CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO
– Art 505 – Não Fazem Coisa Julgada – Vargas,
Paulo S. R.
PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO
DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM –
CAPÍTULO XIII – DA SENTENÇA E DA COISA
JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com
Art
505. Nenhum juiz
decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
I – se, tratando-se de relação
jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de
direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na
sentença;
II – nos demais casos prescritos em
lei.
Correspondência no CPC/1973, art 471,
repetindo a mesma redação:
1.
LIMITES
TEMPORAIS DA COISA JULGADA MATERIAL
O
art 505, caput, do CPC, consagra a
regra do sistema processual: já tendo o juiz decidido a causa, ela não poderá
ser decidida novamente, nem por ele mesmo nem por outro juiz. A norma vem a
corroborar os efeitos negativos e positivos da coisa julgada material. Os
incisos do dispositivo legal, entretanto, preveem, ao menos aparentemente,
exceções à regra consagrada no caput
do dispositivo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 844. Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
2.
EFEITO NEGATIVO DA COISA JULGADA
A
imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa seja
novamente enfrentada judicialmente em novo processo. Por mesma causa, entende-se a repetição da mesma demanda, ou seja, um
novo processo com as mesmas partes (ainda que em polos invertidos), mesma causa
de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato) de um processo
anterior já decidido por sentença de mérito transitada em julgado, tendo sido
gerada coisa julgada material. O julgamento no mérito desse segundo processo
seria um atentado à economia processual,
bem como fonte de perito a harmonização
dos julgados. Na realidade, mesmo que a segunda decisão seja no mesmo
sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeito
negativo da coisa julgada o impedimento de novo julgamento de mérito,
independentemente do seu teor.
Importante salientar que nessa análise
entre diferentes processos, deve-se considerar a parte no sentido material, e
não no sentido processual, de forma que, havendo substituição processual em
hipótese de legitimação extraordinária concorrente, a propositura de novo
processo com a mesma parte contrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido,
ainda que com outra parte processual defendendo o mesmo direito, já defendido
anteriormente não afasta o efeito negativo da coisa julgada. No caso de ações
civis públicas movidas pelo Ministério Público e por uma associação, contra o
mesmo réu, com uma mesma causa de pedir e em mesmo pedido, serão consideradas
dois processos com a mesma ação.
Havendo a modificação de qualquer um
desses elementos da demanda, ainda que parcialmente (p. ex., novos fatos
jurídicos com a manutenção da mesma fundamentação jurídica), afasta-se qualquer
impedimento ao novo julgamento, considerando-se tratar de nova demanda, ainda
que consideravelmente parecida com aquela que já foi julgada e cuja decisão
está protegida pela coisa julgada material.
Esse impedimento de novo julgamento
exige que a causa seja exatamente a mesma, sendo entendimento pacífico na
doutrina e jurisprudência que a função negativa só é gerada quando aplicável,
ao caso concreto, a teoria da tríplice identidade (tria eadem) (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 680.956/RJ, rel. Min.
Laurita Vaz, j. 28.10.2008, DJe 17.11.2008; REsp 730.696/RS, 1ª Turma, rel.
Min. Luiz Fux, j. 24/10/2006, DJ 01.02.2007). tratando-se de matéria de ordem
pública, o juiz deve de ofício extinguir o processo posterior sem a resolução
do mérito, em respeito à coisa julgada já formada, nos termos do art 485, V, do
CPC analisado. Como nem sempre é possível ao juiz conhecer a existência do
primeiro processo e a consequente coisa julgada material, caberá ao réu a
alegação em matéria preliminar de contestação, ainda que tal matéria não sofra
preclusão, podendo ser alegada a qualquer momento do processo.
A repetição de uma mesma demanda em
novo processo só pode ser derivada de extrema má-fé da parte ou de ignorância
de seu patrono, que pode desconhecer a existência do primeiro processo por não
ter sido informado por seu cliente da existência de processo anteriormente
julgado. Seja como for, o réu terá todo o interesse em informar o juízo sobre a
existência da coisa julgada (para evitar uma nova derrota ou para evitar que
uma vitória se torne derrota), o que levará o segundo processo à extinção sem
resolução do mérito (art 485, V, do CPC).
