Direito Civil Comentado
- Art. 579, 580, 581 - continua
- Do
Empréstimo – Do Comodato - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo VI – Do Empréstimo -
Seção I –
Do
Comodato - vargasdigitador.blogspot.com -
Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito
de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.
Na linguagem vulgar, como aponta Nelson Rosenval, o termo
empréstimo compreende a entrega de um objeto a alguém, que assume a obrigação
de restituí-lo em determinado prazo. No sentido jurídico, o contrato de
empréstimo é um modelo que acolhe duas modalidades contratuais: o comodato e o mútuo.
Apesar da finalidade idêntica, no comodato há um empréstimo de
uso, pois a restituição da coisa móvel ou imóvel infungível se faz (in
natura), já o mútuo é um empréstimo de consumo, transmitindo-se a
propriedade de coisa fungível, com a obrigação do mutuário de restituir coisa
do mesmo gênero, qualidade e quantidade (CC 85), já que as coisas fungíveis não
podem ser utilizadas sem que isso implique em perecimento.
O comodato é um negócio jurídico gratuito. A gratuidade deriva do
próprio nome commodum datum, importando em uma comodidade ou proveito
para o beneficiário. Porém difere da doação, diante da temporariedade que lhe é
ínsita, já que o bem infungível e inconsumível será objeto de restituição após
determinado tempo de uso. Se houvesse retribuição em favor do comodante,
estaríamos diante de uma locação. Mesmo que incida um encargo sobre o comodato
(v.g., ter o comodatário de entregar 10 litros de leite semanais a uma
creche) ou deva o comodatário arcar com determinadas despesas, mantém-se a
gratuidade, eis que tais gastos não configuram contraprestações, mas meras
restrições à liberalidade.
Também é contrato unilateral, eis que só há obrigação para o
comodatário, qual seja: restituir a coisa. Não há obrigação para o comodante de
entregar o bem, pois, sendo contrato real, a tradição é elemento constitutivo
do negócio jurídico, verdadeiro pressuposto de existência do comodato. Assim, a
promessa de comodato será considerada como contrato preliminar, cujo
descumprimento da obrigação de entregar ensejará indenização por perdas e
danos, à luz do CC 465. Parece-nos inviável a execução específica do contrato
preliminar, diante da gratuidade e pessoalidade do negócio jurídico.
Da gratuidade se infere ainda o caráter intuitu personae do
comodato, tendo em vista que o comodante celebra o empréstimo em atenção às
qualidades pessoais do comodatário. Por isso, não se transfere aos herdeiros,
nem pode ser objeto de cessão sem o consentimento do comodante.
Outrossim, o fato de o comodato ser gratuito provoca consequências
em nível de responsabilidade civil. Conforme se infere do CC 392, o comodante –
a quem o contrato não aproveita – só responde por danos causados a terceiros
emanados do imóvel se houver agido dolosamente e não culposamente, como nos
contratos onerosos.
O contrato de comodato é
informal e não solene, admitindo-se mesmo a forma verbal, apesar de ser
aconselhável que se reduza à forma escrita – ad probationem – até mesmo para
que não existam dúvidas sobre a realização de um contrato e não uma mera
permissão ou tolerância, o que retiraria do comodatário a condição de
possuidor, convertendo-o em mero detentor (CC 1.208). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 624- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/10/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Tratando-se de mera repetição do artigo 1.248 do CC de 1916,
Ricardo Fiuza aponta em sua doutrina, que os contratos de empréstimo são dois,
nas suas espécies: comodato e mútuo. São contratos reais, i.é, aperfeiçoam-se
pela entrega do objeto ou da coisa mutuada. A dissimilitude entre eles, para
melhor ideia conceitual, é exposta, com acuidade, por Darcy Arruda Miranda. Diz
ele: “o comodato é empréstimo de uso, abrangendo coisas móveis e imóveis, e o
mútuo é empréstimo de consumo, que exige a transferência da propriedade ao
mutuário, que fica com a faculdade de consumi-la. o mutuante deve ser dono da
coisa mutuada para poder transferir o domínio. O mútuo pode ser gratuito ou
oneroso e o comodato e sempre gratuito”. Na precisa lição, recolhe-se a
distinção específica. Enquanto no comodato, é a própria coisa emprestada que
deve ser devolvida; no mútuo efetua-se a devolução em coisa do mesmo gênero,
qualidade e quantidade (CC 586). Anote-se, por ouro lado, a análise feita por
Agostinho Alvim em sua Exposição Complementar, destacando haver o CC/2002
alterado a presunção de gratuidade do mútuo, “atendendo a que o anteprojeto
regula a matéria civil e também a comercial”. Nesse sentido, conferir o CC 591.
O comodato (commodum datum, ou seja, dado para cômodo e
proveito), empréstimo de uso, é o contrato unilateral, essencialmente
não oneroso, pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa móvel ou
imóvel infungível, para que dela disponha em proveito, por período determinado
ou não, devendo retomá-la ao comodante, quando findo o prazo do contrato ou ele
tenha o seu término. É o que deflui da definição de Clóvis Beviláqua: “...
contrato gratuito, pelo qual alguém entrega a outrem alguma coisa infungível,
para que dela se utilize, gratuitamente, e a restitua, depois”.
