sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 521, 522, 523, continua - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 521, 522, 523, continua
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Bastante esclarecedor o ensinamento de Nelson Rosenvald, quando diz que a modalidade da reserva de domínio consiste em pacto adjeto à compra e venda, em que o vendedor mantém consigo a propriedade da coisa móvel sob a condição suspensiva do pagamento integral das prestações pelo comprador.

A reserva de domínio e usualmente empregada no comércio, em vendas a prestação, nas quais o vendedor utiliza o mecanismo como garantia de adimplemento, eis que a transferência da propriedade é postergada do momento da tradição para o tempo da quitação. Nada impede, contudo, que a venda seja realizada com base em única prestação, em época posterior à contratação (v.g., compra de televisor com pagamento do preço em noventa dias após o contrato).

Estruturalmente, o aludido negócio jurídico propicia o desdobramento da posse – posse direta para o comprador e indireta para o vendedor, ainda proprietário -, bem como evidencia uma espécie de propriedade resolúvel, na qual o implemento da condição suspensiva do pagamento (evento futuro e incerto), permitirá a transferência da propriedade da coisa móvel. A condição não se prende à transferência da posse (tradição), mas da propriedade.

A reserva de domínio se aproxima do modelo da propriedade fiduciária (CC 1.361 a 1.368), como espécies de negócio fiduciário. O desdobramento da posse e a propriedade condicional são comuns a ambas, bem como o desiderato de propiciar a circulação massiva de propriedade mobiliária.

Todavia, algumas distinções são evidentes. A propriedade fiduciária gera a a imediata transferência da propriedade do fiduciante (alienante) ao credor fiduciário (adquirente), como premissa para que o vendedor possa imediatamente receber o preço e se satisfazer. Ou seja, o vendedor não integra a relação jurídica de direito real, restringindo-se o negócio fiduciário ao comprador e ao financiador, que recebe a propriedade resolúvel da coisa móvel como garantia do pagamento realizado ao vendedor. Já na reserva de domínio, a relação jurídica se circunscreve a vendedor e comprador, pois o próprio alienante realiza o financiamento da aquisição em prestações, subordinando-se a passagem da propriedade a uma condição suspensiva.

Ademais, há previsão legal de propriedade fiduciária imobiliária (Lei n. 9.514/97), sendo certo que a reserva de domínio abrange apenas os bens móveis. Se anteriormente a propriedade fiduciária era reservada a instituições financeiras, hoje o CC 1.361 não opera mais ressalvas quanto à legitimidade para o negócio, aproximando-a da reserva de domínio, aberta para qualquer pessoa física ou jurídica. Por fim, nem se cogite de qualquer discussão acerca de eventual prisão civil na venda com reserva de domínio, pois o comprador não é qualificado como depositário, excluindo-se a aplicação do CC 652 em caso de inadimplemento.

Há também certa proximidade entre a reserva de domínio e o arrendamento mercantil. O leasing consiste em um contrato misto, envolvendo as figuras da locação, mútuo e compra e venda. O arrendante loca o bem móvel ao arrendatário, exercendo este a posse direta da coisa mediante pagamento de prestações que objetivam amortizar o empréstimo para a compra do bem pelo arrendador. Ao tempo do adimplemento surgirão três opções para o arrendatário: restituir o bem, sem devolução das prestações; renovar a locação, frequentemente com substituição por outro bem móvel mais moderno; adquirir a propriedade da coisa através do pagamento de um valor residual.

Em comum com a reserva de domínio é o fato de ambos tratarem de relações envolvendo direitos obrigacionais com imediata transferência da posse direta ao comprador para fins de fruição da coisa. Porém, no leasing   a retribuição auferida pelo arrendador mantém a natureza de aluguel, enquanto na reserva de domínio o pagamento de prestações consiste em amortização da compra pelo valor do bem, o que dispensa a existência de um valor residual ao tempo da integralização do preço. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 579-580 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão da doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a cláusula de reserva de domínio é cláusula especial de reforço de garantia ao vendedor, instituída agora no CC/2002, quando, por mais de sessenta anos, teve sua regulação pelo Decreto n. 1.027, de 2-1-1039.

