sábado, 2 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 186, 187, 188 Dos Atos Lícitos - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 186, 187, 188
Dos Atos Lícitos - VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 186 a 188)
Título III – Dos Atos Lícitos –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art.186.  Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 1.

1.        Ato ilícito

Ato ilícito é o ato de vontade de um agente contrário à ordem jurídica que viola o direito subjetivo de um terceiro cansando-lhe um dano. Sempre que o agente causar um dano ilícito a alguém terá o dever de indenizar esse dano, recompondo ou reparando o patrimônio material ou imaterial do lesado na exata proporção do dano causado (CC, art 944). São elementos do ato ilícito: (a) um ato voluntário do agente, (b) um dano causado ao terceiro e (c) um nexo de causalidade entre o ato voluntário do agente e o dano sofrido pela vítima. É necessário que a ação ou a omissão do agente seja voluntária. Correndo o risco de tentar explicar o óbvio, não pratica ato ilícito quem não praticou ato algum. Assim, por exemplo, num engarrafamento, o motorista de um veículo que foi lançado ao veículo da frente ao ser atingido na traseira por outro veículo não praticou ato voluntário algum. Por essa razão, mesmo tendo atingido o veículo da frente não terá praticado nenhum ato ilícito. Como regra geral, exige o legislador que a ação ou a omissão do agente causador do dano tenha sido culposa para a caracterização do ato ilícito. Apenas excepcionalmente é que admite o legislador a existência de responsabilidade sem culpa (objetiva). Caracteriza-se a culpa do agente quando tenha ele agido com imperícia, imprudência ou negligência. Além disso, é necessário que o ato ilícito tenha causado um dano ao terceiro. Não existe responsabilidade civil sem dano. Toda a responsabilidade civil é permeada pela preocupação em indenizar os danos injustamente causados. Não havendo dano, nada haverá a ser reparado. Por fim, é necessário que exista um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado. Costuma-se entender o nexo de causalidade como sendo a relação lógica de causa e efeito entre a conduta e o dano. Todavia, para evitar-se indevidamente responsabilizar terceiros que apenas circunstancialmente possam ter concorrido para o evento danoso, é necessário certo temperamento nesse conceito. É o que propõe a teoria da causalidade adequada, que apenas considera juridicamente relevante o nexo de causalidade que existe entre a ação cuja natureza ordinariamente se mostra apropriada e condizente com o tipo de dano causado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).


Art 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 1, 2

1.        Abuso de direito

É verdade que alguns dos princípios informativos da teoria do abuso de direito encontram suas raízes no direito romano, mas a sua transformação em doutrina autônoma deve-se exclusivamente aos esforços dos juristas do século XX, preocupados em transplantar para o direito civil o princípio da solidariedade, substituindo a liberdade como fundamento dos direitos subjetivos. (1) Inicialmente, a teoria do abuso do direito não conseguiu sensibilizar a opinião de muitos civilistas contemporâneos, que consideravam incompatível com a ideia de direito a sua utilização abusiva, dizendo que ou o ato era lícito, porque amparado por um direito, ou o ato era ilícito, pois praticado sem o suporte do direito, sendo impossível que um mesmo ato fosse, a um só tempo, lícito e ilícito. Resposta definitiva a essas críticas veio mais tarde formulada por Louis Josserand que, ao separar os conceitos de direito objetivo e de direito subjetivo, demonstrou que um ato poderia ser estar abstratamente em conformidade com seus contornos determinados pelo direito (dito objetivo), mas que, quando esse direito subjetivo fosse exercido de forma contrária aos preceitos gerais do direito, seu titular extrapolava os limites subjetivos admitidos para seu exercício. Passou-se a entender, a partir da pacificação desse embate, que os direitos subjetivos têm caráter relativo, ou seja, devem ser exercidos de acordo com os fins perseguidos pelo ordenamento jurídico. O próprio Josserand discorreu acerca do abuso de direito dizendo que “as prerrogativas, mesmo as mais individuais e as mais egoísticas, são ainda produtos sociais, seja na forma, seja no fundo: seria inconcebível que elas pudessem, ao grado de seus titulares, se livrar da marca característica original e ser empregadas para todas as necessidades, mesmo fossem elas inconciliáveis com sua filiação e com os interesses os mais urgentes, os mais certos, da comunidade que as concedeu”. (2) Não há, atualmente, dúvida acerca da ilicitude de um direito que é exercido em desacordo com a finalidade que lhe é imposta pelo direito, tendo o Código Civil de 2002 consagrado essa ilicitude em seu art 187 ao dizer que exerce abusivamente um direito aquele que “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Pedro Batista Martins, Abuso do direito e o ato ilícito, 3ª ed., Rio de Janeiro, forense, 1997, p. 11.
(2)      De l’espirit des droit et de leur relativitè, p. 320, apud Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Função Social do Contrato, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 112.
2.        O exercício regular e o abuso de direito