Contrato gratuito reclama a entrega da coisa infungível por
objeto, nele contida a obrigação de restituí-la ao depois, e realizado sem
forma solene é, de regra, intuitu personae. (Darcy Arruda Miranda, Anotações
ao Código Civil brasileiro, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, v. 3
(p. 352); Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
comentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917, v. 4 (p. 433); Arnaldo
Marmitt, Comodato, Rio de Janeiro, Aide, 1991; Maria Helena Diniz, Curso
de direito civil brasileiro; teoria das obrigações contratuais e extracontratuais,
16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3; Ney de Melo Almada, Comodato, in
Contratos inominados – doutrina e jurisprudência, coor. Youssef Said
Cahali, São Paulo, Saraiva, 1995 (p. 401-30); Arnoldo Wald, Curso de direito
civil brasileiro; obrigações e contratos, 14 ed., São Paulo, revista dos
Tribunais, 2000; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil,
4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3; José Lopes de Oliveira, Contratos,
Recife, Livrotécnica,, 1978; Silvio Rodrigues, Direito civil; dos
contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27 ed., São Paulo,
Saraiva, 2000, v. 3., Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil;
direito das obrigações, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2; AH Ferreira
de Queiroz, Direito civil; direito das obrigações, Goiânia, Editora
Jurídica IEPC, 1999. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 309 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho
Rocha, comodato é o empréstimo de coisas infungíveis. É contrato unilateral,
gratuito, real e de duração. São partes o comodante e o comodatário.
Tal como na locação, o comodante não precisa ser
proprietário da coisa, basta que possua o direito de uso e não lhe seja vedado
transferi-lo. Os administradores de bens de incapazes não podem dá-los em
comodato, salvo autorização judicial. As pessoas casadas dependem de
autorização conjugal para dar em comodato bens comuns (CC 1.663, § 2º)
Por
ser contrato real, somente se aperfeiçoa com a entrega da coisa ao comodatário.
Antes da entrega, o contrato tem força de contrato preliminar (pactum de
commodando). Somente bens infungíveis, moveis ou imóveis, podem ser
objeto de comodato, pois o tomador desta modalidade de empréstimo obriga-se a devolver a
própria coisa recebida do comodante. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 21.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 580. Os tutores, curadores e em geral
todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem
autorização especial, os bens confiados à sua guarda.
Conforme ensinamentos de Nelson Rosenvald, só poderá figurar na
condição de comodante aquele que possuir capacidade de fato, i.é, aptidão
pessoal para a prática de negócios jurídicos patrimoniais. Os absoluta e
relativamente incapazes (CC 3º e 4º) serão representados e assistidos.
Todavia, para o comodato não é suficiente que a capacidade fática
seja suprida pela representação. Pede-se também a legitimação, que significa a
aptidão para dispor em determinado negócio jurídico. Aqui, os tutores e
curadores necessitarão de autorização judicial para a configuração da
legitimação. A exigência de alará judicial (e da oitiva do MP como custos
legis) se explica pela preservação da indenidade patrimonial do incapaz.
À primeira vista, os CC 1.749, II e 1.781, inviabilizariam o
comodato, mesmo com autorização judicial. Todavia, impedem eles apenas a
disposição gratuita de bens do incapaz (e do pródigo por extensão do CC 1.782).
no comodato, ao contrário da doação, não há disposição, mas empréstimo, cujo
traço distintivo é a temporariedade aliás, muitas vezes o empréstimo pode
servir aos interesses do hipossuficiente, beneficiando um parente ou aliviando
os seus gastos com a conservação da coisa.
Por fim, lembre-se de que
não apenas o proprietário pode dar a coisa em comodato como também é lícita a
iniciativa por parte de um detentor de direito real ou obrigacional sobre o
bem, como um usufrutuário (CC 1.393), superficiário (CC 1.372) ou locatário
(art. 13 da Lei n. 8.245/91). Em tais casos, o desdobramento da posse se acentuará,
pois haverá uma só posse direta (comodatário) e duas ou mais posses indiretas
(proprietário e comodantes). Contudo, acreditamos que o comodatário não poderá
desdobrar o comodato, não apenas pela ausência de autorização legal como pela
própria índole personalíssima da relação originária. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 625- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, os cuidados da
lei pretendem prevenir exorbitância de atribuições daqueles a quem são os bens
confiados à sua guarda por força de um múnus legal ou convencional. Os
administradores de bens alheios não podem, por isso, cede-lo em comodato, cujo
exercício apenas favorece o comodatário. Arnaldo Marmnútt salienta a teleologia
da norma explicando decorrer da vedação, sem o assentimento judicial, do
caráter de gratuidade de que se reveste o comodato. De fato. A não-onerosidade
importa em vantagem quase sempre exclusiva daquele que recebe a coisa por
empréstimo gratuito. Desse modo, limitada a administração em geral aos atos a ela
inerentes, deles não se cuidando a outorga de comodato, resulta uma
inabilitação legal do administrador para a cessão aqui tratada. (Arnaldo
Mamnútt, Comodxtto, Rio de Janeiro, Aide, 1991 (p. 44) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 310 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 21/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No
magistério de Marco Túlio de Carvalho Rocha, comodato é contrato que, em geral, somente
beneficia uma das partes, a que recebe a coisa, para usá-la durante algum
tempo. A princípio, do comodato não surgem vantagens para o comodante e, por
esta razão, a lei veda que administradores de bens alheios realizem o comodato
destes bens “sem autorização especial”. A autorização especial pode ser
declaração autônoma daquele cujos bens são administrados ou autorização
judicial, quando se tratar de bens de incapazes. Há inúmeras circunstâncias que
tornam o contrato vantajoso para o comodante, como a transferência de despesas
de manutenção da coisa e a vigilância da mesma em virtude do próprio contrato.