Interessante questão se coloca na
hipótese de não ser reconhecida a coisa julgada material, tendo trâmite regular
o segundo processo, também com sentença de mérito transitada em julgado. Como
se pode facilmente notar, haverá, nessa hipótese, a rara situação de conflito
de coisas julgadas materiais, devendo-se determinar qual delas prevalecerá.
Para parcela doutrinária, a coisa julgada não pode ser afastada, salvo nas
exceções previstas pela ação rescisória (art 966 do CPC), tratando-se de
elemento essencial ao nosso estado democrático de direito. Nesse entendimento,
a segunda coisa julgada é juridicamente inexistente, devendo sempre prevalecer
a primeira.
Outra parcela doutrinária entende que
durante o prazo de ação rescisória da segunda prevalece a primeira coisa
julgada, mas, decorrido esse prazo e obtida em ambas a chamada “coisa julgada soberana”, passa a
prevalecer a segunda (posterior substitui anterior). Essa corrente doutrinária
– que é a mais acertada – lembra que o art 966, IV, do CPC prevê a ação
rescisória contra a decisão que afronta a coisa julgada material, o que
demonstra de forma inequívoca que a segunda coisa julgada existe juridicamente
(não se concebe a desconstituição de decisão inexistente), embora seja viciada
(STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/acórdão Teori Albino
Zavascki, j. 26.11.2008, DJ 15.12.2008). (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 844/845. Novo Código
de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
3.
FUNÇÃO POSITIVA DA COISA JULGADA
Conforme já
afirmado, somente a má-fé ou ignorância leva a parte a ingressar om processo
repetindo ação já protegida pela coisa julgada material, sendo rara essa
ocorrência na praxe forense. Mas a imutabilidade da coisa julgada não se exaure
em sua função negativa, compreendendo também uma função positiva, que
diferentemente da primeira não impede o juiz de julgar o mérito da segunda
demanda, apenas o vincula ao que já foi decidido em demanda anterior, com
decisão protegida pela coisa julgada material (Informativo 426/STJ: 4ª Turma,
REsp 593.154/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09.03.2010, DJ 01.02.2011).
Como se nota com facilidade, a geração
da função positiva da coisa julgada não ocorre na repetição de demandas em
diferentes processos – campo para a aplicação da função negativa da coisa
julgada -, mas em demandas diferentes, nas quais, entretanto, existe uma mesma
relação jurídica que já foi decidida no primeiro processo e em razão disso está
protegida pela coisa julgada. Em vez da teoria da tríplice identidade,
aplica-se a teoria da identidade da relação jurídica.
Na função positiva da coisa julgada,
portanto, inexiste obstáculo ao julgamento de mérito do segundo processo, mas
nesse julgamento o juiz estará vinculado obrigatoriamente em sua fundamentação
ao já resolvido em processo anterior e protegido pela coisa julgada material.
Reconhecida como existente uma relação jurídica (por exemplo, paternidade) e
sendo tal reconhecimento imutável em razão da coisa julgada, surgindo discussão
incidental a respeito dessa relação jurídica em outra demanda (por exemplo,
pedido de alimentos), o juiz estará obrigado a também reconhecê-la como
existente, em respeito à coisa julgada (STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz
Fux, rel. p/acórdão Teori Albino Zavascki, j. 26/11/2008, DJ 15.12.2008).
Quanto à função positiva da coisa
julgada, é importante lembrar: toda sentença tem um elemento declaratório, que ficará protegido pela coisa julgada
material. Mesmo num pedido constitutivo ou condenatório, o juiz antes de
condenar, modificar, extinguir ou criar uma relação jurídica, declara que o
autor tem o direito material àquela condenação ou constituição. Também aqui é
importante a função positiva da coisa julgada, a impedir que, em nova demanda,
a parte derrotada modifique os elementos da demanda anterior para escapar dos
rigores do efeito negativo da coisa julgada, buscando discutir novamente o
elemento declaratório da sentença já transitada em julgado. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 845/846. Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed.
Juspodivm).
