Direito Civil Comentado
- Art. 521, 522, 523, continua
- Da
Venda com Reserva de Domínio –
VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e
Venda
Seção II
– Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção
IV – Da Venda com Reserva de Domínio
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o
vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente
pago.
Bastante
esclarecedor o ensinamento de Nelson Rosenvald, quando diz que a modalidade da
reserva de domínio consiste em pacto adjeto à compra e venda, em que o vendedor
mantém consigo a propriedade da coisa móvel sob a condição suspensiva do
pagamento integral das prestações pelo comprador.
A reserva de
domínio e usualmente empregada no comércio, em vendas a prestação, nas quais o
vendedor utiliza o mecanismo como garantia de adimplemento, eis que a transferência
da propriedade é postergada do momento da tradição para o tempo da quitação.
Nada impede, contudo, que a venda seja realizada com base em única prestação,
em época posterior à contratação (v.g., compra de televisor com
pagamento do preço em noventa dias após o contrato).
Estruturalmente,
o aludido negócio jurídico propicia o desdobramento da posse – posse direta
para o comprador e indireta para o vendedor, ainda proprietário -, bem como
evidencia uma espécie de propriedade resolúvel, na qual o implemento da
condição suspensiva do pagamento (evento futuro e incerto), permitirá a
transferência da propriedade da coisa móvel. A condição não se prende à
transferência da posse (tradição), mas da propriedade.
A reserva de
domínio se aproxima do modelo da propriedade fiduciária (CC 1.361 a 1.368),
como espécies de negócio fiduciário. O desdobramento da posse e a propriedade
condicional são comuns a ambas, bem como o desiderato de propiciar a circulação
massiva de propriedade mobiliária.
Todavia, algumas
distinções são evidentes. A propriedade fiduciária gera a a imediata
transferência da propriedade do fiduciante (alienante) ao credor fiduciário
(adquirente), como premissa para que o vendedor possa imediatamente receber o
preço e se satisfazer. Ou seja, o vendedor não integra a relação jurídica de
direito real, restringindo-se o negócio fiduciário ao comprador e ao
financiador, que recebe a propriedade resolúvel da coisa móvel como garantia do
pagamento realizado ao vendedor. Já na reserva de domínio, a relação jurídica
se circunscreve a vendedor e comprador, pois o próprio alienante realiza o
financiamento da aquisição em prestações, subordinando-se a passagem da
propriedade a uma condição suspensiva.
Ademais, há
previsão legal de propriedade fiduciária imobiliária (Lei n. 9.514/97), sendo
certo que a reserva de domínio abrange apenas os bens móveis. Se anteriormente
a propriedade fiduciária era reservada a instituições financeiras, hoje o CC
1.361 não opera mais ressalvas quanto à legitimidade para o negócio,
aproximando-a da reserva de domínio, aberta para qualquer pessoa física ou
jurídica. Por fim, nem se cogite de qualquer discussão acerca de eventual
prisão civil na venda com reserva de domínio, pois o comprador não é
qualificado como depositário, excluindo-se a aplicação do CC 652 em caso de
inadimplemento.
Há também
certa proximidade entre a reserva de domínio e o arrendamento mercantil. O leasing
consiste em um contrato misto, envolvendo as figuras da locação, mútuo e compra
e venda. O arrendante loca o bem móvel ao arrendatário, exercendo este a posse
direta da coisa mediante pagamento de prestações que objetivam amortizar o
empréstimo para a compra do bem pelo arrendador. Ao tempo do adimplemento
surgirão três opções para o arrendatário: restituir o bem, sem devolução das
prestações; renovar a locação, frequentemente com substituição por outro bem
móvel mais moderno; adquirir a propriedade da coisa através do pagamento de um
valor residual.
Em comum com a reserva de
domínio é o fato de ambos tratarem de relações envolvendo direitos
obrigacionais com imediata transferência da posse direta ao comprador para fins
de fruição da coisa. Porém, no leasing
a retribuição auferida pelo
arrendador mantém a natureza de aluguel, enquanto na reserva de domínio o
pagamento de prestações consiste em amortização da compra pelo valor do bem, o
que dispensa a existência de um valor residual ao tempo da integralização do
preço. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 579-580 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
No diapasão
da doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a cláusula de reserva de domínio é
cláusula especial de reforço de garantia ao vendedor, instituída agora no
CC/2002, quando, por mais de sessenta anos, teve sua regulação pelo Decreto n.
1.027, de 2-1-1039.
