segunda-feira, 23 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 505 – Não Fazem Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 505 – Não Fazem Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.

PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II – nos demais casos prescritos em lei.

Correspondência no CPC/1973, art 471, repetindo a mesma redação:

1.    LIMITES TEMPORAIS DA COISA JULGADA MATERIAL

O art 505, caput, do CPC, consagra a regra do sistema processual: já tendo o juiz decidido a causa, ela não poderá ser decidida novamente, nem por ele mesmo nem por outro juiz. A norma vem a corroborar os efeitos negativos e positivos da coisa julgada material. Os incisos do dispositivo legal, entretanto, preveem, ao menos aparentemente, exceções à regra consagrada no caput do dispositivo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 844. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    EFEITO NEGATIVO DA COISA JULGADA

A imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa seja novamente enfrentada judicialmente em novo processo. Por mesma causa, entende-se a repetição da mesma demanda, ou seja, um novo processo com as mesmas partes (ainda que em polos invertidos), mesma causa de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato) de um processo anterior já decidido por sentença de mérito transitada em julgado, tendo sido gerada coisa julgada material. O julgamento no mérito desse segundo processo seria um atentado à economia processual, bem como fonte de perito a harmonização dos julgados. Na realidade, mesmo que a segunda decisão seja no mesmo sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeito negativo da coisa julgada o impedimento de novo julgamento de mérito, independentemente do seu teor.

          Importante salientar que nessa análise entre diferentes processos, deve-se considerar a parte no sentido material, e não no sentido processual, de forma que, havendo substituição processual em hipótese de legitimação extraordinária concorrente, a propositura de novo processo com a mesma parte contrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ainda que com outra parte processual defendendo o mesmo direito, já defendido anteriormente não afasta o efeito negativo da coisa julgada. No caso de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público e por uma associação, contra o mesmo réu, com uma mesma causa de pedir e em mesmo pedido, serão consideradas dois processos com a mesma ação.

          Havendo a modificação de qualquer um desses elementos da demanda, ainda que parcialmente (p. ex., novos fatos jurídicos com a manutenção da mesma fundamentação jurídica), afasta-se qualquer impedimento ao novo julgamento, considerando-se tratar de nova demanda, ainda que consideravelmente parecida com aquela que já foi julgada e cuja decisão está protegida pela coisa julgada material.

          Esse impedimento de novo julgamento exige que a causa seja exatamente a mesma, sendo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a função negativa só é gerada quando aplicável, ao caso concreto, a teoria da tríplice identidade (tria eadem) (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 680.956/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 28.10.2008, DJe 17.11.2008; REsp 730.696/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/10/2006, DJ 01.02.2007). tratando-se de matéria de ordem pública, o juiz deve de ofício extinguir o processo posterior sem a resolução do mérito, em respeito à coisa julgada já formada, nos termos do art 485, V, do CPC analisado. Como nem sempre é possível ao juiz conhecer a existência do primeiro processo e a consequente coisa julgada material, caberá ao réu a alegação em matéria preliminar de contestação, ainda que tal matéria não sofra preclusão, podendo ser alegada a qualquer momento do processo.

          A repetição de uma mesma demanda em novo processo só pode ser derivada de extrema má-fé da parte ou de ignorância de seu patrono, que pode desconhecer a existência do primeiro processo por não ter sido informado por seu cliente da existência de processo anteriormente julgado. Seja como for, o réu terá todo o interesse em informar o juízo sobre a existência da coisa julgada (para evitar uma nova derrota ou para evitar que uma vitória se torne derrota), o que levará o segundo processo à extinção sem resolução do mérito (art 485, V, do CPC).

          Interessante questão se coloca na hipótese de não ser reconhecida a coisa julgada material, tendo trâmite regular o segundo processo, também com sentença de mérito transitada em julgado. Como se pode facilmente notar, haverá, nessa hipótese, a rara situação de conflito de coisas julgadas materiais, devendo-se determinar qual delas prevalecerá. Para parcela doutrinária, a coisa julgada não pode ser afastada, salvo nas exceções previstas pela ação rescisória (art 966 do CPC), tratando-se de elemento essencial ao nosso estado democrático de direito. Nesse entendimento, a segunda coisa julgada é juridicamente inexistente, devendo sempre prevalecer a primeira.

