segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 436, 437, 438 - Da Estipulação em Favor de Terceiro – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 436, 437, 438
- Da Estipulação em Favor de Terceiro
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições Gerais –
Seção III – Da Estipulação em Favor de Terceiro
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do Art. 438.

No diapasão de Nelson Rosenvald, esse contrato se forma quando o estipulante convenciona com o promitente a concessão de uma vantagem patrimonial em prol de um terceiro – estranho à contratação -, que se constitui em beneficiário.

A estipulação em favor de terceiro consiste em derrogação ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais às partes e seus sucessores (quando não seja personalíssima). Com efeito, o contrato em exame projeta efeitos na esfera jurídica de quem não participou de sua celebração. Todos as obrigações permanecem com o estipulante e todos os direitos são adquiridos pelo terceiro.

O estipulante que contrata a favor de terceiro vincula o promitente, assistindo-lhe a possibilidade de constrange-lo a efetuar a prestação ao terceiro. este, a seu turno, é credor da relação obrigacional e apenas possui vantagens, inexistindo qualquer contraprestação. Aliás, de acordo com o parágrafo único, também poderá exigir o cumprimento da prestação, caso o estipulante não exerça o seu direito potestativo de substitui-lo, a teor do CC, 438.

Apesar do silêncio do Código, é viável a estipulação em favor de terceiro para a remissão de dívidas ou cessão de créditos. Ou seja, além de servir como modo de efetuar liberalidades, a estipulação pode visar à extinção de um débito. Avulta-se que o interesse do estipulante seja digno de proteção legal, pois ele é o elemento essencial e caracterizador do contrato.

No contrato de seguro de vida, a estipulação em favor de terceiro é bem evidenciada. O segurado e a seguradora convencionam um prêmio que garantirá futuramente o pagamento de um valor a um beneficiário, quando da morte do segurado (CC, 790). Nesse sentido, quando dispõe o legislador que, ao tempo do sinistro, o capital estipulado não estará sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança (CC, 794), demonstra a essência da estipulação em favor do terceiro, eis que o capital jamais integrou o patrimônio afetado ao direito eventual do beneficiário.

O modelo em exame possui aproximação com a figura do contrato com pessoa a declarar, que foi introduzida no Código de 2002 (CC, 467). Nada obstante, no contrato em favor de terceiro o negócio jurídico bilateral se restringe às pessoas do estipulante e promitente, mantendo-se o beneficiário alheio à convenção, em posição expectativa. Já no contrato com pessoa a declara, a partir do momento de sua aceitação, a pessoa nomeada adquire retroativamente a posição contratual de parte, em substituição a um dos contraentes (direitos e obrigações), como se este nunca houvesse existido (CC, 469) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 507 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Ricardo Fiuza, trata-se do pactum in favo reiri tertii, contrato estabelecido em favor de terceiro, estranho à relação contratual, mas dela beneficiário, por estipulação de vantagem de natureza patrimonial em seu proveito, sem quaisquer ônus ou contraprestação por parte do favorecido. O estipulante é aquele que convenciona o benefício, podendo, daí, exigir o cumprimento da obrigação por parte do promitente. Na lição de Orlando Gomes, a estipulação em favor de terceiro é “o contrato em virtude do qual uma das partes se obriga a atribuir vantagem patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo contratual”. Exemplo clássico da estipulação é o contrato de seguro de vida, onde o estipulante elege o beneficiário (terceiro).

O terceiro pode exigir também o adimplemento da obrigação, nos termos do contrato, ficando sujeito às condições e normas contratuais, se a ele anuir, e enquanto o estipulante não o inovar, visto que se reserva a este o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante (art. 438).

O CC/2002 não mais trata do disposto no art. 1.474 do CC de 1916, a saber, da restrição à estipulação em favor de terceiro, então prevista nos contratos de seguro, proibitiva de se instituir beneficiário inibido de receber a doação do segurado, a exemplo da concubina do homem casado. O art. 793 do novel diploma torna “válida a instituição do concubino como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato” (ver comentário ao artigo) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 236, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a estipulação em favor de terceiro é o contrato pelo qual uma pessoa obriga-se perante outra a conferir um direito em favor de quem não participa dessa relação contratual (Álvaro Villaça Azevedo Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 61).

Estipulação em favor de terceiros típica, i.é prevista em lei é a doação com encargo em favor de terceiro. Partes: a) Estipulante: determina a quem caberá o benefício; b) Promitente ou devedor: promete transmitir a vantagem ao beneficiário; c) Terceiro ou beneficiário: destinatário da vantagem (não é parte). Não precisa ser determinado, basta que seja determinável. Certas pessoas não podem ser beneficiarias, nos casos expressos em lei (ex.: 793).

Da legitimidade para exigir o cumprimento da obrigação – a estipulação em favor de terceiro é contato que se faz entre o estipulante e o promitente. O terceiro dele não é parte, pois, do contrário, não seria terceiro. o terceiro somente se vincula ao contrato se o aceitar expressa ou tacitamente. Se o aceitar, fica legitimado a exigir a prestação que foi prometida em seu benefício.

A indenização pelos prejuízos causados pelo inadimplemento do promitente ou devedor, segundo as regras relativas à responsabilidade civil, pode ser requerida por quem o suportou. Ambos estipulante e beneficiário, podem ter prejuízos. O estipulante, por ter pago com a finalidade de beneficiar terceiro e não ter obtido a satisfação de seu interesse; o beneficiário por não ter recebido o que lhe é devido. O pagamento feito ao beneficiário extingue, no entanto, a pretensão do estipulante.

