segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 509, 510, 511, 512 - Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 509, 510, 511, 512
- Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção II – Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.

Seguindo orientação de Nelson Rosenvald, a Subseção II – relativa às cláusulas especiais de compra e venda – traz inovação ao inserir na disciplina da venda a contento o pacto de venda sujeito a prova.

O artigo ora enfocado dispõe sobre a tradicional venda a contento (pactum diplicentiae), caracterizada pela subordinação a uma condição suspensiva, qual seja aquela em que o comprador aprecia as qualidades da coisa que lhe foi entregue. Temos então uma situação em que o vendedor se sujeitará a um evento futuro e incerto, que se relaciona ao puro arbítrio do comprador, excepcionando-se aqui a proibição às condições puramente potestativas (CC 122). Com efeito, a devolução do em não se prende em nenhum momento a uma apreciação objetiva acerca das características materiais da coisa, mas simplesmente ao desejo do comprador. Nesse ponto discordamos daqueles que acreditam se tratar de cláusula simplesmente potestativa e não meramente potestativa, pois o arbítrio não seria ilimitado. Muito pelo contrário, temos que a opção do comprador poderá se basear em um simples capricho sem que se possa questionar tal aspecto subjetivo.

O comprador não e proprietário, porém mero titular de um direito eventual, portanto dele não se exigirá nenhuma espécie de pagamento até que se decida adquirir o bem. Todavia, poderá reclamar a entrega da coisa, pois sem a posse direta do objeto não terá condições de avaliar se o negócio jurídico se lhe mostra satisfatório.

Não se olvide de que a cláusula será expressa no contrato, caso contrário não se poderá presumir que o comprador apenas adquiriu para experimentar. Já nas relações de consumo, em que a compra ocorre fora do domicilio do fornecedor, o consumidor exercerá o direito de arrependimento no prazo de reflexão de sete dias (CDC 49). Ao contrário do exposto no Código Civil, a devolução não decorre da autonomia privada, mas da tutela ao vulnerável que adquire bens por meio de pressão psicológica, sem a necessária ponderação acerca da real utilidade da compra. Outrossim, no Código de Defesa do Consumidor a aquisição não se faz por condição suspensiva; ela é perfeita e acabada, mas subordina-se ao direito potestativo de resilição unilateral (CC 473).

Diversamente do Código Civil de 1916, a norma em apreciação silencia no que concerne à possibilidade de a venda a contento ser realizada mediante cláusula resolutiva para o comprador. Entendemos que nada impede a fixação da resolução, com base na autonomia privada das partes, eis que não há proibição expressa da norma ou ofensa à ordem púbica. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 573 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Vemos na doutrina apresentada por Fiuza, que a condição suspensiva da venda feita a contento está clausulada pela subordinação do negócio à circunstância da satisfação do adquirente. Enquanto o comprador não aceitar a coisa (no sentido de aprova-la), ainda não colhido o manifesto do aprazimento por quem ela foi entregue, não se terá a venda como perfeita e obrigatória. Da declaração da ‘vontade do comprador depende a eficácia do negócio’. A venda a contento (pactum displicentiae) é, conforme ensina Clóvis Beviláqua, “a que se conclui sob a condição de ficar desfeita, se o comprador não se agradar da coisa vendida”. Por conseguinte, a tradição da coisa não corresponde à transferência do domínio, resumindo-se a transferir a posse direta, visto que efetuada a venda sob condição suspensiva. A presunção de a venda feita pelo comprador ser sempre realizada sob condição suspensiva afasta a hipótese de poder o contrato dá-lhe o caráter de condição resolutiva, antes referida pelo art. 1.444, parte final, do CC/1916. – A propósito não há mais de se falar de condição resolutiva e, sim de cláusula resolutiva.

Carlos Alberto Dabus Maluf reconhece a venda feita a contento como um contrato sujeito a condição potestativa, que o Código Civil admite e disciplina minuciosamente. Enfatize, porém, entender a doutrina que tal condição não é meramente potestativa, não infringindo o princípio do art. 115 do CC de 1916 (vide CC/2002 art. 122). O arbítrio do comprador não é, por isso, ilimitado. Ele fica constrito a um fato ou circunstância, a do agrado, não incidindo um mero capricho. Desse modo, constitui exceção à regra do mencionado artigo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 272 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda a contento é a cláusula que permite ao comprador não se vincular à compra e venda se a coisa vendida não o satisfizer. Tal cláusula consiste numa condição suspensiva: o contrato somente produzirá seus efeitos após a confirmação do comprador quanto à sua satisfação quanto à coisa. A satisfação do comprador implica o direito potestativo deste confirmar o não o contrato.