4. COISA JULGADA EM RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO
CONTINUADO
O
art 505, I, do CPC, prevê a possibilidade de pedido de revisão do instituído na
sentença na hipótese de modificação superveniente no estado de fato ou de
direito, sempre que a sentença resolver relação jurídica continuativa. Dessa
forma, legitima-se a modificação do conteúdo de sentenças tais como as que
decidem as demandas de alimentos ou revisionais de aluguel, mesmo que ocorrido
seu trânsito em julgado. É indiscutível que essa espécie de sentença, como
qualquer outra, transita em julgado, produzindo coisa julgada formal, sendo
absolutamente equivocado o art 15 da Lei 5.478/1968 a prever que a sentença
proferida no processo de alimentos não transita em julgado. Esgotadas as vias
recursais contra a decisão, é indiscutível a ocorrência do trânsito em julgado.
Sendo indiscutível a existência de
coisa julgada formal, e considerando-se ser de mérito tais sentenças, a
pergunta que encontra diferentes respostas na doutrina é a respeito da
existência de coisa julgada material. O questionamento fundamenta-se na
possibilidade de revisão da decisão a qualquer momento, ainda que sob condição;
será tal circunstância compatível com a imutabilidade e indiscutibilidade
prometida pela coisa julgada material?
Para parcela minoritária da doutrina,
a possibilidade de revisão da decisão, ainda que limitada à ocorrência de
modificações supervenientes de fato ou de direito, é incompatível com a
segurança jurídica advinda da coisa julgada material, de forma que o art 505,
I, do CPC afasta a coisa julgada material das sentenças que resolvem relação
jurídica continuativa. Outra parcela doutrinária defende a existência de uma
coisa julgada material especial, gerada por uma sentença de mérito que contém
implicitamente a cláusula reduz sic
stantibus, ou seja, a imutabilidade da decisão estaria condicionada à
manutenção da situação de fato e de direito (Informativo 400/STJ: 4ª Turma,
REsp 594.238/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.08.2009, DJ 17.08.2009).
Nenhuma das posições doutrinárias
examinadas é correta, sendo preferível uma terceira corrente, atualmente
majoritária, que defende a existência de coisa julgada material nas sentenças
que resolvem relação jurídica continuativa coo em qualquer outra sentença de
mérito. Essa corrente doutrinária aponta que a decisão é imutável e
indiscutível, e a possibilidade de sua revisão, condicionada à modificação do
estado de fato ou de direito, é permitida tao somente em razão da modificação
da causa de pedir, de forma a afastar a tríplice
identidade, indispensável para a aplicação da função negativa da coisa
julgada material. Assim, a sentença de alimentos ou da ação revisional de
aluguel só pode ser modificada quando existir uma nova causa de pedir (novos
fatos ou novo direito) que legitime tal modificação. (Daniel
Amorim Assumpção Neves, p. 846. Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed.
Juspodivm).
5. DEMAIS CASOS
Mesmo
que a relação jurídica de direito material não seja contemplada pelo inciso I
do art 505 do CPC, existem outras formas de exceção à regra prevista no caput do dispositivo legal: (a) ação rescisória, prevista nos arts 966 e
seguintes do Livro analisado do CPC; (b) querela
nullitatis, prevista nos arts 525, § 1º, I e 535, I, ambos do mesmo Livro
do CPC comentado, e plicável a outras hipóteses de vício transrescisórios; (c) a relativização da coisa julgada
inconstitucional prevista no art 525, § 12º e art 535, § 5º, do atual CPC.
Ainda que não esteja consagrada em lei, vem se admitindo, de forma excepcional,
a chamada relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, o que também
será uma exceção à regra consagrada no art 505, caput, do CPC, (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847.
Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
6. COISA JULGADA INJUSTA INCONSTITUCIONAL
Essa
forma de relativização, diferentemente da anteriormente analisada, não tem uma
expressa previsão legal, sendo criação doutrinaria e jurisprudencial, ainda que
já se tenha sugerido que, ao menos em termos procedimentais, seja possível a
aplicação subsidiária dos arts 525, § 12 e art 535, § 5º, ambos deste CPC.