          Outra parcela doutrinária entende que durante o prazo de ação rescisória da segunda prevalece a primeira coisa julgada, mas, decorrido esse prazo e obtida em ambas a chamada “coisa julgada soberana”, passa a prevalecer a segunda (posterior substitui anterior). Essa corrente doutrinária – que é a mais acertada – lembra que o art 966, IV, do CPC prevê a ação rescisória contra a decisão que afronta a coisa julgada material, o que demonstra de forma inequívoca que a segunda coisa julgada existe juridicamente (não se concebe a desconstituição de decisão inexistente), embora seja viciada (STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/acórdão Teori Albino Zavascki, j. 26.11.2008, DJ 15.12.2008). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 844/845. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    FUNÇÃO POSITIVA DA COISA JULGADA

Conforme já afirmado, somente a má-fé ou ignorância leva a parte a ingressar om processo repetindo ação já protegida pela coisa julgada material, sendo rara essa ocorrência na praxe forense. Mas a imutabilidade da coisa julgada não se exaure em sua função negativa, compreendendo também uma função positiva, que diferentemente da primeira não impede o juiz de julgar o mérito da segunda demanda, apenas o vincula ao que já foi decidido em demanda anterior, com decisão protegida pela coisa julgada material (Informativo 426/STJ: 4ª Turma, REsp 593.154/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09.03.2010, DJ 01.02.2011).

          Como se nota com facilidade, a geração da função positiva da coisa julgada não ocorre na repetição de demandas em diferentes processos – campo para a aplicação da função negativa da coisa julgada -, mas em demandas diferentes, nas quais, entretanto, existe uma mesma relação jurídica que já foi decidida no primeiro processo e em razão disso está protegida pela coisa julgada. Em vez da teoria da tríplice identidade, aplica-se a teoria da identidade da relação jurídica.

          Na função positiva da coisa julgada, portanto, inexiste obstáculo ao julgamento de mérito do segundo processo, mas nesse julgamento o juiz estará vinculado obrigatoriamente em sua fundamentação ao já resolvido em processo anterior e protegido pela coisa julgada material. Reconhecida como existente uma relação jurídica (por exemplo, paternidade) e sendo tal reconhecimento imutável em razão da coisa julgada, surgindo discussão incidental a respeito dessa relação jurídica em outra demanda (por exemplo, pedido de alimentos), o juiz estará obrigado a também reconhecê-la como existente, em respeito à coisa julgada (STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/acórdão Teori Albino Zavascki, j. 26/11/2008, DJ 15.12.2008).

          Quanto à função positiva da coisa julgada, é importante lembrar: toda sentença tem um elemento declaratório, que ficará protegido pela coisa julgada material. Mesmo num pedido constitutivo ou condenatório, o juiz antes de condenar, modificar, extinguir ou criar uma relação jurídica, declara que o autor tem o direito material àquela condenação ou constituição. Também aqui é importante a função positiva da coisa julgada, a impedir que, em nova demanda, a parte derrotada modifique os elementos da demanda anterior para escapar dos rigores do efeito negativo da coisa julgada, buscando discutir novamente o elemento declaratório da sentença já transitada em julgado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 845/846. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    COISA JULGADA EM RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO CONTINUADO

O art 505, I, do CPC, prevê a possibilidade de pedido de revisão do instituído na sentença na hipótese de modificação superveniente no estado de fato ou de direito, sempre que a sentença resolver relação jurídica continuativa. Dessa forma, legitima-se a modificação do conteúdo de sentenças tais como as que decidem as demandas de alimentos ou revisionais de aluguel, mesmo que ocorrido seu trânsito em julgado. É indiscutível que essa espécie de sentença, como qualquer outra, transita em julgado, produzindo coisa julgada formal, sendo absolutamente equivocado o art 15 da Lei 5.478/1968 a prever que a sentença proferida no processo de alimentos não transita em julgado. Esgotadas as vias recursais contra a decisão, é indiscutível a ocorrência do trânsito em julgado.

          Sendo indiscutível a existência de coisa julgada formal, e considerando-se ser de mérito tais sentenças, a pergunta que encontra diferentes respostas na doutrina é a respeito da existência de coisa julgada material. O questionamento fundamenta-se na possibilidade de revisão da decisão a qualquer momento, ainda que sob condição; será tal circunstância compatível com a imutabilidade e indiscutibilidade prometida pela coisa julgada material?

          Para parcela minoritária da doutrina, a possibilidade de revisão da decisão, ainda que limitada à ocorrência de modificações supervenientes de fato ou de direito, é incompatível com a segurança jurídica advinda da coisa julgada material, de forma que o art 505, I, do CPC afasta a coisa julgada material das sentenças que resolvem relação jurídica continuativa. Outra parcela doutrinária defende a existência de uma coisa julgada material especial, gerada por uma sentença de mérito que contém implicitamente a cláusula reduz sic stantibus, ou seja, a imutabilidade da decisão estaria condicionada à manutenção da situação de fato e de direito (Informativo 400/STJ: 4ª Turma, REsp 594.238/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.08.2009, DJ 17.08.2009).