Embora não haja qualquer restrição legal, a doutrina ensina que “comporta gêneros que se costumam provar, medir, pesar e experimentar antes de aceitar” (Caio Mário da Silva Pereira), Instituições de Direito Civil, v III, Rio de Janeiro: Forense).

No Código de 1916 entendia-se ser direito personalíssimo do comprador, pelo uso do termo “pessoal”, no art. 1.148, segundo Beviláqua). A restrição não tem correspondente no CC/2002.

O artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, concede ao consumidor o direito de “desistir” do contrato em 7 dias, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial o que conforma espécie de venda a contento por força de lei. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina.

Na visão de Nelson Rosenvald, a inovação do legislador nesse ponto foi a criação da cláusula de “venda sujeita a prova”. Aqui, a eficácia do negócio jurídico compra e venda se subordinará à objetiva constatação das qualidades que foram asseguradas pelo vendedor. Difere, portanto, da venda a contento, em que a satisfação do comprador e avaliada em nível subjetivo, da estima pela coisa.

Mas a distinção não para por aí. Na medida em que o desagrado do comprador se prende à própria desconformidade externa entre o que se prometeu e o que se pretende adquirir realmente, pergunta-se se o comprador deverá provar a existência do alegado déficit qualitativo. Parece-nos que a resposta é positiva, caso contrário cairíamos nas mesmas consequências da venda a contento, ou seja, do arbítrio do comprador. E outras palavras, a condição suspensiva da compra e sujeita à demonstração da veracidade das alegações do comprador, sob pena de ser lavada à apreciação do magistrado para os fins do antigo art. 335 do CPC/1973, correspondendo hoje ao art. 375 no CPC/2015, com praticamente redação idêntica. Caso o desnível qualitativo seja oculto, deverá o comprador se socorrer das normas relativas aos vícios redibitórios (CC 441 a 446). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 573 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Relembrando Ricardo Fiuza, que o parágrafo único do art. 1.144 do CC de 1916 dispunha: “Nesta espécie de venda, se classifica a dos gêneros, que se costumam provar, medir, pesar, ou experimentar antes de aceitos”. Revela, no exemplo, o característico determinando de pacto adjeto a tal espécie de compra e venda.

O legislador do CC/2002 deu novo tratamento à venda sujeita a prova ou experimentação, também realizada sob condição suspensiva, disciplinando-a em dispositivo próprio. A coisa vendida submete-se ao exame do adquirente, na apuração das qualidades que lhes são inerentes e assegurados pelo vendedor, como condição ao aperfeiçoamento do contrato. Quer dizer que, tendo a coisa as qualidades afirmadas como certas, abonadas pelo vendedor, e reconhecida adequada para o fim a que se destina, não poderá o comprador, feita a experimentação, recusá-las por puro arbítrio, sem a devida motivação, o que importaria em potestatividade pura, defesa por lei. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 273 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Temos na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha que, a venda sujeita a prova é cláusula de sentido próximo ao da venda a contento, desta se diferenciando, no entanto, porque a recusa do comprador somente pode ser manifestada caso a coisa vendida não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor ou não sirva ao fim a que ela se destina.

E, tal como a venda a contento, uma condição suspensiva: o contrato somente produzirá efeitos se a coisa vendida possuir as qualidades prometidas e servir à finalidade a que destinada. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la.

Seguindo na esteira de Nelson Rosenvald, o dispositivo é de índole meramente explicativa. Evidentemente, se na venda a contento e na sujeita à prova o comprador é mero titular de direito eventual em razão da condição suspensiva (CC 125), a eficácia aquisitiva se sujeita ao evento futuro e incerto do contentamento com o bem ou da constatação de suas virtudes materiais.

Enquanto a condição não se verifica, o comprador é mero comodatário, pois surge apenas um desdobramento da posse: a posse indireta se mantém com o vendedor – ainda remanescente na posição de proprietário – e a posse direta é transferida ao comprador, em virtude de uma relação de direito obrigacional.

Caso o comprador não queira adquirir a coisa, sua obrigação consistirá na devolução imediata, sob pena de conversão da posse em injusta – pela precariedade, se, interpelado pelo vendedor, recusar-se a restituir no prazo assinalado. Diante do esbulho, a saída será o ajuizamento da ação de reintegração de posse.

