DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 136, 137
Do termo Certo ou Incerto – Dos prazos e
sua contagem - VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo III – Da Condição,
do Termo e do Encargo
- vargasdigitador.blogspot.com
Art 136. O
encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando
expressamente importo no negócio jurídico, pelo disponente, como condição
suspensiva. 1, 2, 3
1.
Modo
ou encargo
Encargo é a cláusula
acessória que se apõe ao negócio jurídico para estabelecer uma restrição ou uma
obrigação ao beneficiário de uma vantagem. O encargo necessariamente deve ser
acessório a um negócio jurídico que expresse uma liberalidade. Por essa razão,
não pode o encargo assumir a natureza de uma contraprestação sob pena de sua
descaracterização é o que ocorre, por exemplo, à doação de um imóvel com o
encargo de que o donatário nele construa uma creche. Ou com uma doação em
dinheiro com o encargo de que o beneficiário preste assistência aos pobres. O
encargo é cláusula acessória comumente presente nos legados e doações.
2.
Efeitos
do encargo
O encargo não suspende a
aquisição nem o exercício do direito. Uma vez realizado o negócio jurídico, a
cláusula acessória do encargo não impõe qualquer limitação à imediata aquisição
ou ao pleno e imediato exercício do direito. Podem as partes, contudo,
estipular que o cumprimento do encargo será uma condição suspensiva do negócio
jurídico. Em tal caso, portanto, enquanto não cumprido o encargo, não terá o
beneficiário adquirido qualquer direito.
3.
Descumprimento
do encargo
Não cumprido o encargo,
resolve-se o negócio jurídico. Tendo em vista que o encargo apenas pode ser
aposto nos negócios jurídicos em que alguém pratica um ato de liberalidade, não
podendo assumir qualquer caráter de contraprestação, o não cumprimento do
encargo não dará ensejo à qualquer reparação por perdas e danos.
Seguindo a orientação de
Vicente Ráo, “encargo ou modo é uma
determinação que, imposta pelo autor de liberalidade, a esta adere,
restringindo-a.” (Vicente Ráo, Ato jurídico, cit. p. 361, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 394, 2010 Saraiva – São Paulo). Trata-se de cláusula acessória às liberalidades (doações,
testamentos), pela qual se impõe uma obrigação ao beneficiário. É admissível,
também, em declarações unilaterais da vontade, como na promessa de recompensa.
Não pode ser aposta em negócio a título oneroso, pois equivaleria a uma
contraprestação.
O
encargo é muito comum nas doações feitas ao município, em geral com a obrigação
de construir um hospital, escola, creche ou algum outro melhoramento público; e
nos testamentos, em que se deixa a herança a alguém, com a obrigação de cuidar
de determinada pessoa ou de animais de estimação. Em regra, é identificada
pelas expressões “para que”, “a fim de que”, “com a obrigação de”.
Segundo
Francisco Amaral, “o modo tem a função de
dar relevância ou eficácia jurídica a motivos ou interesses particulares do
autor da liberalidade. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 476, apud Direito
Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 394, 2010 Saraiva – São Paulo). Reduz
os efeitos desta e pode constituir-se em obrigação de dar (uma contribuição
anual aos pobres, p. ex.), de fazer (construir uma creche) ou de não fazer (não
demolir uma capela).
Complementa-se
a ideia com Rose Melo Venceslau, (A característica
mais marcante é a sua obrigatoriedade (cf.
CC, art 553), podendo o seu cumprimento ser exigido por meio de ação cominatória.
Por outro, não se confunde o modo ou encargo com a situação subjetiva conhecida
por ônus. Este não constitui
obrigação devida a alguém, sendo por isso incoercível, embora necessário para a
validade do ato pretendido, por exemplo, o registro de atos relacionados aos
direitos reais. (Rose Melo Vesceslau, O
negócio, cit., p. 220, apud
Direito Civil Comentado –
Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 394, 2010 Saraiva – São
Paulo).
“Art 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do
direito, salvo quando expressamente importo no negócio jurídico, pelo
disponente, como condição suspensiva.” Por essa razão, se o beneficiário morrer
antes de cumpri-lo, a liberalidade prevalece, mesmo se for instituída causa mortis. Tal consequência não adviria, se se tratasse de
condição.
