Direito Civil Comentado - Art. 814,
815, 816, 817
- DO JOGO E DA
APOSTA - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo XVII – Do Jogo e da
Aposta
– Seção III - (art. 814 a 817) - vargasdigitador.blogspot.com
-
Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a
pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou,
salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.
§
1º. Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva
reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante
não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.
§
2º. O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo
não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.
§
3º. Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o
vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde
que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.
Na
toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, antes tratada a
matéria logo após o contrato de seguro, mas de que se diferencia porquanto a
álea que lhe é inerente tem mesmo um intuito especulativo, ao revés do ajuste
securitário, mercê do qual o risco se cobre calculando-se a probabilidade de
sua ocorrência e formando-se um fundo mutualista a suportá-lo (ver comentário
ao CC 757), tudo enquanto resultante de um propósito previdenciário,
indenizatório, dá-se o Código Civil de 2002, no artigo em tela, a tratar do
jogo e da aposta. Fá-lo com unidade de regramento, muito embora se diferenciem,
conceitualmente, o jogo e a aposta. No primeiro, duas ou mais pessoas prometem,
entre si, pagamento a quem um evento incerto, aleatório e de puro azar vier a
favorecer. No segundo caso, promete-se igual pagamento, mas àquele, cuja
opinião divergente vier a se mostrar consonante com o resultado de um mesmo
evento incerto, aleatório. Costuma-se reservar aos contendores, no jogo, papel
ativo, que interfere no resultado, ainda que a priori incerto. Já na
aposta seu papel é passivo, de mera expectativa sobre o resultado de evento que
lhes é estranho, mas sobre cuja ocorrência apostaram. Assim, nos exemplos
citados por Caio Mário (Instituições de direito civil, 11. ed. Rio de
Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 483), um mesmo evento pode caracterizar-se
como jogo ou aposta, dependendo da conduta dos participantes. Se duas pessoas
disputam uma luta, prometendo-se, entre si, pagamento ao vencedor, jogam; se
expectadores, porém, entre si prometem pagamento conforme quem seja o vencedor,
apostam. Pois muito embora o legislador cuide e tipifique o jogo e a aposta
como contratos, assim nominados, recusa-lhes efeitos normais, por não os
reputar socialmente úteis. Neste sentido, dispõe serem incobráveis as dívidas
resultantes de jogo ou aposta. Mas, em contrapartida, estabelece a
Irrepetibilidade do quanto, voluntariamente, a esse título se pagou. Disso
resulta que o credor pode reter o pagamento que voluntariamente lhe tenha sido
feito (soluti retentio). É o clássico figurino das denominadas
obrigações naturais.
Tradicionalmente,
e em especial com fundamento na entrevisão de dois elementos essenciais no
vínculo obrigacional, o débito e a responsabilidade (teoria dualista da
obrigação), sempre foi costume definir a obrigação natural, também e por isso
chamada imperfeita, todavia jurídica, como aquela com todos os seus elementos
integrantes, ou seja, sujeito (credor e devedor), objeto (prestação) e a
relação vinculativa, mas aqui, a despeito da existência de um débito, sem a
responsabilidade do devedor, i.é, sem garantia efetivável por meio do direito
de ação, assim sem a coercibilidade.
Certo
que hoje, inclusive conforme preceitos expressos de outras legislações (v.g.,
art. 2.034 do Código Civil italiano e art. 402 do Código Civil português), se
venha defendendo a ideia de que a obrigação natural represente mesmo um dever
extrajurídico, mas a que o direito, porquanto integrado a outros sistemas
normativos de conduta, parra além do subsistema jurídico, reconhece um efeito,
justamente o da Irrepetibilidade do voluntário pagamento, tudo como imperativo
de justiça, como corolário de uma regra social de conduta, segundo a qual se
aceita um dever de honrar dívidas de jogo ou aposta, destarte quando
adimplidas, pela vontade do devedor, operando o direito para evitar a
repetição, desse modo preservando-se solução de equidade, impedindo o retorno a
uma situação de injustiça (Ver Fernando Noronha. Direito das obrigações.
São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 232-4). A aplicação da regra em comento,
porém, pressupõe diferenciação inarredável à luz da respectiva sistematização.
