quinta-feira, 25 de julho de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 424, 425, 426 - Das Arras ou Sinal – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 424, 425, 426
- Das Arras ou Sinal – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção I- Preliminares - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Seguindo a Cartilha de Ricardo Fiuza, o dispositivo resulta do preceito fundamental segundo o qual a liberdade de contratar só pode ser exercida em razão e nos limites da função social do contato, implicando os princípios definidos pelo CC, 422. O ofertante não pode privar o aderente de direito resultante da natureza do negócio ao qual este aderiu. A justiça contratual impõe a efetividade dos negócios jurídicos segundo os princípios da probidade e da boa-fé. Ditas cláusulas opressivas são presentes, notadamente, em contratos de trato sucessivo, complexo e de longa duração, não podendo o aderente resultar desprovido da segurança contratual. O caráter abusivo da cláusula situa-se em face de tratar-se de uma cláusula de exclusão ou de exoneração, frustrante aos interesses do aderente colocado diante da própria motivação ou necessidade da adesão.

O art. 25 do Código de Defesa do Consumidor não permite cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a obrigação de indenizar prevista na lei consumerista, o que se compatibiliza com a necessidade de garantia de direito básico do consumidor, no tocante à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, e morais individuais, coletivos ou difusos (art. 6º, VI, do CDC). A rigor, tais cláusulas, descritas neste dispositivo, são consideradas não escritas (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 228, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Deslizando no conhecimento de Nelson Rosenvald., é forçoso reconhecer que falar em contrato de adesão não implica reconhecimento de abusividade de cláusulas. Apesar do desequilíbrio de forças entre estipulante e aderente, um contrato de adesão pode ser equânime e não consubstanciar disposições iníquas.

Todavia, a própria técnica unilateral de construção do contrato de adesão propicia a incidência frequente de cláusulas excessivamente desfavoráveis aos aderentes.

O art. em comento explicita justamente uma dessas hipóteses. Uma cláusula que implique renúncia antecipada do aderente a um direito subjetivo será certamente lesiva à função social interna do contrato (CC, 421) e ao dever anexo de proteção (CC, 422), ínsitos a qualquer relação contratual.

Basta cogitar de cláusulas de limitação de responsabilidade. Assim, se em um contrato negociado as partes podem, por cláusula expressa, reduzir ou excluir a responsabilidade pela evicção (CC, 449), o mesmo não acontecerá em contratos de adesão diante da sanção de invalidade prevista no artigo em comento.

Certamente poderá o estudioso estranhar a timidez do legislador em contraste com a amplitude das hipóteses de tutela de consumidores quanto às cláusulas que impossibilitem, exonerem, atenuem ou impliquem a renúncia de novos direitos (CDC, 51, I, II, III, VI, XV E XVI).

Contudo, há antijuridicidade e ilicitude objetiva em qualquer atuação do estipulante ofensiva à cláusula geral do abuso do direito (CC, 187). Coíbe-se todo e qualquer exercício excessivo e desmedido de direito subjetivo que importe na aposição de cláusulas despidas de legitimidade, a ponto de ultrapassarem os limites éticos do ordenamento.

Enfim, conjugando-se os arts. 423 e 424, parece-nos que o legislador concedeu especial atenção a dois momentos: a interpretação do contrato de adesão e a fiscalização sobre o seu conteúdo, prestigiando a equidade contratual (NELSON ROSENVALD  apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 494 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira de Guimarães e Mezzalina, ao realizar um contrato de locação, o locatário pretende a posse e o uso do bem; num contrato de compra e venda, o comprador pretende adquirir a propriedade da coisa vendida. A posse e a fruição do bem na locação e a aquisição do bem na compra e venda são da natureza do negócio. Uma cláusula que retirem ao aderente deve ser considerada nula pois contraria o próprio intuito negocial ínsito à sua situação.

O dispositivo determina a nulidade da cláusula relativa à natureza do negócio e, portanto, pressupõe a validade do negócio, i.é, embora determine a nulidade de cláusula essencial para o negócio, o dispositivo permite que o contrato produza os efeitos típicos validamente (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 24.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

Nos eflúvios de  Nelson Rosenvald, o Direito Romano, excessivamente preocupado com o rigor formal, restringia os contratos aos tipos de negócios jurídicos taxativamente enumerados. Porém, o individualismo e o liberalismo econômico subjacentes aos códigos modernos permitiram que as partes pudessem concluir contratos que não fossem especialmente regulamentados pelo legislador. Isso demonstra que a gênese dos contratos se encontra na vontade, devendo as formas se colocarem a seu serviço.

Consistem os contatos atípicos justamente nessa maior amplitude de ação reservada aos particulares em sua autonomia privada e liberdade contratual. Não se confundem com os contratos inominados, apesar de ser comum a confluência. O contrato atípico não está devidamente regulamentado, já o contrato inominado é aquele que não possui nomen juris. Exemplificando, o contrato de franquia é nominado e atípico. Enfim, todo contrato típico é nominado, mas a recíproca não é válida.