          Nenhuma das posições doutrinárias examinadas é correta, sendo preferível uma terceira corrente, atualmente majoritária, que defende a existência de coisa julgada material nas sentenças que resolvem relação jurídica continuativa coo em qualquer outra sentença de mérito. Essa corrente doutrinária aponta que a decisão é imutável e indiscutível, e a possibilidade de sua revisão, condicionada à modificação do estado de fato ou de direito, é permitida tao somente em razão da modificação da causa de pedir, de forma a afastar a tríplice identidade, indispensável para a aplicação da função negativa da coisa julgada material. Assim, a sentença de alimentos ou da ação revisional de aluguel só pode ser modificada quando existir uma nova causa de pedir (novos fatos ou novo direito) que legitime tal modificação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 846. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    DEMAIS CASOS

Mesmo que a relação jurídica de direito material não seja contemplada pelo inciso I do art 505 do CPC, existem outras formas de exceção à regra prevista no caput do dispositivo legal: (a) ação rescisória, prevista nos arts 966 e seguintes do Livro analisado do CPC; (b) querela nullitatis, prevista nos arts 525, § 1º, I e 535, I, ambos do mesmo Livro do CPC comentado, e plicável a outras hipóteses de vício transrescisórios; (c) a relativização da coisa julgada inconstitucional prevista no art 525, § 12º e art 535, § 5º, do atual CPC. Ainda que não esteja consagrada em lei, vem se admitindo, de forma excepcional, a chamada relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, o que também será uma exceção à regra consagrada no art 505, caput, do CPC, (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    COISA JULGADA INJUSTA INCONSTITUCIONAL

Essa forma de relativização, diferentemente da anteriormente analisada, não tem uma expressa previsão legal, sendo criação doutrinaria e jurisprudencial, ainda que já se tenha sugerido que, ao menos em termos procedimentais, seja possível a aplicação subsidiária dos arts 525, § 12 e art 535, § 5º, ambos deste CPC. Também encontra adeptos e críticos ardorosos, existindo espaço até mesmo para uma corrente intermediária, que aceita a proposta de relativização desde que com tratamento legislativo específico, única forma de evitar abusos desmedidos e injustificáveis.

          Fundamentalmente, trata-se da possibilidade de sentença de mérito transitada em julgado causar uma extrema injustiça, com ofensa clara e direta a preceitos e valores constitucionais fundamentais. Reconhecendo ser a coisa julgada material instituto processual, responsável pela tutela da segurança jurídica, sendo esse também um importante direito fundamental previsto na Constituição Federal, a doutrina que defende a sua relativização entende que a coisa julgada não pode ser um valor absoluto, que a priori e em qualquer situação se mostre mais importante do que outros valores constitucionais. A proposta é que se realize, no caso concreto, uma ponderação entre a manutenção da segurança jurídica e a manutenção da ofensa a direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Nesse juízo de proporcionalidade entre valores constitucionais, seria legítimo o afastamento da coisa julgada quando se mostrar, no caso concreto, mais benéfico à proteção do valor constitucional afrontado pela sentença protegida pela coisa julgada material.

          Naturalmente, o mero erro na decisão transitada em julgado não dá ensejo à relativização da coisa julgada, porque nesse caso, a segurança jurídica se sobrepõe à justiça da decisão (Informativo 556/STJ, 4ª Turma, REsp 1.163.649-SP, Rel Min. Marco Buzzi, julgado em 16/09/2014, DJe 27/02/2015).

          Como já observado pela melhor doutrina, a corrente que defende essa relativização se divide em dois grupos, que apesar de fundamentos diferentes sempre chegam à mesma conclusão: (a) os que defendem a inexistência da coisa julgada material em determinadas hipóteses de extrema injustiça inconstitucional da sentença, de forma que o afastamento da decisão nem mesmo poderia ser tratado como uma espécie de relativização; (b) os que concordam que mesmo diante dessa extrema injustiça existe coisa julgada material, mas que o seu afastamento é necessário e justificável em razão da proteção de outros valores constitucionais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

          Entre os defensores da inexistência de coisa julgada nessas circunstâncias, é interessante notar que existem doutrinadores que situam o vício gerado pela sentença extremamente injusta no plano da eficácia da validade e da existência jurídica. A conclusão é sempre a mesma, qual seja a de que não havendo a coisa julgada no caso concreto não se trata propriamente de relativizá-la, mas somente de declarar sua ineficácia, nulidade ou inexistência, sempre com o objetivo de impedir a execução da decisão.

