segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 569, 570, 571 - continua - Da Locação de Coisas – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 569, 570, 571 - continua
- Da Locação de Coisas – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo V – Da Locação de Coisas
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 569. O locatário é obrigado:

I – a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos, conforme a natureza dala e as circunstâncias, bem como trata-la com o mesmo cuidado como se sua fosse;

II – a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar;

III – a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito;

IV – a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular.

Trocado em miúdos pelo mestre Nelson Rosenvald, o inciso I guarda simetria com o disposto no CC 561, I. sendo o locador obrigado a entregar ao locatário a coisa em estado de servir ao uso a que se destina, naturalmente incumbirá ao locatário usar e fruir do bem em atenção ao uso convencionado pelas partes ou, na falta de disposição expressa, presumido pela natureza do imóvel e atividade a ser exercitada pelo locatário. Destarte, ele atuará como bônus pater familiae, conservando a coisa como se fosse sua, a fim de que possa cumprir a derradeira obrigação de restituir a coisa como se fosse sua, a fim de que possa cumprir a derradeira obrigação de restituir a coisa no estado em que a recebeu (inciso IV).

Prosseguindo, o inciso II remete à obrigação que caracteriza o próprio modelo da locação: o pagamento do preço. O aluguel se traduz em uma obrigação de dar quantia certa, em prestações sucessivas, na época convencionada no contrato. Todavia, no silêncio da convenção, o legislador remete ao costume do lugar do pagamento. Mais ponderada nesse sentido, parece-nos a Lei do Inquilinato (art. 23 da Lei n. 8.245/91), que estabelece o prazo legal supletivo do sexto dia útil do mês seguinte ao aluguel vencido. Mas, nas locações regidas pelo Código Civil, será necessário buscar os usos e práticas do local do pagamento, que será o do local do imóvel (CC 328) ou, tratando-se de bem móvel, o domicílio do inquilino, salvo se as partes convencionarem o contrário – dívida portável (CC 327).

O inadimplemento conduz à ação de despejo na Lei n. 8.245/91. No Código Civil, a inexecução do pagamento de prestações relativas a bens móveis gera a pretensão à resolução contratual cumulada com pedido sucessivo de reintegração de posse. A pretensão de cobrança é sujeita a três prazos: a) três anos – prédios urbanos e rurais (Lei n. 8.245/91 e CC 206, § 3º, I); b) cinco anos – dívidas líquidas, constantes de instrumento público ou particular (CC 205, § 5º, I); e c) dez anos – dívidas ilíquidas ou não tituladas, conforme o prazo geral do caput do CC 205.

O inciso III traz nova hipótese de aplicação de regra de simetria. De acordo com o CC 566, II, incumbe ao locador garantir ao locatário o uso pacífico da coisa. Ora, essa tutela só será plenamente satisfeita se o locatário levar ao conhecimento do locador as agressões praticadas por terceiros contra a posse, sejam elas de direito, sejam fáticas (apesar de o dispositivo só se referir àquelas). Caso o locatário se olvide de atender à referida obrigação e houver prejuízo decorrente da agressão possessória, será lícito ao locador o pleito de desconstituição da relação jurídica, acompanhado de indenização. Em suma, não obstante possa o possuidor de direito manejar de forma autônoma os interditos possessórios, isso não exclui o dever de informação – aqui não apenas ligado ao princípio da boa-fé, mas inserido como obrigação acessória.

