sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 814, 815, 816, 817 - DO JOGO E DA APOSTA - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 814, 815, 816, 817
- DO JOGO E DA APOSTA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XVII – Do Jogo e da Aposta
 – Seção III - (art. 814 a 817) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

§ 1º. Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.

§ 2º. O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

§ 3º. Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, antes tratada a matéria logo após o contrato de seguro, mas de que se diferencia porquanto a álea que lhe é inerente tem mesmo um intuito especulativo, ao revés do ajuste securitário, mercê do qual o risco se cobre calculando-se a probabilidade de sua ocorrência e formando-se um fundo mutualista a suportá-lo (ver comentário ao CC 757), tudo enquanto resultante de um propósito previdenciário, indenizatório, dá-se o Código Civil de 2002, no artigo em tela, a tratar do jogo e da aposta. Fá-lo com unidade de regramento, muito embora se diferenciem, conceitualmente, o jogo e a aposta. No primeiro, duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagamento a quem um evento incerto, aleatório e de puro azar vier a favorecer. No segundo caso, promete-se igual pagamento, mas àquele, cuja opinião divergente vier a se mostrar consonante com o resultado de um mesmo evento incerto, aleatório. Costuma-se reservar aos contendores, no jogo, papel ativo, que interfere no resultado, ainda que a priori incerto. Já na aposta seu papel é passivo, de mera expectativa sobre o resultado de evento que lhes é estranho, mas sobre cuja ocorrência apostaram. Assim, nos exemplos citados por Caio Mário (Instituições de direito civil, 11. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 483), um mesmo evento pode caracterizar-se como jogo ou aposta, dependendo da conduta dos participantes. Se duas pessoas disputam uma luta, prometendo-se, entre si, pagamento ao vencedor, jogam; se expectadores, porém, entre si prometem pagamento conforme quem seja o vencedor, apostam. Pois muito embora o legislador cuide e tipifique o jogo e a aposta como contratos, assim nominados, recusa-lhes efeitos normais, por não os reputar socialmente úteis. Neste sentido, dispõe serem incobráveis as dívidas resultantes de jogo ou aposta. Mas, em contrapartida, estabelece a Irrepetibilidade do quanto, voluntariamente, a esse título se pagou. Disso resulta que o credor pode reter o pagamento que voluntariamente lhe tenha sido feito (soluti retentio). É o clássico figurino das denominadas obrigações naturais.

Tradicionalmente, e em especial com fundamento na entrevisão de dois elementos essenciais no vínculo obrigacional, o débito e a responsabilidade (teoria dualista da obrigação), sempre foi costume definir a obrigação natural, também e por isso chamada imperfeita, todavia jurídica, como aquela com todos os seus elementos integrantes, ou seja, sujeito (credor e devedor), objeto (prestação) e a relação vinculativa, mas aqui, a despeito da existência de um débito, sem a responsabilidade do devedor, i.é, sem garantia efetivável por meio do direito de ação, assim sem a coercibilidade.