          Cândido Rangel Dinamarco situa o vício no plano da eficácia, afirmando que determinadas sentenças padecem de vícios tao extremos que impedem a geração de seus efeitos, em especial o efeito executivo (sanção executiva). Vale-se de criação de Pontes de Miranda, no tocante às impossibilidades cognoscitiva, lógica e jurídica, interessando ao presente estudo a impossibilidade jurídica de a sentença gerar efeitos.

          Seriam assim sentenças juridicamente impossíveis de gerar efeitos aquelas que contrariam valores jurídicos essenciais ao sistema, tais como as que representarem: (a) afronta à razoabilidade e proporcionalidade; (b) ofensa à moralidade administrativa (absurda lesão ao Estado); (c) afronta ao valor justo da indenização por desapropriação (STJ, 1ª Turma, REsp 765.566/RN, rel. Min. Luiz Fux, j. 19.04.2007, DJ 31.05.2007); (d) afronta aos direitos fundamentais do homem; (e) afronta ao meio ambiente equilibrado.

          Considerando que a coisa julgada é a qualidade da sentença que torna os efeitos imutáveis e indiscutíveis, entende o processualista paulista que a incapacidade dessas sentenças de produzirem efeitos é suficiente para não existir coisa julgada nesses casos. Não havendo qualquer efeito para ser protegido pela coisa julgada material, o fenômeno processual simplesmente não existiria, visto que não é possível uma qualidade sem objeto, ou um manto protetor sem nada a ser protegido no caso concreto (STJ, 1ª Turma, REsp 622.405/SP, rel. Min. Denise Arruda, j. 14.08.2007, DJ 20.09.2007).

          Humberto Theodoro Jr. E Juliana Cordeiro de Faria situam o vício causado pela extrema injustiça inconstitucional no plano da validade, afirmando que a sentença que padece de tal vício é nula,não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais. aparentemente tratar-se-ia de nulidade absoluta de tamanha gravidade que não poderia se considerar a sentença imutável e indiscutível, o que criaria uma mera aparência de coisa julgada. Seria hipótese semelhante ao vício ou à inexistência de citação, que apesar de gerar uma nulidade absoluta, reveste-se de tamanha gravidade que não se convalida nem mesmo após o vencimento do prazo da ação rescisória (vício transrescisório).

          Há decisão do Superior Tribunal de Justiça que adota esse entendimento ao afirmar que, diante de uma nulidade absoluta insanável, causadora de prejuízos ao patrimônio público, há apenas uma aparência de coisa julgada. A demanda tratava de desapropriação e, para demonstrar a absoluta incerteza quanto ao meio de se relativizar a coisa julgada, o Superior Tribunal de Justiça aceitou uma ação civil pública com tal desiderato (Informativo 425, 2ª Turma, REsp 1.015.133-MT, rel. originária Min. Eliana Calmon, rel. p/acórdão Min. Castro Meira, j. 02.03.2010, DJe 23/04/2010).

          Tereza Arruda Alvin Wambier e José Miguel Garcia Medina situam o vício ora analisado no plano da existência, afirmando que a sentença nesse caso é juridicamente inexistente, e por essa razão não se poderá falar no caso concreto de coisa julgada material. Entendem que as sentenças que Dinamarco chama de “juridicamente impossíveis”, na realidade, são inexistentes porque proferidas em processos em que falta ao autor a possibilidade jurídica do pedido. A ausência de condição da ação faz com que o autor não tenha exercido o direito de ação, e sim mero direito de petição, e não existindo direito de ação no caso concreto, não houve efetivamente processo, devendo a sentença ser considerada juridicamente inexistente.

          Entre as críticas encontradas na doutrina a respeito da tese da relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, coloca-se em primeiro plano a função primordial para o Estado de Direito da coisa julgada. Afirma-se que a segurança jurídica advinda da coisa julgada é essencial para a estabilização das relações jurídicas, sem o que não se sobrevive em sociedade democrática. Nessa toada, fala-se também que a segurança jurídica prometida pela coisa julgada é essencial à promessa de inafastabilidade da jurisdição, porque a tutela jurisdicional passível de revisão sem prazo nem forma procedimental afasta a própria razão de ser desse princípio constitucional (Informativo 379/STJ, 1ª T. REsp 612.937-SP, rel. Francisco Falcão, j. 02.12.2008, DJ 15.12.2008).

          Não convence a essa parcela da doutrina o argumento de que o afastamento da coisa julgada material reserva-se para situações excepcionais e que a segurança jurídica não seria afetada de forma significativa, podendo ser afastada somente em casos de rara ocorrência prática. Dois pontos são afirmados para fundamentar o receio observado nessa parcela da doutrina.