O instituto da compra e venda sob essa modalidade é tratada, ainda no Código de Processo Civil de 1939 (arts. 342 e 343), no CPC/1973 (arts. 1.071 e 1.072) sem correspondência no CPC/2015, e na legislação registral (Lei n. 6.015/73), que exige o registro do contrato para valer contra terceiros, como já previsto no antigo Decreto n. 4.857, de 9-11-1939 (Art. 12). Pelo pactum reservati domini, o vendedor mantém em seu favor a propriedade da coisa vendida, enquanto não efetuado o pagamento integral do preço, diferida a passagem do domínio para determinado dia, quando satisfeita a prestação final do preço. O presente artigo limita o pacto da reserva de domínio somente na venda de coisa móvel, porque apenas a ela se refere, não obstante a Lei n. 9.524, de 20-11-1997, haver instituído a alienação fiduciária de coisa imóvel, cuidando da caução e da cessão fiduciária de direitos relativos a imóveis (art. 17, II e III), acrescentando, ainda, o item 35 ao inciso II e o item 17 ao inciso II, ambos do art. 167 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

Segundo leciona Amoldo Wald, “a venda a crédito em reserva de domínio só é conhecida no Direito brasileiro, em relação aos moveis, por existirem outras técnicas protetoras do vendedor nas alienações imobiliárias (promessa de compra e venda, hipoteca etc.)”. por igual, explica Jefferson Daibert: “O objeto deverá ser sempre coisa imóvel, certa, individuada e inconfundível com outras da mesma espécie, portanto, infringível”.

O instituto jurídico, em sua estrutura, exige a integração de cinco elementos, apontados por Nicolau Balbino filho e citados por Macedo de Campos, como característicos essenciais: a venda deve ser em prestações; o objeto individuado sobre o qual recai a venda deve ser infungível; a entrega ao comprador do bem negociado deve ser efetuada pelo vendedor; o pagamento do preço, definido em prestações, deve ser efetuado no prazo convencionado, e o domínio da coisa vendida, após o pagamento do preço, deve ser transmitido pelo vendedor ao comprador.

Direito comparado: A venda com cláusula de reserva da propriedade, alienação sob condição suspensiva, é tratada pelo Código civil português, nas disposições gerais dos contratos (Art. 409, I e 10) (Antonio Macedo de Campos, Comentários à Lei de Registros Públicos, 2. aI., São Paulo, Jalovi, 1981, v. 2 (p. 136-7); Amoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro – obrigações e contratos, 10, ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992 (p. 265); Jefferson Daibert, Dos contratos – parte especial das obrigações, Rio de Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277-278 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No domínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, contrato de compra e venda de coisa móvel, a prestação, no qual o vendedor reserva-se o domínio da coisa vendida até o momento da integralização do pagamento do preço.

A cláusula de reserva de domínio foi introduzida legislativamente pelo art. 3º do Decreto-lei n. 869/38 e visava a propiciar maior garantia ao vendedor no comércio de bens de consumo duráveis. O contrato de compra e venda não transfere a propriedade do bem vendido. A transferência da propriedade ocorre por um dos “modos” previstos na lei: o registro do título aquisitivo nas vendas de imóveis e a entrega da coisa nas vendas de bens móveis. Com a cláusula de reserva de domínio, pode o vendedor entregar a coisa ao comprador sem transferir-lhe o domínio. Essa técnica visa a permitir ao vendedor valer-se de medidas processuais rápidas para retomar a posse do bem, caso o comprador não integralize o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

Nós ensinamentos de Nelson Rosenvald, a reserva de domínio demanda formalidades. A forma escrita é requisito de validade do negócio jurídico, a teor do exposto no CC. 104, III, sob pena de nulidade contatual (CC, 166, IV). Enquanto quase toda venda de bem móvel se basta com a forma verbal seguida da tradição, a reserva de domínio requer instrumento público o particular, seja qual for o valor do bem.

Ademais, o registro no cartório de títulos e documentos (LRP, art. 129, item 5º) é fundamental para gerar eficácia da reserva de domínio perante terceiros no que concerne aos bens moveis em geral. Tratando-se de veículos, assim como se observa na propriedade fiduciária e no arrendamento mercantil, caberá a anotação do gravame no certificado de registro do veículo (CRV), sob pena de inoponibilidade do contrato perante terceiros que adquiram o bem sem que tenha sido preenchido o requisito de publicidade do contrato (Súmula n. 92 do STJ). Ou seja, a ausência do registro não opera negativamente no plano de validade, mas é fator de ineficácia relativa da relação obrigacional perante terceiros de boa-fé.

