Direito Civil Comentado
- Art. 642, 643, 644 - Continua
- Do
Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial
- Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627
a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com
-
Art. 642. O depositário não responde pelos casos
de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prova-los.
Aprendendo com Nelson
Rosenvald, ao exame do CC 636, observa-se que não mais se justifica a busca por
critérios distintivos entre força maior e caso fortuito, pois o CC 393 produz
equiparação de consequência, qual seja exoneração do devedor pelo fato de o
dano advir de um evento externo à sua atuação, de natureza inevitável.
Diante do fortuito será
excluído o nexo causal entre a conduta do agente e o dano, pois a lesão
resultará do imponderável e não do comportamento comissivo ou omissivo
do devedor. Este alegará o tradicional brocardo res perito domino para
justificar que a coisa pertence ao depositante, assumindo ele os riscos da
perda no período anterior à restituição, provando o depositário que a supressão
do objeto não se deveu à sua atuação, mas ao fortuito (CC 238). Isto posto, o
depositário somente arcará com as perdas e danos se expressamente houver
subscrito cláusula de responsabilidade pelo fortuito, conforme temos no CC 393.
Não se olvide de que nas
relações de consumo o contrato de depósito se tornou uma atividade profissional
comezinha nos tempos atuais. Cuida-se de prestação de serviço em que o
depositário é um fornecedor que onerosamente providencia a guarda de bens do
consumidor (depositante), na forma do CDC 3º, § 2º. É patente que serão
desconsideradas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do
fornecedor pela perda ou destruição da coisa (CDC 25), pois o equilíbrio
contratual nas relações de consumo requer a responsabilização por todo e
qualquer defeito do serviço que acarrete danos ao depositante.
Mesmo que inexista
remuneração, não é raro percebermos que o depósito nada mais é que uma forma de
estimular o consumidor a realizar outras formas de relações de consumo. É o
caso do depósito gratuito dos pertences nos estabelecimentos noturnos e o
depósito gratuito dos pertences nos estabelecimentos noturnos e o depósito de
veículos em estacionamentos de shoppings e estabelecimentos comerciais.
Os serviços são aparentemente gratuitos, pois a remuneração é indireta,
traduzida na conquista da confiança da clientela e nas vantagens secundárias de
uma suposta liberalidade para com o cliente.
Em qualquer caso,
acreditamos que a resposta poderá ser encontrada na distinção entre o fortuito
interno e o externo. Caso o evento lesivo ao patrimônio do depositante seja um
fato externo à atividade do depositário, não será este obrigado a indenizar,
pela inevitabilidade e imprevisibilidade da situação. Assim, não será lógico
impor ao depositário de veículos a obrigação de indenizar os seus proprietários
em razão de um tremor de terra que danifique os automóveis.
Contudo, existem
situações em que a lesão aos bens do depositante é praticada por um evento
externo à conduta do agente, mas que se relaciona imediatamente à atividade do
depositário. Seria o caso do tão popular furto de veículos. Quem realiza o
depósito de tais bens já conta com a previsibilidade de tais riscos, sendo
possível evita-los com algumas medidas de segurança. Caso fique provado que o
depositário não adotou as medidas mínimas de cautela, será responsabilizado,
eis que a “força maior” será agora um fortuito interno, relacionado às
atividades ordinárias de diligência do depositário. Certamente haverá a
necessidade de aplicar o princípio da proporcionalidade – a diretriz da
concretude de Miguel Reale -, para apanhar cada situação em seu contexto e
verificar os riscos inseridos pela própria atividade empresarial e aqueles a
ela excedentes, que não podem ser imputados ao depositário.
Agostinho Alvim,
artífice do Livro do Direito das Obrigações, sempre ponderou que o caso
fortuito é um impedimento relacionado à pessoa do devedor ou à sua empresa,
enquanto a força maior é um acontecimento externo. E assim deverá ser lido esse
dispositivo, o depositário não responde pela força maior (fortuito externo),
mas apenas pelo caso fortuito (fortuito interno).
Por fim, é sempre bom lembrar que as
obrigações são complexas. Compõem-se da autonomia privada acrescida da boa-fé
objetiva. Aquela ao tempo da formação do negócio jurídico, determinando a
obrigação principal e as prestações das partes; a boa-fé, imposta pelo sistema,
com a função integrativa de produzir deveres instrumentais, laterais ou anexos
que objetivam conduzir a relação jurídica ao adimplemento (CC 422). Para tanto,
os contratantes observarão deveres de proteção, cooperação e informação,
evitando que os interesses do contrato sejam sacrificados. O dever de proteção
implica a tutela da integridade fisicopsíquica e o patrimônio do parceiro
contatual. Qualquer lesão aos bens do depositário que possa ser associada à
frustração da legítima expectativa de segurança que lhe fora prometida será
considerada uma violação à sua confiança e, portanto, passível de indenização. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 667-668 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na esteira da Doutrina
de Ricardo Fiuza, impõe-se afirmar que, efetivamente, “os riscos no Contrato de
depósito correm à conta do depositante que é e continua sendo proprietário e res
perito domino” (Caio Mário da Silva Pereira – p. 322). E assim suportados por relevante o fato
de o depósito voluntario ser efetuado em atenção exclusiva dos interesses do
depositante. O depositário responderá pelos riscos de convenção houver nesse
sentido (RT 15 1/655).