O instituto
da compra e venda sob essa modalidade é tratada, ainda no Código de Processo
Civil de 1939 (arts. 342 e 343), no CPC/1973 (arts. 1.071 e 1.072) sem
correspondência no CPC/2015, e na legislação registral (Lei n. 6.015/73), que
exige o registro do contrato para valer contra terceiros, como já previsto no
antigo Decreto n. 4.857, de 9-11-1939 (Art. 12). Pelo pactum reservati
domini, o vendedor mantém em seu favor a propriedade da coisa vendida,
enquanto não efetuado o pagamento integral do preço, diferida a passagem do
domínio para determinado dia, quando satisfeita a prestação final do preço. O
presente artigo limita o pacto da reserva de domínio somente na venda de coisa
móvel, porque apenas a ela se refere, não obstante a Lei n. 9.524, de
20-11-1997, haver instituído a alienação fiduciária de coisa imóvel, cuidando
da caução e da cessão fiduciária de direitos relativos a imóveis (art. 17, II e
III), acrescentando, ainda, o item 35 ao inciso II e o item 17 ao inciso II,
ambos do art. 167 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).
Segundo leciona
Amoldo Wald, “a venda a crédito em reserva de domínio só é conhecida no
Direito brasileiro, em relação aos moveis, por existirem outras técnicas
protetoras do vendedor nas alienações imobiliárias (promessa de compra e venda,
hipoteca etc.)”. por igual, explica Jefferson Daibert: “O objeto deverá ser
sempre coisa imóvel, certa, individuada e inconfundível com outras da mesma
espécie, portanto, infringível”.
O instituto
jurídico, em sua estrutura, exige a integração de cinco elementos, apontados
por Nicolau Balbino filho e citados por Macedo de Campos, como característicos
essenciais: a venda deve ser em prestações; o objeto individuado sobre o qual
recai a venda deve ser infungível; a entrega ao comprador do bem negociado deve
ser efetuada pelo vendedor; o pagamento do preço, definido em prestações, deve
ser efetuado no prazo convencionado, e o domínio da coisa vendida, após o
pagamento do preço, deve ser transmitido pelo vendedor ao comprador.
Direito
comparado: A venda com cláusula de reserva da propriedade, alienação sob
condição suspensiva, é tratada pelo Código civil português, nas disposições
gerais dos contratos (Art. 409, I e 10) (Antonio Macedo de Campos, Comentários
à Lei de Registros Públicos, 2. aI., São Paulo, Jalovi, 1981, v. 2 (p.
136-7); Amoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro – obrigações e
contratos, 10, ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992 (p. 265);
Jefferson Daibert, Dos contratos – parte especial das obrigações, Rio de
Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza –
p. 277-278 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019,
corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
No domínio
de Marco
Túlio de Carvalho Rocha, contrato de compra e venda de coisa móvel, a
prestação, no qual o vendedor reserva-se o domínio da coisa vendida até o
momento da integralização do pagamento do preço.
A
cláusula de reserva de domínio foi introduzida legislativamente pelo art. 3º do
Decreto-lei n. 869/38 e visava a propiciar maior garantia ao vendedor no
comércio de bens de consumo duráveis. O contrato de compra e venda não
transfere a propriedade do bem vendido. A transferência da propriedade ocorre
por um dos “modos” previstos na lei: o registro do título aquisitivo nas vendas
de imóveis e a entrega da coisa nas vendas de bens móveis. Com a cláusula de
reserva de domínio, pode o vendedor entregar a coisa ao comprador sem
transferir-lhe o domínio. Essa técnica visa a permitir ao vendedor valer-se de
medidas processuais rápidas para retomar a posse do bem, caso o comprador não
integralize o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
522.
A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de
registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.
Nós
ensinamentos de Nelson Rosenvald, a reserva de domínio demanda formalidades. A
forma escrita é requisito de validade do negócio jurídico, a teor do exposto no
CC. 104, III, sob pena de nulidade contatual (CC, 166, IV). Enquanto quase toda
venda de bem móvel se basta com a forma verbal seguida da tradição, a reserva
de domínio requer instrumento público o particular, seja qual for o valor do
bem.
Ademais, o
registro no cartório de títulos e documentos (LRP, art. 129, item 5º) é
fundamental para gerar eficácia da reserva de domínio perante terceiros no que
concerne aos bens moveis em geral. Tratando-se de veículos, assim como se
observa na propriedade fiduciária e no arrendamento mercantil, caberá a
anotação do gravame no certificado de registro do veículo (CRV), sob pena de
inoponibilidade do contrato perante terceiros que adquiram o bem sem que tenha
sido preenchido o requisito de publicidade do contrato (Súmula n. 92 do STJ).
