segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 613, 614, 615 - continua - Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 613, 614, 615 - continua
- Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VIII – Da Empreitada -
(art. 610 a 626) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 613. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.

Ensina Nelson Rosenvald que, da mesma forma que o dono da obra assume riscos pelos materiais entregues ao empreiteiro na modalidade da empreitada de lavor, este correrá o risco da não percepção de sua remuneração em caso de perecimento da coisa antes da entrega.

Vale dizer que, se o perecimento não resultar de culpa de nenhuma das partes, mas do fortuito, haverá a resolução da relação contratual, com a restituição das partes ao estado anterior, tendo o dono da obra de arcar com a perda dos materiais e o empreiteiro perdendo a remuneração. Incide aqui uma concretização da primeira parte do CC 234.

Porém, provando o empreiteiro que o perecimento resultou de defeito dos materiais remetidos pelo dono da obra, além de comprovadamente tê-lo advertido sem que este adotasse medidas preventivas, receberá o primeiro a sua remuneração.

Nesse caso, duas soluções são possíveis: primeiro, premiar o empreiteiro por seu zelo com a atividade exercitada e pelo cumprimento do dever anexo de informação, além de punir o dono da obra pela desídia no trato com a  empreitada; segundo, sendo constatado o vício redibitório nos produtos e, assim, impossibilitada a verificação prévia quanto ao déficit qualitativo dos materiais pelo empreiteiro, também será ele remunerado, já que o dono da obra lhe garantirá isso em face das coisas que tornem impróprio o produto ao uso, sendo o vício concomitante ao tempo da sua aquisição.

Ressalva o dispositivo a hipótese de perecimento da coisa pelo fortuito no caso de mora accipiendi. Aí não se discute a necessidade de preservação da remuneração do empreiteiro diante da expansão de responsabilidade do credor provocada pela sua recusa injustificada em receber a obra (CC 400). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 646 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, defronta-se o legislador a regular sobre o perecimento da coisa, antes de sua entrega ao dono da obra, sem ele se achar incurso em mora e inexistindo culpa do empreiteiro. Este, porém, fica obrigado, para efeito de perceber a remuneração devida pela mão de obra, a provar a causa do perecimento do fato da quantidade insuficiente ou da má qualidade ou defeito dos materiais usados, e que, a par disso, houve em tempo hábil reclamado sobre tais deficiências.

Reconhecido o direito do empreiteiro em receber a retribuição, porquanto o perecimento tenha resultado dos fatos por ele denunciado sobreleva anotar acerca do valor da remuneração. Na doutrina de Maria Helena Diniz, “se a perda resultou da má qualidade do material, o empreiteiro terá direito à remuneração avençada” (Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 16 ed. São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 257) Entenda-se, em minúcia: até o nível em que a obra fora executada (RT 254/486), o que corresponde à justa retribuição.

Jurisprudência: “Responsabilidade do engenheiro. Desabamento de prédio em construção. Embora somente concorrendo com o serviço, e recebendo do dono da obra os materiais a serem empregados, o engenheiro contratado para elaborar o projeto e fiscalizar a construção é civilmente responsável pelo evento danoso, pois era de seu dever examinar os materiais empregados, tais como os tijolos, e recusá-los se frágeis ou defeituosos” (STJ, 4’ T., REsp 8.410-SP, rel. Mm Athos Carneiro, DJ de 9-12-1991). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 329 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A regra res perit domino regula a distribuição dos riscos também na empreitada de lavor, como ensina a palavra de Marco Túlio de Carvalho Rocha. A propriedade dos materiais é do dono da obra. Portanto, nenhuma responsabilidade tem o empreiteiro pela perda da coisa por caso fortuito ou por força maior. Fica, no entanto, sem direito à retribuição, uma vez que a ausência de culpara do dono da obra não permite que este seja obrigado a pagar pelo que não irá receber.

A parte final do dispositivo segue a regra geral de responsabilizar a parte que culposamente impossibilitou o cumprimento do contrato: se os materiais entregues pelo dono da obra não atenderem à qualidade e à quantidade necessárias ao serviço, a este deve ser imputada a responsabilidade por indenizar os prejuízos sofridos pelo empreiteiro.