Certo que hoje, inclusive conforme preceitos expressos de outras legislações (v.g., art. 2.034 do Código Civil italiano e art. 402 do Código Civil português), se venha defendendo a ideia de que a obrigação natural represente mesmo um dever extrajurídico, mas a que o direito, porquanto integrado a outros sistemas normativos de conduta, parra além do subsistema jurídico, reconhece um efeito, justamente o da Irrepetibilidade do voluntário pagamento, tudo como imperativo de justiça, como corolário de uma regra social de conduta, segundo a qual se aceita um dever de honrar dívidas de jogo ou aposta, destarte quando adimplidas, pela vontade do devedor, operando o direito para evitar a repetição, desse modo preservando-se solução de equidade, impedindo o retorno a uma situação de injustiça (Ver Fernando Noronha. Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 232-4). A aplicação da regra em comento, porém, pressupõe diferenciação inarredável à luz da respectiva sistematização. Afinal, são distinguíveis os jogos proibidos, autorizados ou tolerados. Jogos ou apostas autorizados, como as loterias – aqui subsumidas a seu conceito, muito embora alhures se sustente diferença conceitual – ou o turfe, são lícitos e geram efeitos jurídicos normais, erigindo-se em obrigações perfeitas. É o que se prevê no § 2º, segunda parte, do preceito em exame, e logo no § 3º, igualmente dizendo-se exigíveis prêmios oferecidos em competições de variada natureza, desde que nos moldes de norma autorizativa legal e regulamentar – verdadeiros concursos. Jogos ou apostas proibidos são, por exemplo, as loterias não autorizadas, como o jogo do bicho, ou os jogos de azar referidos pelo art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Mas há também os jogos tolerados, de menor reprovabilidade, em que o evento não depende exclusivamente do azar, mas igualmente da habilidade do participante, como alguns jogos de cartas. Por isso a legislação não os proíbe, por considera-los uma diversão sem maior proveito, mas pelo mesmo motivo não lhes emprestando a natureza de obrigação perfeita. Pois como se expressa no Código Civil, no caput e nos parágrafos do artigo em comento, salvo se autorizados, os jogos e apostas não induzem obrigação coativa que possa ser judicialmente exigida, muito embora não caiba ao devedor que voluntariamente tenha pago dívida daí originária postular a repetição de quanto pagou, salvo se, como adiante se referirá, esse pagamento prejudicou menor ou interdito.

Bem de ver, todavia, que boa parte da doutrina, antes da edição do Código Civil de 2002, por exemplo tal qual já defendia Orlando Gomes (Contratos, 9. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 484), sustentava que os jogos proibidos não ensejavam nem mesmo uma obrigação natural, portanto inclusive sem o efeito da soluti retentio, ao revés, configurando contrato nulo de todo. De fato, acentua, já sob a égide do Código Civil de 2002, Fernando Noronha (op. cit., p. 233) que, a rigor, o regramento presente, no seu todo, aplica-se aos jogos tolerados, reservando-se ao pagamento de dívidas oriundas de jogos proibidos a concorrência da disposição do CC 883, destarte não se permitindo ao pagador recobrar, porém igualmente não se admitindo a retenção pelo recebedor.

Ressalva ainda a lei que, cuidando-se de dívida de jogo que tipifique uma obrigação natural, se o perdedor é menor, absoluta ou relativamente incapaz, ou interdito, veja-se, por qualquer causa, como o intuito é a sua proteção, eventual pagamento que tenha feito poderá, aí excepcionalmente, ser repetido, portanto descabendo ao credor retê-lo, de resto em sistemática diversa do adimplemento de obrigações perfeitas. Da mesma forma, se o pagamento da dívida de jogo foi feito mediante dolo, mas não erro, bem assim mediante coação, deve-se acrescentar, porque também o caso é de proteção da vítima, o pagador, perdedor do jogo ou aposta, terá direito à repetição. Por fim, explicita-se, no § 1º, tal como se fazia no CC/1916, que a disposição do caput, a respeito da obrigação natural que estipula, se aplica também a qualquer contrato que encubra ou envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo.

A ideia fundamental é que, nesse específico caso de obrigações naturais, porque despidas de conteúdo moral, e portanto socialmente inúteis, mesmo sua confirmação ou substituição por um negócio jurídico típico, como a entrega de um título de crédito, ou o estabelecimento de uma novação, da mesma forma não ensejará exigibilidade do devedor. assim, por exemplo, se o perdedor emite uma nota promissória tendo como causa a dívida de jogo, igualmente ela não será dele exigível. Apenas se preserva, no parágrafo em exame, eventual direito de terceiro de boa-fé, por exemplo u m endossatário, insciente da origem da cambial, quando a tenha recebido. Por identidade de motivos não terá cabimento, também, a novação dessa espécie de obrigação natural (não outras), ou a fiança que se tenha dado para sua garantia. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 838-39 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina espancada por Ricardo Fiuza, impende reconhecer, de pronto, na assertiva legal de as dívidas de jogo ou aposta não obrigarem ao pagamento, a negação da lei aos efeitos pretendidos pelas partes. Embora arrolados como contratos, Silvio Rodrigues aponta a contradição quando “o legislador proclama a inexigibilidade da dívida” (Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27.ed., são Paulo, Saraiva, 2000, p. 364).

