Direito Civil Comentado - Art. 882, 883
Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233
ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854
a 886) Capítulo III – Do Pagamento Indevido
Art. 882. Não se pode
repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação
judicialmente inexigível.
No pensar de
Hamid Charaf Bdine Jr, o pagamento da dívida alcançada pela prescrição, ou
juridicamente inexigível, é adimplida espontaneamente pelo devedor, que não
pode invocar a prescrição ou a inexigibilidade para postular a repetição. Mas,
se houver outra espécie de erro no pagamento, será possível repetir o
adimplemento. Imagine-se que o erro resultou do fato de uma seguradora pagar
indenização a um segurado, após o prazo prescricional, porque imaginava que ele
havia sido vítima de um furto. Ao ser apurado o erro – o furto não ocorreu, e o
equívoco da denúncia foi informado à seguradora em momento oportuno -, a
seguradora poderia postular a repetição do indébito decorrente do erro
cometido, porque seu pedido não estaria fundamentado no pagamento de dívida
prescrita.
Conclui-se que o dispositivo
veda a alegação de que a dívida estava prescrita ou que era juridicamente
inexigível como causa da repetição, mas não exclui a repetição se o fundamento
do devedor for o erro, ou seja, a alegação de que pagou o que era indevido – e
o fato de ter ocorrido prescrição ou de a dívida não ser juridicamente exigível
não significa que ela não era devida. (Hamid
Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 899 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/03/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Como Ricardo Fiuza trata em sua doutrina, este artigo, do
pagamento de dívidas prescritas (aquelas que não cobradas em tempo hábil) e das
oriundas de obrigação judicialmente inexigível, que é a obrigação natural,
expressão usada no Código Civil de 1916. Segundo a definição de Clóvis
Beviláqua: “Denominam-se obrigações naturais as que não conferem direito de
exigir seu cumprimento, as desprovidas de ação, como: as prescritas, as de jogo
e apostas, em geral, as que consistem no cumprimento de um dever moral (Código
Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9 ed. Rio de Janeiro 1953, v.4 p. 127).
Assim, quem paga obrigação natural não pratica uma liberalidade, mas cumpre
dever a que, em seu foro interior, se acha preso, portanto não tem o direito de
repetir. (Direito Civil
- doutrina, Ricardo Fiuza – p. 456 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/03/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Como
lecionam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não é pagamento indevido
o que se faz para solver obrigação natural. São obrigações naturais as dívidas
de jogo e de aposta, porque são judicialmente inexigíveis. A dívida prescrita
no sistema do Código Civil de 2002 deixa de existir. Não é dívida, pois o
Código determina que a prescrição extingue o direito e a pretensão que o resguarda.
Embora alterados os efeitos da prescrição, a irrepetibilidade do pagamento da
dívida prescrita é assegurada pelo dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.03.2020, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
Art. 883. Não terá
direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral,
ou proibido por lei.
Parágrafo único. No caso deste
artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência,
a critério do juiz.
Lecionando Hamid
Charaf Bdine Jr, caso o objeto da prestação não cumprida seja ilícito, imoral
ou proibido por lei, a repetição é indevida, pois não se pode prestigiar a
obrigação nula (CC 166), indesejada pelo legislador. Contudo, também não será
adequado que aquele que recebeu algo para realizar uma dessas prestações fique
com o bem, de modo que o legislador inovou ao determinar que o bem reverta em
proveito de estabelecimento de beneficência.
Será
necessário que aquele que deu alguma coisa postule a repetição e que o juiz
identifique o fim ilícito no curso da demanda, de modo a acolher o pedido e
condenar quem recebeu a entregar o bem ao estabelecimento. Mas também é
possível que algum estabelecimento de beneficência postule a repetição, ou que
o interesse público legitime o Ministério Público a fazê-lo. O princípio da
socialidade do Código Civil autoriza esta interpretação: em nome do interesse
social predominante, é de se alargar a interpretação do presente dispositivo
para que seja possível admitir a legitimação extraordinária na hipótese, a fim
de evitar que, mais do que o interesse particular, tutela interesse público.
Pela mesma
razão, a natureza pública do texto legal autoriza que o juiz o aplique de
ofício, sem que qualquer das partes o sugira ou mencione. A regra teria
aplicação ao caso em que alguém entrega dinheiro para que uma pessoa com
qualificação melhor preste concurso público em seu lugar. Ao ser identificado o
crime e preso aquele que se faiz passar pelo candidato, este poderia pretender
a repetição do indébito, na medida em que foi excluído do concurso – o objeto
do contrato não lhe foi conferido, tendo havido, por isso, inadimplemento. O
presente dispositivo, porém, veda essa devolução, ao estabelecer que a
importância reverterá a um estabelecimento de beneficência. Com essa solução,
evita-se que qualquer dos participantes da conduta permaneça com a quantia que
se destinava a fim ilícito, imoral ou contrário à lei. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 900 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/03/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na doutrina de Ricardo Fiuza, o solvens não poderá pleitear a quantia que pagou indevidamente,
quando fez o pagamento para obter fim ilícito ou proibido por lei (v.g., compra de substância entorpecente)
ou ainda imoral (v.g., pornografia).
É a aplicação do princípio nomo auditur
turpidinem allegans, i.é, ninguém pode ser ouvido alegando sua própria
torpeza. A quantia envolvida nesses negócios escusos será, a critério do juiz,
doada a estabelecimentos beneficentes. – o caput
deste dispositivo corresponde ao art. 971 do Código de 1916, devendo ser-lhe
dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 456 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Enquanto para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, o pagamento da obrigação resultante de negócio inidôneo não permite
a repetição. Assim, não pode requerer a repetição do indébito aquele que
adquiriu bem mediante receptação, nem o usuário pode requerer a repetição do
preço pago pela aquisição de droga ilícita junto ao traficante.
É
significativo notar que a irrepetibilidade depende não da ilicitude do negócio
em si, mas, nos termos do dispositivo, de o enriquecedor ter visado a um fim
ilícito. Assim, é repetível o pagamento feito por bem furtado se o adquirente
desconhecer a origem ilícita do bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 27.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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