Finalmente, o empreiteiro perde o direito de reclamar indenização se, agindo com culpa, deixa de reclamar quanto à desconformidade dos materiais entregues pelo dono da obra. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 18.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 614. Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada.

§ 1º. Tudo o que se pagou presume-se verificado.

§ 2º. O que se mediu presume-se verificado se, em trinta dias, a contar da medição, não orem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incumbido da sua fiscalização.

Ora, já observamos que a empreitada pode assumir as espécies de lavor ou mão de obra e de material ou mista sob orientação de Nelson Rosenvald. Os três dispositivos precedentes acentuam as consequências da opção por uma ou outra espécie de empreitada.

Para além, existem outras espécies de empreitada: a) por preço certo – as partes estipulam uma remuneração fixa para a realização da obra. O valor é determinado em atenção à obra como um todo, sem considerar o fracionamento da atividade ou o fato de o preço ser pago parceladamente ao empreiteiro. Não a descaracteriza a fixação de reajustamento, em razão de variação no preço final diante de acréscimos no custo da mão de obra ou dos materiais; b) por medida – aqui há um fracionamento da obra, considerando-se as partes em que ela se divide. A remuneração do empreiteiro é paga de acordo com a conclusão das medidas satisfeitas; c) por administração – o empreiteiro será remunerado segundo um percentual a ser aplicado sobre os valores alocados na obra. Ele será o administrador da obra e sua principal função consistirá em obter os melhores preços de materiais e mão de obra, reduzindo os custos do dono da obra.

O dispositivo em leitura contempla a modalidade da empreitada por medição, na qual se condiciona o pagamento do empreiteiro ao cumprimento de etapas de execução dos serviços, e não por ocasião da entrega da obra acabada. A título ilustrativo, na construção de dez chalés em um lote, pode o proprietário remunerar o empreiteiro ao cabo da conclusão de cada uma das habitações, sem ter em vista o conjunto da obra.

Aqui a obrigação se torna divisível, pois à medida que o cronograma vai sendo cumprido o empreiteiro adquire direito subjetivo ao recebimento das prestações parciais, sob pena de paralisação do restante do serviço enquanto não houver retribuição (CC 476), além do nascimento da pretensão ao recebimento do crédito, conforme a natureza do título (cobrança, monitória, execução).

Infere-se da letra do § 1º que o pagamento é contemporâneo à verificação, estabelecendo uma presunção de regularidade daquela etapa concluída, em razão do contentamento do dono da obra. Porém, cuida-se de presunção relativa pela própria leitura do § 2º. Afinal, na data da medição nasce o prazo decadencial de trinta dias para o dono da obra exercer o direito potestativo de denunciar os vícios ou defeitos da coisa, sejam eles ocultos ou aparentes. Aqui é excepcionada a regra geral do CC 445 acerca da contagem do prazo para a verificação dos vícios redibitórios.

Duas observações avultam: uma é que a diluição da possibilidade de reclamação dos vícios não exclui o prazo de garantia a que alude o CC 618; a segunda é que, tratando-se de empreitada submetida às regras do Código de Defesa do Consumidor, há que aplicar a especial disciplina quanto aos vícios do produto (arts. 18 e ss. da Lei n. 8.078/90). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 647 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme aponta Ricardo Fiuza em sua doutrina, observe-se que o empreiteiro pode exigir o pagamento de parte da execução dos eu serviço, se a obra tiver compartimentos separados ou se for das que podem ser averiguadas por medidas. Tem-se no primeiro caso a empreitada de obra de partes distintas, cuja independência equivale a obras autônomas. No segundo, cuida-se da empreitada ad mensurum, cabendo a entrega parcial da coisa empreitada, segundo a conclusão da obra, em suas respectivas etapas. O pagamento importa na presunção da verificação do serviço pelo empreitante, certo que se a constatação se der por partes da obra e houve o pagamento do serviço que estava findo, para a vistoria, presume-se que ele estava a contento do dono da obra e com isso o empreiteiro dar por entregue a parte concluída.

