Direito Civil Comentado
- Art. 497, 498 - Continua
- Da compra e Venda -
Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e
Venda
Seção I –
Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 497.
Sob
pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:
I – pelos
tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua
guarda ou administração;
II –
pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a
que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;
III –
pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros
serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se
litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se
estender a sua autoridade;
IV –
pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
Parágrafo
único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.
Na visão de
Nelson Rosenvald, o artigo em exame enuncia cinco situações em que o negócio
jurídico compra e venda será sancionado como nulo pela ausência de legitimação
para a sua prática.
A capacidade
de fato é o elemento tradicional de validade para a prática de negócios
jurídicos em sentido genérico. Permite-se adquirir direitos e contrair
obrigações pessoalmente, sem a necessidade de interposição de uma terceira
pessoa (curador ou tutor).
Nada
obstante, para a prática de determinados negócios, a capacidade de gozo é
insuficiente à validade do ato, sendo necessária uma especial legitimação para
que o titular possua poder de disposição sobre os interesses em jogo.
Normalmente, o legislador demanda a legitimação para proibir a prática de
negócios jurídicos entre determinadas pessoas, com a finalidade de proteger os
próprios contratantes e terceiros.
Especificamente
no contrato de compra e venda, certas pessoas são livres para praticar negócios
jurídicos com qualquer um na sociedade, exceto com determinadas pessoas cujos
interesses éticos ou patrimoniais podem ser conflitantes. A autonomia privada é
limitada em razão de interesses funcionalizados à ordem pública.
Nas
hipóteses que serão examinadas a seguir, a proibição de compra e venda abrange
as aquisições em hasta pública. Apesar de a arrematação de bens em execução não
ser considerada propriamente uma alienação, mas um ato de expropriação estatal,
é nela que se verificariam as hipóteses mais comuns de desrespeito à necessária
isenção que se demanda de todos aqueles a quem se refere o dispositivo.
O inciso I
veda a aquisição por tutores, curadores, testamenteiros e administradores de
bens confiados à sua guarda ou administração. Seria constrangedor que o sistema
permitisse que os bens de incapazes fossem adquiridos por seus representantes,
sob pena de vulneração da própria essência de tais institutos protetivos. A
vedação é inferida ainda do CC. 1.749, I e 1.781. a situação se estende para
todos aqueles que têm bens administrados por terceiros, mesmo capazes, pois há
uma evidente colisão de interesses em qualquer forma de compra e venda do
patrimônio que se propôs o representante a acautelar. Contudo, não se aplica o
dispositivo a uma eventual compra e venda entre mandante e mandatário,
tratando-se de representação convencional, a teor da Súmula n. 165, do Supremo
Tribunal Federal.
Os incisos
II e III retratam hipóteses semelhantes, quais sejam os servidores públicos de
qualquer dos poderes, inclusive do Judiciário, além dos magistrados, que não
poderão adquirir bens que estejam sob a sua esfera administrativa imediata.
Qualquer entendimento contrário macularia a tutela da res pública e
colocaria sob suspeita a necessária isenção que se exige de todos os agentes
que exercem atividades públicas, em qualquer nível.
O inciso IV
revela salutar inovação ao coibir a aquisição por leiloeiros e prepostos dos
bens de cuja venda estejam encarregados. Essas pessoas são colaboradores da
atividade judiciária, determinando a diretriz da eticidade que lhes sejam
estendidas as mesmas vedações que atingem aqueles arrolados nos dois incisos
anteriores.
Todas as
proibições enfatizadas nos quatro incisos se estendem à cessão de crédito
(parágrafo único). Não há dificuldades em compreender a correção da norma. A
cessão se aproxima da compra e venda, pois o cedente transfere onerosa (venda)
ou gratuitamente (doação) o seu crédito contra o cedido, tornando-se o
cessionário o novo proprietário do crédito. Aqui se aplica o CC. 286, que
impede a cessão quando assim o opuser a lei. Exemplificando: é impraticável a
cessão de direitos hereditários pelo juiz com relação a um processo de
inventário que está em tramitação na vara que preside.