A norma tratou de sanar a falha do CC de 1916, acrescentando os §§ 2º e 3º do CC 814, os quais excetuam da regra geral prevista no caput do reportado dispositivo os jogos e apostas legalmente permitidos e os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. Aliás, nesse sentido, a jurisprudência vinha se norteando, sendo suficiente citar: “O art. 1.477 não incide sobre a Loteria Esportiva” (Iff, 494/197).

Diante de tais consequências jurídicas, onde se torna inexigível a perda experimentada pelo jogador inexitoso, e, por outro lado, irrecuperável a quantia daquele que, vencido, satisfez voluntariamente a dívida, a lei fulmina de nulidade, de conseguinte, qualquer contrato que envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo, não alcançando, porém, o terceiro de boa-fé, a cujo respeito impõe-se uma aferição complexa de tal qualidade.

Submetidos aos mesmos preceitos, inclusive porque vinculados ao mesmo elemento sorte, jogo e aposta, todavia, merecem conceituações distintas. Essa distinção, recolhe-se, pela clareza do magistério de Maria Helena Diniz: ‘jogo é o contrato em que duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagar certa soma àquela que conseguir um resultado favorável de um acontecimento incerto, ao passo que aposta é a convenção em que duas ou mais pessoas de opiniões discordantes sobre qualquer assunto prometem, entre si, pagar certa quantia ou entregar determinado bem àquela cuja opinião prevalecer em virtude de um evento incerto” (Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16.ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 418). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, jogo e aposta são contratos, uma vez que resultam do encontro de vontades visando à produção de efeitos jurídicos. Diferenciá-los não é tarefa simples à luz da doutrina e da lei. jogo, para os romanos era alearum lusus e aposta sponsio.

Doutrinariamente há dois critérios distintivos: a) pelo critério da participação, no jogo os contratantes participam da atividade da qual depende o resultado; na aposta, não; b) pelo critério do motivo, o jogo é motivado pela distração ou ganho, enquanto a aposta visa a fazer prevalecer uma afirmação.

No Direito Penal, a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/1941) tipifica como contravenção a exploração e a participação em jogos de azar (art. 50). Neste conceito a Lei das Contravenções Penais inclui, expressamente as apostas, ao considerar como “jogos de azar”: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

A realidade social demonstra que esses termos são utilizados sem atenção ao rigor dogmático. Assim, nomeiam-se como jogos, a loteria, a rifa e o jogo do bicho, embora, em todos esses casos, a ausência de participação e o intuito de prevalecimento de palpites os insiram no conceito de aposta.

A ausência de critério distintivo claro perde o relevo na medida em que a lei os equipara.

Os jogos e as apostas podem ser proibidos, permitidos ou autorizados. Quando são legalmente autorizados, o contrato cria obrigação civil comum, que sujeita o devedor ao pagamento forçado em caso de inadimplemento. É o que ocorre em relação às loterias exploradas pelo Estado e com as apostas do turfe (Lei n. 2.220/1924; Dec. n. 24.646/1934; Decreto-lei n. 8.371/1945; Lei n. 2.820/1956; Decreto n. 41.561/1957; Lei n. 4.096/1962).

Também obrigam civilmente as promessas de prêmios ao vencedor de competição de natureza esportiva, intelectual ou artística.