Por fim, o inciso IV caracteriza a obrigação última do locatário: restituir a coisa locada no estado em que a recebeu. Caso não se devolva a coisa, a posse se converte de justa a injusta pelo vício da precariedade (CC 1.200), legitimando o ajuizamento de ação de reintegração de posse. Outrossim, não basta a restituição em si, mas que a coisa mantenha dentro do possível as suas características, caso contrário o locatário será indenizado pelos prejuízos decorrentes da conduta negligente ou dolosa do locatário, excetuando-se os prejuízos provenientes do próprio desgaste normal da coisa. Em vez de perquirir perdas e danos, podem as partes ajustá-los previamente por cláusula penal (CC 411), dispensando a quantificação dos prejuízos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 617 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza cita as 5 obrigações estatuídas por lei ao locatário impostas: a) a fiel observância ao uso convencionado ou presumido da coisa locada, restrito aos fins colimados no contrato; b) a guarda da coisa com responsabilidade e diligência idênticas às que teria o seu proprietário, ou seja, como se lhe pertencesse; c) o dever de pontualidade, no implemento da obrigação em prazo acordado ou, este não ajustado conforme o costume locar; d) o dever de fazer ciente o locador sobre as turbações de direitos por pretensão de terceiros, perante as quais obriga-se aquele resguardar o locatário e e) a restituição da posse da coisa ao locador por término da locação, apresentado o bem as condições, eximindo-se, porém, o locatário, das deteriorações decorrentes de sua utilização normal. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 303 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em sua análise, Marco Túlio de Carvalho Rocha reitera obrigações por força de contrato. A prestação assumida pelo locatário no contrato é a de pagar o aluguel. Além deste dever, a lei o obriga a empregar a coisa conforme o uso ajustado, a conservá-la, a reparar os danos anormais que causar a ela, a dar conhecimento ao locador das turbações e a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvo deterioração advinda do uso normal, sob pena de sofrer ação possessória. Se a turbação da posse por terceiros materializar-se  por meio de ação judicial, é obrigado o locatário denunciar a lide ao locador, sob penas de responder por eventuais danos que este vier a sofrer em virtude da ação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 14.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 570. Se o locatário empregar a coisa em uso diverso do ajustado, ou do a que se destina, ou se ela se danificar por abuso do locatário, poderá o locador, além de rescindir o contrato, exigir perdas e danos.

O artigo alerta sobre o óbvio, como aponta Nelson Rosenvald. A norma é desnecessária, haja vista que apenas reitera a obrigação do locatário já assinalada no CC 569, I. Se ele não conceder ao bem a destinação que lhe é inerente em ração do ajuste contratual ou da própria finalidade para a qual foi concebido, permitir-se-á o exercício da ação de resolução contratual pelo locador. A norma equivocadamente utiliza o termo “rescisão”, apenas cabível aos casos em que o contrato é desfeito por um vício no objeto, já existente na origem do negócio jurídico (v.g., vício redibitório ou evicção).

De qualquer modo, a norma é uma boa amostragem da teoria do abuso do direito, na medida em que a ilicitude da conduta do locatário não deriva do exercício de uma atividade ilegal, mas da desconformidade do exercício de seu direito subjetivo com a finalidade (resultado) para a qual ele deveria ser orientado. A ilegitimidade da destinação econômica do bem revela o abuso do direito a teor do CC 187). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 617 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Correspondendo ao caput do art. 1.193 do CC de 1916, como aduz Ricardo Fiuza, o desvio de uso da coisa locada implica modificar a destinação compatível que lhe seria dada em razão da avença e configura infração legal e contratual a permitir a rescisão do contrato, autorizando, ainda, indenização por perdas e danos. O mesmo ocorrerá por abuso de gozo ~p locatário que provoque danos à coisa, que se obriga restituir no estado em que foi recebida. Trata-se de deterioração culposa, respondendo o locatário por infringência ao disposto no CC 569, IV. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 303 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ratificando os comentários até aqui expostos, Marco Túlio de Carvalho Rocha repete que, utilizar a coisa de modo diverso daquele que consta no ajuste configura descumprimento contatual. Todo e qualquer descumprimento grave dá à parte prejudicada o direito de rescindir o contrato. Mesmo que não seja grave o descumprimento dá ao prejudicado o direito de cobrar indenização ao infrator. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 14.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 571. Havendo prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão pagando, proporcionalmente a multa prevista no contrato.

Parágrafo único. O locatário gozará do direito de retenção, enquanto não for ressarcido.

Como expõe Nelson Rosenvald, aqui o legislador permite a resilição unilateral do contrato (CC 473) – tanto pelo locador como pelo locatário – que será exercitada mediante a denúncia notificada à outra parte. Note-se que o direito potestativo será exercitado mesmo na vigência de contrato com termo. Porém será o denunciante sancionado com a imposição de perdas e danos decorrentes da antecipação do prazo originário da relação jurídica.

