segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 524, 525, 526, continua - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 524, 525, 526, continua
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

Seguindo os ensinamentos de Nelson Rosenvald, o adimplemento é o marco para a passagem da propriedade do vendedor ao comprador. Com a entrega da última prestação, transfere-se ope legis o domínio, que antes era reservado ao vendedor. Cancela-se o registro no cartório de títulos e documentos ou no órgão de trânsito à vista do instrumento de quitação.

A condição suspensiva do pagamento não impede, todavia, que desde o tempo da contratação ocorra a tradição, eis que o comprador receberá a posse direta da coisa. Com a tradição, também se transferem os riscos da coisa ao comprador, mesmo ainda não sendo o proprietário, i.é, aplica-se o CC 492 mesmo quando da tradição não decorra a aquisição do direito real sobre coisa móvel, excepcionando-se o princípio res perito domino, tradicionalmente aplicável às obrigações de dar coisa certa (CC 237). A regra se justifica pelo fato de o comprador possuir a coisa sob a condição do pagamento, daí a necessidade de preservação da integridade e do valor do objeto, sob pena de a garantia do vendedor ser inócua

Enfim, a assunção dos riscos pela perda ou deterioração da coisa pelo comprador implica o fato de manter a obrigação de pagar a integralidade do preço mesmo que a coisa se perca na fase da execução do contrato.

O dispositivo em comento se refere à transferência dos riscos materiais do objeto, alusivos à sua configuração física. Nada obstante, a eventual discussão sobre a perda jurídica do bem ficará a cargo do vendedor, não podendo o comprador ser onerado pelos riscos da evicção da coisa que não lhe pertence. Caso a titularidade seja reclamada pelo terceiro, caberá ao comprador pleitear a devolução dos valores pagos ao vendedor.

Outrossim, na hipótese de alienação irregular da coisa pelo comprador, a defesa da propriedade pelo vendedor se efetivará mediante oposição de embargos de terceiros, à luz do CPC/1973 art. 1.046, correspondendo ao art. 674 no CPC/2015 – no Capítulo VII – Dos Embargos de Terceiro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 582- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o adquirente da coisa vendida com reserva de domínio tem a posse precária, diante da condição suspensiva do contrato, vindo somente a ter a propriedade do bem com o preço quitado, ou seja, a transferência condiciona-se ao adimplemento integral das prestações por parte do comprador. Pago o preço, obriga-se o vendedor a transferir o domínio, que se achava reservado em garantia do referido pagamento. No interregno, responde o devedor pelos riscos da coisa, a partir de sua posse, certo que, tendo-a precária à obrigação de protege-la e trata-la como se sua fosse. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, desde o momento em que o vendedor esteja entre a coisa e o comprador, e até o pagamento integral do preço, este é mero possuidor. Salvo disposição expressa, não é depositário. O comprador, em razão da posse direta sobre o bem, suporta os riscos do caso fortuito e da força maior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

No diapasão de Nelson Rosenvald, tradicionalmente, nos contratos celebrados com termo, o devedor se submete à mora ex re, i.é, a mora é automática pelo simples risco do inadimplemento da obrigação na data avençada. Contudo, em determinadas hipóteses estabelecidas pelo legislador, a constituição em mora do devedor será fundamental para a obtenção de finalidades materiais e processuais pelo comprador. É o caso do contrato de alienação fiduciária, pois, segundo o art. 3º do Decreto-lei n. 911/69, a comprovação da mora é pressuposto ao ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem.

Para a execução da cláusula de reserva de domínio, a constituição do devedor em mora é imprescindível. Perceba-se que a finalidade da norma não foi converter a mora ex re em ex persona, pois as consequências pecuniárias listadas no CC 395 são imediatas para o comprador em atraso (v.g., juros de mora), mas garantir que as pretensões exercitadas contra este sejam devidamente comprovadas pelo vendedor em seus fundamentos.

Nesse ponto contatamos sensível evolução do ordenamento, comparativamente ao antes sugerido pelo CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015. O legislador de 1973 enfatizou que somente o protesto do título executivo seria capaz de comprovar a mora. Agora, o legislador de 2002 inova substancialmente ao permitir, ao lado do protesto, a opção pela interpelação judicial, mesmo já sendo possuidor de título executivo.

Todavia, pela insegurança e precariedade do meio empregado, a interpelação extrajudicial (carta remetida pelo cartório de títulos e documentos) aqui não é permitida, em sentido contrário ao preconizado pelo parágrafo único do CC 397. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 583 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando doutrina exposta por Ricardo Fiuza, as notificações extrajudiciais de nem sempre proporcionam certeza de uma efetiva realização. Na prática, não vêm dando resultado algum, senão confusão, discussões, para, afinal, serem desprezadas nos julgados. Com os meios de comunicação ainda precários, as notificações epistolares não trazem plena certeza de seus objetivos. Por outro lado, se a lei permite a interpelação judicial aos casos de contrato em que não se vinculem títulos cambiais, e protesto quando hajam tais títulos, logo prevê ambos os casos, sem necessidade de interpelação extrajudicial, hoje obsoleta. Trata-se de mora e esta caracteriza-se, sempre, pelo protesto, interpelação e citação.