Conforme disposto no § 2º do CC 814, os jogos e as apostas autorizados estão excluídos das disposições deste Capítulo do Código Civil, que se aplica, portanto, somente aos jugos e às apostas proibidos e meramente permitidos ou tolerados.

As dívidas de jogos proibidos ou meramente permitidos não podem ser cobradas pelo credor embora não possam ser repetidas, caso espontaneamente pagas, conformando obrigação natural, na qual há debitum mas não obligatio.

A repetição do pagamento é, no entanto, devida, se houve dolo por parte de quem recebeu ou se quem pagou for menor ou interdito. O dispositivo equipara, nos efeitos, a dívida resultante de negócios proibidos e, portanto, nulos, e a que resulta de jogo ou aposta permitidos ou tolerados.

São nulos os contratos que visem a encobrir a dívida de jogo ou de aposta, pois são negócios simulados. São, igualmente, nulos os negócios que impliquem o reconhecimento da dívida de jogo, tais como a confissão de dívida, novação, fiança e títulos de crédito. A nulidade não pode ser oposta a terceiro de boa-fé.

Caio Mário entende que são nulas a locação contratada e a sociedade constituída com a finalidade de exploração de jogo, ressalvando que OERTIMANN admite o mandato para jogos permitidos (Caio, M. da Silva, Pereira. Instituições de Direito Civil, v. III, 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 486). O dispositivo em comento não determina a nulidade desses atos, que somente serão nulos, segundo os preceitos da Parte Geral, em razão da ilicitude do objeto. Portanto, a ressalva de OERTIMANN estende-se à locação contratada e à sociedade constituída, pois tais negócios somente serão nulos uma vez que visem a promoção de jogos ou de apostas proibidos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar ou jogar.

Entendendo o Código, o artigo em tela, para Claudio Luiz Bueno de Godoy, da mesma forma que o fazia o art. 1.478 do CC/1916, repele a contratação do mútuo, para o jogo ou aposta, no ato em que são efetivados. A ideia fundamental está em evitar contratação que favoreça ou facilite a prática do jogo ou aposta, quando não sejam devidamente autorizados, porquanto então lícitos e dotados de normal eficácia civil (em sentido diverso, sustenta Silvio Venosa que mesmo empréstimo concedido para jogo ou aposta lícitos, mas no ato do jogo ou aposta, é irregular que não permite cobrança. Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 415).

Trata-se mesmo de uma hipótese em que o motivo da contratação, porque se revela no ato do jogo ou da aposta, assim necessariamente tornando-se comum às partes, prejudica a higidez do negócio praticado, na exata esteira do princípio que hoje contém o CC 166, III, malgrado aqui com diferente efeito. Ou seja, se se contrata mútuos, em função do jogo ou da aposta, veja-se, no momento em que se joga ou se aposta, evidencia-se motivação que o ordenamento rejeita, aqui vedando que possa ser cobrado o reembolso do quanto naquela circunstância se emprestou. Em outras palavras, tem-se mesmo uma extensão da regra do CC 814m antes examinado. Se não se pode cobrar dívida resultante de jogo ou aposta, quando não autorizados, da mesma forma não se pode cobrar o que, no ato do jogo ou da aposta, se emprestou para apostar ou jogar. Se, todavia, o empréstimo se fez antes ou depois do momento do jogo ou da aposta, ainda que em função deles, não incide a regra do artigo em comento, ao pressuposto de que então não exteriorizada a motivação irregular, ressalvada sempre a prova, especialmente no caso do jogo proibido, de que essa razão determinante se tenha ostentado comum, mesmo quando a contratação não seja simultânea ao jogo ou à aposta, aí por aplicação autônoma da regra geral, já citada, do CC, 166, III.