Afinal, são distinguíveis os jogos proibidos, autorizados ou tolerados. Jogos
ou apostas autorizados, como as loterias – aqui subsumidas a seu conceito,
muito embora alhures se sustente diferença conceitual – ou o turfe, são lícitos
e geram efeitos jurídicos normais, erigindo-se em obrigações perfeitas. É o que
se prevê no § 2º, segunda parte, do preceito em exame, e logo no § 3º, igualmente
dizendo-se exigíveis prêmios oferecidos em competições de variada natureza,
desde que nos moldes de norma autorizativa legal e regulamentar – verdadeiros
concursos. Jogos ou apostas proibidos são, por exemplo, as loterias não
autorizadas, como o jogo do bicho, ou os jogos de azar referidos pelo art. 50
da Lei das Contravenções Penais. Mas há também os jogos tolerados, de menor
reprovabilidade, em que o evento não depende exclusivamente do azar, mas
igualmente da habilidade do participante, como alguns jogos de cartas. Por isso
a legislação não os proíbe, por considera-los uma diversão sem maior proveito,
mas pelo mesmo motivo não lhes emprestando a natureza de obrigação perfeita.
Pois como se expressa no Código Civil, no caput e nos parágrafos do artigo
em comento, salvo se autorizados, os jogos e apostas não induzem obrigação
coativa que possa ser judicialmente exigida, muito embora não caiba ao devedor
que voluntariamente tenha pago dívida daí originária postular a repetição de
quanto pagou, salvo se, como adiante se referirá, esse pagamento prejudicou
menor ou interdito.
Bem
de ver, todavia, que boa parte da doutrina, antes da edição do Código Civil de
2002, por exemplo tal qual já defendia Orlando Gomes (Contratos, 9. ed.
Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 484), sustentava que os jogos proibidos não
ensejavam nem mesmo uma obrigação natural, portanto inclusive sem o efeito da soluti
retentio, ao revés, configurando contrato nulo de todo. De fato, acentua,
já sob a égide do Código Civil de 2002, Fernando Noronha (op. cit., p. 233)
que, a rigor, o regramento presente, no seu todo, aplica-se aos jogos
tolerados, reservando-se ao pagamento de dívidas oriundas de jogos proibidos a
concorrência da disposição do CC 883, destarte não se permitindo ao pagador
recobrar, porém igualmente não se admitindo a retenção pelo recebedor.
Ressalva
ainda a lei que, cuidando-se de dívida de jogo que tipifique uma obrigação
natural, se o perdedor é menor, absoluta ou relativamente incapaz, ou
interdito, veja-se, por qualquer causa, como o intuito é a sua proteção,
eventual pagamento que tenha feito poderá, aí excepcionalmente, ser repetido,
portanto descabendo ao credor retê-lo, de resto em sistemática diversa do
adimplemento de obrigações perfeitas. Da mesma forma, se o pagamento da dívida
de jogo foi feito mediante dolo, mas não erro, bem assim mediante coação,
deve-se acrescentar, porque também o caso é de proteção da vítima, o pagador,
perdedor do jogo ou aposta, terá direito à repetição. Por fim, explicita-se, no
§ 1º, tal como se fazia no CC/1916, que a disposição do caput, a
respeito da obrigação natural que estipula, se aplica também a qualquer contrato
que encubra ou envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo.
A ideia fundamental é que, nesse específico
caso de obrigações naturais, porque despidas de conteúdo moral, e portanto
socialmente inúteis, mesmo sua confirmação ou substituição por um negócio
jurídico típico, como a entrega de um título de crédito, ou o estabelecimento
de uma novação, da mesma forma não ensejará exigibilidade do devedor. assim,
por exemplo, se o perdedor emite uma nota promissória tendo como causa a dívida
de jogo, igualmente ela não será dele exigível. Apenas se preserva, no
parágrafo em exame, eventual direito de terceiro de boa-fé, por exemplo u m
endossatário, insciente da origem da cambial, quando a tenha recebido. Por
identidade de motivos não terá cabimento, também, a novação dessa espécie de obrigação
natural (não outras), ou a fiança que se tenha dado para sua garantia. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 838-39 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Segundo
a doutrina espancada por Ricardo Fiuza, impende reconhecer, de pronto, na
assertiva legal de as dívidas de jogo ou aposta não obrigarem ao pagamento, a
negação da lei aos efeitos pretendidos pelas partes. Embora arrolados como
contratos, Silvio Rodrigues aponta a contradição quando “o legislador proclama
a inexigibilidade da dívida” (Direito civil; dos contratos e das declarações
unilaterais da vontade, 27.ed., são Paulo, Saraiva, 2000, p. 364).
