DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 186, 187, 188
Dos Atos Lícitos - VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 186 a 188)
Título III – Dos Atos
Lícitos –
- vargasdigitador.blogspot.com
Art.186. Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 1.
1.
Ato ilícito
Ato ilícito é o ato de vontade de um
agente contrário à ordem jurídica que viola o direito subjetivo de um terceiro
cansando-lhe um dano. Sempre que o agente causar um dano ilícito a alguém terá
o dever de indenizar esse dano, recompondo ou reparando o patrimônio material
ou imaterial do lesado na exata proporção do dano causado (CC, art 944). São
elementos do ato ilícito: (a) um ato voluntário do agente, (b) um dano causado
ao terceiro e (c) um nexo de causalidade entre o ato voluntário do agente e o
dano sofrido pela vítima. É necessário que a ação ou a omissão do agente seja
voluntária. Correndo o risco de tentar explicar o óbvio, não pratica ato
ilícito quem não praticou ato algum. Assim, por exemplo, num engarrafamento, o
motorista de um veículo que foi lançado ao veículo da frente ao ser atingido na
traseira por outro veículo não praticou ato voluntário algum. Por essa razão,
mesmo tendo atingido o veículo da frente não terá praticado nenhum ato ilícito.
Como regra geral, exige o legislador que a ação ou a omissão do agente causador
do dano tenha sido culposa para a caracterização do ato ilícito. Apenas
excepcionalmente é que admite o legislador a existência de responsabilidade sem
culpa (objetiva). Caracteriza-se a culpa do agente quando tenha ele agido com
imperícia, imprudência ou negligência. Além disso, é necessário que o ato
ilícito tenha causado um dano ao terceiro. Não existe responsabilidade civil
sem dano. Toda a responsabilidade civil é permeada pela preocupação em
indenizar os danos injustamente causados. Não havendo dano, nada haverá a ser
reparado. Por fim, é necessário que exista um nexo de causalidade entre a
conduta do agente e o dano causado. Costuma-se entender o nexo de causalidade
como sendo a relação lógica de causa e efeito entre a conduta e o dano.
Todavia, para evitar-se indevidamente responsabilizar terceiros que apenas
circunstancialmente possam ter concorrido para o evento danoso, é necessário
certo temperamento nesse conceito. É o que propõe a teoria da causalidade adequada, que apenas
considera juridicamente relevante o nexo de causalidade que existe entre a ação
cuja natureza ordinariamente se mostra apropriada e condizente com o tipo de
dano causado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Art 187. Também comete ato ilícito o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 1, 2
1.
Abuso
de direito
É verdade que alguns dos princípios
informativos da teoria do abuso de direito encontram suas raízes no direito
romano, mas a sua transformação em doutrina autônoma deve-se exclusivamente aos
esforços dos juristas do século XX, preocupados em transplantar para o direito
civil o princípio da solidariedade,
substituindo a liberdade como fundamento dos direitos subjetivos. (1)
Inicialmente, a teoria do abuso do direito não conseguiu sensibilizar a opinião
de muitos civilistas contemporâneos, que consideravam incompatível com a ideia
de direito a sua utilização abusiva, dizendo que ou o ato era lícito, porque
amparado por um direito, ou o ato era ilícito, pois praticado sem o suporte do
direito, sendo impossível que um mesmo ato fosse, a um só tempo, lícito e ilícito.
Resposta definitiva a essas críticas veio mais tarde formulada por Louis Josserand que, ao separar os conceitos de direito objetivo e de
direito subjetivo, demonstrou que um ato poderia ser estar abstratamente em
conformidade com seus contornos determinados pelo direito (dito objetivo), mas
que, quando esse direito subjetivo fosse exercido de forma contrária aos
preceitos gerais do direito, seu titular extrapolava os limites subjetivos
admitidos para seu exercício. Passou-se a entender, a partir da pacificação
desse embate, que os direitos subjetivos têm caráter relativo, ou seja, devem ser exercidos de acordo com os fins
perseguidos pelo ordenamento jurídico. O próprio Josserand discorreu acerca do abuso de direito dizendo que “as prerrogativas, mesmo as mais individuais
e as mais egoísticas, são ainda produtos sociais, seja na forma, seja no fundo:
seria inconcebível que elas pudessem, ao grado de seus titulares, se livrar da
marca característica original e ser empregadas para todas as necessidades, mesmo
fossem elas inconciliáveis com sua filiação e com os interesses os mais
urgentes, os mais certos, da comunidade que as concedeu”. (2)
Não há, atualmente, dúvida acerca da ilicitude de um direito que é exercido em
desacordo com a finalidade que lhe é imposta pelo direito, tendo o Código Civil
de 2002 consagrado essa ilicitude em seu art 187 ao dizer que exerce
abusivamente um direito aquele que “excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes”. (Direito
Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1) Pedro
Batista Martins, Abuso do direito e o ato
ilícito, 3ª ed., Rio de Janeiro, forense, 1997, p. 11.