Tendo em
vista o nítido interesse de preservação da segurança jurídica que justifica a
edição da norma, não podemos concordar com a restrição das hipóteses ao numerus
clusus, com base em interpretação restritiva. Nossa interpretação é
extensiva, alcançando a vedação qualquer forma de aquisição que envolva bens
confiados à guarda e à administração de terceiros.
Por fim, todo o cuidado será
pouco para a prevenção de condutas simulatórias que pretendam atingir vantagens
econômicas por meio da prática dos aludidos negócios por pessoas interpostas
oferecendo-se uma aparência que não corresponde à verdade. Não raramente surge
a pessoa do testa-de-ferro para substituir na compra venda aquele que é privado
da prática do referido negócio jurídico. A nulidade é a sanção para tais
condutas (CC. 167, § 1º). (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 562- Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as restrições legais
impostas decorrem de preceitos éticos nas relações jurídicas, por razoes de
ofício ou de profissão e, ainda, em face do princípio constitucional da
moralidade na Administração Pública e, uma vez transgredidas, tornam o ato nulo
pleno jure. Pondera, com maestria, Darcy Arruda Miranda: “A proibição se
assenta em princípio de ordem moral, no sentido de resguardar a intangibilidade
daquelas delicadas funções, visando, sobretudo, o interesse social.
Previnem-se, com isso, possíveis abusos e tentações. É uma forma de
incapacidade especial” v. § P do art. 690 do CPC/1973, com
correspondência no CPC/2015, arts. 892 e 895. (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 266, apud Maria Helena
Diniz, Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sob o enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo
enumera situações que deslegitimam pessoas que se encontram em certas situações
de participarem do contrato de compra e venda na qualidade de compradoras. São
situações que conferem dever de guarda ou de conservação dos bens de terceiros
e que, por isso, tornaria suspeitos negócios realizados por tais pessoas em seu
próprio benefício. A sanção civil para tais negócios é a de nulidade absoluta. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 498.
A
proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende os casos
de compra e venda ou cessão entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou
para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.
Dando
sequência à visão de Marco Túlio, o artigo 498 cuida do caso de juízes ou
auxiliares da justiça possuírem interesses em disputa no local onde servirem ou
a que se estender a sua autoridade, para excepciona-lo da proibição que os deslegitima
a adquirir bens nesses locais, como previsto no inciso III do artigo anterior. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha
apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Viajando na orientação de Nelson Rosenvald, o objetivo da norma é
afastar a rigidez do artigo precedente em determinadas situações em que a
aquisição é realizada pelo servidor público da Justiça, mas sem nenhum conflito
de interesses com o múnus que exercita.
Cuida-se
de três hipóteses perfeitamente compreensíveis nas quais a atividade pública
não contamina a defesa das prerrogativas privadas dos ditos servidores: a)
casos em que o servidor do Judiciário ou o magistrado são herdeiros e desejam
adquirir cotas dos demais herdeiros (cessão) ou bens individualizados (compra e
venda); b) hipóteses em que os servidores são credores em processo de execução
e pretendam adjudicar bens em hasta pública como forma de pagamento dos
débitos, ou os recebem em dação em pagamento; e c) por fim, poderão remir
execuções a fim de proteger bens dados em garantia real em favor de terceiros
que se tornaram inadimplentes. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563- Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
No entendimento de Ricardo Fiuza, são apontadas exceções às
restrições contidas no artigo anterior, nas hipóteses que menciona,
traduzindo-se estas na inexistência de interesses antagônicos. Muito ao revés,
os interesses são próprios e não se conflitam com as fundadas razoes de
proibição. Os coerdeiros, como condôminos, possuem interesses mútuos, diante da
propriedade comum, buscando protege-la. o credor assume o seu papel, realizando
o seu crédito. As pessoas designadas no inciso III não se acham impedidas,
diante da hipótese elencada, uma vez que a compra e venda ou a cessão são
realizadas para garantia de bens que já lhes são pertencentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 266, apud Maria Helena
Diniz, Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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