A
norma tratou de sanar a falha do CC de 1916, acrescentando os §§ 2º e 3º do CC
814, os quais excetuam da regra geral prevista no caput do reportado
dispositivo os jogos e apostas legalmente permitidos e os prêmios oferecidos
ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual
ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e
regulamentares. Aliás, nesse sentido, a jurisprudência vinha se norteando,
sendo suficiente citar: “O art. 1.477 não incide sobre a Loteria Esportiva” (Iff,
494/197).
Diante
de tais consequências jurídicas, onde se torna inexigível a perda experimentada
pelo jogador inexitoso, e, por outro lado, irrecuperável a quantia daquele que,
vencido, satisfez voluntariamente a dívida, a lei fulmina de nulidade, de conseguinte,
qualquer contrato que envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de
jogo, não alcançando, porém, o terceiro de boa-fé, a cujo respeito impõe-se uma
aferição complexa de tal qualidade.
Submetidos aos mesmos
preceitos, inclusive porque vinculados ao mesmo elemento sorte, jogo e aposta,
todavia, merecem conceituações distintas. Essa distinção, recolhe-se, pela
clareza do magistério de Maria Helena Diniz: ‘jogo é o contrato em que duas ou
mais pessoas prometem, entre si, pagar certa soma àquela que conseguir um
resultado favorável de um acontecimento incerto, ao passo que aposta é a
convenção em que duas ou mais pessoas de opiniões discordantes sobre qualquer
assunto prometem, entre si, pagar certa quantia ou entregar determinado bem
àquela cuja opinião prevalecer em virtude de um evento incerto” (Curso de
direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais,
16.ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 418). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428 apud Maria Helena
Diniz Código Civil Comentado já
impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No
lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, jogo e aposta são contratos, uma vez que resultam do encontro
de vontades visando à produção de efeitos jurídicos. Diferenciá-los não é
tarefa simples à luz da doutrina e da lei. jogo, para os romanos era alearum
lusus e aposta sponsio.
Doutrinariamente há dois critérios distintivos: a) pelo
critério da participação, no jogo os contratantes participam da atividade da
qual depende o resultado; na aposta, não; b) pelo critério do motivo, o jogo é
motivado pela distração ou ganho, enquanto a aposta visa a fazer prevalecer uma
afirmação.
No Direito Penal, a Lei das Contravenções Penais
(Decreto-lei n. 3.688/1941) tipifica como contravenção a exploração e a
participação em jogos de azar (art. 50). Neste conceito a Lei das Contravenções
Penais inclui, expressamente as apostas, ao considerar como “jogos de azar”: a)
o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam
autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.
A realidade social demonstra que esses termos são
utilizados sem atenção ao rigor dogmático. Assim, nomeiam-se como jogos, a
loteria, a rifa e o jogo do bicho, embora, em todos esses casos, a ausência de
participação e o intuito de prevalecimento de palpites os insiram no conceito
de aposta.
A ausência de critério distintivo claro perde o relevo na
medida em que a lei os equipara.
Os jogos e as apostas podem ser proibidos, permitidos ou
autorizados. Quando são legalmente autorizados, o contrato cria obrigação civil
comum, que sujeita o devedor ao pagamento forçado em caso de inadimplemento. É
o que ocorre em relação às loterias exploradas pelo Estado e com as apostas do
turfe (Lei n. 2.220/1924; Dec. n. 24.646/1934; Decreto-lei n. 8.371/1945; Lei
n. 2.820/1956; Decreto n. 41.561/1957; Lei n. 4.096/1962).
Também obrigam civilmente as promessas de prêmios ao
vencedor de competição de natureza esportiva, intelectual ou artística.