Da mesma forma, na hipótese de ter sido
previsto em testamento, aberta a sucessão, o domínio e a posse dos bens
deixados transmitem-se desde logo aos herdeiros nomeados, com a obrigação,
porém, de cumprir o encargo a eles imposto. Se esse encargo não for cumprido, a
liberalidade poderá ser revogada.
O art 553 do Código Civil estabelece que “o donatário é obrigado a cumprir os encargos
da doação caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou de interesse
geral”. Acrescenta o parágrafo único: “Se
desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua
execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito”.
O terceiro beneficiário pode exigir o
cumprimento do encargo, mas não está legitimado a propor ação revocatória. Esta
é privativa do instituidor, podendo os herdeiros apenas prosseguir na ação por
ele intentada, caso venha a falecer depois do ajuizamento. O instituidor também
pode reclamar o cumprimento do encargo. O Ministério Público só poderá fazê-lo
depois da morte do instituidor, se este não o tiver feito e se o encargo foi
imposto no interesse geral.
O encargo difere da condição suspensiva porque esta impede a aquisição do direito, enquanto
aquele não suspende a aquisição nem o exercício do direito. A condição
suspensiva é imposta com o emprego da partícula “se”, e o encargo com as
expressões “para que”, “com a obrigação de” etc. A condição é suspensiva, mas
coercitiva. Ninguém pode ser obrigado a cumprir uma condição. O encargo é
coercitivo e não suspensivo.
Difere, também, da condição resolutiva, porque não conduz, por si, à revogação do ato.
O instituidor do benefício poderá ou não propor a ação revocatória, cuja
sentença, de natureza desconstitutiva, não terá efeito retroativo. A condição
resolutiva, no entanto, opera de pleno direito, resolvendo automaticamente o
direito a que ela se opõe. O pronunciamento judicial terá caráter meramente
declaratório.
O encargo pode ser imposto como condição
suspensiva e com efeitos próprios deste elemento acidental, desde que tal
disposição seja expressa (art 136, segunda parte). Somente neste caso terá o
efeito de suspender a aquisição e o exercício do direito. Em caso de dúvida
sobre a natureza da cláusula, deve-se interpretá-la coo modal por ser mais
favorável ao beneficiário. (Direito Civil Comentado – A Parte
Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 394/395, 2010 Saraiva – São
Paulo).
Art 137. Considera-se
não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo
determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico. 1
1.
Encargo
ilícito ou impossível
Considera-se não escrito
o encargo ilícito ou impossível, permanecendo válido o negócio jurídico
principal. Essa regra geral, contudo, cede espaço nas hipóteses em que o
cumprimento do encargo constituir o motivo determinante da liberalidade, caso
em que se invalida o negócio jurídico. Isso porque, em tal hipóteses, deve-se
admitir que aquele que estipulou o encargo não teria praticado o ato de
liberalidade se tivesse conhecimento da impossibilidade ou da ilicitude do
encargo. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 12.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Preenchendo lacuna do
Código de 1916, o Código Civil de 2002 disciplina o encargo ilícito ou
impossível. Dispõe, com efeito, no art 137:
“Art
137. Considera-se não escrito o encargo
ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da
liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico”.
Zeno Veloso e Rose Melo Venceslau, ensinam: “Esses efeitos tornam-se possíveis pelo fato
de o encargo ser cláusula anexa ao negócio, cuja aquisição e exercício do
direito a que visa independem do seu cumprimento.” (Zeno
Veloso, Condição, cit., p. 110; Rose
Melo Venceslau, O negócio, cit., p.
221, apud Direito
Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 396, 2010, Saraiva – São Paulo).
Verifica-se,
assim, que o encargo deve ser lícito e possível. Se fisicamente impossível ou
ilícito, tem-se como inexistente. Se o seu objeto constituir-se em razão
determinante da liberalidade, o defeito contaminará o próprio negócio, que será
declarado nulo. Assim, por exemplo, se a doação de um imóvel é feita para que o
donatário nele mantenha casa de prostituição (atividade ilícita), sendo esse o
motivo determinante ou a finalidade específica da liberalidade, será invalidado
todo o negócio jurídico. (Direito Civil Comentado – A Parte
Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 396, 2010 Saraiva – São
Paulo).
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