Por fim, pouco importa, ao influxo da regra em comento, que tenha o empréstimo, se efetuado no momento do jogo ou da aposta para que um ou outro se efetive, provindo de outro participante da empreitada ou de terceiro. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, uma das medidas implementadas pelo codificador brasileiro de 1916 e mantida pelo CC/2002 consiste em estender a mesma injuridicidade que estigmatiza a dívida de jogo ou aposta ao mútuo contratado pelo ato de apostar e jogar, “por constituir incremento ao vício e representar a exploração de um estado de superexcitação em que se encontra o jogador” (RI’, 147/690). Todavia, acrescenta Maria Helena Diniz que “se o empréstimo foi feito antes do jogo, para obter meios para fazê-lo, ou depois do jogo, para pagar o que nele se perdeu anteriormente, esse débito poderá ser exigido judicialmente” (Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16.ed. São Paulo Saraiva, 2001, v. 3. P. 424). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a proibição de cobrar mútuo realizado para o fomento de jogo ou de aposta somente incide se o empréstimo é feito no ato da aposta ou do jogo, de modo a assegurar o conhecimento do mutuante quanto à finalidade que o mutuário pretende dar ao empréstimo. Assim, mesmo que o empréstimo seja feito no momento do jogo ou da aposta, se o mutuante, prova que não tinha conhecimento do motivo da tomada do empréstimo, pode cobrar a dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 816. As disposições dos CC 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste.

Para Bueno de Godoy, o artigo presente, em boa hora, reverteu a equiparação, ao jogo ou à aposta, que o CC/1916, no art. 1.479, impunha às operações com títulos, valores ou mercadorias cotáveis em bolsa. São o que sempre se chamou de contratos diferenciais, em que se negociam títulos, valores ou mercadorias, mas para sua liquidação pela diferença entre o preço convencionado e a cotação que eles tiverem no instante do vencimento. São as operações de mercado a termo, de bolsa de futuros, como a de mercadorias, por exemplo, em que não se quer, no vencimento, propriamente a entrega do produto, mas o pagamento da diferença entre seu preço de aquisição e o de sua cotação à época desse termo avençado. É de ver que esses contratos diferenciais, além de comuns na prática negocial, já vinham inclusive regrados por normatização especial, como lembra Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 738), pelo que cabia mesmo à nova legislação civil abolir sua equiparação ao jogo ou à aposta. Ressalva-se apenas a necessidade de devida correção gramatical, inexistente o plural no verbo estipular, utilizado corretamente na forma singular no CC/1916. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840-41 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, o CC/2002 aboliu o princípio da equiparação. Efetivamente, equiparar as operações das bolsas de futuros a jogo ou aposta era algo que não podia permanecer no Código Civil. Observe-se que o Decreto-Lei n. 2.286, de 23-7-1986, já dispõe sobre a cobrança de impostos nas operações a termo de bolsas de mercadorias ou mercados outros de liquidações futuras, realizadas por pessoa física, tributando os rendimentos e ganhos de capital delas decorrentes. E no artigo 3º são definidos como valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n. 6.385, de 7-12-1976, os índices representativos de carteiras de ações e as opções de compra e venda de valores mobiliários, sendo certo que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, através das Resoluções n. 1.190/86 e 1.645/89, respectivamente, referiam-se às bolsas, cujo objetivo é, justamente, a organização de um mercado livre e aberto para a negociação de produtos derivativos de mercadorias e ativos financeiros.

Isto já existe no Brasil desde 1986, quando foi criada a Bolsa de Mercadorias & Futuros, que realiza um volume de negócios equivalente a dez vezes o nosso Produto Interno Bruto. Tais bolsas existem na Alemanha, na França, na Itália, na Suíça, na Austrália, na Áustria, na Bélgica, em Luxemburgo, na Holanda, no Reino Unido e sobretudo nos Estados Unidos. Ser contra a existência dos negócios realizados nas Bolsas de Mercadorias e Futuros com base na afirmativa de eles terem por objeto negócios equiparados a jogo e aposta é despiciendo, porque nas clássicas Bolsas de Valores as ações compradas ou vendidas também variam de preço de um dia para o outro, sendo essa operação absolutamente aceitável e tributada.