Conforme disposto no § 2º do CC 814, os jogos e as apostas
autorizados estão excluídos das disposições deste Capítulo do Código Civil, que
se aplica, portanto, somente aos jugos e às apostas proibidos e meramente
permitidos ou tolerados.
As dívidas de jogos proibidos ou meramente permitidos não
podem ser cobradas pelo credor embora não possam ser repetidas, caso
espontaneamente pagas, conformando obrigação natural, na qual há debitum
mas não obligatio.
A repetição do pagamento é, no entanto, devida, se houve
dolo por parte de quem recebeu ou se quem pagou for menor ou interdito. O
dispositivo equipara, nos efeitos, a dívida resultante de negócios proibidos e,
portanto, nulos, e a que resulta de jogo ou aposta permitidos ou tolerados.
São nulos os contratos que visem a encobrir a dívida de
jogo ou de aposta, pois são negócios simulados. São, igualmente, nulos os
negócios que impliquem o reconhecimento da dívida de jogo, tais como a
confissão de dívida, novação, fiança e títulos de crédito. A nulidade não pode
ser oposta a terceiro de boa-fé.
Caio
Mário entende que são nulas a locação contratada e a sociedade constituída com
a finalidade de exploração de jogo, ressalvando que OERTIMANN admite o mandato
para jogos permitidos (Caio, M. da Silva, Pereira. Instituições de Direito
Civil, v. III, 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 486). O dispositivo
em comento não determina a nulidade desses atos, que somente serão nulos,
segundo os preceitos da Parte Geral, em razão da ilicitude do objeto. Portanto,
a ressalva de OERTIMANN estende-se à locação contratada e à sociedade
constituída, pois tais negócios somente serão nulos uma vez que visem a
promoção de jogos ou de apostas proibidos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se
emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar ou jogar.
Entendendo
o Código, o artigo em tela, para Claudio Luiz Bueno
de Godoy, da mesma forma que o fazia o art. 1.478 do CC/1916, repele a
contratação do mútuo, para o jogo ou aposta, no ato em que são efetivados. A ideia
fundamental está em evitar contratação que favoreça ou facilite a prática do
jogo ou aposta, quando não sejam devidamente autorizados, porquanto então
lícitos e dotados de normal eficácia civil (em sentido diverso, sustenta Silvio
Venosa que mesmo empréstimo concedido para jogo ou aposta lícitos, mas no ato
do jogo ou aposta, é irregular que não permite cobrança. Direito civil, 3.ed.
São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 415).
Trata-se mesmo de uma hipótese em que o motivo da contratação,
porque se revela no ato do jogo ou da aposta, assim necessariamente tornando-se
comum às partes, prejudica a higidez do negócio praticado, na exata esteira do
princípio que hoje contém o CC 166, III, malgrado aqui com diferente efeito. Ou
seja, se se contrata mútuos, em função do jogo ou da aposta, veja-se, no
momento em que se joga ou se aposta, evidencia-se motivação que o ordenamento
rejeita, aqui vedando que possa ser cobrado o reembolso do quanto naquela
circunstância se emprestou. Em outras palavras, tem-se mesmo uma extensão da
regra do CC 814m antes examinado. Se não se pode cobrar dívida resultante de
jogo ou aposta, quando não autorizados, da mesma forma não se pode cobrar o
que, no ato do jogo ou da aposta, se emprestou para apostar ou jogar. Se,
todavia, o empréstimo se fez antes ou depois do momento do jogo ou da aposta,
ainda que em função deles, não incide a regra do artigo em comento, ao
pressuposto de que então não exteriorizada a motivação irregular, ressalvada
sempre a prova, especialmente no caso do jogo proibido, de que essa razão determinante
se tenha ostentado comum, mesmo quando a contratação não seja simultânea ao
jogo ou à aposta, aí por aplicação autônoma da regra geral, já citada, do CC, 166,
III.
