Manual do Direito Civil - 3.2. CONSEQUÊNCIAS
DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL - Manual do Direito Civil – Volume
Único – Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª
Edição, 2017 - Ed. Juspodivn - http://www.vargasdigitador.blogspot.com.br
3.2. Consequências da
constitucionalização do Direito Civil
Como
se vê, o Código Civil perdeu, evidentemente, o papel central nos ordenamentos
jurídicos. Não se pode mais deixar de reconhecer a supremacia da norma
constitucional como fundamental não só para a elaboração das leis civis como
também para a adoção de supraprincípios sem os quais nenhum sistema sobrevive,
uma vez que são inerentes à personalidade humana e seus efeitos mais
elementares. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto,
Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.51. Ed. Juspodivn).
Ademais,
a descentralização do sistema civil, com o surgimento de microssistemas
reguladores de hipóteses civis específicas (trabalhador, inquilino, consumidor,
idoso, criança e adolescente etc.) impõe que a ordem, como um todo, esteja
submissa aos princípios básicos contidos na Lex
Fundamentalis, a fim de resguardar o ordenamento contra possíveis
contradições e incompatibilidades. (Manual do Direito Civil – Volume Único -
Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017,
p.51. Ed. Juspodivn).
Em
verdade, a constitucionalização do
Direito Civil ocorre no plano da principiologia, ou seja, deve-se orientar
o moderno Direito Civil pelos critérios sociais estabelecidos pela Constituição
Federal, como a função social da propriedade, a solidariedade social, a
dignidade da pessoa humana e outros, consoante exposto por Gustavo Tepedino na
seguinte passagem:
No caso brasileiro, a introdução de uma nova
postura metodológica, embora não seja simples, parece facilitada pela
compreensão, mas e mais difusa, do papel dos princípios constitucionais nas
relações de Direito Privado, sendo certo que a doutrina e jurisprudência têm
reconhecido o caráter normativo dos princípios como o da solidariedade social,
da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, aos quais se
tem assegurado eficácia imediata nas relações de Direito Civil.
E
arremata:
Consolida-se o entendimento de que a reunificação do sistema, em termos
interpretativos, só pode ser compreendida com a atribuição do papel proeminente
e central à Constituição (TEPEDINO, Gustavo (coordenador), Problemas de Direito
Civil – Constitucional, Rio/São Paulo: Renovar, 2000, p. 12/13). Apud (Manual do
Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria
Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.51. Ed. Juspodivn).
Para
sermos mais exatos, a influência do papel central da constituição na legislação
civil se dá, principalmente, pela chamada horizontalização
dos direitos fundamentais.
Obviamente que a Carta Magna ostenta
esse papel de força centralizadora do sistema, em primeiro lugar, por se
tratar, formalmente, da norma cuja hierarquia é a que se encontra no topo da
pirâmide legislativa, funcionando, em última análise como regra sistematizadora
da própria nação (com a definição da forma de Estado e de governo, a
organização dos poderes, o estabelecimento dos direitos políticos e dos
predicados do estado democrático de direito e das competências dos diversos
entes que formam a federação). (Manual do Direito Civil – Volume Único -
Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017,
p.51. Ed. Juspodivn).
No
entanto, não podemos olvidar que, ao lado das normas constituidoras da nação, uma lei fundamental deve conter, também,
uma carta de direitos fundamentais.
Esses direitos e garantias fundamentais devem ser necessariamente observados
não só na elaboração das leis infraconstitucionais, mas também na sua
interpretação e aplicação. (Manual do
Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria
Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.51. Ed. Juspodivn).
Fala-se,
portanto, que o Estado deve observar os direitos fundamentais do cidadão, seja
através da proibição de sua violação na atividade legislativa, seja pela
limitação aos poderes estatais de
execução (executivo), em que se deve respeitar o indivíduo e suas garantias nas
questões afetas ao direito público (relação do Estado entre si, pelas diversas
órbitas da federação e de suas pessoas jurídicas; e relação do Estado com o
indivíduo, como no Direito Penal, no Direito Processual, no Direito Tributário,
dentre outros). (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis
Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.52. Ed. Juspodivn).
A
essa necessária observância dos predicados fundamentais pelo Estado, dá-se o
nome de eficácia vertical dos direitos
fundamentais.
Mas os direitos fundamentais influência somente nas relações do Estado
entre si ou com os indivíduos. Espraiam sua força central (advinda de sua
origem constitucional) por todas as
relações, inclusive privadas.
Daí dizer-se que, nas relações entre
particulares, ainda que advindas da autonomia privada, não se podem violar os
direitos e garantias individuais.
A esse fenômeno chama-se eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, pelo qual, nas relações jurídicas privadas, não podem os
agentes se afastarem dessas normas, as quais devem nortear não só elaboração
das regras contratuais, mas também a sua interpretação e aplicação. Podem,
inclusive, servir como normas integrativas e complementares, indicadoras de
invalidade ou ineficácia dos termos particulares estabelecidos pelos sujeitos
da relação jurídica. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de
Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.52. Ed.