Do mesmo modo, se a obra for de natureza que se determine por medida, existe a presunção de que o que se mediu, resultou verificado, estando de acordo com a expectativa do dono da obra, se, em trinta dias, após a verificação, não forem por ele, ou por quem estiver incumbido da sua fiscalização, denunciados os vícios ou defeitos que a obra possa apresentar. Nesse âmbito, é lapidar a consideração de Arnoldo Wald: “O pagamento da obra faz presumir a verificação da mesma pelo dono” (Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo. Revista dos Tribunais, 2000, p. 407).

A jurisprudência tem avaliado a questão, tendo em conta as circunstâncias específicas: “Ação de reparação de danos. Indenização em razão de descumprimento contratual que deixou a obra inacabada. Despesas efetivadas para a devida complementação. Recebimento do serviço e seu pagamento. Inconclusa a obra contratada apesar do recebimento total do preço por parte da empreiteira > legítima a verba indenizatória objeto da condenação para cobrir os gastos necessários experimentados com outrem para a respectiva complementação. O pagamento antecipado da empreitada não constitui presunção de acerto final, máxime se o recebimento do serviço foi provisório, em razão da inexecução. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 329 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como lembra Marco Túlio de Carvalho Rocha, em obras de grande porte é comum que a remuneração do empreiteiro seja paga conforme o desenvolvimento dos trabalhos. Medição é o termo que designa a aferição do desenvolvimento da obra ao fim de cada etapa prevista para o pagamento da retribuição. O dispositivo assegura ao empreiteiro este direito mesmo que o contrato nada disponha a este respeito. É norma de caráter supletivo, podem as partes dispor em sentido contrário.

O parágrafo 1º, faz presumir a verificação de tudo o que tiver sido pago. O parágrafo 2º estabelece o prazo decadencial de 30 dias para que o dono da obra reclame por vícios ou defeitos da obra. Se o defeito existente não for manifesto, não há óbice para que o dono da obra reclame, a partir do momento em que vier a ser conhecido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 18.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 615. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o doo é obrigado a recebe-la. Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza.

Na esteira de Nelson Rosenvald, nesse instante tratamos dos efeitos do contrato de empreitada. Na qualidade de contrato bilateral, no qual surgem obrigações para ambas as partes, cumprirá ao dono da obra aceita-la conforme o ajustado inicialmente entre as partes, desde que o empreiteiro não tenha se olvidado de atender às especificações técnicas ou às instruções por aquele ministradas.

De fato, o dono da obra não receberá um trabalho perfeito quando investir toda a sua confiança em um profissional e receber algo que não se ajuste às suas legítimas expectativas, afrontando objetivamente os termos do contrato.

Ao estudarmos a mora, lembramos o leitor que o perfeito cumprimento da obrigação não se prende apenas ao tempo da entrega, mas também ao lugar e ao modo da sua execução (CC 394). A quebra dos critérios técnicos pelo empreiteiro importa na justa causa do dono da obra em recusar a prestação, diante da incorreção na forma da execução da obrigação. Assim, se o autor de uma obra intelectual entrega o livro à editora no tempo ajustado, mas ignora os padrões ajustados para a confecção do livro, poderá a empresa recusar o seu recebimento até que as alterações sejam perfeitamente realizadas. Em suma, a mora será imputável ao empreiteiro, com as consequências aludidas no CC 399.

Lembramos que, nos contratos de empreitada de construções, se o dono da obra aceita-la, apesar da infração às normas técnicas, não se elide a garantia pela solidez e segurança do trabalho, à luz do disposto no CC 618. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 648 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão de Ricardo Fiuza, a doutrina sustenta que a receptividade da obra não exclui, ao sal dono, o direito de pleitear a correção dos defeitos que forem, no futuro, evidenciados (vícios ocultos) em exigir a indenização cabível, isto porque o empreiteiro de materiais e execução responde pela solidez e segurança do trabalho, segundo o prazo de garantia (CC 618). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 330 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em simples comentário Marco Túlio de Carvalho Rocha, o recebimento da obra concluída é um dever do dono da obra. Tal dever deixa de existir se a obra realizada não estiver de acordo com o contrato. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 18.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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