          Primeiro, a constatação de que, aberta uma exceção, será incontrolável a busca pela relativização da coisa julgada, chegando até mesmo a se falar em vírus do relativismo a contaminar todo o sistema jurídico. A relativização, nesse caso, seria na realidade o fim da coisa julgada material. Outro aspecto lembrado pela doutrina é que a justiça é conceito subjetivo, sendo impossível determinar com precisão para todos e de maneira uníssona o que seja justo ou não. Dessa forma, a relativização da coisa julgada se prestaria a eternizar os conflitos, considerando-se que a alegação de extrema injustiça inconstitucional apta a afastar a primeira coisa julgada também poderia ser apresentada para afastar a coisa julgada da decisão que a afastou, e assim sucessivamente. Em busca de valor utópico e inalcançável  - justiça – manter-se-ia aberta a porta do Poder Judiciário para intermináveis discussões a respeito da mesma lide, eternizando os conflitos de interesses levados a julgamento.

          Por fim, na ausência de previsão legal, a relativização da coisa injusta inconstitucional incidentalmente em ação idêntica àquela já decidida com sentença de mérito com trânsito em julgado, ou ainda por meio de mera ação declaratória ou embargos à execução, gera grave incompatibilidade lógica. O reconhecimento do vício pelo juiz de primeiro grau poderá no caso concreto afastar decisão que transitou em julgado em grau hierárquico superior, sendo flagrantemente ofensivo às regras de competência e à hierarquia jurisdicional que um juiz de primeiro grau de jurisdição afirme que a decisão proferida por tribunal é extremamente injusta e que por isso deve ser desconstituída. Para realçar o absurdo da situação, basta imaginar uma demanda julgada em seu mérito em última instância pelo Supremo Tribunal Federal, tendo sua decisão desconstituída por juízo de primeiro grau.

          Entre os críticos da teoria da relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, se encontram doutrinadores que percebem o descontrole com que vem sendo aplicada a tese atualmente, passando a defender uma modificação legislativa para que se determine com maior precisão os específicos casos em que seria realizada, bem como aforma procedimental mais adequada.

          Para as ações de investigação de paternidade decididas antes da existência do exame de DNA, exemplo recorrente dos defensores da relativização, há doutrina que defenda a aplicação, por meio de lei, da coisa julgada secundum probationis, já existente na tutela coletiva. Em apertada votação, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que a flexibilização da coisa julgada nesse caso depende de a decisão transitada em julgado ser resultado da ausência ou insuficiência de provas, não sendo o suficiente para afastar a coisa julgada material o simples advento de nova técnica pericial, como o exame de DNA. Outra parcela defende a ampliação do significado de documento novo para a propositura da ação rescisória, com prazo decadencial de dois anos a ser contado a partir do momento em que a parte obtenha o exame de DNA. (STJ, REsp 706.987/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/acórdão Min. Ari Pargendler, j. 14.05.2008, DJe 10.10.2008. pelo respeito à coisa julgada: Informativo 384/STJ, 4ª T. REsp 960.805-RS. Rel. Aldir Passarinho Jr., j. 17.02.2009, DJe 18.05.2009. Admitindo nova ação quando a paternidade não for expressamente afastada na primeira ação: Informativo 354, 3ª T., Resp 826.698-MS, Rel. Nancy Andrighi, j. 06.05.2008, DJ 23.05.2008.

Propostas mais genéricas apontam para a modificação do art 966 do CPC, com a inclusão de mais uma causa de cabimento da ação rescisória, justamente de sentença que ofenda norma ou valores constitucionais. Também se fala em mudança do prazo para a interposição da ação rescisória, ou ao menos do termo inicial de contagem de prazo em determinadas situações. Existe ainda proposta para que seja revisado o sistema de proteção à coisa julgada pela remodelação da ação rescisória e uma sistematização adequada da querela nullitatis.

          Registre-se que em decisão inédita o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de admitir a relativização da coisa julgada em ação de investigação de paternidade em virtude de exame de DNA não realizado na primeira demanda. O tribunal, por maioria de votos, no cotejo entre a coisa julgada e o princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no direito à informação genética, preferiu prestigiar o segundo valor envolvido (Informativos 622,629 e 631/STF: Tribunal Pleno, RE 363.889/DF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 02.06.2011, DJe 16.12.2009. No mesmo sentido: Informativo 512/STJ: 4ª Turma, REsp 1.223.610/RS, rel. Min. Maria Isabel Galotti, j. 06.12.2012, DJe 07.03.2013). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847/850. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

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