A liberdade contratual que permite a elaboração de contratos atípicos é objeto de controle pelos princípios da boa-fé, função social e justiça contratual, ou seja, amplia-se a autonomia privada, mas não a ponto de ferir a ordem pública, como tal considerado o exposto no parágrafo único do CC 2.035. Não se olvide de eu qualquer negócio jurídico é sujeito ao regime de validade do CC, 104.

Existem contratos atípicos que se caracterizam por sua complexidade, já que conjugam aspectos de vários contratos típicos. É o caso do arrendamento mercantil – leasing. Nele podemos observar a incidência de uma locação atrelada a um mútuo, com opção de compra e venda em sua fase derradeira.

Apesar de o constituto possessório ter sido suprimido como forma contratual de aquisição e perda da posse no Código Civil de 2002, entendemos que não há vedação para que sua atipicidade seja contemplada pelo art. 425, como espécie de negócio jurídico bilateral em que, por meio de uma inversão, aquele que possuía em nome próprio passa a possuir em nome alheio. Entendimento contrário poderia gerar discussão sobre a legitimidade ad causam desse tipo de possuidor para a propositura de ações possessórias.

Para a interpretação do conteúdo dos contratos de tal jaez, caberá ao magistrado observar as disposições dos contratos típicos que lhe serviram de referência. Outrossim, deverá recorrer o intérprete aos usos e costumes do lugar de sua celebração (CC, 113), pois os contratos atípicos correspondem a interesses sociais que não coincidem muitas vezes com a previsão racional do legislador.

Aliás, não se justifica a exclusão, no Código Civil de 2002, de contratos como franquia, arrendamento mercantil e contratos bancários (desconto, abertura de crédito). Cuida-se de modelos largamente utilizados, que tranquilamente poderiam integrar um código que tenha pretensão à estabilidade.

Em mundo globalizado e informatizado, marcado pelo incessante tráfego econômico e jurídico, aflora a atipicidade na contratação. Atualmente, a lex mercatoria pretende conceber um direito universal que rompa com as limitações jurídicas produzidas pela peculiaridade dos regimes jurídicos de cada Estado. A finalidade negocial consiste na circulação rápida de créditos globalizados, por meio de modelos atípicos que correspondam aos interesses do mercado, com uniformização de condutas comerciais. Citemos, como exemplo, os Incotermes (internaticonal comercial terms)

Nesse ponto, o art. 425 guarda especial vinculação com os dois artigos que o antecedem. Justamente pela necessidade de superar o imobilismo da lei em tempos de grande dinamismo econômico, os empresários culminam em conceber contratos atípicos com inclusão de cláusulas uniformes que devem ser rigorosamente sancionadas pelo sistema (NELSON  ROSENVALD apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 495 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, o dispositivo trata dos contratos atípicos ou inominados, sendo lícito às partes ajustá-los, verificando, para esse fim, as normas que disciplinam os contratos típicos. Contratos atípicos são os que não dispõem de regramento próprio, embora quanto à eficácia e validade assumam os requisitos do CC, 104. No propósito de conceituação, são considerados como contractus incerti (Ulpiano), negotia nova (Caio) ou “contato sob medida”, como definiu Josserand, para diferenciá-los dos tipificados pela lei. Convém lembrar a exclusão no NCC do pacto de melhor comprador (CC/1916, arts. 1.158 a 1.161), considerado em desuso e doravante admitido, por convenção, como contrato atípico.

Sustentou o Prof. Álvaro Villaça, em relevante contribuição crítica ao texto do projeto do CC/2002, apresentada à Relatoria Geral, no sentido de que “os contratos atípicos não podem ser regidos pelas normas dos contratos típicos, principalmente dos mistos, pois a contratação só se extingue após cumpridas todas as obrigações contratadas. O contrato forma um todo uno e indivisível”. Ele é auto de consagrada tese, onde analisa a classificação dos contratos atípicos, cujo conteúdo, segundo Francesco Messineo, pode ser inteiramente estranho aos tipos legais (v.g., contrato de garantia) ou apenas parcialmente incomum (v.g., contrato de bolsa simples). Comprovada, como observa, a dicção das regras pelas partes, fenômeno representativo da liberdade de contratar, e não podendo essas regras ser contrárias à ordem pública, aos bons costumes e aos princípios gerais de direito, propôs o festejado jurista paulista uma nova redação ao dispositivo, para a inclusão do reportado preceito. Arrimou-se, inclusive, na própria jurisprudência do STJ. Óbice regimental, contudo, impediu fosse a sugestão prontamente recepcionada, isto por não haver a redação primitiva sofrido qualquer emenda (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 229, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo é indispensável. O direito de contratar e de fixar o conteúdo do contrato decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, decorre da própria necessidade do ser humano viver em sociedade. A vida em sociedade exige de seus participantes que estabeleçam os acordos mais diversos para a composição de seus interesses e realização de suas necessidades. Sempre que tais acordos atenderem aos requisitos essenciais do negócio jurídico enumerados na Parte Geral do Código Civil passam a ter valor jurídico. Ao Código civil cumpre regular apenas os negócios jurídicos mais frequentes, mais complexos e de maior relevância prática, sem prejuízo de toda variedade de negócios que possam ser criados pelo engenho humano (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 25.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

Segundo Nelson Rosenvald, a única maneira negocial de operar a transmissão de todo um patrimônio jurídico unilateral mortis causa do testamento. Em qualquer uma de suas modalidades ordinárias (arts. 1862 a 1885) ou especiais (arts. 1886 a 1896), requer o ato de vontade do testador e demais solenidades para afirmar a sua validade, sendo que a eficácia do negócio jurídico é condicionada ao evento morte.