Os negócios de mercadorias, derivativos e futuros, têm seu risco e a possibilidade sempre presente de, de um lado, alguém perder, e, de outro, alguém ganhar tal como ocorre nas Bolsas de Valores clássicas. E isso jamais foi considerado ilegal por constituir jogo ou aposta proibidos. Mutatis, mutandis, é o que ocorre nos negócios de títulos de bolsas de mercadorias, derivados e futuros, supracitados, mesmo quando a venda não é feita e o negócio se desfaz pelo pagamento da diferença, no preço, pelo que perdeu.

Afinal, só o volume negociado na Bolsa de Mercadorias & Fundos demonstra a sua importância, pois permite, entre outras coisas, a formação transparente dos preços futuros de commodities da pauta comercial brasileira, tais como o café, o açúcar, a soja e o algodão, facilitando as respectivas vendas a termo no Brasil e no exterior.

Apresentou-se imperativa, portanto, a adequação do texto à legislação superveniente, diante do que dispõe o Art. 1º da Resolução n. 01/2000 do Congresso Nacional. Este foi o escorço doutrinário que embasou a emenda na fase legislativa aditiva em sede da referida Resolução.

Jurisprudência: “A operação de compra de títulos e venda destreza, terceiro não se enquadra no art. 1.479 do Código Civil/1916” (RT, 51ü1146). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428-9 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo cuida do contrato diferencial e explicita que as disposições sobre jogo e aposta a ele não se aplicam.

Contrato diferencial é aquele em que se convenciona o pagamento segundo a diferença entre o valor atual e o valor futuro de um título ou de uma mercadoria. É o contrato típico das operações de mercado a termo, de bolsa de futuros. É atividade financeira típica que somente tem de semelhante com os contratos de jogo e de aposta a aleatoriedade dos ganhos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 817. O sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns considera-se sistema de partilha ou processo de transação, conforme o caso.

Sob a luz de Claudio Luiz Bueno de Godoy, sem nenhuma alteração em relação ao CC/1916, o artigo em comento bem acentua não se considerar jogo ou aposta o sorteio que se faça para solução de impasses, divergências ou dificuldades. Recorre-se a uma álea que, porém, coloca-se muito distante do propósito do jogar ou apostar, valendo, conforme o caso, como transação ou partilha. Pense-se no exemplo, citado por José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 381), em que duas pessoas vão comprar um carro em prestações, que dividirão, na ordem que um sorteio determinar, tanto quanto, acrescenta-se, podem solver divergência daí resultante pelo mesmo recurso. Ou, ainda, os casos de divisões de coisas comuns ou de partilha de quinhões hereditários, cuja escolha se pode fazer por sorteio. Também as loterias autorizadas o envolvem, tanto quando nos contratos de capitalização, de consórcio, também haverá sorteio, portanto nada estranho ao sistema positivo como um todo, mesmo nos lindes do Código Civil, de que é um exemplo o sorteio realizado na hipótese dos CC 858 e 859. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 841 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No lecionar de Ricardo Fiuza, a norma não considera essa espécie de sorteio como jogo e aposta, quando se trate de desate de pendências condominiais, não incidindo sobre ele as regras antes analisadas. É que, em tais hipóteses, não existem o lucro ou a perda, apenas elege-se o critério aleatório para o sistema de partilha, em relação aos bens comuns, ante a falta de outro critério que possa dirimir questões de interesse dos condôminos, havendo-se ainda, tal critério como um processo de transação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 429 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, do mesmo modo que o CC 816, o CC 817 cuida de retirar da incidência das disposições relativas aos contratos de jogo e de aposta o sorteio que visa à divisão de coisas comuns. Conforme expresso no dispositivo, tal sorteio pode representar sistema de partilha ou de transação. Tendo-se em vista a finalidade com que é realizado nada tem de jogo ou de aposta. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020,



 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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