Nesse sentido, a jurisprudência sedimenta: “I – A mora do comprador de bem com reserva de domínio prova-se com o protesto do título lavrado pelo oficial do cartório competente, inexistindo exigência de que do protesto haja sido intimado pessoalmente o devedor” STJ, 3’ T., REsp 147.584-RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 3-5-1999) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Acompanhando o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, em geral, a simples transposição do termo é suficiente para constituir o devedor em mora, com todas as consequências dela provenientes. No caso da venda com reserva de domínio, excepcionalmente, o legislador exige a interpelação prévia do comprador, antes de o vendedor executar a cláusula de reserva de domínio, i.é, antes de o vendedor ajuizar ação de busca e apreensão do bem vendido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.

Acompanhando o ensinamento de Nelson Rosenvald, o ordenamento concedeu duas vias alternativas ao exercício da pretensão de direito material do vendedor cujo direito subjetivo à prestação é resistido pelo comprador.

Constituído o comprador em mora, poderá o vendedor exercer a ação de cobrança sobre as prestações vencidas e vincendas. O art. 1.070 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, já fazia referência a ela, sendo possível o ajuizamento da ação executiva (por quantia certa art. 646 do CPC/1973, este sim com correspondência no CPC/2015, art. 824 com a seguinte redação: “A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.”, se o crédito for representado por título executivo judicial.

O inadimplemento provocará o vencimento antecipado do débito, sendo lícito exigir do comprador o saldo devedor em aberto, além das despesas e prestações vincendas, para fins de cancelamento da reserva de domínio e consolidação da propriedade com o comprador que purgue a mora e integralize o valor do bem. Ou seja, a mora sanciona o comprador com a perda do benefício do prazo (CC 133).

Contudo, como titular de um direito potestativo, poderá o vendedor optar pela desconstituição do negócio jurídico por meio da recuperação da coisa vendida. Será impraticável a cumulação sucessiva de pedidos, diante da evidente incompatibilidade. Porém, é lícita a cumulação subsidiária na qual o pedido principal seja, o de cobrança das prestações e, na impossibilidade, o de recuperação da coisa. Ou seja, primeiro o vendedor demanda pela tutela específica da obrigação de dar quantia certa e, frustrado o intento, promove a resolução contratual pelo inadimplemento com a devolução da coisa. Certamente, a inversão da ordem de pedidos é incompatível com o intuito da postulação primária de recuperação da coisa, pois já anuncia o credor a inutilidade da prestação em decorrência da mora, pelo inadimplemento absoluto (Parágrafo único do CC 395). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 583 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a Doutrina de Fiuza, o vendedor tem a faculdade de optar, uma vez verificada a mora do comprador, entre reclamar seu crédito (art. 1.070 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015) ou recuperar a posse da coisa vendida, mediante apreensão liminar (CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015). O CPC de 1973 não repetiu a norma inserida no estatuto processual de 1939 (art. 343, caput, permissiva do vencimento antecipado da dívida, exigindo-se, a tanto, dispor o contrato a respeito. O CC agora autoriza, expressamente, a cobrança das prestações vincendas, pelo que se deve entender desnecessária cláusula contratual conferindo a possibilidade de ser cobrada a totalidade da dívida. É faculdade do credor arregimentar as prestações vencidas e impagas e as demais, vincendas, para a ação que lhe cabe.

Na alienação com reserva de domínio, é incabível a ação de depósito prevista no CPC/1973, art. 901, (“É invalida cláusula contratual que, em caso de mora, transforma a compra e venda em depósito” (JTARS, 83/298). sem correspondência no CPC/2015. Esta ação tem por fim exigir a restituição da coisa depositada. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973). Por igual: “Nas vendas a crédito com reserva de domínio, o credor não tem ação de depósito contra o devedor” (JTACSP-RJ, 121/100). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, em caso de não pagamento das parcelas do preço o vendedor pode, alternativamente: a) comprar as prestações vencidas e vincendas (via ação de execução, se as prestações estiverem representadas por título executivo); b) pedir a restituição da coisa vendida, com a apreensão e depósito da mesma ((CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015). Neste caso, uma vez reintegrado na posse da coisa, pode reter dos valores pagos o suficiente para cobrir a depreciação da coisa, as despesas, e o mais que lhe for devido (juros, multa, correção monetária, despesas judiciais, honorários advocatícios etc.). A resolução implica o vencimento antecipado da dívida (CC 527). O comprador que tiver pago mais de 40% do preço, quando citado, poderá requerer a purga da mora no prazo de 30 dias (CPC/1973, art. 1.071, § 2º, sem correspondência no CPC/2015). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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