Juspodivn).
Devemos
observar que existem duas correntes sobre a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais:
Teoria da eficácia
horizontal indireta ou mediata, pela qual os preceitos constitucionais
fundamentais só se aplicam quando não houver norma jurídica privada sobre a
matéria. Em nosso entendimento, essa corrente peça pela abertura de um canal
que possibilitará, em tese, o estabelecimento privado de direitos e deveres
contrários à norma constitucional, o que quebraria a harmonia do sistema. Por
outro lado, pode-se afirmar que a eficácia indireta não implica em admissão de
normas privadas inconstitucionais, mas apenas no fato de que, havendo norma de
direito privado (não violadora da constituição) que supra a necessidade de
recurso à carta política, a eficácia desta seria apenas indireta ou mediata;
entretanto, se a legislação infraconstitucional – ou mesmo os agentes na
manifestação de vontade – estabelecem entre si regras convergentes com o
sistema constitucional, nada mais fazem do que declarar (função declarativa) o
que, por inspiração básica, já se contém na lei fundamental. (Manual do Direito
Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel
Melo, 6ª Edição, 2017, p.52. Ed. Juspodivn).
b.
teoria da eficácia horizontal direta ou
imediata, segundo a qual os direitos fundamentais incidem diretamente em
qualquer relação jurídica privada, independentemente da existência de normas
infraconstitucionais ou mesmo convencionais (decorrentes das manifestações de
vontade) que regulem a questão. Adiantamos nossa posição favorável a essa
corrente, porque mais consentânea com a noção de força centralizadora e
inafastável dos direitos fundamentais, assegurando que as regulações privadas
não atinjam as garantias individuais dos cidadãos. (Manual do Direito Civil –
Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª
Edição, 2017, p.52. Ed. Juspodivn).
A
Constituição Federal de 1988 não optou, explicitamente por nenhuma das duas
correntes. Podemos lembrar, exemplificativamente, que a Constituição portuguesa
adota a teoria da eficácia direta, ao dizer, em ser art. 18º, 1: “Os preceitos constitucionais respeitantes
aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as
entidades públicas e privadas”. (Manual do Direito Civil – Volume Único -
Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017,
p.52. Ed. Juspodivn).
Não
obstante, a interpretação da Corte Suprema, a quem cabe a definição dessa
matéria, indica que a nossa Carta Magna adotou a eficácia horizontal direta,
como pode ser visto em vários precedentes a respeito da exclusão de associado
sem a garantia do devido processo legal.
Outra
questão bastante importante para o entendimento da constitucionalização do
direito civil, é, enfim, o chamado diálogo
das fontes.
Quando observamos que o direito contém vários
ramos, começando pela dicotomia direito público e privado, e passando pelas
várias subespécies de cada um – direito público: direitos administrativo,
processual, internacional, penal etc – direito privado: direito civil,
empresarial do trabalho etc. – é necessário, por se tratar de um ordenamento
jurídico único que se inspira na mesma fonte – Constituição Federal - que
todos esses ramos convivam harmonicamente. (Manual do Direito Civil – Volume
Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª
Edição, 2017, p.54. Ed. Juspodivn).
Grande
precursora da teoria do diálogo das fontes no direito brasileiro, Cláudia Lima
Marques (2004, p. 15-54) nos auxilia a entender que, quando duas regras de diferentes
ramos do direito regem o mesmo fato, poderá o juiz, através de sua função
consolidadora do sistema, optar por aquela que mais representa a justiça no
caso concreto, ainda que se afigure norma de natureza geral diante de norma de
natureza especial (em detrimento do brocardo Lex specialis derrogat Lex generalis, cf. Item 6.1.2.3 infra). (Manual do Direito Civil –
Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª
Edição, 2017, p.52. Ed. Juspodivn).
Tem-se
proposto que o diálogo das fontes é subdividido em três espécies:
1. Diálogo de complementaridade ou subsidiariedade: ocorre quando uma norma positivada complementa a outra.
Observa-se, por exemplo, no seguinte caso: quando percebemos que o art. 52, §
1º do CDC determina que “as multas de
mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu temo não poderão ser
superiores a dois por cento do valor da prestação”, vê-se que a legislação
especial de proteção ao consumidor prevê um percentual máximo para a cláusula
penal moratória nas relações de consumo, no entanto, não há outras disposições
a respeito das cláusulas penais em geral, nem tampouco a respeito da mora. Incide
aí, portanto, o diálogo de complementaridade ou subsidiariedade, aplicando-se o
Código Civil para que possamos compreender, de melhor forma, o que é a multa
convencional (cláusula penal), suas conseqüências e limites e também o conceito
de mora e a sua caracterização. Por exemplo, o CDC não especifica a partir de
que momento o consumidor se considera em mora, devendo-se recorrer ao conteúdo
do art. 394 do Código Civil, que disciplina que se considera em mora “o devedor que não efetuar o pagamento [...]
no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”. Apud (Manual
do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus,
Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.54. Ed. Juspodivn).