Entre os romanos havia um princípio – Nemine laedit qui jure suo utitur (aquele que age dentro de seu direito a ninguém prejudica) – de caráter individualista e que, durante muitos anos, foi utilizado como justificador dos excessos e abusos de direito.

Entretanto, tal princípio, por se mostrar injusto em certos casos em que era evidente o animus laedendi, embora não ultrapassasse o agente os limites de seu direito subjetivo, passou a ser substituído por outros princípios universalmente aceitos: o nemine laedere e o summum jus, summa injuria, pois é norma fundamental de toda a sociedade civilizada o dever de não prejudicar a outrem.

Aguiar Dias ressalta que “o reconhecimento do erro de fato ou legítima defesa putativa, que isenta de pena o réu na esfera do direito criminal, não exclui a responsabilidade civil de reparar danos causados sem ter havido agressão do ofendido” (RF, 200/151).

“Reconhecida a legítima defesa própria pela decisão que transitou em julgado, não é possível reabrir a discussão sobre essa excludente de criminalidade, na jurisdição civil. Art 65 do CPP” (STF, STJ, 83/649) (Aguiar Dias, Da responsabilidade, 4 ed., cit., p. 526, n. 184, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 478-479 - pdf – parte geral).

A doutrina do abuso do direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o dano causado, que venha a infringir culposamente um dever preexistente. Mesmo agindo dentro do seu direito, pode, não obstante, em alguns casos, ser responsabilizado.

Prevalece na doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da ideia de culpa. O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e o exorbita, ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja, em geral, violação aos limites objetos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que esta se destina.

O Código civil de 1916, admitiu a ideia do abuso de direito no art 160, I, embora não o tenha feito de forma expressa. Sustentava-se a existência da teoria em nosso direito positivo, mediante interpretação a contrario sensu do aludido dispositivo. Se ali estava escrito não constituir ato ilícito o praticado no exercício regular de um direito reconhecido, era intuitivo que constituía ato ilícito aquele praticado no exercício irregular de um direito.

Era dessa forma que se encontrava fundamento legal para coibir o exercício anormal do direito em muitas hipóteses. Uma das mais comuns enfrentadas por nossos tribunais era a reiterada purgação da mora pelo inquilino, que passou a ser considerada abusiva pela jurisprudência, até ser limitada pela própria Lei do Inquilinato.

O Código civil de 2002 expressamente considera ato ilícito o abuso de direito, aos dispor, no art 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Também serve de fundamento para a aplicação, entre nós, da referida teoria, o art 5º da lei de Introdução ao Código Civil, que determina ao juiz, na aplicação da lei, o atendimento aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. É que a ilicitude do ato abusivo se caracteriza sempre que o titular do direito se desvia da finalidade social para a qual o direito subjetivo foi concedido.

Observa-se que a jurisprudência, em regra, e já há muito tempo, considera como abuso de direito o ato que constitui o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos, nocivos a outrem, contrários ao destino econômico e social do direito em geral.

Vários dispositivos legais demonstram que no direito brasileiro há uma reação contra o exercício irregular de direitos subjetivos. O art 1.277 do Código Civil, inserido no capítulo “Dos direitos de vizinhança”, permite que se reprima o exercício abusivo do direito de propriedade que perturbe o sossego, a segurança ou a saúde do vizinho. Constantes são os conflitos relativos a perturbação do sossego alegada contra clubes de dança, boates, oficinas mecânicas, terreiros de umbandismo etc.