(2) De l’espirit des
droit et de leur relativitè, p. 320, apud Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Função Social do Contrato, São Paulo,
Saraiva, 2004, p. 112.
2.
O
exercício regular e o abuso de direito
Entre os romanos
havia um princípio – Nemine laedit qui
jure suo utitur (aquele que age dentro de seu direito a ninguém prejudica)
– de caráter individualista e que, durante muitos anos, foi utilizado como
justificador dos excessos e abusos de direito.
Entretanto, tal
princípio, por se mostrar injusto em certos casos em que era evidente o animus laedendi, embora não
ultrapassasse o agente os limites de seu direito subjetivo, passou a ser
substituído por outros princípios universalmente aceitos: o nemine laedere e o summum jus, summa injuria, pois é norma fundamental de toda a
sociedade civilizada o dever de não prejudicar a outrem.
Aguiar Dias
ressalta que “o reconhecimento do erro de fato ou legítima defesa putativa, que
isenta de pena o réu na esfera do direito criminal, não exclui a
responsabilidade civil de reparar danos causados sem ter havido agressão do
ofendido” (RF, 200/151).
“Reconhecida a
legítima defesa própria pela decisão que transitou em julgado, não é possível
reabrir a discussão sobre essa excludente de criminalidade, na jurisdição
civil. Art 65 do CPP” (STF, STJ, 83/649) (Aguiar Dias, Da responsabilidade, 4 ed., cit., p.
526, n. 184, apud,
Roberto Gonçalves,
Direito civil comentado, 2010 – pp. 478-479 - pdf – parte geral).
A doutrina do abuso
do direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o dano
causado, que venha a infringir culposamente um dever preexistente. Mesmo agindo
dentro do seu direito, pode, não obstante, em alguns casos, ser
responsabilizado.
Prevalece na
doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da ideia de
culpa. O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da
lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e o
exorbita, ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja, em geral,
violação aos limites objetos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que
esta se destina.
O Código civil de
1916, admitiu a ideia do abuso de direito no art 160, I, embora não o tenha
feito de forma expressa. Sustentava-se a existência da teoria em nosso direito
positivo, mediante interpretação a
contrario sensu do aludido dispositivo. Se ali estava escrito não
constituir ato ilícito o praticado no exercício regular de um direito
reconhecido, era intuitivo que constituía ato ilícito aquele praticado no
exercício irregular de um direito.
Era dessa forma que
se encontrava fundamento legal para coibir o exercício anormal do direito em
muitas hipóteses. Uma das mais comuns enfrentadas por nossos tribunais era a
reiterada purgação da mora pelo inquilino, que passou a ser considerada abusiva
pela jurisprudência, até ser limitada pela própria Lei do Inquilinato.
O Código civil de
2002 expressamente considera ato ilícito o abuso de direito, aos dispor, no art
187: “Também comete ato ilícito o titular
de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Também serve de
fundamento para a aplicação, entre nós, da referida teoria, o art 5º da lei de
Introdução ao Código Civil, que determina ao juiz, na aplicação da lei, o
atendimento aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
É que a ilicitude do ato abusivo se caracteriza sempre que o titular do direito
se desvia da finalidade social para a qual o direito subjetivo foi concedido.
Observa-se que a
jurisprudência, em regra, e já há muito tempo, considera como abuso de direito
o ato que constitui o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos
legítimos, nocivos a outrem, contrários ao destino econômico e social do
direito em geral.
Vários dispositivos
legais demonstram que no direito brasileiro há uma reação contra o exercício
irregular de direitos subjetivos. O art 1.277 do Código Civil, inserido no
capítulo “Dos direitos de vizinhança”, permite que se reprima o exercício
abusivo do direito de propriedade que perturbe o sossego, a segurança ou a
saúde do vizinho. Constantes são os conflitos relativos a perturbação do
sossego alegada contra clubes de dança, boates, oficinas mecânicas, terreiros
de umbandismo etc.
Podem ser
mencionados, ainda, como exemplos, os arts 939 e 940 do Código civil, que
estabelecem sanções ao credor que, abusivamente demanda o devedor antes do
vencimento da dívida ou por dívida já paga. E os arts 1.637 e 1.638 igualmente
preveem sanções contra abusos no exercício do poder familiar, como a suspensão
e a perda desse direito.