Tais benefícios são indiretos e não configuram contraprestação, razão pela qual
o contrato é sempre unilateral e gratuito. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 21.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 581. Se o comodato não tiver prazo
convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo
o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz,
suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo
convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.
Como aponta Nelson Rosenvald, nos comodatos com prazo, não há
controvérsias. Alcançado o termo contratual, a devolução se impõe sob pena de
transformação da posse direta e justa em injusta pela precariedade (CC 1.200).
Incidindo o esbulho pela recusa da restituição da coisa, poderá o comodante
ajuizar ação de reintegração de posse. É de bom alvitre que seja ajuizada ação
até trinta dias após o alcance do prazo, pois, sendo o mesmo superado,
presumir-se-á que houve a prorrogação da avença, sendo necessária a
interpelação do comodatário para a propositura de demanda.
Já nos contratos sem prazo, poderia em princípio parecer simples a
retomada da coisa, sendo bastante a interpelação do comodatário pelo princípio
da satisfação imediata (CC 331). Todavia, se imaginarmos o comodato de um
imóvel rural, concedido em atenção às necessidades econômicas do comodatário,
alcançaríamos o absurdo se admitíssemos a possibilidade de resilição unilateral
do contrato a qualquer tempo.
Por isso, a norma enfatiza que, na ausência do prazo convencional,
o termo moral será o necessário para o alcance das finalidades do uso
concedido. Voltando ao exemplo da fazenda, no mínimo um ano para o plantio e a
colheita da safra. Tempo de restituição inferior implicaria lesão ao princípio
da boa-fé objetiva pelo abuso do direito potestativo de resilição contratual.
Temos, portanto, uma hipóteses que lembra aquela genericamente prevista para o
exercício da denúncia (CC 473, parágrafo único), com a diferença de que o
comodatário não precisa demonstrar que efetuou “investimentos consideráveis”
para a execução do contrato, o que atentaria contra a própria lógica do
instituto.
Todavia, a parte final do
dispositivo excepciona a regra geral quando o comodante demonstrar uma
necessidade imprevisível e urgente para a retomada, que convença o magistrado a
suspender o uso e gozo da coisa emprestada. Poderíamos cogitar do comodante que
perde o emprego, provando que a única forma de sustento será a obtenção dos
frutos do imóvel concedido em comodato. Aqui o juiz antecipará a tutela em ação
de denúncia do comodato. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 626- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Repetindo a mesma redação do projeto, de acordo com Ricardo Fiuza,
o artigo repete o artigo 1.250 do CC de 1916. Necessidade imprevista e urgente
permita todavia, o comodante demandar a coisa sob empréstimo, antes do tempo
próprio, quer o convencional, quer o que se determine pelo uso outorgado. A
recuperação antecipada funda-se, a rigor, em razões sérias e supervenientes,
imprevisíveis ao tempo da outorga sujeita a uma cognição judicial como tal
proclamadas. Em se tratando de prazo indeterminado, porém, tem a jurisprudência
se inclinado a entender dispensável a justificativa de necessidades imprevistas
e urgentes. Nesse sentido: STI, 4~ 1., REsp 236.454-MG, DI de 11-6-2001.
“Aqui colidem dois interesses. O do comodatário, que gratuitamente
utiliza a coisa de outrem, e o do comodante, que, por não poder prever uma
necessidade urgente, deu de empréstimo coisa que agora lhe faz falta. É
evidente que a lei deve preferir o interesse do comodante, que é dono” (Silvio
Rodrigues, Direito ei vil; dos contratos e das declarações unilaterais da
vontade, 27 ed., são Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 247-8).
No raciocínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o
comodato por prazo indeterminado pode ser rescindido por qualquer das partes a
qualquer tempo. Segundo o princípio da boa-fé objetiva, concretizado no
dispositivo comentado, deve ser respeitado prazo razoável para que o
comodatário possa usufruir a coisa.
Se
por prazo determinado, ambas as partes devem respeitá-lo. Por se tratar de
contrato benéfico, que favorece o comodatário, o dispositivo permite que o
comodante retome a coisa antes de vencido o prazo em caso de necessidade
imprevista e urgente. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 21.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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