Direito Civil Comentado
- Art. 436, 437, 438
- Da
Estipulação em Favor de Terceiro
– VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V
– DOS CONTRATOS EM GERAL
(art. 421 a 480) Capítulo I – Disposições
Gerais –
Seção III
– Da Estipulação em Favor de Terceiro
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 436. O que
estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Ao terceiro, em
favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando,
todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o
estipulante não o inovar nos termos do Art. 438.
No diapasão de Nelson Rosenvald,
esse contrato se forma quando o estipulante convenciona com o promitente
a concessão de uma vantagem patrimonial em prol de um terceiro – estranho à
contratação -, que se constitui em beneficiário.
A estipulação em favor de terceiro
consiste em derrogação ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais às
partes e seus sucessores (quando não seja personalíssima). Com efeito, o
contrato em exame projeta efeitos na esfera jurídica de quem não participou de
sua celebração. Todos as obrigações permanecem com o estipulante e todos os
direitos são adquiridos pelo terceiro.
O estipulante que contrata a favor
de terceiro vincula o promitente, assistindo-lhe a possibilidade de
constrange-lo a efetuar a prestação ao terceiro. este, a seu turno, é credor da
relação obrigacional e apenas possui vantagens, inexistindo qualquer
contraprestação. Aliás, de acordo com o parágrafo único, também poderá exigir o
cumprimento da prestação, caso o estipulante não exerça o seu direito
potestativo de substitui-lo, a teor do CC, 438.
Apesar do silêncio do Código, é
viável a estipulação em favor de terceiro para a remissão de dívidas ou cessão
de créditos. Ou seja, além de servir como modo de efetuar liberalidades, a
estipulação pode visar à extinção de um débito. Avulta-se que o interesse do
estipulante seja digno de proteção legal, pois ele é o elemento essencial e
caracterizador do contrato.
No contrato de seguro de vida, a
estipulação em favor de terceiro é bem evidenciada. O segurado e a seguradora
convencionam um prêmio que garantirá futuramente o pagamento de um valor a um
beneficiário, quando da morte do segurado (CC, 790). Nesse sentido, quando
dispõe o legislador que, ao tempo do sinistro, o capital estipulado não estará
sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança (CC, 794), demonstra a
essência da estipulação em favor do terceiro, eis que o capital jamais integrou
o patrimônio afetado ao direito eventual do beneficiário.
O modelo em exame possui
aproximação com a figura do contrato com pessoa a declarar, que foi introduzida
no Código de 2002 (CC, 467). Nada obstante, no contrato em favor de terceiro o
negócio jurídico bilateral se restringe às pessoas do estipulante e promitente,
mantendo-se o beneficiário alheio à convenção, em posição expectativa. Já no
contrato com pessoa a declara, a partir do momento de sua aceitação, a pessoa
nomeada adquire retroativamente a posição contratual de parte, em substituição
a um dos contraentes (direitos e obrigações), como se este nunca houvesse
existido (CC, 469) (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 507 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 03/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
No diapasão de Ricardo Fiuza,
trata-se do pactum in favo reiri tertii, contrato estabelecido em favor
de terceiro, estranho à relação contratual, mas dela beneficiário, por
estipulação de vantagem de natureza patrimonial em seu proveito, sem quaisquer
ônus ou contraprestação por parte do favorecido. O estipulante é aquele que
convenciona o benefício, podendo, daí, exigir o cumprimento da obrigação por
parte do promitente. Na lição de Orlando Gomes, a estipulação em favor de
terceiro é “o contrato em virtude do qual uma das partes se obriga a atribuir
vantagem patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo
contratual”. Exemplo clássico da estipulação é o contrato de seguro de vida,
onde o estipulante elege o beneficiário (terceiro).
O terceiro pode exigir também o
adimplemento da obrigação, nos termos do contrato, ficando sujeito às condições
e normas contratuais, se a ele anuir, e enquanto o estipulante não o inovar,
visto que se reserva a este o direito de substituir o terceiro designado no
contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante (art.
438).