Quando, porém, o dano
advier de força maior, torna-se imperativo por dicção legal que o depositário
comprove a ocorrência de tal evento para, então forrar-se da responsabilidade
pelo ocorrido. Adversamente, não feita tal prova, não valerá a escusa,
outorgando-se ao depositante, por consequência, cobrar do depositário os
prejuízos advindos do dano.
Jurisprudência: 1. “Precedente da 21 Seção, REsp
169.293/SP, Relatora a Senhora Ministra Nancy Andrighi, julgado em sessão de
09/05/01, consolidando a jurisprudência da Cone, assentou que, verificada a
impossibilidade justificada da restituição do bem pela ocorrência de caso
fortuito ou força maior, pode o credor, reconhecido o crédito, promover nos
próprios autos a execução contra o devedor, valendo a sentença como título
judicial, afastada a possibilidade da prisão civil” (REsp 247.671-SP); 2. “O
estabelecimento comercial que recebe o veículo para reparo em suas instalações
é responsável pela sua guarda com integridade e segurança, não se configurando
como excludente da obrigação de indenizar a ocorrência de roubo mediante constrangimento
por armas de fogo, por se cuidar de fato previsível em negócio dessa espécie,
que implica na manutenção de loja de acesso fácil, onde se acham automóveis e
equipamentos de valor” (STJ. 4~ T., REsp 218.470-SP, rel. mm Aldir Passarinho
Júnior, DJ de 20-8-2001); 3. “Sempre que se verificar a impossibilidade
justificada da restituição da coisa depositada objeto da alienação fiduciária
em garantia pela ocorrência do caso fortuito ou força maior (por roubo ou
furto, v.g.), a sentença que a reconhecer deverá afastar a infidelidade
do depositário e a possibilidade de prisão civil. Contudo, como o intuito
satisfativo do credor, na alienação fiduciária, é o de receber o valor da
dívida, e não o próprio bem objeto do depósito, desde que reconhecido o crédito,
pode o credor promover, nos próprios autos, a subsequente execução contra o
devedor, valendo a sentença que o fixar como título executivo judicial,
prestigiando-se os princípios da economia, da celeridade e da efetividade
processuais” (STJ, 4’T., REsp 156.965-SP, rel. Mm Cesar Asfor Rocha, DI
de 3-5-1999).
A omissão da norma no
tocante aos danos originados de casos fortuitos deve ser enfatizada, porquanto
também não deverá responder o depositário em face de tais imprevistos. Pondera
a respeito Ari Peneira de Queiroz: “os efeitos são sempre os mesmos, variando
apenas a causa, pois, força maior é evento humano, enquanto caso fortuito é
evento da natureza. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p.
343 apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na pauta de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a regra geral res
perito domino vigora relativamente aos riscos do depósito: se a coisa se
perder por caso fortuito ou por força maior, o prejuízo recai sobre o
depositante. O dispositivo atribui ao depositário o ônus da prova da ocorrência
do caso fortuito ou da força maior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 643. O depositante é obrigado a pagar ao
depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do depósito
provierem.
Lecionando Nelson
Rosenvald, aqui temos outra consequência direta da natureza do contrato de
depósito. Sendo o negócio jurídico realizado em proveito do depositante, todo o
dever de zelo e diligencia do depositário implica a satisfação daquele. Assim,
nada mais natural que responsabilizar o depositante pelas despesas realizadas
com a coisa em seu exclusivo benefício, bem como pelos prejuízos provenientes
do depósito.
Sob pena de
enriquecimento injustificado, deverá o depositante restituir todas as despesas
com materiais e trabalho empregados pelo devedor na conservação e custódia da
coisa, como se fossem benfeitorias necessárias introduzidas pelo depositário.
Aliás, mesmo benfeitorias úteis, por ele providenciadas de boa-fé, serão objeto
de indenização, pois o dispositivo não explicita qual o tipo de despesa será
paga pelo depositário, encaminhando o leitor para a regra geral do CC 242.
Caso se negue o
depositante a arcar com as despesas e/ou prejuízos do depositário, este
exercitará o direito de retenção, a ser referido nos comentários do próximo
artigo.