Também encontra adeptos e críticos ardorosos, existindo espaço até mesmo para
uma corrente intermediária, que aceita a proposta de relativização desde que
com tratamento legislativo específico, única forma de evitar abusos desmedidos
e injustificáveis.
Fundamentalmente, trata-se da
possibilidade de sentença de mérito transitada em julgado causar uma extrema
injustiça, com ofensa clara e direta a preceitos e valores constitucionais
fundamentais. Reconhecendo ser a coisa julgada material instituto processual,
responsável pela tutela da segurança
jurídica, sendo esse também um importante direito fundamental previsto na
Constituição Federal, a doutrina que defende a sua relativização entende que a
coisa julgada não pode ser um valor absoluto, que a priori e em qualquer situação se mostre mais importante do que
outros valores constitucionais. A proposta é que se realize, no caso concreto,
uma ponderação entre a manutenção da segurança jurídica e a manutenção da
ofensa a direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Nesse juízo
de proporcionalidade entre valores constitucionais, seria legítimo o afastamento
da coisa julgada quando se mostrar, no caso concreto, mais benéfico à proteção
do valor constitucional afrontado pela sentença protegida pela coisa julgada
material.
Naturalmente, o mero erro na decisão
transitada em julgado não dá ensejo à relativização da coisa julgada, porque
nesse caso, a segurança jurídica se sobrepõe à justiça da decisão (Informativo
556/STJ, 4ª Turma, REsp 1.163.649-SP, Rel Min. Marco Buzzi, julgado em
16/09/2014, DJe 27/02/2015).
Como já observado pela melhor
doutrina, a corrente que defende essa relativização se divide em dois grupos,
que apesar de fundamentos diferentes sempre chegam à mesma conclusão: (a) os
que defendem a inexistência da coisa julgada material em determinadas hipóteses
de extrema injustiça inconstitucional da sentença, de forma que o afastamento
da decisão nem mesmo poderia ser tratado como uma espécie de relativização; (b)
os que concordam que mesmo diante dessa extrema injustiça existe coisa julgada
material, mas que o seu afastamento é necessário e justificável em razão da
proteção de outros valores constitucionais. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 847. Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
Entre os defensores da inexistência de
coisa julgada nessas circunstâncias, é interessante notar que existem
doutrinadores que situam o vício gerado pela sentença extremamente injusta no
plano da eficácia da validade e da existência jurídica. A conclusão é sempre a
mesma, qual seja a de que não havendo a coisa julgada no caso concreto não se
trata propriamente de relativizá-la, mas somente de declarar sua ineficácia,
nulidade ou inexistência, sempre com o objetivo de impedir a execução da
decisão.
Cândido Rangel Dinamarco situa o vício
no plano da eficácia, afirmando que determinadas sentenças padecem de vícios
tao extremos que impedem a geração de seus efeitos, em especial o efeito
executivo (sanção executiva). Vale-se
de criação de Pontes de Miranda, no tocante às impossibilidades cognoscitiva,
lógica e jurídica, interessando ao presente estudo a impossibilidade jurídica de
a sentença gerar efeitos.
Seriam assim sentenças juridicamente
impossíveis de gerar efeitos aquelas que contrariam valores jurídicos
essenciais ao sistema, tais como as que representarem: (a) afronta à
razoabilidade e proporcionalidade; (b) ofensa à moralidade administrativa
(absurda lesão ao Estado); (c) afronta ao valor justo da indenização por
desapropriação (STJ, 1ª Turma, REsp 765.566/RN, rel. Min. Luiz Fux, j.
19.04.2007, DJ 31.05.2007); (d) afronta aos direitos fundamentais do homem; (e)
afronta ao meio ambiente equilibrado.
Considerando que a coisa julgada é a
qualidade da sentença que torna os efeitos imutáveis e indiscutíveis, entende o
processualista paulista que a incapacidade dessas sentenças de produzirem
efeitos é suficiente para não existir coisa julgada nesses casos. Não havendo
qualquer efeito para ser protegido pela coisa julgada material, o fenômeno
processual simplesmente não existiria, visto que não é possível uma qualidade sem
objeto, ou um manto protetor sem nada a ser protegido no caso concreto (STJ, 1ª
Turma, REsp 622.405/SP, rel. Min. Denise Arruda, j. 14.08.2007, DJ 20.09.2007).
