terça-feira, 10 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;

III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;

IV – pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.

Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.

Na visão de Nelson Rosenvald, o artigo em exame enuncia cinco situações em que o negócio jurídico compra e venda será sancionado como nulo pela ausência de legitimação para a sua prática.

A capacidade de fato é o elemento tradicional de validade para a prática de negócios jurídicos em sentido genérico. Permite-se adquirir direitos e contrair obrigações pessoalmente, sem a necessidade de interposição de uma terceira pessoa (curador ou tutor).

Nada obstante, para a prática de determinados negócios, a capacidade de gozo é insuficiente à validade do ato, sendo necessária uma especial legitimação para que o titular possua poder de disposição sobre os interesses em jogo. Normalmente, o legislador demanda a legitimação para proibir a prática de negócios jurídicos entre determinadas pessoas, com a finalidade de proteger os próprios contratantes e terceiros.

Especificamente no contrato de compra e venda, certas pessoas são livres para praticar negócios jurídicos com qualquer um na sociedade, exceto com determinadas pessoas cujos interesses éticos ou patrimoniais podem ser conflitantes. A autonomia privada é limitada em razão de interesses funcionalizados à ordem pública.

Nas hipóteses que serão examinadas a seguir, a proibição de compra e venda abrange as aquisições em hasta pública. Apesar de a arrematação de bens em execução não ser considerada propriamente uma alienação, mas um ato de expropriação estatal, é nela que se verificariam as hipóteses mais comuns de desrespeito à necessária isenção que se demanda de todos aqueles a quem se refere o dispositivo.

O inciso I veda a aquisição por tutores, curadores, testamenteiros e administradores de bens confiados à sua guarda ou administração. Seria constrangedor que o sistema permitisse que os bens de incapazes fossem adquiridos por seus representantes, sob pena de vulneração da própria essência de tais institutos protetivos. A vedação é inferida ainda do CC. 1.749, I e 1.781. a situação se estende para todos aqueles que têm bens administrados por terceiros, mesmo capazes, pois há uma evidente colisão de interesses em qualquer forma de compra e venda do patrimônio que se propôs o representante a acautelar. Contudo, não se aplica o dispositivo a uma eventual compra e venda entre mandante e mandatário, tratando-se de representação convencional, a teor da Súmula n. 165, do Supremo Tribunal Federal.

Os incisos II e III retratam hipóteses semelhantes, quais sejam os servidores públicos de qualquer dos poderes, inclusive do Judiciário, além dos magistrados, que não poderão adquirir bens que estejam sob a sua esfera administrativa imediata. Qualquer entendimento contrário macularia a tutela da res pública e colocaria sob suspeita a necessária isenção que se exige de todos os agentes que exercem atividades públicas, em qualquer nível.

O inciso IV revela salutar inovação ao coibir a aquisição por leiloeiros e prepostos dos bens de cuja venda estejam encarregados. Essas pessoas são colaboradores da atividade judiciária, determinando a diretriz da eticidade que lhes sejam estendidas as mesmas vedações que atingem aqueles arrolados nos dois incisos anteriores.

Todas as proibições enfatizadas nos quatro incisos se estendem à cessão de crédito (parágrafo único). Não há dificuldades em compreender a correção da norma. A cessão se aproxima da compra e venda, pois o cedente transfere onerosa (venda) ou gratuitamente (doação) o seu crédito contra o cedido, tornando-se o cessionário o novo proprietário do crédito. Aqui se aplica o CC. 286, que impede a cessão quando assim o opuser a lei. Exemplificando: é impraticável a cessão de direitos hereditários pelo juiz com relação a um processo de inventário que está em tramitação na vara que preside.

Tendo em vista o nítido interesse de preservação da segurança jurídica que justifica a edição da norma, não podemos concordar com a restrição das hipóteses ao numerus clusus, com base em interpretação restritiva. Nossa interpretação é extensiva, alcançando a vedação qualquer forma de aquisição que envolva bens confiados à guarda e à administração de terceiros.

Por fim, todo o cuidado será pouco para a prevenção de condutas simulatórias que pretendam atingir vantagens econômicas por meio da prática dos aludidos negócios por pessoas interpostas oferecendo-se uma aparência que não corresponde à verdade. Não raramente surge a pessoa do testa-de-ferro para substituir na compra venda aquele que é privado da prática do referido negócio jurídico. A nulidade é a sanção para tais condutas (CC. 167, § 1º). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 562- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as restrições legais impostas decorrem de preceitos éticos nas relações jurídicas, por razoes de ofício ou de profissão e, ainda, em face do princípio constitucional da moralidade na Administração Pública e, uma vez transgredidas, tornam o ato nulo pleno jure. Pondera, com maestria, Darcy Arruda Miranda: “A proibição se assenta em princípio de ordem moral, no sentido de resguardar a intangibilidade daquelas delicadas funções, visando, sobretudo, o interesse social. Previnem-se, com isso, possíveis abusos e tentações. É uma forma de incapacidade especial” v. § P do art. 690 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, arts. 892 e 895. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo enumera situações que deslegitimam pessoas que se encontram em certas situações de participarem do contrato de compra e venda na qualidade de compradoras. São situações que conferem dever de guarda ou de conservação dos bens de terceiros e que, por isso, tornaria suspeitos negócios realizados por tais pessoas em seu próprio benefício. A sanção civil para tais negócios é a de nulidade absoluta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 498. A proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende os casos de compra e venda ou cessão entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.

Dando sequência à visão de Marco Túlio, o artigo 498 cuida do caso de juízes ou auxiliares da justiça possuírem interesses em disputa no local onde servirem ou a que se estender a sua autoridade, para excepciona-lo da proibição que os deslegitima a adquirir bens nesses locais, como previsto no inciso III do artigo anterior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Viajando na orientação de Nelson Rosenvald, o objetivo da norma é afastar a rigidez do artigo precedente em determinadas situações em que a aquisição é realizada pelo servidor público da Justiça, mas sem nenhum conflito de interesses com o múnus que exercita.

Cuida-se de três hipóteses perfeitamente compreensíveis nas quais a atividade pública não contamina a defesa das prerrogativas privadas dos ditos servidores: a) casos em que o servidor do Judiciário ou o magistrado são herdeiros e desejam adquirir cotas dos demais herdeiros (cessão) ou bens individualizados (compra e venda); b) hipóteses em que os servidores são credores em processo de execução e pretendam adjudicar bens em hasta pública como forma de pagamento dos débitos, ou os recebem em dação em pagamento; e c) por fim, poderão remir execuções a fim de proteger bens dados em garantia real em favor de terceiros que se tornaram inadimplentes. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, são apontadas exceções às restrições contidas no artigo anterior, nas hipóteses que menciona, traduzindo-se estas na inexistência de interesses antagônicos. Muito ao revés, os interesses são próprios e não se conflitam com as fundadas razoes de proibição. Os coerdeiros, como condôminos, possuem interesses mútuos, diante da propriedade comum, buscando protege-la. o credor assume o seu papel, realizando o seu crédito. As pessoas designadas no inciso III não se acham impedidas, diante da hipótese elencada, uma vez que a compra e venda ou a cessão são realizadas para garantia de bens que já lhes são pertencentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).



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