O Código de
Processo civil também reprime o abuso de direito, nos arts 14 a 18, referência
CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigos 77 a 88, e ainda no processo
de execução (arts 574 e 598).
Observa-se que o instituto
do abuso de direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como
instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos
subjetivos. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 506-507 - pdf – parte geral).
Art.188. Não constituem atos ilícitos: 1
I
– os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II
– a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de
remover perigo iminente.
Parágrafo
único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo.
1.
Excludentes de ilicitude
Nem todo ato lesivo será também um ato ilícito. Como regra geral, todo
ato danoso acaba sendo também um ato ilícito na medida em que acarreta a
violação a um direito subjetivo (de propriedade, de integridade física ou
moral, por exemplo). Contudo, em alguns casos excepcionais, seja porque o dano
é inevitável, seja porque é legítimo, o legislador retira a ilicitude desse
evento danoso. São os chamados atos lícitos lesivos. Em tais casos, mesmo tendo
sido causado um dano a alguém, não surgirá para o agente causador o dever de
indenizar. É o que ocorre com os atos praticados em legítima defesa ou no
exercício regular de um direito reconhecido (inciso I). Quem inscreve o nome do
devedor nos serviços de proteção ao crédito causa-lhe um inegável dano moral.
Tal ato lesivo, contudo, será lícito se a inscrição estiver respaldada na
existência de um débito reconhecido, situação em que assumirá os contornos de
exercício regular de um direito do credor. Por outro lado, quem age
moderadamente para afastar uma agressão injusta e iminente também não pratica
ilícito algum. Como regra, toda ameaça a um direito deve ser levada ao Poder
Judiciário, sendo ilícita a justiça de mão própria. Alguns casos urgentes,
contudo, tornam essa iniciativa inviável, permitindo que a própria vítima use
os meios necessários para repelir a agressão, agindo em legítima defesa. O
mesmo ocorre com a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a
pessoa, a fim de remover perigo iminente (inciso II). Quem arromba um prédio
para salvar uma pessoa em seu interior, ou quem fere ou mesmo mata um animal
que estava atacando uma pessoa não comete ilícito algum, não tendo, pois,
nenhum dever de indenizar. (Direito Civil Comentado, Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
De
acordo com a redação de Roberto Gonçalves, o título referente aos atos
ilícitos, no Código Civil, contém apenas três artigos: o 186, o 187 e o 188.
Mas a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelos
arts 924 a 943 (“Da obrigação de indenizar”) e 944 a 954 (“Da indenização”).
Conceito.
Ato ilícito é o praticado com infração ao dever legal de não lesar a outrem.
Tal dever é imposto a todos no art 186, que prescreve: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito”. Também o comete aquele que pratica abuso de direito, ou seja, “o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” art
187). Em consequência, o autor do dano fica obrigado a repará-lo (art 927).
Ato
ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo
causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou
omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem.
O
Código Civil de 2002 aperfeiçoou o conceito de ato ilícito, ao dizer que o
pratica quem “violar direito e causar dano a outrem” (art 186), substituindo o
“ou” (“violar direito ou causar dano
a outrem”), que constava do art 159 do diploma anterior (CC, 1916). Com efeito,
o elemento subjetivo da culpa é o dever violado. A responsabilidade é uma
reação provocada pela infração a um dever preexistente. No entanto, ainda mesmo
que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo
dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não
se tenha verificado prejuízo.
Se,
por exemplo, o motorista comete várias infrações de trânsito, mas não atropela
nenhuma pessoa nem colide com outro veículo, nenhuma indenização será devida,
malgrado a ilicitude de sua conduta. A obrigação de indenizar decorre, pois, da
existência da violação de direito e do dano, concomitantemente.
Pondera
Sérgio Cavalieri Filho que o ato ilícito, tal como o lícito, é também uma
manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, só que contraria à
ordem jurídica. Observa que, todavia, enquanto os atos jurídicos podem se
restringir a meras declarações de vontade, como, por exemplo, prometer fazer ou
contratar etc., o ato ilícito é sempre uma condução
voluntária. Se é ato, nunca o ato ilícito consistirá num simples declaração
de vontade. Importa dizer que ninguém pratica ato ilícito simplesmente porque
promete a outrem causar-lhe um prejuízo.
E
prossegue o mencionado autor: “Em
apertada síntese, ato ilícito é ato voluntário e consciente do ser humano que
transgride um dever jurídico. Ato praticado sem consciência do que se está
fazendo não pode constituir ato ilícito”. (Programa de responsabilidade civil, p.
23, apud, Roberto
Gonçalves, Direito civil comentado, 2010
– pp. 493 - pdf – parte geral).
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