Humberto Theodoro Jr. E Juliana
Cordeiro de Faria situam o vício causado pela extrema injustiça inconstitucional
no plano da validade, afirmando que a sentença que padece de tal vício é
nula,não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais. aparentemente
tratar-se-ia de nulidade absoluta de tamanha gravidade que não poderia se
considerar a sentença imutável e indiscutível, o que criaria uma mera aparência
de coisa julgada. Seria hipótese semelhante ao vício ou à inexistência de
citação, que apesar de gerar uma nulidade absoluta, reveste-se de tamanha
gravidade que não se convalida nem mesmo após o vencimento do prazo da ação
rescisória (vício transrescisório).
Há decisão do Superior Tribunal de
Justiça que adota esse entendimento ao afirmar que, diante de uma nulidade
absoluta insanável, causadora de prejuízos ao patrimônio público, há apenas uma
aparência de coisa julgada. A demanda tratava de desapropriação e, para
demonstrar a absoluta incerteza quanto ao meio de se relativizar a coisa
julgada, o Superior Tribunal de Justiça aceitou uma ação civil pública com tal
desiderato (Informativo 425, 2ª Turma, REsp 1.015.133-MT, rel. originária Min.
Eliana Calmon, rel. p/acórdão Min. Castro Meira, j. 02.03.2010, DJe
23/04/2010).
Tereza Arruda Alvin Wambier e José
Miguel Garcia Medina situam o vício ora analisado no plano da existência,
afirmando que a sentença nesse caso é juridicamente inexistente, e por essa
razão não se poderá falar no caso concreto de coisa julgada material. Entendem
que as sentenças que Dinamarco chama de “juridicamente impossíveis”, na
realidade, são inexistentes porque proferidas em processos em que falta ao
autor a possibilidade jurídica do pedido. A ausência de condição da ação faz
com que o autor não tenha exercido o direito de ação, e sim mero direito de
petição, e não existindo direito de ação no caso concreto, não houve
efetivamente processo, devendo a sentença ser considerada juridicamente
inexistente.
Entre as críticas encontradas na
doutrina a respeito da tese da relativização da coisa julgada injusta
inconstitucional, coloca-se em primeiro plano a função primordial para o Estado
de Direito da coisa julgada. Afirma-se que a segurança jurídica advinda da
coisa julgada é essencial para a estabilização das relações jurídicas, sem o
que não se sobrevive em sociedade democrática. Nessa toada, fala-se também que
a segurança jurídica prometida pela coisa julgada é essencial à promessa de inafastabilidade da jurisdição, porque a
tutela jurisdicional passível de revisão sem prazo nem forma procedimental
afasta a própria razão de ser desse princípio constitucional (Informativo
379/STJ, 1ª T. REsp 612.937-SP, rel. Francisco Falcão, j. 02.12.2008, DJ
15.12.2008).
Não convence a essa parcela da
doutrina o argumento de que o afastamento da coisa julgada material reserva-se
para situações excepcionais e que a segurança jurídica não seria afetada de
forma significativa, podendo ser afastada somente em casos de rara ocorrência
prática. Dois pontos são afirmados para fundamentar o receio observado nessa
parcela da doutrina.
Primeiro, a constatação de que, aberta
uma exceção, será incontrolável a busca pela relativização da coisa julgada,
chegando até mesmo a se falar em vírus do relativismo a contaminar todo o
sistema jurídico. A relativização, nesse caso, seria na realidade o fim da
coisa julgada material. Outro aspecto lembrado pela doutrina é que a justiça é
conceito subjetivo, sendo impossível determinar com precisão para todos e de
maneira uníssona o que seja justo ou não. Dessa forma, a relativização da coisa
julgada se prestaria a eternizar os conflitos, considerando-se que a alegação
de extrema injustiça inconstitucional apta a afastar a primeira coisa julgada
também poderia ser apresentada para afastar a coisa julgada da decisão que a
afastou, e assim sucessivamente. Em busca de valor utópico e inalcançável - justiça – manter-se-ia aberta a porta do
Poder Judiciário para intermináveis discussões a respeito da mesma lide,
eternizando os conflitos de interesses levados a julgamento.