Certamente, as partes determinam a cláusula penal compensatória, prefixando as perdas e danos para o caso de eventual exercício do direito extintivo de resilição. Dispensa-se a prova do dano, pois ele será o valor formalizado pelos contratantes. Todavia, o CC 413 atende à diretriz da concretude e dispõe que a penalidade será reduzida equitativamente (não mais (proporcionalmente”) pelo magistrado se a obrigação principal tiver sido cumprida parcialmente. Vale dizer que, se a denúncia unilateral for praticada em data mais próxima ao termo contratual, o juiz observará as condições econômicas das partes e as peculiaridades do contrato para encontrar um valor adequado para a multa compensatória. Exemplificando: na locação de um bem móvel por vinte meses, a resilição concretizada no segundo mês será apurada de forma diversa daquela ocorrida apenas no décimo quinto mês. Aqui o prejuízo do locador será menor, pois praticamente alcançou a vantagem econômica do contrato, sendo reduzido o prejuízo diante da denúncia produzida pelo locatário. Todo esse raciocínio é válido para a resilição unilateral por parte do locador.

Lembre-se de que nas locações de imóveis urbanos é vedada ao locador a possibilidade de reaver o imóvel antes do prazo convencionado pelas partes ou pela lei – trinta meses -, pois o direito à resilição unilateral é exclusivo do locatário (Lei n. 8.245/91 art. 4º). Note-se que a vedação só se aplica à lei especial locatícia e não ao Código Civil por uma singela razão: o Código Civil é a lei dos iguais e a Lei do Inquilinato é o estatuto dos desiguais, pois pretende conceder maior tutela ao vulnerável, que, em nossa ordem econômica, é aquele que procura pela residência urbana diante da carência de meios de obtenção da “casa própria”, sem se omitir do direito fundamental social à moradia (CF, 6º).

Por fim, o parágrafo único concerne à faculdade do locatário de exercitar o direito de retenção sobre a coisa enquanto não for indenizado. Vale dizer: o locatário poderá manter o bem consigo – mesmo se o locador quiser exercitar o direito potestativo extintivo – como garantia de indenização pelos prejuízos resultantes da prematura extinção do contrato. O não exercício do direito de retenção e a imediata devolução da coisa não impedem que o locatário ajuíze a ação de cobrança pelos aludidos prejuízos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 618 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como entende Ricardo Fiuza, a finalidade buscada e efetivamente alcançada foi a de adequar o texto do projeto à Lei do Inquilinato que lhe foi posterior e contém fórmula mais justa. A emenda compatibilizou o dispositivo codificado com o art. 4º da Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), sancionada posteriormente à elaboração do projeto, tendo sido fruto de sugestão do Prof. Miguel Reale. Tem razão o Relator no Senado quando afirma que “a nova fórmula, mais justa, exige, no caso de devolução antecipada do imóvel, o pagamento proporcional da multa prevista no contrato, e não o excessivo rigor de pagamento do aluguel pelo tempo que faltar, do contrato desfeito, como no regime anterior”. Corresponde ao art. 1.193, parágrafo único do CC de 1916, com a modificação referida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 303 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha estendida, não há prazo máximo para a locação. Na locação por prazo determinado nenhuma das partes pode desvincular-se antes do prazo, sob pena de multa proporcional.

A redação do dispositivo é ambígua e levou parte da doutrina a ver nela uma autorização às partes para a rescisão antecipada do contrato. Neste sentido: Clóvis Bevilaqua, Costa Loures, Sylvio Capanema de Souza (este, embora veja nesta faculdade violação da boa-fé objetiva). De outro lado, entendem que o CC 571 somente fixa sanção para o descumprimento do dever estabelecido no CC 566, II: J. M. Carvalho Santos, Caio Mario e Orlando Gomes. Em comparação aos dois comentários anteriores, Rosenvald e Fiuza, na observação de VG, inexiste a discrepância aqui aduzida.

Razão assiste aos que entendem que o CC 571 não autoriza a rescisão antecipada. O princípio da obrigatoriedade dos contratos estabelece que os pactos devem ser obedecidos. O credor tem a faculdade de exigir que o devedor cumpra o avençado e, diante de resistência, pode força-lo a tanto, se a natureza da obrigação o permitir. Em regra, o direito à indenização é alternativa ao contratante lesado pela violação cometida pela contraparte. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 14.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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