Por fim, pouco importa, ao
influxo da regra em comento, que tenha o empréstimo, se efetuado no momento do
jogo ou da aposta para que um ou outro se efetive, provindo de outro
participante da empreitada ou de terceiro. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Para Fiuza, uma das
medidas implementadas pelo codificador brasileiro de 1916 e mantida pelo
CC/2002 consiste em estender a mesma injuridicidade que estigmatiza a dívida de
jogo ou aposta ao mútuo contratado pelo ato de apostar e jogar, “por
constituir incremento ao vício e representar a exploração de um estado de
superexcitação em que se encontra o jogador” (RI’, 147/690). Todavia,
acrescenta Maria Helena Diniz que “se o empréstimo foi feito antes do jogo,
para obter meios para fazê-lo, ou depois do jogo, para pagar o que nele se
perdeu anteriormente, esse débito poderá ser exigido judicialmente” (Curso
de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais, 16.ed. São Paulo Saraiva, 2001, v. 3. P. 424). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 428 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a
proibição de cobrar mútuo realizado para o fomento de jogo ou de aposta somente
incide se o empréstimo é feito no ato da aposta ou do jogo, de modo a assegurar
o conhecimento do mutuante quanto à finalidade que o mutuário pretende dar ao
empréstimo. Assim, mesmo que o empréstimo seja feito no momento do jogo ou da
aposta, se o mutuante, prova que não tinha conhecimento do motivo da tomada do
empréstimo, pode cobrar a dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 816. As disposições dos CC 814 e 815 não se
aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se
estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a
cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste.
Para Bueno de Godoy, o artigo presente,
em boa hora, reverteu a equiparação, ao jogo ou à aposta, que o CC/1916, no
art. 1.479, impunha às operações com títulos, valores ou mercadorias cotáveis
em bolsa. São o que sempre se chamou de contratos diferenciais, em que se
negociam títulos, valores ou mercadorias, mas para sua liquidação pela
diferença entre o preço convencionado e a cotação que eles tiverem no instante
do vencimento. São as operações de mercado a termo, de bolsa de futuros, como a
de mercadorias, por exemplo, em que não se quer, no vencimento, propriamente a
entrega do produto, mas o pagamento da diferença entre seu preço de aquisição e
o de sua cotação à época desse termo avençado. É de ver que esses contratos
diferenciais, além de comuns na prática negocial, já vinham inclusive regrados
por normatização especial, como lembra Jones Figueiredo Alves (Novo Código
Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 738),
pelo que cabia mesmo à nova legislação civil abolir sua equiparação ao jogo ou
à aposta. Ressalva-se apenas a necessidade de devida correção gramatical,
inexistente o plural no verbo estipular, utilizado corretamente na forma
singular no CC/1916. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840-41 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Na toada de Ricardo
Fiuza, o CC/2002 aboliu o princípio da equiparação. Efetivamente, equiparar as
operações das bolsas de futuros a jogo ou aposta era algo que não podia
permanecer no Código Civil. Observe-se que o Decreto-Lei n. 2.286, de 23-7-1986,
já dispõe sobre a cobrança de impostos nas operações a termo de bolsas de
mercadorias ou mercados outros de liquidações futuras, realizadas por pessoa
física, tributando os rendimentos e ganhos de capital delas decorrentes. E no
artigo 3º são definidos como valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n.
6.385, de 7-12-1976, os índices representativos de carteiras de ações e as
opções de compra e venda de valores mobiliários, sendo certo que o Conselho
Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, através das Resoluções n.
1.190/86 e 1.645/89, respectivamente, referiam-se às bolsas, cujo objetivo é,
justamente, a organização de um mercado livre e aberto para a negociação de
produtos derivativos de mercadorias e ativos financeiros.
Isto já existe no Brasil
desde 1986, quando foi criada a Bolsa de Mercadorias & Futuros, que realiza
um volume de negócios equivalente a dez vezes o nosso Produto Interno Bruto. Tais
bolsas existem na Alemanha, na França, na Itália, na Suíça, na Austrália, na
Áustria, na Bélgica, em Luxemburgo, na Holanda, no Reino Unido e sobretudo nos
Estados Unidos. Ser contra a existência dos negócios realizados nas Bolsas de
Mercadorias e Futuros com base na afirmativa de eles terem por objeto negócios
equiparados a jogo e aposta é despiciendo, porque nas clássicas Bolsas de
Valores as ações compradas ou vendidas também variam de preço de um dia para o
outro, sendo essa operação absolutamente aceitável e tributada.
