidade fragmentada e pluralista, através de estatutos autônomos, situados hierarquicamente ao lado da Codificação e não submissos a ela” (2007, p. 23).

Sintetizando, Gustavo Tepedino apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn) esclarece que:

O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade; a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os riscos delas decorrentes (2001, p. 7).

Portanto, fica claro que a expressão Direito Civil Constitucional traduz este novo sistema de normas e princípios, reguladores da vida privada, relativos à proteção da pessoa nas suas mais diferentes dimensões fundamentais integrado pela Constituição. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn).

Há que se fazer uma leitura da norma civil, consequentemente, de modo a compreender sua estrutura interna a partir da legalidade constitucional, modificando, se necessário, seus contornos, alcance e consequências, e não apenas interpretá-la em consonância com a Constituição. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.48. Ed. Juspodivn).

A esse respeito há interessante precedente jurisprudencial, da lavra da Ministra Fátima Nancy Andrighi (STJ, AC. 4ª T., REsp. 453464/MG, j. 02.09.2003), em que, tratando-se de restituição de valores cobrados indevidamente de m correntista por uma instituição financeira, cuja restituição veio a ser determinada judicialmente e, claramente fundada no princípio da igualdade substancial (constitucionalmente assegurada), a Ministra determinou que os valores indevidamente cobrados pela entidade bancária fossem atualizados pelo percentual de juros cobrados por eela de seus correntistas em situações de atraso ou débito. Textualmente:

Contrato de abertura de crédito em conta-corrente (cheque especial). Cobrança de valores indevidos pela instituição financeira. Restituição ao correntista. Remuneração do indébito. Taxa idêntica à exigida pela instituição financeira em situações regulares. Possibilidade. [...] Se, em contrato de cheque especial pactuado à taxa de 11% ao mês, a instituição financeira cobrou valor de seu correntista indevidamente, deverá restituí-lo acrescido da mesma taxa, isto é, 11% ao mês. [...] A remuneração do indébito à mesma taxa praticada para o cheque especial se justifica, por sua vez, como a única forma de se impedir o enriquecimento sem causa pela instituição financeira. Apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed. Juspodivn).

Hoje em dia podemos afirmar, sem receio algum, que a aplicação dos Direitos Fundamentais (previstos constitucionalmente) se dá igualmente nas relações privadas, essa a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, reconhecida textualmente pelo STF em outubro de 2006, no Recurso Extraordinário 201.819/RJ, em voto condutor do Ministro Gilmar Mendes. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed. Juspodivn).

Dessa forma, é evidente que, em muitas situações, o operador do Direito se deparará com situações de conflito normativo, envolvendo os princípios e critérios apontados anteriormente. Essa possibilidade de contradição entre diferentes normas ou princípios integrantes de um mesmo sistema é um fenômeno perfeitamente normal e até mesmo inevitável. A propósito, a lição de Daniel Sarmento: “a Constituição de 1988 espraiou-se por uma miríade de assuntos, que vão da família à energia nuclear. Assim, é difícil que qualquer controvérsia relevante no direito brasileiro não envolva, direta ou indiretamente, o manejo de algum princípio ou valor constitucional” (2002, p. 23), apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed. Juspodivn).

A resolução dos conflitos normativos, como asseveram Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, não mais pode estar sustentada pelos critérios clássicos estabelecidos, como os pouco eficientes e insuficientes “norma posterior revoga norma anterior” e “norma especial revoga a geral” (2007, p. 33), apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.49. Ed. Juspodivn). Assim surge a ponderação de interesses (ou proporcionalidade) como critério seguro para as colisões normativas, sempre centrada no valor máximo constitucional, a dignidade da pessoa humana.

Observe-se, a respeito, o disposto nos enunciados 274 e 279 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

274 – Art. 11. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

279 – Art. 20. A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa.

Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.

Sempre mantendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana, podemos estabelecer que o CC adota, além dos princípios basilares (personalidade, autonomia da vontade, liberdade de estipulação negocial, propriedade individual, intangibilidade familiar, legitimidade da herança e direito de testar) novos princípios norteadores, a saber, a socialidade, a eticidade e a operabilidade. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

A Socialidade, que traz consigo a determinação de eu as relação não devam mais ser vistas como de interesse apenas interpessoal dos indivíduos vinculados á obrigação, mas de toda a sociedade, em virtude de valores de bem comum, fazendo com que, o princípio da autonomia da vontade seja relativizado, como por exemplo, nas relações contratuais, onde, hodiernamente, há marcante intervencionismo estatal. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

O princípio da Eticidade traz consigo a ideia da essencialidade da boa-fé objetiva das relações, sem a qual o negócio jurídico padece de irregularidade.

Há também, como disciplina da nova civilística, o princípio da operabilidade, buscando trazer uma maior efetividade das regras do Código Civil.

Tais modificações, relacionadas aos princípios mencionados, são melhores compreendidas se examinados pontualmente, alguns de seus exemplos.

Inicialmente, no que tange à socialização, preliminarmente especulou-se que havia surgido uma espécie de crise dos contratos, haja vista que a autonomia da vontade plena perde espaço para a relação contratual voltada à realidade social dos envolvidos na redação negocial. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

Por certo, não há uma crise em si, mas apenas uma modificação do prisma fundamental da relação obrigacional-contratual, qual seja, a vontade. Não há mais vontade livre e irrestrita das partes para contratarem da forma que entenderem. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

Há um marcante intervencionismo estatal, por vezes com a edição de leis específicas, provocando a tendência do que se vem a chamar de “Império dos contratos Standard”, ou seja, fórmulas contratuais preestabelecidas para adesão ou não dos interessados. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

Nunca é demais lembrar que, conforme disposição do artigo 104, do Código Civil, a validade do negócio jurídico requer, além de agente capaz e objeto lícito, a forma prescrita ou não defesa em lei. Isto significa que as relações contratuais ficam adstritas aos limites impostos pelo legislador, que prouz, cada vez mais, regras de cunho social, como pro exemplo, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

No que tange ao princípio da eticidade, o novo código reserva importância fundamental à boa-fé, conforme já mencionado anteriormente. Vê-se exemplo disso, em vários dispositivos concernentes à parte geral e ao direito obrigacional da referida codificação, como no artigo 113, onde há previsão de que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé, e ainda, por exemplo, no art. 311, que dispões que é autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, por aver aí a presunção da boa-fé dos agentes. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

Por fim, acerca da operabilidade, há que se mencionar que por certo é a vertente mais modificadora da sistemática do novo código. Tanto é assim, que muda a própria disposição da parte do Direito das Obrigações como primeiro Livro da Parte Especial, diversamente do que ocorria ao Código de 1916 (Livro III da Parte Especial), por ser de melhor aceitação lógica, pois os diversos ramos do Direito Civil dependem de prévio conhecimento de conceitos da teoria do Direito obrigacional, bem como de sua ordenação legislativa. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.50. Ed. Juspodivn).

Por outro lado, a operabilidade também se faz presente na adoção inovadora de dispositivos tendentes à autotutela, quais seja, por exemplo, os artigos 249, parágrafo único, e 251, parágrafo único. Tais artigos visam a uma proteção de urgência contra o perecimento de direitos, trazendo eficácia das determinações legais, de forma imediata. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.51. Ed. Juspodivn).


Também se aponta como importante consequência da operalidade do CC-2002, em contraponto com a antiga codificação, o estabelecimento técnico da dicotomia entre prescrição e decadência, com o fornecimento de critérios precisos para a sua diferenciação. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.51. Ed. Juspodivn).

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