DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 169, 170, 171 -
Da invalidade do Negócio Jurídico,
Diferenças entre nulidade e
anulabilidade
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do
Negócio Jurídico
- vargasdigitador.blogspot.com
Art 169. O negócio jurídico nulo não é
suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. 1, 2
Diferenças
entre nulidade e anulabilidade, segundo preleção
de Roberto Gonçalves:
a) Grosso
modo, a nulidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. Nela
não se vislumbra o interesse público, mas a mera conveniência das partes. A
anulabilidade é de ordem pública e decretada no interesse da própria
coletividade.
b) A
anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (CC, art
168, parágrafo único, a contrario sensu),
ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação (art 172). Quando a
anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será
validade se este a der posteriormente (art 176). A nulidade não ode ser sanada
pela confirmação, nem suprida pelo juiz. O Código Civil atual, para atender à
melhor técnica, substituiu o termo “ratificação”, por “confirmação”.
A confirmação pode
ser expressa ou tácita e retroage à data do ato. Expressa quando há uma declaração de vontade que contenha a
substância do negócio celebrado, sendo necessário que a vontade de mantê-lo
seja explícita (art 173), devendo observar a mesma forma do ato praticado. Tácita quando a obrigação já foi cumprida
em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava (art 174), ou quando
deixa consumar-se a decadência de seu direito. Expressa ou tácita, importa a
extinção de todas as ações, ou exceções, de que dispusesse o devedor contra o
negócio anulável (art 175).
A confirmação não
poderá, entretanto, ser efetivada se prejudicar terceiro (CC, art 172). Seria a
hipótese, por exemplo, da venda de imóvel feita por relativamente incapaz, sem
estar assistido, e que o vendeu também a terceiro, assim que completou a
maioridade. Neste caso, não poderá confirmar a primeira alienação, para não
prejudicar os direitos do segundo adquirente.
c) A
anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. Depende de provocação dos
interessados (CC, art 177) e não opera antes de julgada por sentença. O efeito
de seu reconhecimento é, portanto, ex
nunc. A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de ofício pelo juiz
(CC, art 168, parágrafo único) e seu efeito é ex tunc, pois retroage à data do negócio, para lhe negar efeitos. A
manifestação judicial neste caso é, então, de natureza meramente declaratória.
Na anulabilidade, a
sentença é de natureza desconstitutiva, pois o negócio anulável vai produzindo
efeitos, até ser pronunciada a sua invalidade. A anulabilidade, assim deve ser
pleiteada em ação judicial. A nulidade quase sempre opera de pleno direito e
deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico
ou dos seus efeitos e a encontrar provada (art 168, parágrafo único). Somente
se justifica a propositura de ação para esse fim quando houver controvérsia
sobre os fatos constitutivos da nulidade (dúvida sobre a existência da própria
nulidade). Se tal não ocorre, ou seja, se ela consta do instrumento, ou se há
prova literal, o juiz a pronuncia de ofício.
d) A
anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, i.e, pelos prejudicados
(o relativamente incapaz e o que manifestou vontade viciada), sendo que os seus
efeitos aproveitam apenas aos que a alegaram, salvo o caso de solidariedade, ou
indivisibilidade (CC, art 177). A nulidade pode ser alegada por qualquer
interessado, em nome próprio, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber
intervir, em nome da sociedade que representa (CC, art 168, caput).
O
menor, entre 16 e 18 anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a
sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no
ato de obrigar-se, espontaneamente declarou-se maior (CC, art 180), perdendo,
por isso, a proteção da lei.
e) Ocorre
a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. Quando a lei
dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se
a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato (CC,
art 179). Negócio nulo não se valida com o decurso do tempo, nem é suscetível
de confirmação (CC, art 169). Mas a alegação do direito pode esbarrar na
usucapião consumada em favor do terceiro.
f) O
negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua
invalidade. O efeito dessa decretação é, pois, ex nunc (natureza desconstitutiva). O ato nulo não produz nenhum
efeito (quod nullum este nullum producit
effectum). O pronunciamento judicial de nulidade produz efeitos ex tunc, i.é, desde o momento da emissão
da vontade (natureza declaratória).
Deve-se
ponderar, porém, que a afirmação de que o ato nulo não produz nenhum efeito não
tem um sentido absoluto e significa, na verdade, que é destituído dos efeitos
que normalmente lhe pertencem. Isto porque, algumas vezes, determinadas
consequências emanam do ato nulo, como ocorre no casamento putativo. Outras
vezes, a venda nula não acarreta a transferência do domínio, mas vale como
causa justificativa da posse de boa-fé. No direito processual, a citação nula
por incompetência do juiz interrompe a prescrição e constitui o devedor em mora
(CPC/1973, art 219, com correspondência no CPC/2015, art 240).