O registro também é importante para converter a coisa móvel em patrimônio em afetação. Vale dizer que, apesar de a propriedade remanescer com o vendedor até o pagamento, não servirá aos seus credores como garantia de débitos, pois a coisa já se encontra afetada ao direito eventual do comprador, que poderá exercer atos conservatórios contra terceiros que efetuem constrições sobre o bem (CC 130), desde que tenha sido promovido o registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Fiuza, a norma estabelece que nas vendas a crédito ou em prestações com reserva de domínio a estipulação da cláusula contratual não prescinde, por óbvio, da forma escrita, e menciona, ainda, a necessidade de registro perante o Registro de Títulos e Documentos, já previsto pelo art. 129, item 52, da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), para surtir efeitos em relação a terceiros (511, REsp 17.546-SP).

É firme o posicionamento jurisprudencial, reconh3ecendo os direitos de terceiro de boa-fé: “Processo civil. I. Prova. Quem pensa ter adquirido a propriedade plena de veículo automotor, e se vê surpreendido pela apreensão judicial do bem, que se encontrava gravado com reserva de domínio, só precisa instruir a ação de indenização contra o Estado com o certificado de registro fornecido, sem qualquer ressalva, pelo Detran (STJ, 2’ T., REsp 21.503-SP, rel. MM Ari Pargendler, 0.1 de 2941996). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha a cláusula de reserva de domínio é oponível erga omnes. Para tanto, exige a lei que ao contrato seja dada a necessária publicidade mediante seu registro no local próprio, i.é, no registro de títulos e documentos do domicílio do comprador (Lei n. 6.015, Lei dos Registros Públicos, art. 130) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para a estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.

Trilhando no caminho de Nelson Rosenvald, quando o legislador utiliza a expressão “caracterização perfeita” para qualificar o bem objeto da venda com reserva de domínio, procura ressaltar ser fundamental a natureza infungível da coisa adquirida. Ou seja, o negócio jurídico inevitavelmente será realizado com a entrega de coisa que não possa ser substituída por outa da mesma espécie, qualidade e quantidade (CC 85), devendo ser identificada e especializada em seus atributos essenciais. Excluem-se os bens consumíveis, obviamente pelo seu próprio atributo de autodestruição.

O requisito da infungibilidade é determinado por algumas razoes: a) propicia o registro do bem no cartório de títulos e documentos; b) permite a localização e recuperação da coisa em caso de inadimplemento do comprador, por causa de sua perfeita identificação; e c) facilita o tráfego jurídico do bem, pois permitirá sucessivas tradições da coisa com base em sua singularidade.

A parte derradeira do artigo em comento será de escassa aplicação, afinal dificilmente se efetivará registro de bem fungível. Nesse caso, o terceiro adquirente será beneficiado pela boa-fé diante da impossibilidade do vendedor de precisar as qualidades exatas da coisa que foi transferida ao terceiro pelo comprador. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Trilhando pelos caminhos de Nelson Rosenvald, a individualização completa e perficiente do bem é elemento essencial para a validade da cláusula de reserva. A sua caracterização perfeita é pressuposto necessário, de modo a distingui-la de outras coisas do mesmo gênero ou similares.

Essa exigência – cientifica Jefferson Daibert – é perfeitamente explicável. Aduz com clareza: “Se o comprador se tornar inadimplente, o juiz deverá determinar a apreensão da coisa e isto somente será possível diante de sua caracterização detalhada”. (Jefferson Dabert, Dos contratos – parte especial das obrigações, Rio de Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o direito do vendedor de se reintegrar na posse da coisa vendida mediante busca e apreensão somente pode ser exercido se a coisa for infungível, ou seja, se ela puder ser individualizada por meio de suas características. Se o bem não for suscetível de individualização e, portanto, se não puder ser identificado como aquele que foi objeto da venda, torna-se impossível ao vendedor-proprietário busca-lo junto ao comprador ou a terceiro a quem tenha sido alienado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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