Direito Civil Comentado
- Art. 569, 570, 571 - continua
- Da
Locação de Coisas – VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo V – Da Locação de
Coisas
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 569.
O
locatário é obrigado:
I – a
servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos, conforme
a natureza dala e as circunstâncias, bem como trata-la com o mesmo cuidado como
se sua fosse;
II – a
pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste,
segundo o costume do lugar;
III – a
levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam
fundadas em direito;
IV – a
restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as
deteriorações naturais ao uso regular.
Trocado em miúdos pelo
mestre Nelson Rosenvald, o inciso I guarda simetria com o disposto no CC 561,
I. sendo o locador obrigado a entregar ao locatário a coisa em estado de servir
ao uso a que se destina, naturalmente incumbirá ao locatário usar e fruir do
bem em atenção ao uso convencionado pelas partes ou, na falta de disposição
expressa, presumido pela natureza do imóvel e atividade a ser exercitada pelo locatário.
Destarte, ele atuará como bônus pater familiae, conservando a coisa como
se fosse sua, a fim de que possa cumprir a derradeira obrigação de restituir a
coisa como se fosse sua, a fim de que possa cumprir a derradeira obrigação de
restituir a coisa no estado em que a recebeu (inciso IV).
Prosseguindo, o inciso
II remete à obrigação que caracteriza o próprio modelo da locação: o pagamento
do preço. O aluguel se traduz em uma obrigação de dar quantia certa, em
prestações sucessivas, na época convencionada no contrato. Todavia, no silêncio
da convenção, o legislador remete ao costume do lugar do pagamento. Mais ponderada
nesse sentido, parece-nos a Lei do Inquilinato (art. 23 da Lei n. 8.245/91),
que estabelece o prazo legal supletivo do sexto dia útil do mês seguinte ao
aluguel vencido. Mas, nas locações regidas pelo Código Civil, será necessário buscar
os usos e práticas do local do pagamento, que será o do local do imóvel (CC
328) ou, tratando-se de bem móvel, o domicílio do inquilino, salvo se as partes
convencionarem o contrário – dívida portável (CC 327).
O inadimplemento conduz
à ação de despejo na Lei n. 8.245/91. No Código Civil, a inexecução do
pagamento de prestações relativas a bens móveis gera a pretensão à resolução
contratual cumulada com pedido sucessivo de reintegração de posse. A pretensão de
cobrança é sujeita a três prazos: a) três anos – prédios urbanos e rurais (Lei
n. 8.245/91 e CC 206, § 3º, I); b) cinco anos – dívidas líquidas, constantes de
instrumento público ou particular (CC 205, § 5º, I); e c) dez anos – dívidas ilíquidas
ou não tituladas, conforme o prazo geral do caput do CC 205.
O inciso III traz nova hipótese
de aplicação de regra de simetria. De acordo com o CC 566, II, incumbe ao
locador garantir ao locatário o uso pacífico da coisa. Ora, essa tutela só será
plenamente satisfeita se o locatário levar ao conhecimento do locador as agressões
praticadas por terceiros contra a posse, sejam elas de direito, sejam fáticas
(apesar de o dispositivo só se referir àquelas). Caso o locatário se olvide de
atender à referida obrigação e houver prejuízo decorrente da agressão possessória,
será lícito ao locador o pleito de desconstituição da relação jurídica,
acompanhado de indenização. Em suma, não obstante possa o possuidor de direito
manejar de forma autônoma os interditos possessórios, isso não exclui o dever
de informação – aqui não apenas ligado ao princípio da boa-fé, mas inserido
como obrigação acessória.