Ou seja, a ausência do registro não opera negativamente no plano de validade,
mas é fator de ineficácia relativa da relação obrigacional perante terceiros de
boa-fé.
O registro também é
importante para converter a coisa móvel em patrimônio em afetação. Vale dizer
que, apesar de a propriedade remanescer com o vendedor até o pagamento, não
servirá aos seus credores como garantia de débitos, pois a coisa já se encontra
afetada ao direito eventual do comprador, que poderá exercer atos
conservatórios contra terceiros que efetuem constrições sobre o bem (CC 130),
desde que tenha sido promovido o registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Segundo
Fiuza, a norma estabelece que nas vendas a crédito ou em prestações com reserva
de domínio a estipulação da cláusula contratual não prescinde, por óbvio, da forma
escrita, e menciona, ainda, a necessidade de registro perante o Registro de
Títulos e Documentos, já previsto pelo art. 129, item 52, da Lei dos Registros
Públicos (Lei n. 6.015/73), para surtir efeitos em relação a terceiros (511,
REsp 17.546-SP).
É
firme o posicionamento jurisprudencial, reconh3ecendo os direitos de terceiro
de boa-fé: “Processo civil. I. Prova. Quem pensa ter adquirido a propriedade
plena de veículo automotor, e se vê surpreendido pela apreensão judicial do
bem, que se encontrava gravado com reserva de domínio, só precisa instruir a
ação de indenização contra o Estado com o certificado de registro fornecido,
sem qualquer ressalva, pelo Detran (STJ, 2’ T., REsp 21.503-SP, rel. MM Ari
Pargendler, 0.1 de 2941996). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
No
diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha a cláusula de
reserva de domínio é oponível erga omnes. Para tanto, exige a
lei que ao contrato seja dada a necessária publicidade mediante seu registro no
local próprio, i.é, no registro de títulos e documentos do domicílio do
comprador (Lei n. 6.015, Lei dos Registros Públicos, art. 130) (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de
domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para a estremá-la de
outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de
boa-fé.
Trilhando no caminho de Nelson Rosenvald, quando o legislador
utiliza a expressão “caracterização perfeita” para qualificar o bem objeto da
venda com reserva de domínio, procura ressaltar ser fundamental a natureza
infungível da coisa adquirida. Ou seja, o negócio jurídico inevitavelmente será
realizado com a entrega de coisa que não possa ser substituída por outa da
mesma espécie, qualidade e quantidade (CC 85), devendo ser identificada e
especializada em seus atributos essenciais. Excluem-se os bens consumíveis,
obviamente pelo seu próprio atributo de autodestruição.
O requisito da infungibilidade é determinado por algumas razoes:
a) propicia o registro do bem no cartório de títulos e documentos; b) permite a
localização e recuperação da coisa em caso de inadimplemento do comprador, por
causa de sua perfeita identificação; e c) facilita o tráfego jurídico do bem, pois
permitirá sucessivas tradições da coisa com base em sua singularidade.
A parte derradeira do artigo
em comento será de escassa aplicação, afinal dificilmente se efetivará registro
de bem fungível. Nesse caso, o terceiro adquirente será beneficiado pela boa-fé
diante da impossibilidade do vendedor de precisar as qualidades exatas da coisa
que foi transferida ao terceiro pelo comprador. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Trilhando
pelos caminhos de Nelson Rosenvald, a individualização completa e perficiente
do bem é elemento essencial para a validade da cláusula de reserva. A sua
caracterização perfeita é pressuposto necessário, de modo a distingui-la de
outras coisas do mesmo gênero ou similares.
Essa
exigência – cientifica Jefferson Daibert – é perfeitamente explicável. Aduz com
clareza: “Se o comprador se tornar inadimplente, o juiz deverá determinar a
apreensão da coisa e isto somente será possível diante de sua caracterização
detalhada”. (Jefferson Dabert, Dos contratos – parte especial das obrigações,
Rio de Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
No
diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o
direito do vendedor de se reintegrar na posse da coisa vendida mediante busca e
apreensão somente pode ser exercido se a coisa for infungível, ou seja, se ela
puder ser individualizada por meio de suas características. Se o bem não for
suscetível de individualização e, portanto, se não puder ser identificado como
aquele que foi objeto da venda, torna-se impossível ao vendedor-proprietário
busca-lo junto ao comprador ou a terceiro a quem tenha sido alienado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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