O CC/2002
não mais trata do disposto no art. 1.474 do CC de 1916, a saber, da restrição à
estipulação em favor de terceiro, então prevista nos contratos de seguro,
proibitiva de se instituir beneficiário inibido de receber a doação do
segurado, a exemplo da concubina do homem casado. O art. 793 do novel diploma
torna “válida a instituição do concubino como beneficiário, se ao tempo do
contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de
fato” (ver comentário ao artigo) (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 236, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/08/2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a estipulação em
favor de terceiro é o contrato pelo qual uma pessoa obriga-se perante outra a
conferir um direito em favor de quem não participa dessa relação contratual (Álvaro
Villaça Azevedo Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. 2. Ed. São
Paulo: Atlas, 2004, p. 61).
Estipulação em favor de terceiros típica, i.é prevista em lei é a doação
com encargo em favor de terceiro. Partes: a) Estipulante: determina a quem
caberá o benefício; b) Promitente ou devedor: promete transmitir a vantagem ao
beneficiário; c) Terceiro ou beneficiário: destinatário da vantagem (não é
parte). Não precisa ser determinado, basta que seja determinável. Certas
pessoas não podem ser beneficiarias, nos casos expressos em lei (ex.: 793).
Da legitimidade para exigir o cumprimento da obrigação – a estipulação em
favor de terceiro é contato que se faz entre o estipulante e o promitente. O
terceiro dele não é parte, pois, do contrário, não seria terceiro. o terceiro
somente se vincula ao contrato se o aceitar expressa ou tacitamente. Se o
aceitar, fica legitimado a exigir a prestação que foi prometida em seu
benefício.
A indenização pelos prejuízos causados pelo inadimplemento do promitente
ou devedor, segundo as regras relativas à responsabilidade civil, pode ser
requerida por quem o suportou. Ambos estipulante e beneficiário, podem ter
prejuízos. O estipulante, por ter pago com a finalidade de beneficiar terceiro
e não ter obtido a satisfação de seu interesse; o beneficiário por não ter
recebido o que lhe é devido. O pagamento feito ao beneficiário extingue, no
entanto, a pretensão do estipulante.
O
parágrafo único estabelece que o estipulante fica sujeito às condições e normas
do contrato. Entre as condições, não há óbice para que o beneficiário realiza
alguma prestação. A possibilidade de estipulação a título oneroso é, no
entanto, polêmica. Aceita-a Sílvio rodrigues (Direito Civil, v. 3, p.
99-100), enquanto Orlando Gomes a nega: “A gratuidade do proveito é
essencial, não valendo a estipulação que imponha contraprestação. A estipulação
não pode ser feita contra o terceiro. há de ser em seu favor” (Orlando
Gomes. Contratos, p. 197). A condição de o terceiro realizar prestação
para que possa aderir ao contrato e perceber o benefício não é ilícita, por
ausência de proibição legal sendo pois, possível (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 03.08.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art.
437. Se
ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-se
a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.
No
entendimento de Nelson Rosenvald, o legislador disciplina aqui a cláusula de
irrevogabilidade da estipulação em favor de terceiro. ao estipulante será
vedada a resilição unilateral do contrato com o promitente caso outorgue ao
beneficiário o exercício da pretensão de exigir a satisfação do direito
subjetivo ao crédito.
Em
princípio, nada impede que o estipulante se desvincule do promitente, ou mesmo
altere a convenção a ponto de se converter no próprio beneficiário, caso em que
se desnatura completamente a figura da estipulação em favor de terceiro.
É possível
traçar um paralelo entre o CC 437 e o CC, 553. A autonomia privada permite que
alguém estipule uma doação com imposição de encargo ao donatário.
Quando o beneficiário do
encargo for um terceiro, estranho às partes, não se pode negar a estipulação em
favor de terceiro. imagine-se a doação de um imóvel em favor de uma pessoa,
sendo a liberalidade restringida pelo encargo do donatário de prestar alimentos
mensais em prol do terceiro. este não poderá revogar o ato em caso de
descumprimento – pois não participou da doação onerosa -, mas nada impede que
pleiteie a execução do encargo em caso de mora do devedor, seja a obrigação de
dar, seja a de fazer, conforme o exposto na parte final do CC, 562 (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 507-508 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/08/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo
Ricardo Fiuza, no caso de ser conferido ao beneficiário o direito de reclamar a
execução do contrato, o estipulante fica privado da possibilidade de liberar o
promitente devedor da obrigação estipulada. O direito posto ao terceiro
constitui cláusula de irrevogabilidade da estipulação.