Por fim, o inciso IV caracteriza a
obrigação última do locatário: restituir a coisa locada no estado em que a
recebeu. Caso não se devolva a coisa, a posse se converte de justa a injusta
pelo vício da precariedade (CC 1.200), legitimando o ajuizamento de ação de
reintegração de posse. Outrossim, não basta a restituição em si, mas que a
coisa mantenha dentro do possível as suas características, caso contrário o
locatário será indenizado pelos prejuízos decorrentes da conduta negligente ou
dolosa do locatário, excetuando-se os prejuízos provenientes do próprio desgaste
normal da coisa. Em vez de perquirir perdas e danos, podem as partes ajustá-los
previamente por cláusula penal (CC 411), dispensando a quantificação dos
prejuízos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 617 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Em sua doutrina, Ricardo Fiuza cita as 5 obrigações estatuídas por
lei ao locatário impostas: a) a fiel observância ao uso convencionado ou
presumido da coisa locada, restrito aos fins colimados no contrato; b) a guarda
da coisa com responsabilidade e diligência idênticas às que teria o seu
proprietário, ou seja, como se lhe pertencesse; c) o dever de pontualidade, no
implemento da obrigação em prazo acordado ou, este não ajustado conforme o costume
locar; d) o dever de fazer ciente o locador sobre as turbações de direitos por pretensão
de terceiros, perante as quais obriga-se aquele resguardar o locatário e e) a
restituição da posse da coisa ao locador por término da locação, apresentado o
bem as condições, eximindo-se, porém, o locatário, das deteriorações
decorrentes de sua utilização normal. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 303 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em sua
análise, Marco Túlio de Carvalho Rocha reitera obrigações por força de contrato. A
prestação assumida pelo locatário no contrato é a de pagar o aluguel. Além deste
dever, a lei o obriga a empregar a coisa conforme o uso ajustado, a conservá-la,
a reparar os danos anormais que causar a ela, a dar conhecimento ao locador das
turbações e a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvo
deterioração advinda do uso normal, sob pena de sofrer ação possessória. Se a
turbação da posse por terceiros materializar-se
por meio de ação judicial, é obrigado o locatário denunciar a lide ao
locador, sob penas de responder por eventuais danos que este vier a sofrer em
virtude da ação. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 14.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 570. Se o locatário empregar a coisa em
uso diverso do ajustado, ou do a que se destina, ou se ela se danificar por
abuso do locatário, poderá o locador, além de rescindir o contrato, exigir
perdas e danos.
O artigo alerta sobre o óbvio, como aponta Nelson Rosenvald. A norma
é desnecessária, haja vista que apenas reitera a obrigação do locatário já assinalada
no CC 569, I. Se ele não conceder ao bem a destinação que lhe é inerente em
ração do ajuste contratual ou da própria finalidade para a qual foi concebido,
permitir-se-á o exercício da ação de resolução contratual pelo locador. A norma
equivocadamente utiliza o termo “rescisão”, apenas cabível aos casos em que o
contrato é desfeito por um vício no objeto, já existente na origem do negócio jurídico
(v.g., vício redibitório ou evicção).
De qualquer modo, a norma é
uma boa amostragem da teoria do abuso do direito, na medida em que a ilicitude
da conduta do locatário não deriva do exercício de uma atividade ilegal, mas da
desconformidade do exercício de seu direito subjetivo com a finalidade
(resultado) para a qual ele deveria ser orientado. A ilegitimidade da destinação
econômica do bem revela o abuso do direito a teor do CC 187). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 617 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Correspondendo ao caput do art. 1.193 do CC de 1916, como
aduz Ricardo Fiuza, o desvio de uso da coisa locada implica modificar a destinação
compatível que lhe seria dada em razão da avença e configura infração legal e
contratual a permitir a rescisão do contrato, autorizando, ainda, indenização por
perdas e danos. O mesmo ocorrerá por abuso de gozo ~p locatário que
provoque danos à coisa, que se obriga restituir no estado em que foi recebida. Trata-se
de deterioração culposa, respondendo o locatário por infringência ao disposto
no CC 569, IV. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 303 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 14/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Ratificando
os comentários até aqui expostos, Marco Túlio de Carvalho Rocha repete que, utilizar a coisa
de modo diverso daquele que consta no ajuste configura descumprimento
contatual. Todo e qualquer descumprimento grave dá à parte prejudicada o
direito de rescindir o contrato. Mesmo que não seja grave o descumprimento dá
ao prejudicado o direito de cobrar indenização ao infrator. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 14.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 571. Havendo prazo estipulado à duração do
contrato, antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão
ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la
ao locador, senão pagando, proporcionalmente a multa prevista no contrato.
Parágrafo único. O locatário gozará do direito de retenção,
enquanto não for ressarcido.
Como expõe Nelson Rosenvald, aqui o legislador permite a resilição
unilateral do contrato (CC 473) – tanto pelo locador como pelo locatário – que será
exercitada mediante a denúncia notificada à outra parte. Note-se que o direito
potestativo será exercitado mesmo na vigência de contrato com termo. Porém será
o denunciante sancionado com a imposição de perdas e danos decorrentes da antecipação
do prazo originário da relação jurídica.