Por fim, na ausência de previsão
legal, a relativização da coisa injusta inconstitucional incidentalmente em
ação idêntica àquela já decidida com sentença de mérito com trânsito em
julgado, ou ainda por meio de mera ação declaratória ou embargos à execução,
gera grave incompatibilidade lógica. O reconhecimento do vício pelo juiz de
primeiro grau poderá no caso concreto afastar decisão que transitou em julgado
em grau hierárquico superior, sendo flagrantemente ofensivo às regras de
competência e à hierarquia jurisdicional que um juiz de primeiro grau de
jurisdição afirme que a decisão proferida por tribunal é extremamente injusta e
que por isso deve ser desconstituída. Para realçar o absurdo da situação, basta
imaginar uma demanda julgada em seu mérito em última instância pelo Supremo
Tribunal Federal, tendo sua decisão desconstituída por juízo de primeiro grau.
Entre os críticos da teoria da
relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, se encontram
doutrinadores que percebem o descontrole com que vem sendo aplicada a tese
atualmente, passando a defender uma modificação legislativa para que se
determine com maior precisão os específicos casos em que seria realizada, bem
como aforma procedimental mais adequada.
Para as ações de investigação de
paternidade decididas antes da existência do exame de DNA, exemplo recorrente
dos defensores da relativização, há doutrina que defenda a aplicação, por meio
de lei, da coisa julgada secundum
probationis, já existente na tutela coletiva. Em apertada votação, a 2ª
Seção do Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que a
flexibilização da coisa julgada nesse caso depende de a decisão transitada em
julgado ser resultado da ausência ou insuficiência de provas, não sendo o
suficiente para afastar a coisa julgada material o simples advento de nova
técnica pericial, como o exame de DNA. Outra parcela defende a ampliação do
significado de documento novo para a
propositura da ação rescisória, com prazo decadencial de dois anos a ser
contado a partir do momento em que a parte obtenha o exame de DNA. (STJ, REsp
706.987/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/acórdão Min. Ari
Pargendler, j. 14.05.2008, DJe 10.10.2008. pelo respeito à coisa julgada:
Informativo 384/STJ, 4ª T. REsp 960.805-RS. Rel. Aldir Passarinho Jr., j.
17.02.2009, DJe 18.05.2009. Admitindo nova ação quando a paternidade não for expressamente
afastada na primeira ação: Informativo 354, 3ª T., Resp 826.698-MS, Rel. Nancy
Andrighi, j. 06.05.2008, DJ 23.05.2008.
Propostas
mais genéricas apontam para a modificação do art 966 do CPC, com a inclusão de
mais uma causa de cabimento da ação rescisória, justamente de sentença que
ofenda norma ou valores constitucionais. Também se fala em mudança do prazo
para a interposição da ação rescisória, ou ao menos do termo inicial de
contagem de prazo em determinadas situações. Existe ainda proposta para que seja
revisado o sistema de proteção à coisa julgada pela remodelação da ação rescisória
e uma sistematização adequada da querela
nullitatis.
Registre-se que em decisão inédita o
Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de admitir a relativização da
coisa julgada em ação de investigação de paternidade em virtude de exame de DNA
não realizado na primeira demanda. O tribunal, por maioria de votos, no cotejo
entre a coisa julgada e o princípio da dignidade da pessoa humana,
consubstanciado no direito à informação genética, preferiu prestigiar o segundo
valor envolvido (Informativos 622,629 e 631/STF: Tribunal Pleno, RE 363.889/DF,
rel. Min. Dias Toffoli, j. 02.06.2011, DJe 16.12.2009. No mesmo sentido:
Informativo 512/STJ: 4ª Turma, REsp 1.223.610/RS, rel. Min. Maria Isabel
Galotti, j. 06.12.2012, DJe 07.03.2013). (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 847/850. Novo Código
de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).
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