A falta de previsão desse
direito importa na sujeição do terceiro à vontade do estipulante que poderá
desobrigar o devedor, mesmo porque, nesse caso, tem o estipulante a faculdade
de substituir o beneficiário designado, na forma do artigo seguinte (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 236, apud Maria Helena
Diniz, Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/08/2019, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
Passeando
pelo comentário de Marco Túlio de Carvalho Rocha, tem-se que o beneficiário,
uma vez que aceite expressa ou tacitamente a estipulação, terá o direito de exigir
a execução. Portanto, em regra, o beneficiário tem o direito de exigir a
execução da promessa. Não terá esse direito se não cumprir as condições que lhe
forem eventualmente exigidas (CC, 436, parágrafo único); se o estipulante tiver
se reservado o direito de substituir o beneficiário, independentemente da sua
anuência (CC, 438); se o estipulante não puder exonerar o devedor (o
estipulante somente poderá exonerar o devedor se tiver se reservado esse
direito no contrato). Se o beneficiário possuir o direito de exigir a execução,
o estipulante não poderá exonerar o devedor (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 03.08.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro
designado no contrato, independentemente da sua anuência e a da do outro
contratante.
Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos
ou por disposição de última vontade.
Aqui, mais uma vez seguindo na esteira de Nelson Rosenvald, é
possível observar que o beneficiário não integra a relação contratual. O
estipulante poderá, através de aditivo contratual ou testamento (parágrafo
único), exercer o direito potestativo de substituir o terceiro por outra
pessoa, sem que tenha para tanto de efetuar qualquer justificativa.
Em outras palavras, por apenas deter um direito expectativo, o
terceiro se encontra em posição de sujeição à qualquer deliberação do
estipulante, exceto se houver inserção da cláusula de irrevogabilidade aludida
no art. 437.
Aliás, para os seguros de vida, o art. 791 é explícito ao afirmar
a licitude da substituição do beneficiário, por ato entre vivos ou de última
vontade, desde que não tenha o estipulante renunciado à faculdade ou o seguro
não tiver como causa declarada a garantia de uma obrigação.
Interessante aplicação
prática do dispositivo poderá ser vislumbrada em contratos de depósito. Esse
negócio jurídico, em princípio, serve apenas aos interesses de depositante e
depositário. Porém, é viável que a coisa seja depositada no interesse de
terceiro (CC, 632). Incidirá aí uma autêntica estipulação em favor de terceiro,
pois o depositário efetuará a entrega do bem àquela pessoa designada pelo
depositante. Nessa hipótese, o depositante poderá substituir a pessoa do
terceiro, utilizando-se da norma em comento (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 508 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/08/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na doutrina
apresentada por Fiuza, fica claro que o direito de o estipulante substituir o
beneficiário e exercido, por declaração unilateral, ou seja, independente da
anuência do favorecido ou da do outro contratante, por ato inter vivos (a
manifestação de vontade) ou por ato causa mortis (testamento) (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 236, apud Maria Helena
Diniz, Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/08/2019, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo é excessivo.
O beneficiário somente fica vinculado ao contrato, i. é, somente passa a ter os
direitos e as obrigações nele previstos, depois que o aceita, expressa ou
tacitamente. Entre as condições que posem ser impostas pelo estipulante ao
beneficiário pode incluir-se a reserva de substitui-lo por outra pessoa por
mero ato de vontade ou em razão de qualquer outro fato ilícito.
Se a
referida reserva de substituir o beneficiário não existir, o estipulante não
poderá substituir o beneficiário sem a anuência do beneficiário que tiver
aceito o contrato, por força do princípio da obrigatoriedade do contrato: pacta
sunt servanda (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.08.2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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