Certamente, as partes determinam a cláusula penal compensatória,
prefixando as perdas e danos para o caso de eventual exercício do direito
extintivo de resilição. Dispensa-se a prova do dano, pois ele será o valor
formalizado pelos contratantes. Todavia, o CC 413 atende à diretriz da
concretude e dispõe que a penalidade será reduzida equitativamente (não mais
(proporcionalmente”) pelo magistrado se a obrigação principal tiver sido cumprida
parcialmente. Vale dizer que, se a denúncia unilateral for praticada em data
mais próxima ao termo contratual, o juiz observará as condições econômicas das
partes e as peculiaridades do contrato para encontrar um valor adequado para a
multa compensatória. Exemplificando: na locação de um bem móvel por vinte
meses, a resilição concretizada no segundo mês será apurada de forma diversa
daquela ocorrida apenas no décimo quinto mês. Aqui o prejuízo do locador será
menor, pois praticamente alcançou a vantagem econômica do contrato, sendo
reduzido o prejuízo diante da denúncia produzida pelo locatário. Todo esse
raciocínio é válido para a resilição unilateral por parte do locador.
Lembre-se de que nas locações de imóveis urbanos é vedada ao
locador a possibilidade de reaver o imóvel antes do prazo convencionado pelas
partes ou pela lei – trinta meses -, pois o direito à resilição unilateral é
exclusivo do locatário (Lei n. 8.245/91 art. 4º). Note-se que a vedação só se
aplica à lei especial locatícia e não ao Código Civil por uma singela razão: o
Código Civil é a lei dos iguais e a Lei do Inquilinato é o estatuto dos
desiguais, pois pretende conceder maior tutela ao vulnerável, que, em nossa
ordem econômica, é aquele que procura pela residência urbana diante da carência
de meios de obtenção da “casa própria”, sem se omitir do direito fundamental
social à moradia (CF, 6º).
Por fim, o parágrafo único concerne
à faculdade do locatário de exercitar o direito de retenção sobre a coisa enquanto
não for indenizado. Vale dizer: o locatário poderá manter o bem consigo – mesmo
se o locador quiser exercitar o direito potestativo extintivo – como garantia
de indenização pelos prejuízos resultantes da prematura extinção do contrato. O
não exercício do direito de retenção e a imediata devolução da coisa não impedem
que o locatário ajuíze a ação de cobrança pelos aludidos prejuízos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 618 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 14/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Como entende Ricardo Fiuza, a finalidade buscada e efetivamente
alcançada foi a de adequar o texto do projeto à Lei do Inquilinato que lhe foi
posterior e contém fórmula mais justa. A emenda compatibilizou o dispositivo
codificado com o art. 4º da Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), sancionada
posteriormente à elaboração do projeto, tendo sido fruto de sugestão do Prof.
Miguel Reale. Tem razão o Relator no Senado quando afirma que “a nova fórmula,
mais justa, exige, no caso de devolução antecipada do imóvel, o pagamento proporcional
da multa prevista no contrato, e não o excessivo rigor de pagamento do
aluguel pelo tempo que faltar, do contrato desfeito, como no regime anterior”.
Corresponde ao art. 1.193, parágrafo único do CC de 1916, com a modificação
referida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 303 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 14/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha estendida, não há prazo
máximo para a locação. Na locação por prazo determinado nenhuma das partes pode
desvincular-se antes do prazo, sob pena de multa proporcional.
A redação do dispositivo é ambígua e levou parte da
doutrina a ver nela uma autorização às partes para a rescisão antecipada do
contrato. Neste sentido: Clóvis Bevilaqua, Costa Loures, Sylvio Capanema de Souza
(este, embora veja nesta faculdade violação da boa-fé objetiva). De outro lado,
entendem que o CC 571 somente fixa sanção para o descumprimento do dever
estabelecido no CC 566, II: J. M. Carvalho Santos, Caio Mario e Orlando Gomes.
Em comparação aos dois comentários anteriores, Rosenvald e Fiuza, na observação de VG, inexiste a discrepância aqui aduzida.
Razão assiste
aos que entendem que o CC 571 não autoriza a rescisão antecipada. O princípio
da obrigatoriedade dos contratos estabelece que os pactos devem ser obedecidos.
O credor tem a faculdade de exigir que o devedor cumpra o avençado e, diante de
resistência, pode força-lo a tanto, se a natureza da obrigação o permitir. Em regra,
o direito à indenização é alternativa ao contratante lesado pela violação
cometida pela contraparte. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 14.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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