2. Diálogo sistemático de coerência: Não basta que as
normas se complementem através da subsidiariedade. É necessário que essa complementação se dê de forma coerente com o
sistema em que cada uma se encontra inserida. Assim, se o Código de Defesa
do Consumidor se encontra inserido no sistema
de proteção ao consumidor, não é coerente que a complementação do conceito
de cláusula penal, advinda do Código Civil, permita que o fornecedor de
produtos ou serviços possa, por exemplo, impor cláusulas penais compensatórias
no patamar máximo previsto pelo ser art. 412, ou seja, em até cem por cento do
valor da obrigação principal. Portanto, o diálogo entre CC e CDC, neste caso,
deve se dar de forma coerente com os objetivos da norma especial, que é o de
proteger o consumidor, dentre outras coisas, contra “cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”
(CDC, art. 6º, V, primeira parte). Isso impede, portanto, falar-se na
possibilidade de se estabelecer a multa compensatória nas relações de consumo,
no patamar admitido pelo art. 412 do Código Civil. Apud (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis
Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.54/55. Ed.
Juspodivn).
Mas
é também pela coerência que o dialogo das fontes impõe a aplicação da lei
geral, mesmo quando haja disposição especial (em detrimento ao princípio da
especialidade), se, na hipótese em concreto, o dispositivo da lei especial
culmina por não atingir o objetivo nela preconizado, que é melhor atendido pela
norma geral. (Manual do Direito Civil – Volume Único - Sebastião de Assis Neto,
Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017, p.55. Ed. Juspodivn).
3. Diálogos de influências sistemáticas recíprocas: Essas conclusões
levam à inferência de que os sistemas dialogam de forma recíproca, ou seja,
permitindo uma influência de mão dupla (lei geral complementa a especial e lei
especial complementa a lei geral). Por isso, podemos falar tanto em: a) subsidiariedade da lei geral sobre a
especial: pudemos ver esse fenômeno, com clareza, no exemplo em que o
Código Civil complementa o Código do Consumidor, como vimos no caso da cláusula
penal e da mora; (b) subsidiariedade da
lei especial sobre a geral: aqui, podemos visualizar que o Código do
Consumidor também complementa o Código Civil, o que se dá, por exemplo, no caso
dos contratos de adesão, que são mencionados pelo Código Civil em seus arts 423
e 424, no entanto, não são conceituados por ele. A definição, no entanto, pode
ser encontrada no art. 54 do CDC, o qual, portanto, se aplica também às
relações que não são de consumo, inclusive quanto às suas normas reguladoras,
como a limitação das cláusulas resolutórias, a necessidade de clareza e de
destaque das cláusulas restritivas. (Manual do Direito Civil – Volume Único -
Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus, Maria Izabel Melo, 6ª Edição, 2017,
p.56. Ed. Juspodivn).
Assim,
podemos afiançar que os seguintes princípios constitucionais são vetores que
devem sempre nortear o Direito Civil – não só em sua elaboração, mas, também e
principalmente, em sua aplicação e interpretação:
3.2.1. Dignidade da pessoa humana (CF, Art. 1º, III)
A
dignidade da pessoa humana é, seguramente, o principal vetor principiológico da
Constituição Federal, donde ressaem vários dos direitos fundamentais garantidos
pelo seu art. 5º. Por inspiração do princípio da dignidade da pessoa humana,
impõe-se, em consequência, dentre outros:
A garantia dos direitos
da personalidade:
(art. 5º, V e X): aqui podemos citar algumas hipóteses em concreto, como na
vedação do nome constrangedor (Lei 6.015/73, art. 55, parágrafo único) e na
proibição do uso desautorizado do nome e da imagem alheios (CC. Arts. 16 usque
20). Em caso de violação aos direitos da personalidade, garante-se indenização
pelos danos materiais e orais decorrentes;
A proteção da integridade
corporal:
Donde se vê que o art. 15 do Código Civil exprime que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento medido ou a intervenção cirúrgica”;
Impenhorabilidade do
bem de família:
Lei 8.009/90
Vedação da prisão
civil:
excetuada, atualmente, apenas a hipótese do inadimplemento injustificado da
dívida alimentar;
Possibilidade de
resolução ou revisão por onerosidade excessiva: Seja por lesão ou
por fato superveniente que torne a relação jurídica um fardo pesado demais para
a parte, de forma a ferir a sua própria dignidade. Aqui podemos enquadrar,
também, a intervenção do Estado para impedir práticas contratuais lesivas á
dignidade, ainda que contra a vontade do contratante, como no famoso e notório caso de proibição da contratação
de pessoas, em circos, para degradante função de projéteis humanos.
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