Os negócios de
mercadorias, derivativos e futuros, têm seu risco e a possibilidade sempre presente
de, de um lado, alguém perder, e, de outro, alguém ganhar tal como ocorre nas
Bolsas de Valores clássicas. E isso jamais foi considerado ilegal por
constituir jogo ou aposta proibidos. Mutatis, mutandis, é o que ocorre
nos negócios de títulos de bolsas de mercadorias, derivados e futuros,
supracitados, mesmo quando a venda não é feita e o negócio se desfaz pelo
pagamento da diferença, no preço, pelo que perdeu.
Afinal, só o volume
negociado na Bolsa de Mercadorias & Fundos demonstra a sua importância,
pois permite, entre outras coisas, a formação transparente dos preços futuros
de commodities da pauta comercial brasileira, tais como o café, o açúcar,
a soja e o algodão, facilitando as respectivas vendas a termo no Brasil e no exterior.
Apresentou-se
imperativa, portanto, a adequação do texto à legislação superveniente, diante
do que dispõe o Art. 1º da Resolução n. 01/2000 do Congresso Nacional. Este foi
o escorço doutrinário que embasou a emenda na fase legislativa aditiva em sede
da referida Resolução.
Jurisprudência: “A operação de compra de títulos e venda
destreza, terceiro não se enquadra no art. 1.479 do Código Civil/1916” (RT, 51ü1146).
(Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428-9
apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na balada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
dispositivo cuida do contrato diferencial e explicita que as disposições sobre
jogo e aposta a ele não se aplicam.
Contrato
diferencial é aquele em que se convenciona o pagamento segundo a diferença
entre o valor atual e o valor futuro de um título ou de uma mercadoria. É o
contrato típico das operações de mercado a termo, de bolsa de futuros. É atividade
financeira típica que somente tem de semelhante com os contratos de jogo e de
aposta a aleatoriedade dos ganhos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 817. O sorteio para dirimir questões ou
dividir coisas comuns considera-se sistema de partilha ou processo de
transação, conforme o caso.
Sob a luz de Claudio
Luiz Bueno de Godoy, sem nenhuma alteração em relação ao CC/1916, o artigo em
comento bem acentua não se considerar jogo ou aposta o sorteio que se faça para
solução de impasses, divergências ou dificuldades. Recorre-se a uma álea que,
porém, coloca-se muito distante do propósito do jogar ou apostar, valendo,
conforme o caso, como transação ou partilha. Pense-se no exemplo, citado por
José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça
Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 381), em que duas pessoas vão
comprar um carro em prestações, que dividirão, na ordem que um sorteio
determinar, tanto quanto, acrescenta-se, podem solver divergência daí
resultante pelo mesmo recurso. Ou, ainda, os casos de divisões de coisas comuns
ou de partilha de quinhões hereditários, cuja escolha se pode fazer por
sorteio. Também as loterias autorizadas o envolvem, tanto quando nos contratos
de capitalização, de consórcio, também haverá sorteio, portanto nada estranho
ao sistema positivo como um todo, mesmo nos lindes do Código Civil, de que é um
exemplo o sorteio realizado na hipótese dos CC 858 e 859. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 841 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
No lecionar de Ricardo
Fiuza, a norma não considera essa espécie de sorteio como jogo e aposta, quando
se trate de desate de pendências condominiais, não incidindo sobre ele as
regras antes analisadas. É que, em tais hipóteses, não existem o lucro ou a
perda, apenas elege-se o critério aleatório para o sistema de partilha, em
relação aos bens comuns, ante a falta de outro critério que possa dirimir
questões de interesse dos condôminos, havendo-se ainda, tal critério como um
processo de transação. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 429 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Encerrando o
capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, do mesmo modo que o CC
816, o CC 817 cuida de retirar da incidência das disposições relativas aos
contratos de jogo e de aposta o sorteio que visa à divisão de coisas comuns. Conforme
expresso no dispositivo, tal sorteio pode representar sistema de partilha ou de
transação. Tendo-se em vista a finalidade com que é realizado nada tem de jogo
ou de aposta. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 21.02.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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