O parágrafo único estabelece que o estipulante fica sujeito às condições e normas do contrato. Entre as condições, não há óbice para que o beneficiário realiza alguma prestação. A possibilidade de estipulação a título oneroso é, no entanto, polêmica. Aceita-a Sílvio rodrigues (Direito Civil, v. 3, p. 99-100), enquanto Orlando Gomes a nega: “A gratuidade do proveito é essencial, não valendo a estipulação que imponha contraprestação. A estipulação não pode ser feita contra o terceiro. há de ser em seu favor” (Orlando Gomes. Contratos, p. 197). A condição de o terceiro realizar prestação para que possa aderir ao contrato e perceber o benefício não é ilícita, por ausência de proibição legal sendo pois, possível (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-se a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.

No entendimento de Nelson Rosenvald, o legislador disciplina aqui a cláusula de irrevogabilidade da estipulação em favor de terceiro. ao estipulante será vedada a resilição unilateral do contrato com o promitente caso outorgue ao beneficiário o exercício da pretensão de exigir a satisfação do direito subjetivo ao crédito.

Em princípio, nada impede que o estipulante se desvincule do promitente, ou mesmo altere a convenção a ponto de se converter no próprio beneficiário, caso em que se desnatura completamente a figura da estipulação em favor de terceiro.

É possível traçar um paralelo entre o CC 437 e o CC, 553. A autonomia privada permite que alguém estipule uma doação com imposição de encargo ao donatário.

Quando o beneficiário do encargo for um terceiro, estranho às partes, não se pode negar a estipulação em favor de terceiro. imagine-se a doação de um imóvel em favor de uma pessoa, sendo a liberalidade restringida pelo encargo do donatário de prestar alimentos mensais em prol do terceiro. este não poderá revogar o ato em caso de descumprimento – pois não participou da doação onerosa -, mas nada impede que pleiteie a execução do encargo em caso de mora do devedor, seja a obrigação de dar, seja a de fazer, conforme o exposto na parte final do CC, 562 (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 507-508 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Ricardo Fiuza, no caso de ser conferido ao beneficiário o direito de reclamar a execução do contrato, o estipulante fica privado da possibilidade de liberar o promitente devedor da obrigação estipulada. O direito posto ao terceiro constitui cláusula de irrevogabilidade da estipulação.

A falta de previsão desse direito importa na sujeição do terceiro à vontade do estipulante que poderá desobrigar o devedor, mesmo porque, nesse caso, tem o estipulante a faculdade de substituir o beneficiário designado, na forma do artigo seguinte (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 236, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Passeando pelo comentário de Marco Túlio de Carvalho Rocha, tem-se que o beneficiário, uma vez que aceite expressa ou tacitamente a estipulação, terá o direito de exigir a execução. Portanto, em regra, o beneficiário tem o direito de exigir a execução da promessa. Não terá esse direito se não cumprir as condições que lhe forem eventualmente exigidas (CC, 436, parágrafo único); se o estipulante tiver se reservado o direito de substituir o beneficiário, independentemente da sua anuência (CC, 438); se o estipulante não puder exonerar o devedor (o estipulante somente poderá exonerar o devedor se tiver se reservado esse direito no contrato). Se o beneficiário possuir o direito de exigir a execução, o estipulante não poderá exonerar o devedor (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e a da do outro contratante.

Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade.

Aqui, mais uma vez seguindo na esteira de Nelson Rosenvald, é possível observar que o beneficiário não integra a relação contratual. O estipulante poderá, através de aditivo contratual ou testamento (parágrafo único), exercer o direito potestativo de substituir o terceiro por outra pessoa, sem que tenha para tanto de efetuar qualquer justificativa.

Em outras palavras, por apenas deter um direito expectativo, o terceiro se encontra em posição de sujeição à qualquer deliberação do estipulante, exceto se houver inserção da cláusula de irrevogabilidade aludida no art. 437.

Aliás, para os seguros de vida, o art. 791 é explícito ao afirmar a licitude da substituição do beneficiário, por ato entre vivos ou de última vontade, desde que não tenha o estipulante renunciado à faculdade ou o seguro não tiver como causa declarada a garantia de uma obrigação.

Interessante aplicação prática do dispositivo poderá ser vislumbrada em contratos de depósito. Esse negócio jurídico, em princípio, serve apenas aos interesses de depositante e depositário. Porém, é viável que a coisa seja depositada no interesse de terceiro (CC, 632). Incidirá aí uma autêntica estipulação em favor de terceiro, pois o depositário efetuará a entrega do bem àquela pessoa designada pelo depositante. Nessa hipótese, o depositante poderá substituir a pessoa do terceiro, utilizando-se da norma em comento (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 508 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Fiuza, fica claro que o direito de o estipulante substituir o beneficiário e exercido, por declaração unilateral, ou seja, independente da anuência do favorecido ou da do outro contratante, por ato inter vivos (a manifestação de vontade) ou por ato causa mortis (testamento) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 236, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo é excessivo. O beneficiário somente fica vinculado ao contrato, i. é, somente passa a ter os direitos e as obrigações nele previstos, depois que o aceita, expressa ou tacitamente. Entre as condições que posem ser impostas pelo estipulante ao beneficiário pode incluir-se a reserva de substitui-lo por outra pessoa por mero ato de vontade ou em razão de qualquer outro fato ilícito.

Se a referida reserva de substituir o beneficiário não existir, o estipulante não poderá substituir o beneficiário sem a anuência do beneficiário que tiver aceito o contrato, por força do princípio da obrigatoriedade do contrato: pacta sunt servanda (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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