sexta-feira, 27 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 882, 883 Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 882, 883
Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo III – Do Pagamento Indevido
– Seção III – (art. 876 a 883) – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

No pensar de Hamid Charaf Bdine Jr, o pagamento da dívida alcançada pela prescrição, ou juridicamente inexigível, é adimplida espontaneamente pelo devedor, que não pode invocar a prescrição ou a inexigibilidade para postular a repetição. Mas, se houver outra espécie de erro no pagamento, será possível repetir o adimplemento. Imagine-se que o erro resultou do fato de uma seguradora pagar indenização a um segurado, após o prazo prescricional, porque imaginava que ele havia sido vítima de um furto. Ao ser apurado o erro – o furto não ocorreu, e o equívoco da denúncia foi informado à seguradora em momento oportuno -, a seguradora poderia postular a repetição do indébito decorrente do erro cometido, porque seu pedido não estaria fundamentado no pagamento de dívida prescrita.

Conclui-se que o dispositivo veda a alegação de que a dívida estava prescrita ou que era juridicamente inexigível como causa da repetição, mas não exclui a repetição se o fundamento do devedor for o erro, ou seja, a alegação de que pagou o que era indevido – e o fato de ter ocorrido prescrição ou de a dívida não ser juridicamente exigível não significa que ela não era devida. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 899 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como Ricardo Fiuza trata em sua doutrina, este artigo, do pagamento de dívidas prescritas (aquelas que não cobradas em tempo hábil) e das oriundas de obrigação judicialmente inexigível, que é a obrigação natural, expressão usada no Código Civil de 1916. Segundo a definição de Clóvis Beviláqua: “Denominam-se obrigações naturais as que não conferem direito de exigir seu cumprimento, as desprovidas de ação, como: as prescritas, as de jogo e apostas, em geral, as que consistem no cumprimento de um dever moral (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9 ed. Rio de Janeiro 1953, v.4 p. 127). Assim, quem paga obrigação natural não pratica uma liberalidade, mas cumpre dever a que, em seu foro interior, se acha preso, portanto não tem o direito de repetir. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 456 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como lecionam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não é pagamento indevido o que se faz para solver obrigação natural. São obrigações naturais as dívidas de jogo e de aposta, porque são judicialmente inexigíveis. A dívida prescrita no sistema do Código Civil de 2002 deixa de existir. Não é dívida, pois o Código determina que a prescrição extingue o direito e a pretensão que o resguarda. Embora alterados os efeitos da prescrição, a irrepetibilidade do pagamento da dívida prescrita é assegurada pelo dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.

Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.

Lecionando Hamid Charaf Bdine Jr, caso o objeto da prestação não cumprida seja ilícito, imoral ou proibido por lei, a repetição é indevida, pois não se pode prestigiar a obrigação nula (CC 166), indesejada pelo legislador. Contudo, também não será adequado que aquele que recebeu algo para realizar uma dessas prestações fique com o bem, de modo que o legislador inovou ao determinar que o bem reverta em proveito de estabelecimento de beneficência.

Será necessário que aquele que deu alguma coisa postule a repetição e que o juiz identifique o fim ilícito no curso da demanda, de modo a acolher o pedido e condenar quem recebeu a entregar o bem ao estabelecimento. Mas também é possível que algum estabelecimento de beneficência postule a repetição, ou que o interesse público legitime o Ministério Público a fazê-lo. O princípio da socialidade do Código Civil autoriza esta interpretação: em nome do interesse social predominante, é de se alargar a interpretação do presente dispositivo para que seja possível admitir a legitimação extraordinária na hipótese, a fim de evitar que, mais do que o interesse particular, tutela interesse público.

Pela mesma razão, a natureza pública do texto legal autoriza que o juiz o aplique de ofício, sem que qualquer das partes o sugira ou mencione. A regra teria aplicação ao caso em que alguém entrega dinheiro para que uma pessoa com qualificação melhor preste concurso público em seu lugar. Ao ser identificado o crime e preso aquele que se faiz passar pelo candidato, este poderia pretender a repetição do indébito, na medida em que foi excluído do concurso – o objeto do contrato não lhe foi conferido, tendo havido, por isso, inadimplemento. O presente dispositivo, porém, veda essa devolução, ao estabelecer que a importância reverterá a um estabelecimento de beneficência. Com essa solução, evita-se que qualquer dos participantes da conduta permaneça com a quantia que se destinava a fim ilícito, imoral ou contrário à lei. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 900 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, o solvens não poderá pleitear a quantia que pagou indevidamente, quando fez o pagamento para obter fim ilícito ou proibido por lei (v.g., compra de substância entorpecente) ou ainda imoral (v.g., pornografia). É a aplicação do princípio nomo auditur turpidinem allegans, i.é, ninguém pode ser ouvido alegando sua própria torpeza. A quantia envolvida nesses negócios escusos será, a critério do juiz, doada a estabelecimentos beneficentes. – o caput deste dispositivo corresponde ao art. 971 do Código de 1916, devendo ser-lhe dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 456 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Enquanto para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o pagamento da obrigação resultante de negócio inidôneo não permite a repetição. Assim, não pode requerer a repetição do indébito aquele que adquiriu bem mediante receptação, nem o usuário pode requerer a repetição do preço pago pela aquisição de droga ilícita junto ao traficante.

É significativo notar que a irrepetibilidade depende não da ilicitude do negócio em si, mas, nos termos do dispositivo, de o enriquecedor ter visado a um fim ilícito. Assim, é repetível o pagamento feito por bem furtado se o adquirente desconhecer a origem ilícita do bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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