Podem ser mencionados, ainda, como exemplos, os arts 939 e 940 do Código civil, que estabelecem sanções ao credor que, abusivamente demanda o devedor antes do vencimento da dívida ou por dívida já paga. E os arts 1.637 e 1.638 igualmente preveem sanções contra abusos no exercício do poder familiar, como a suspensão e a perda desse direito.

O Código de Processo civil também reprime o abuso de direito, nos arts 14 a 18, referência CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigos 77 a 88, e ainda no processo de execução (arts 574 e 598).

Observa-se que o instituto do abuso de direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 506-507 - pdf – parte geral).

Art.188. Não constituem atos ilícitos: 1

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

1.        Excludentes de ilicitude

Nem todo ato lesivo será também um ato ilícito. Como regra geral, todo ato danoso acaba sendo também um ato ilícito na medida em que acarreta a violação a um direito subjetivo (de propriedade, de integridade física ou moral, por exemplo). Contudo, em alguns casos excepcionais, seja porque o dano é inevitável, seja porque é legítimo, o legislador retira a ilicitude desse evento danoso. São os chamados atos lícitos lesivos. Em tais casos, mesmo tendo sido causado um dano a alguém, não surgirá para o agente causador o dever de indenizar. É o que ocorre com os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido (inciso I). Quem inscreve o nome do devedor nos serviços de proteção   ao crédito causa-lhe um inegável dano moral. Tal ato lesivo, contudo, será lícito se a inscrição estiver respaldada na existência de um débito reconhecido, situação em que assumirá os contornos de exercício regular de um direito do credor. Por outro lado, quem age moderadamente para afastar uma agressão injusta e iminente também não pratica ilícito algum. Como regra, toda ameaça a um direito deve ser levada ao Poder Judiciário, sendo ilícita a justiça de mão própria. Alguns casos urgentes, contudo, tornam essa iniciativa inviável, permitindo que a própria vítima use os meios necessários para repelir a agressão, agindo em legítima defesa. O mesmo ocorre com a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente (inciso II). Quem arromba um prédio para salvar uma pessoa em seu interior, ou quem fere ou mesmo mata um animal que estava atacando uma pessoa não comete ilícito algum, não tendo, pois, nenhum dever de indenizar. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

De acordo com a redação de Roberto Gonçalves, o título referente aos atos ilícitos, no Código Civil, contém apenas três artigos: o 186, o 187 e o 188. Mas a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelos arts 924 a 943 (“Da obrigação de indenizar”) e 944 a 954 (“Da indenização”).

Conceito. Ato ilícito é o praticado com infração ao dever legal de não lesar a outrem. Tal dever é imposto a todos no art 186, que prescreve: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Também o comete aquele que pratica abuso de direito, ou seja, “o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” art 187). Em consequência, o autor do dano fica obrigado a repará-lo (art 927).

Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem.

O Código Civil de 2002 aperfeiçoou o conceito de ato ilícito, ao dizer que o pratica quem “violar direito e causar dano a outrem” (art 186), substituindo o “ou” (“violar direito ou causar dano a outrem”), que constava do art 159 do diploma anterior (CC, 1916). Com efeito, o elemento subjetivo da culpa é o dever violado. A responsabilidade é uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. No entanto, ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo.

Se, por exemplo, o motorista comete várias infrações de trânsito, mas não atropela nenhuma pessoa nem colide com outro veículo, nenhuma indenização será devida, malgrado a ilicitude de sua conduta. A obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da violação de direito e do dano, concomitantemente.

Pondera Sérgio Cavalieri Filho que o ato ilícito, tal como o lícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, só que contraria à ordem jurídica. Observa que, todavia, enquanto os atos jurídicos podem se restringir a meras declarações de vontade, como, por exemplo, prometer fazer ou contratar etc., o ato ilícito é sempre uma condução voluntária. Se é ato, nunca o ato ilícito consistirá num simples declaração de vontade. Importa dizer que ninguém pratica ato ilícito simplesmente porque promete a outrem causar-lhe um prejuízo.

E prossegue o mencionado autor: “Em apertada síntese, ato ilícito é ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um dever jurídico. Ato praticado sem consciência do que se está fazendo não pode constituir ato ilícito”. (Programa de responsabilidade civil, p. 23, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 493 - pdf – parte geral).

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