Todavia, a parte final do dispositivo se refere á manifestação do comprador em aceitar a coisa. Qual a natureza de tal manifestação? A nosso viso, normalmente será expressa, mas admite a forma tácita, como pelo pagamento do preço ou a prática de qualquer comportamento concludente ou socialmente típico que demonstre a sua satisfação com a aquisição. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 574 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira da doutrina de Fiuza, enquanto não manifestada a declaração de vontade do comprador (pacto ad gustum) ou aceita a coisa comprada pela confirmação de suas qualidades e aptidão para o fim a que se destina, o possuidor direito e pretenso adquirente equipara-se ao comodatário, onde inato o dever de restitui-la, com as obrigações de conservá-la como se ela lhe fora dada em empréstimo. Pela condição suspensiva, a coisa comprada tem sua tradição provisória, implicando uma relação jurídica assemelhada ao comodato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 273 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tendo em conta o comentário de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de compra e venda tem seus efeitos suspensos enquanto não se verificar as respectivas condições suspensivas previstas para venda a contento e para a venda sujeita a prova. Em razão disso, pode-se indagar a que título a posse da cosa seria transferida ao comprador ou quais os direitos e deveres dele e do vendedor enquanto não operada a condição. O dispositivo esclarece que o comprador exerce a posse na qualidade de mero comodatário. Disto decorre, por exemplo que a transferência da posse direta sobre a coisa não transfere a propriedade ao comprador e que, se sobrevier a perda da coisa por caso fortuito ou por força maior, a regra res perit domino implica a perda da propriedade para o vendedor. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável.

Vendo sob o prisma de Nelson Rosenvald, tanto na venda a contento como na venda sujeita a prova, o Código Civil abdicou da possibilidade de fixar os prazos decadenciais ao exercício do direito potestativo de restituição da coisa.

Duas soluções se impõem. Primeiro, as partes ajustam prazo convencional de decadência. Superado o lapso temporal, a compra e venda se aperfeiçoa em caráter definitivo. Segundo, não havendo fixação de prazo pelas partes, o vendedor deverá interpelar o comprador – judicial ou extrajudicialmente – para o exercício da opção, assinalando prazo para manifestação, sob pena de, no silêncio, concretizar-se a compra e venda. Cuida-se de uma forma de aceitação presumida da compra e venda.

Nada obstante ser conhecida a regra que disciplina a satisfação imediata do credor nos contratos sem prazo (CC 331), há casos em que se demanda um prazo tácito (CC 134), quando suas próprias particularidades evidenciarem a necessidade de um período para o cumprimento da obrigação. Aqui estamos diante de tais situações, pois seria abusiva a conduta do vendedor em exigir imediatamente o adimplemento, sem que ao comprador seja concedido tempo razoável – mediante interpelação – para constatar as qualidades da coisa possuída. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 574 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Fiuza, aponta a declaração do comprador acerca da coisa, supostamente necessária para reputar-se perfeita a venda feita a contento (CC 509 parte final) ou ainda a sujeita a prova, visto que, sem embargo, como vendas condicionais, a eficácia do ato fica na dependência daquela manifestação. Não avençado o prazo para a declaração, é natural cumprir ao vendedor intimá-lo para que exprima seu agrado ou aquiescência, e, no caso, o prazo será fixado de modo unilateral. Nesse sentido: “Na venda a contento, se no próprio contrato não ficou estabelecido prazo para aceitação do negócio pelo comprador, é necessária a sua interpelação para os fins constantes do CC 1.147” (RT 445/I 80). O novo texto inclui a intimação extrajudicial, adotando a prática comum dos avisos de conhecimento por meio do Registro de títulos e Documentos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 273 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Diferentemente do que faz em relação a outros institutos, a lei não demarca um prazo para que o comprador manifeste o interesse na confirmação ou não do negócio na venda sujeita a prova e na venda a contento, salvo nas vendas a consumidor fora do estabelecimento comercial, em que vigora o prazo de 7 dias (Marco Túlio de Carvalho Rocha. Desse modo, o prazo para o comprador manifestar a aceitação da coisa deve ser estabelecido contratualmente e, caso não seja, o limite temporal será estabelecido por meio de interpelação do vendedor ao comprador (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Nenhum comentário:

Postar um comentário