Por se tratar de negócio unilateral, o testamento poderá ser revogado a qualquer tempo, prevalecendo as derradeiras disposições do testador. Todavia, é inválido o contrato de herança de pessoa viva. Conhecido como pacto sucessório, esse contrato é um negócio jurídico bilateral, efetivado com a integração do consentimento dos herdeiros e/ou legatários. Assim, sobejaria desnaturada a revogabilidade das disposições de última vontade, pois ao contratante seria vedada a resilição unilateral do pacto, privando uma pessoa de regular a sua própria sucessão.

A vedação da sucessão contratual também é de ordem moral. A formalização de um contrato de tal natureza é conhecida como pacto corvina, pois geral clima de expectativa de óbito entre os herdeiros, que como corvos aguardam por esse momento. É flagrante a nulidade do ato pela ilicitude do objeto (CC, 166, II).

Contudo, o ordenamento jurídico permite a partilha em vida pelo ascendente, por ato entre vivos (CC, 2.018), desde que o doador estipule direito real de usufruto sobre renda suficiente para sua subsistência (CC, 548). Aqui a hipótese é diversa. Há uma transferência antecipada de patrimônio que dispensa o futuro inventário. A divisão patrimonial produz efeitos imediatos sob a forma de escritura de doação, respeitando as legítimas dos herdeiros necessários.

Por último, a vedação ao pacto sucessório não impede que alguém realiza liberalidades em vida com bens integrantes de seu patrimônio. Tratando-se de disposições em prol de descendentes e cônjuge, qualquer valor porventura doado será considerado como adiantamento de legítima, sujeito à colação ao tempo do óbito. A conferencia é indispensável para a posição de igualdade das legítimas (CC, 544, c/c 2.003). Caso a liberalidade seja efetuada em favor de outros beneficiários, haverá a redução das doações que se revelem inoficiosas (CC, 549) (NELSON  ROSENVALD, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 496 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/07/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Enquanto na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a lei proíbe a estipulação de pacto sucessório, ou seja, o contrato não pode ter como objeto a herança de pessoa viva, não se permitindo cogitar de sucessão futura. Cuida-se de preceito de ordem pública, com origem no direito romano. Orlando Gomes entende tratar-se de hipótese de inidoneidade do objeto do contrato por razões de política legislativa, como ocorre com as coisas fora de comércio ou com os bens inalienáveis, situações em que se opera a impossibilidade jurídica de contratar. Qualquer contrato com objeto inidôneo é nulo de pleno direito, porquanto é pressuposto de validade do contrato estar o objeto conforme o ordenamento jurídico. Não existe, por ditame legal, a sucessão contratual. Uma exceção apontada pela doutrina era a do CC/1916, 314, dispondo sobre a doação antenupcial causa mortis. Na forma do CC/2002, 1.655 é nula a convenção antenupcial ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei. Outra exceção é a do art. 1.776 do CC/1916, repetida pelo CC/2002, art. 2.018, acerca da partilha de bens, feita pelo ascendente, por ato inter vivos (aos descendentes, alcançando parcial ou integralmente o acervo e constituindo a partilha-doação. Um adiantamento da legítima.

Clóvis Beviláqua, em sua obra Direito das obrigações, de 191º, afirma nulo, de pleno direito, o contrato cujo objeto for ilícito, sublinhando que “o direito pátrio considera o objeto ilícito, sublinhando que “o direito pátrio considera objeto ilícito, viciando de nulidade o contrato, a causa ou ação litigiosa e a herança ainda não deferida (pactos sucessórios) além dos que a moral e a ordem pública afastam das relações jurídicas”.

A jurisprudência admite como não infringente ao dispositivo “o pacto em que se estabeleçam apenas obrigações recíprocas, em que certas transferências de bens a uma das partes se fariam em vida do marido, e por este pessoalmente, participando os futuros herdeiros, no acordo, como promitentes desse ato de terceiros” (RT, 450/154).

Direito comparado: Ai. 1.330 do Código Civil francês, proibindo renúncia à sucessão não aberta e qualquer outra estipulação sobre a sucessão de pessoa viva. No Código Civil alemão, a proibição do pacto sucessório não atinge os futuros herdeiros, no que diz respeito à parte hereditária legal ou sobre a reserva a eles destinada (art. 312) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 230, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/07/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a tradicional vedação decorre da aversão moral às estipulações sobre patrimônio de terceiros, sob a condição de que venham a falecer.

O que não se admite é a realização de negócio sobre o patrimônio da pessoa viva. Inúmeros negócios existem, que têm como condição a morte de determinada pessoa. Tais negócios, no entanto, não podem versar sobre o patrimônio da mesma (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com acesso em 25.07.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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