terça-feira, 15 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 136, 137 Do termo Certo ou Incerto – Dos prazos e sua contagem - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 136, 137
Do termo Certo ou Incerto – Dos prazos e
sua contagem - VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo III – Da Condição,
do Termo e do Encargo - vargasdigitador.blogspot.com

Art 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente importo no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva. 1, 2, 3

1.        Modo ou encargo

Encargo é a cláusula acessória que se apõe ao negócio jurídico para estabelecer uma restrição ou uma obrigação ao beneficiário de uma vantagem. O encargo necessariamente deve ser acessório a um negócio jurídico que expresse uma liberalidade. Por essa razão, não pode o encargo assumir a natureza de uma contraprestação sob pena de sua descaracterização é o que ocorre, por exemplo, à doação de um imóvel com o encargo de que o donatário nele construa uma creche. Ou com uma doação em dinheiro com o encargo de que o beneficiário preste assistência aos pobres. O encargo é cláusula acessória comumente presente nos legados e doações.

2.        Efeitos do encargo

O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito. Uma vez realizado o negócio jurídico, a cláusula acessória do encargo não impõe qualquer limitação à imediata aquisição ou ao pleno e imediato exercício do direito. Podem as partes, contudo, estipular que o cumprimento do encargo será uma condição suspensiva do negócio jurídico. Em tal caso, portanto, enquanto não cumprido o encargo, não terá o beneficiário adquirido qualquer direito.

3.        Descumprimento do encargo

Não cumprido o encargo, resolve-se o negócio jurídico. Tendo em vista que o encargo apenas pode ser aposto nos negócios jurídicos em que alguém pratica um ato de liberalidade, não podendo assumir qualquer caráter de contraprestação, o não cumprimento do encargo não dará ensejo à qualquer reparação por perdas e danos.

Seguindo a orientação de Vicente Ráo, “encargo ou modo é uma determinação que, imposta pelo autor de liberalidade, a esta adere, restringindo-a.” (Vicente Ráo, Ato jurídico, cit. p. 361, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 394, 2010 Saraiva – São Paulo). Trata-se de cláusula acessória às liberalidades (doações, testamentos), pela qual se impõe uma obrigação ao beneficiário. É admissível, também, em declarações unilaterais da vontade, como na promessa de recompensa. Não pode ser aposta em negócio a título oneroso, pois equivaleria a uma contraprestação.

O encargo é muito comum nas doações feitas ao município, em geral com a obrigação de construir um hospital, escola, creche ou algum outro melhoramento público; e nos testamentos, em que se deixa a herança a alguém, com a obrigação de cuidar de determinada pessoa ou de animais de estimação. Em regra, é identificada pelas expressões “para que”, “a fim de que”, “com a obrigação de”.

Segundo Francisco Amaral, “o modo tem a função de dar relevância ou eficácia jurídica a motivos ou interesses particulares do autor da liberalidade. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 476, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 394, 2010 Saraiva – São Paulo). Reduz os efeitos desta e pode constituir-se em obrigação de dar (uma contribuição anual aos pobres, p. ex.), de fazer (construir uma creche) ou de não fazer (não demolir uma capela).

Complementa-se a ideia com Rose Melo Venceslau, (A característica mais marcante é a sua obrigatoriedade (cf. CC, art 553), podendo o seu cumprimento ser exigido por meio de ação cominatória. Por outro, não se confunde o modo ou encargo com a situação subjetiva conhecida por ônus. Este não constitui obrigação devida a alguém, sendo por isso incoercível, embora necessário para a validade do ato pretendido, por exemplo, o registro de atos relacionados aos direitos reais. (Rose Melo Vesceslau, O negócio, cit., p. 220, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 394, 2010 Saraiva – São Paulo).

“Art 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente importo no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.” Por essa razão, se o beneficiário morrer antes de cumpri-lo, a liberalidade prevalece, mesmo se for instituída causa mortis. Tal consequência não adviria, se se tratasse de condição.

Da mesma forma, na hipótese de ter sido previsto em testamento, aberta a sucessão, o domínio e a posse dos bens deixados transmitem-se desde logo aos herdeiros nomeados, com a obrigação, porém, de cumprir o encargo a eles imposto. Se esse encargo não for cumprido, a liberalidade poderá ser revogada.

O art 553 do Código Civil estabelece que “o donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou de interesse geral”. Acrescenta o parágrafo único: “Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito”.

O terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do encargo, mas não está legitimado a propor ação revocatória. Esta é privativa do instituidor, podendo os herdeiros apenas prosseguir na ação por ele intentada, caso venha a falecer depois do ajuizamento. O instituidor também pode reclamar o cumprimento do encargo. O Ministério Público só poderá fazê-lo depois da morte do instituidor, se este não o tiver feito e se o encargo foi imposto no interesse geral.

O encargo difere da condição suspensiva porque esta impede a aquisição do direito, enquanto aquele não suspende a aquisição nem o exercício do direito. A condição suspensiva é imposta com o emprego da partícula “se”, e o encargo com as expressões “para que”, “com a obrigação de” etc. A condição é suspensiva, mas coercitiva. Ninguém pode ser obrigado a cumprir uma condição. O encargo é coercitivo e não suspensivo.

Difere, também, da condição resolutiva, porque não conduz, por si, à revogação do ato. O instituidor do benefício poderá ou não propor a ação revocatória, cuja sentença, de natureza desconstitutiva, não terá efeito retroativo. A condição resolutiva, no entanto, opera de pleno direito, resolvendo automaticamente o direito a que ela se opõe. O pronunciamento judicial terá caráter meramente declaratório.

O encargo pode ser imposto como condição suspensiva e com efeitos próprios deste elemento acidental, desde que tal disposição seja expressa (art 136, segunda parte). Somente neste caso terá o efeito de suspender a aquisição e o exercício do direito. Em caso de dúvida sobre a natureza da cláusula, deve-se interpretá-la coo modal por ser mais favorável ao beneficiário. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 394/395, 2010 Saraiva – São Paulo).

Art 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico. 1

1.        Encargo ilícito ou impossível

Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, permanecendo válido o negócio jurídico principal. Essa regra geral, contudo, cede espaço nas hipóteses em que o cumprimento do encargo constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico. Isso porque, em tal hipóteses, deve-se admitir que aquele que estipulou o encargo não teria praticado o ato de liberalidade se tivesse conhecimento da impossibilidade ou da ilicitude do encargo. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 12.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Preenchendo lacuna do Código de 1916, o Código Civil de 2002 disciplina o encargo ilícito ou impossível. Dispõe, com efeito, no art 137:

“Art 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico”.

Zeno Veloso e Rose Melo Venceslau, ensinam: “Esses efeitos tornam-se possíveis pelo fato de o encargo ser cláusula anexa ao negócio, cuja aquisição e exercício do direito a que visa independem do seu cumprimento.(Zeno Veloso, Condição, cit., p. 110; Rose Melo Venceslau, O negócio, cit., p. 221, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 396, 2010, Saraiva – São Paulo).

Verifica-se, assim, que o encargo deve ser lícito e possível. Se fisicamente impossível ou ilícito, tem-se como inexistente. Se o seu objeto constituir-se em razão determinante da liberalidade, o defeito contaminará o próprio negócio, que será declarado nulo. Assim, por exemplo, se a doação de um imóvel é feita para que o donatário nele mantenha casa de prostituição (atividade ilícita), sendo esse o motivo determinante ou a finalidade específica da liberalidade, será invalidado todo o negócio jurídico. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 396, 2010 Saraiva – São Paulo).

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