Durante
a vigência do Código Civil de 1916 divergiam os doutrinadores no tocante à
prescrição dos negócios nulos, em virtude da inexistência de regra expressa a
respeito. Enquanto alguns defendiam a imprescritibilidade, outros entendiam que
a prescrição se consuma no prazo máximo previsto no art 177 do aludido diploma,
que era de vinte anos.
1.
Consequências do negócio jurídico nulo
Justamente pelo fato de que o interesse em reconhecer a nulidade absoluta
dos negócios jurídicos extrapola a vontade das partes, sendo de toda a
sociedade é que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem
convalesce pelo decurso do tempo. Em outras palavras, não podem as partes
buscar suprir posteriormente, sua nulidade buscando legitimar esse negócio
jurídico. É o que impede, por exemplo, que o negócio jurídico seja objeto de
novação (CC, art 367). Do mesmo modo, o decurso do tempo não faz convalescer o
negócio jurídico nulo, impedindo que as partes ou interessados possam alegar ou
buscar a declaração dessa nulidade. Como regra geral, o negócio jurídico
absolutamente nulo não cria, extingue ou modifica nenhuma situação jurídica,
razão pela qual situação alguma precisa ser desconstituída. Basta a mera
declaração de que o negócio jurídico padece de nulidade absoluta. Sabendo-se,
pois, que a ação declaratória é imprescritível, impõe-se reconhecer que o
negócio jurídico absolutamente nulo será sempre absolutamente nulo e, sempre
que houver interesse jurídico em sua declaração, poderá o Poder Judiciário
assim se pronunciar sem os óbices da prescrição. Importante, todavia, remeter
ao comentário n. 2 ao artigo 189 para que essa imprescritibilidade seja bem
compreendida. É apenas a ação declaratória pura que é imprescritível, todas as
pretensões que possam derivar de um negócio jurídico, ainda que absolutamente
nulo, ficam inequivocamente sujeitas à prescrição. (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina,
apud Direito.com em 26.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
2.
Testamentos nulos
Exceção legal a essa regra de que o negócio jurídico absolutamente nulo
não se convalesce pelo decurso do tempo se encontra no artigo 1.859 do Código
Civil que trata dos testamentos. Diz referido dispositivo que “extingue-se em cinco anos o direito de
impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro”.
Em tais situações, portanto, mesmo padecendo de alguma nulidade absoluta,
passado esse prazo de cinco anos a validade do testamento não poderá mais ser
questionada e o testamento deverá ser cumprido. (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Art 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo
contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as
partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. 1
1.
Conversão
do negócio jurídico nulo
Por meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída
uma nova qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em
substituição à qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio
jurídico nulo. O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por
outro válido. Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o
negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses
requisitos sejam todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio
jurídico, válido em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da
celebração do negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio
jurídico em que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a
nulidade. Como se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a
presença desse terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico
não poderá interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio
jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o
suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por
exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de
doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda
estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os
resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se
permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor
Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor
superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da
nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em
lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a
finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico
em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não
exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
1.
Anulabilidade
do negócio jurídico
Diferentemente do
que ocorrem com as nulidades absolutas, que afetam toda a ordem jurídica e
social, as nulidades relativas são defeitos do negócio jurídico que atingem
apenas os interesses particulares das pares. São defeitos que não causam tanta
repulsa social e que o legislador reputou serem de menor gravidade, merecendo,
pois, uma menor reprimenda. Por serem pertinentes apenas às partes, as causas
de anulabilidade dos negócios jurídicos não obstam, imediatamente, que o
negócio jurídico deixe de produzir efeitos, impondo que a parte interessada
provoque seu reconhecimento.
2.
Hipóteses
de anulabilidade
Dispõe o artigo 171 que o negócio
jurídico será anulável (a) nos casos expressamente declarados em lei (caput), (b) quando celebrado por relativamente
incapaz (inciso I) ou (c) por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão ou fraude contra credores (inciso II). A nulidade pode ser
inferida pela violação de preceitos legais ou pela prática de atos
expressamente vedados por lei. Em tais situações, sequer é necessário que a lei
expressamente mencione a consequência da nulidade para que ela possa ser
reconhecida. A anulabilidade, por sua vez, deve decorrer sempre e
explicitamente da lei. Se não houver previsão legal expressa reconhecendo a
anulabilidade do negócio jurídico diante de algum defeito, não será o caso de
anulabilidade. É o que ocorre, por exemplo, com os relativamente incapazes. O
relativamente incapaz não se encontra impedido
de praticar negócios jurídicos por si só. Na incapacidade relativa há uma
mera limitação em sua plena capacidade de discernimento, o que lhe permite
externar sua vontade, ainda que mediante uma notória situação de fragilidade
frente às demais pessoas. Por essa razão, essa situação de fragilidade lhe
permite anular o ato que tenha praticado, desde que não o faça por má-fé (CC,
art 180). Além disso, os vícios de vontade e os defeitos sociais do negócio
jurídico (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores) também importam em sua anulabilidade, conforme expressamente
estabelece o inciso II do artigo 171. (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
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