domingo, 27 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 169, 170, 171 - Da invalidade do Negócio Jurídico, Diferenças entre nulidade e anulabilidade VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 169, 170, 171 -
Da invalidade do Negócio Jurídico,
Diferenças entre nulidade e anulabilidade
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. 1, 2

Diferenças entre nulidade e anulabilidade, segundo preleção de Roberto Gonçalves:

a)    Grosso modo, a nulidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada. Nela não se vislumbra o interesse público, mas a mera conveniência das partes. A anulabilidade é de ordem pública e decretada no interesse da própria coletividade.

b)    A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz, a requerimento das partes (CC, art 168, parágrafo único, a contrario sensu), ou sanada, expressa ou tacitamente, pela confirmação (art 172). Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validade se este a der posteriormente (art 176). A nulidade não ode ser sanada pela confirmação, nem suprida pelo juiz. O Código Civil atual, para atender à melhor técnica, substituiu o termo “ratificação”, por “confirmação”.

A confirmação pode ser expressa ou tácita e retroage à data do ato. Expressa quando há uma declaração de vontade que contenha a substância do negócio celebrado, sendo necessário que a vontade de mantê-lo seja explícita (art 173), devendo observar a mesma forma do ato praticado. Tácita quando a obrigação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava (art 174), ou quando deixa consumar-se a decadência de seu direito. Expressa ou tácita, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que dispusesse o devedor contra o negócio anulável (art 175).

A confirmação não poderá, entretanto, ser efetivada se prejudicar terceiro (CC, art 172). Seria a hipótese, por exemplo, da venda de imóvel feita por relativamente incapaz, sem estar assistido, e que o vendeu também a terceiro, assim que completou a maioridade. Neste caso, não poderá confirmar a primeira alienação, para não prejudicar os direitos do segundo adquirente.

c)    A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício. Depende de provocação dos interessados (CC, art 177) e não opera antes de julgada por sentença. O efeito de seu reconhecimento é, portanto, ex nunc. A nulidade, ao contrário, deve ser pronunciada de ofício pelo juiz (CC, art 168, parágrafo único) e seu efeito é ex tunc, pois retroage à data do negócio, para lhe negar efeitos. A manifestação judicial neste caso é, então, de natureza meramente declaratória.

Na anulabilidade, a sentença é de natureza desconstitutiva, pois o negócio anulável vai produzindo efeitos, até ser pronunciada a sua invalidade. A anulabilidade, assim deve ser pleiteada em ação judicial. A nulidade quase sempre opera de pleno direito e deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e a encontrar provada (art 168, parágrafo único). Somente se justifica a propositura de ação para esse fim quando houver controvérsia sobre os fatos constitutivos da nulidade (dúvida sobre a existência da própria nulidade). Se tal não ocorre, ou seja, se ela consta do instrumento, ou se há prova literal, o juiz a pronuncia de ofício.

d)    A anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados, i.e, pelos prejudicados (o relativamente incapaz e o que manifestou vontade viciada), sendo que os seus efeitos aproveitam apenas aos que a alegaram, salvo o caso de solidariedade, ou indivisibilidade (CC, art 177). A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, em nome próprio, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, em nome da sociedade que representa (CC, art 168, caput).
O menor, entre 16 e 18 anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, espontaneamente declarou-se maior (CC, art 180), perdendo, por isso, a proteção da lei.
e)    Ocorre a decadência da anulabilidade em prazos mais ou menos curtos. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato (CC, art 179). Negócio nulo não se valida com o decurso do tempo, nem é suscetível de confirmação (CC, art 169). Mas a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro.
f)     O negócio anulável produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade. O efeito dessa decretação é, pois, ex nunc (natureza desconstitutiva). O ato nulo não produz nenhum efeito (quod nullum este nullum producit effectum). O pronunciamento judicial de nulidade produz efeitos ex tunc, i.é, desde o momento da emissão da vontade (natureza declaratória).
Deve-se ponderar, porém, que a afirmação de que o ato nulo não produz nenhum efeito não tem um sentido absoluto e significa, na verdade, que é destituído dos efeitos que normalmente lhe pertencem. Isto porque, algumas vezes, determinadas consequências emanam do ato nulo, como ocorre no casamento putativo. Outras vezes, a venda nula não acarreta a transferência do domínio, mas vale como causa justificativa da posse de boa-fé. No direito processual, a citação nula por incompetência do juiz interrompe a prescrição e constitui o devedor em mora (CPC/1973, art 219, com correspondência no CPC/2015, art 240).
Durante a vigência do Código Civil de 1916 divergiam os doutrinadores no tocante à prescrição dos negócios nulos, em virtude da inexistência de regra expressa a respeito. Enquanto alguns defendiam a imprescritibilidade, outros entendiam que a prescrição se consuma no prazo máximo previsto no art 177 do aludido diploma, que era de vinte anos.
 O Código Civil de 2002, todavia, declara expressamente a imprescritibilidade do negócio jurídico nulo no art 169, com o seguinte teor: “O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Portanto, afastadas as dúvidas, não cabe mais nenhuma discussão a respeito desse assunto. Mas, como oportunamente ressalvado a alegação do direito pode esbarrar na usucapião consumada em favor do terceiro. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 476-478, 2010 Saraiva – São Paulo).