Lembre-se de que no contrato de comodato
o legislador acertadamente distribuiu os deveres de conservação da coisa de
forma diversa, imputando-os ao comodatário (CC 584). Com efeito, o comodato é
realizado no interesse do comodatário, sendo ele quem efetivará a exploração do
bem concedido em empréstimo gratuito, auferindo vantagens econômicas. Assim,
justifica-se a distinção dos efeitos com o contrato de depósito. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 668 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 03/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
A Doutrina de Ricardo
Fiuza explica que, divergente do contrato de comodato, que favorece unicamente
o comodatário com o uso e gozo da coisa emprestada, procede-se ao depósito em
proveito do depositante. Ao depositário, apenas, cumpre com zelo, a coisa
alheia. Assim, inadmissível seria igualar o comodatário ao depositário e deste último
exigir-se assumisse os gastos provenientes da guarda e conservação do objeto
depositado. Nesse sentido, permanece a lição modelar de Washington de Barros
Monteiro: “É que eles aproveitam ao depositante, são feitos no interesse deste;
isentá-lo do respectivo pagamento seria possibilitar seu injusto locupletamento
à custa do depositário. Esse direito só desaparece se a este se concedeu a
faculdade de utilizar da coisa depositada” (Curso de direito civil. 4. ed.,
São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 238).
De igual modo, a lei
garante ao depositário o direito de ser reparado pelos prejuízos sobrevindos do
contrato de depósito, “como acontece na hipótese de ser a coisa portadora de
vícios ou defeito que possa causar danos a outras coisas depositadas ou ao
próprio local” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil,
4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1978, v. 3, p. 318), e de cujo vício ou defeito
não tenha sido oportunamente advertido. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 344 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No lecionar de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito visa à
guarda de bens. Se o bem depositado necessitar de manutenção, as despesas
necessárias a ela são de responsabilidade do depositante. Se o depositário
arcar com essas despesas poderá reavê-las do depositante. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 03.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 644. O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague
a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se
refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas
despesas.
Parágrafo único. Se
essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados suficientemente, ou
forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do depositante ou,
na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que se
liquidem.
Lecionando com Nelson
Rosenvald, o direito de retenção é o mecanismo de defesa que assiste ao
possuidor de boa-fé e lhe possibilita constranger o devedor a indenizá-lo,
manterá o poder imediato sobre a coisa, mesmo que exista sentença concedendo a
restituição do bem ao depositante, se tal decisão também condicionou a
devolução ao pagamento das despesas provadas pelo depositário nos autos.
O CC/2002 aperfeiçoou a
redação da norma, pois de agora e diante o direito de retenção se justificará
não só como modo coercitivo para o depositário reaver as despesas descritas no
CC 643 como ainda para obter a própria “retribuição devida”, nos casos em que o
depositário for oneroso, por terem as partes avençado uma remuneração em favor
do depositário, que não é paga pelo depositante.
Ressalva o parágrafo
único que o exercício do direito de retenção é condicionado à liquidez dos
débitos reclamados pelo depositário. Dívida líquida é aquela cujo valor pode ser
extraído de mera análise da prova documental do depositário, dispensando-se
provas testemunhal e pericial.
Em tais casos, o depositário se contentará
em pleitear caução real (v.g., hipoteca) ou pessoal (v.g.,
fiança) por parte do depositante, para se acautelar diante de eventual
inadimplemento. Impossibilitada a caução, subsidiariamente a saída será a
remoção da coisa para o depósito público – determinada por ordem judicial – até
a liquidação do débito. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 669 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/12/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na doutrina exposta por
Ricardo Fiuza, pelo comando do CC/1916, art. 1.219, ao depositário era
reconhecido, tão-somente, direito de retenção pelas despesas e prejuízos
decorrentes do contrato de depósito, não, porém, pela remuneração devida pelo
depositante. Com o CC/2002, passou-se a admitir o exercício pelo depositário dojus
retentionis em caso de o depositante não se prestar a satisfazer o valor
ressarcitório ou o quantum da indenização.
Nas hipóteses de o
depositante recusar-se a pagar a remuneração por ele devida (CC 628), ou o
valor líquido das despesas efetuadas ou dos prejuízos decorrentes do depósito
(CC 643), desde que provados com imediatidade e de forma satisfatória, a lei
faculta do depositário a retenção do bem objeto do depósito até que lhe seja
paga a quantia correspondente.
É necessário, porém,
“que a prova seja suficiente, e líquido o valor dessas despesas ou prejuízos”
(José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978,
p. 172). Caso contrário, “faculta-se ao depositário exigir do depositante,
caução idônea ou, na falta da mesma, a remição da coisa para o depósito público
até liquidação do débito” (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro¸
14. ed., São Paulo, Revista dos tribunais, 2000, v. 2 – Obrigações e contratos,
p. 450). (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 344 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/12/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entender de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a principal obrigação
que decorre do contrato de depósito para o depositante é a de restituir a coisa
ao depositante. Excepcionalmente, fica o depositante isento dessa obrigação.
Uma das exceções refere-se ao direito de retenção de que é titular o próprio
depositário pelas despesas que lhe devam ser pagas pelo depositário em razão do
contrato. O dispositivo exige que os créditos sejam líquidos para que o
depositário possa exercer o direito de retenção e permite que o depositante
dele exija caução ou a transferência da coisa ao depósito público até que o
crédito seja liquidado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 03.12.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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