1.        Consequências do negócio jurídico nulo

Justamente pelo fato de que o interesse em reconhecer a nulidade absoluta dos negócios jurídicos extrapola a vontade das partes, sendo de toda a sociedade é que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Em outras palavras, não podem as partes buscar suprir posteriormente, sua nulidade buscando legitimar esse negócio jurídico. É o que impede, por exemplo, que o negócio jurídico seja objeto de novação (CC, art 367). Do mesmo modo, o decurso do tempo não faz convalescer o negócio jurídico nulo, impedindo que as partes ou interessados possam alegar ou buscar a declaração dessa nulidade. Como regra geral, o negócio jurídico absolutamente nulo não cria, extingue ou modifica nenhuma situação jurídica, razão pela qual situação alguma precisa ser desconstituída. Basta a mera declaração de que o negócio jurídico padece de nulidade absoluta. Sabendo-se, pois, que a ação declaratória é imprescritível, impõe-se reconhecer que o negócio jurídico absolutamente nulo será sempre absolutamente nulo e, sempre que houver interesse jurídico em sua declaração, poderá o Poder Judiciário assim se pronunciar sem os óbices da prescrição. Importante, todavia, remeter ao comentário n. 2 ao artigo 189 para que essa imprescritibilidade seja bem compreendida. É apenas a ação declaratória pura que é imprescritível, todas as pretensões que possam derivar de um negócio jurídico, ainda que absolutamente nulo, ficam inequivocamente sujeitas à prescrição. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

2.        Testamentos nulos

Exceção legal a essa regra de que o negócio jurídico absolutamente nulo não se convalesce pelo decurso do tempo se encontra no artigo 1.859 do Código Civil que trata dos testamentos. Diz referido dispositivo que “extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro”. Em tais situações, portanto, mesmo padecendo de alguma nulidade absoluta, passado esse prazo de cinco anos a validade do testamento não poderá mais ser questionada e o testamento deverá ser cumprido. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. 1

1.        Conversão do negócio jurídico nulo

Por meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída uma nova qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em substituição à qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio jurídico nulo. O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por outro válido. Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses requisitos sejam todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio jurídico, válido em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da celebração do negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio jurídico em que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a nulidade. Como se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a presença desse terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico não poderá interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
 (1)      Código Civil Comentado, doutrina e jurisprudência, 6ª ed., Barueri, Manole, 2012, p. 132
 Art 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: 1, 2
 I – por incapacidade relativa do agente;
 II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

1.        Anulabilidade do negócio jurídico

Diferentemente do que ocorrem com as nulidades absolutas, que afetam toda a ordem jurídica e social, as nulidades relativas são defeitos do negócio jurídico que atingem apenas os interesses particulares das pares. São defeitos que não causam tanta repulsa social e que o legislador reputou serem de menor gravidade, merecendo, pois, uma menor reprimenda. Por serem pertinentes apenas às partes, as causas de anulabilidade dos negócios jurídicos não obstam, imediatamente, que o negócio jurídico deixe de produzir efeitos, impondo que a parte interessada provoque seu reconhecimento.

2.        Hipóteses de anulabilidade

Dispõe o artigo 171 que o negócio jurídico será anulável (a) nos casos expressamente declarados em lei (caput), (b) quando celebrado por relativamente incapaz (inciso I) ou (c) por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (inciso II). A nulidade pode ser inferida pela violação de preceitos legais ou pela prática de atos expressamente vedados por lei. Em tais situações, sequer é necessário que a lei expressamente mencione a consequência da nulidade para que ela possa ser reconhecida. A anulabilidade, por sua vez, deve decorrer sempre e explicitamente da lei. Se não houver previsão legal expressa reconhecendo a anulabilidade do negócio jurídico diante de algum defeito, não será o caso de anulabilidade. É o que ocorre, por exemplo, com os relativamente incapazes. O relativamente incapaz não se encontra impedido de praticar negócios jurídicos por si só. Na incapacidade relativa há uma mera limitação em sua plena capacidade de discernimento, o que lhe permite externar sua vontade, ainda que mediante uma notória situação de fragilidade frente às demais pessoas. Por essa razão, essa situação de fragilidade lhe permite anular o ato que tenha praticado, desde que não o faça por má-fé (CC, art 180). Além disso, os vícios de vontade e os defeitos sociais do negócio jurídico (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores) também importam em sua anulabilidade, conforme expressamente estabelece o inciso II do artigo 171. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

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