Direito Civil Comentado - Art. 884, 885, 886
Do Enriquecimento Sem
Causa - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233
ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854
a 886) Capítulo IV – Do Enriquecimento Sem Causa
(Art. 884
a 886) – vargasdigitador.blogspot.com –
Art. 884. Aquele que,
sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o
enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a
restitui-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor
do bem na época em que foi exigido.
Seguindo Hamid Charaf Bdine Jr.,
no Direito Romano, o princípio que veda o enriquecimento sem causa já era
conhecido e aplicado. Atualmente, várias ações têm o objetivo de evitar esse
tipo de enriquecimento: a repetição de indébito, a de enriquecimento ilícito na
cobrança do cheque prescrito, a de indenização etc. Todas elas pertencem ao
gênero das ações in rem verso.
No Código Civil de 1916,
eram exemplos dessas medidas o dispositivo que determinava a restituição do
pagamento indevido, o que reconhecia o direito de ressarcimento das despesas de
produção e custeio e das benfeitorias necessárias ao possuidor de má-fé, bem
como aquela que reconhecia o direito à indenização do construtor de boa-fé em
terreno alheio.
No Código Civil de 2002, foi
dedicado um capítulo específico ao enriquecimento sem causa. O parágrafo único
deste dispositivo acrescenta, no que se refere ao enriquecimento que tem por
objeto coisa determinada, que “quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a
coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em
que foi exigido”.
Os requisitos da ação de
enriquecimento sem causa são: a) enriquecimento de alguém; b) empobrecimento
correspondente de outrem; c) relação de causalidade entre ambos; d) ausência de
causa jurídica; e) inexistência de ação específica (Gonçalves, Carlos Roberto. Direito
civil brasileiro. São Paulo, saraiva, 2004, v. III, p. 590).
O enriquecimento compreende
não só o aumento patrimonial, mas também qualquer vantagem, como não suportar
determinada despesa. Exemplo interessante da questão é fornecido por Silvio
Rodrigues e tem origem na Corte de Cassação francesa: “Um negociante havia
entregue ao arrendatário de uma propriedade agrícola adubos por este comprados.
Rescindido o arrendamento, o negociante, que não conseguiu receber o preço da
venda do arrendatário, que de resto se tornara insolvente, veio cobrá-lo do
arrendante por meio da ação de in rem verso. Seu êxito na demanda é que
valeu a consagração e do princípio do repúdio ao enriquecimento indevido, no
Direito francês” (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p.
422).
O empobrecimento pode
consistir em uma redução de patrimônio ou em não perceber determinada verba que
seria obtida em razão do serviço prestado ou da vantagem conseguida pela outra
parte. Para Agostinho Alvim, esse requisito nem sempre é necessário (RT
259/3). Segundo o ilustre mestre, há hipóteses em que a ação é cabível
mesmo sem o enriquecimento; por exemplo, quando uma pessoa informa ao herdeiro
sua qualidade em determinada sucessão.
A relação de causalidade
significa que o enriquecimento e o empobrecimento resultam de um só fato,
atuando um como determinante da ocorrência do outro. Se os valores forem
diversos, a indenização será fixada pela cifra menor. Assim, se a vantagem de
quem enriquecer é de R$ 5.000,00, mas o empobrecimento correspondente é de R$
3.000,00, esta última importância é que deverá ser paga pelo montante de seu
prejuízo, seu interesse fundado na ausência de outros danos a reparar
desaparecerá, de modo que não poderá receber além do que perdeu. Não é necessário
que o empobrecimento seja causa eficiente do enriquecimento e vice-versa.
Cuida-se de verificar se ambos têm origem no mesmo fato. Assim, o indivíduo
trabalha sem remuneração e sofre um empobrecimento ao qual corresponde um
enriquecimento do beneficiado. O serviço foi a causa de ambos os fatos.
A ausência de causa jurídica é o
requisito mais importante para o reconhecimento do enriquecimento sem caus. Não
haverá enriquecimento sem causa quando o fato estiver legitimado por um
contrato ou outro motivo previsto em lei. Somente quando não houver nenhum
destes dois fundamentos é que haverá ilicitude no locupletamento. (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 902 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/03/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Com os aplausos de Ricardo
Fiuza, o Código Civil de 2002 inova ao prever em seu texto a figura do
enriquecimento sem causa. E louvável tal inserção, uma vez que se consolida na
lei civil a matéria, não ficando ela sujeita às interpretações da
jurisprudência.
Na clássica
definição de Orlando Gomes: “Há o enriquecimento ilícito quando alguém, a
expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, i.é, sem que a tal
vantagem se funde em dispositivo de lei, ou em negócio jurídico anterior. São
necessários os seguintes elementos: a) o enriquecimento de alguém; b) o
empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o
empobrecimento; e d) a falta de causa justa” (Obrigações, 3 ed., Rio de
Janeiro, Forense,
1972, p. 289). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 456, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Conceituando Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, enriquecimento sem causa é o fato gerado pelo
enriquecimento de alguém em razão do empobrecimento de outrem sem causa
justificadora da atribuição patrimonial (titulus adquirendi). - Enriquecimento
ilícito, enriquecimento injusto, enriquecimento injustificado, locupletamento à
custa alheia, empobrecimento sem causa, são sinonímias.
Como natureza
jurídica – Fato jurídico em sentido estrito originado por fatos e atos, lícitos
e ilícitos.
Tem uma evolução
histórica. O enriquecimento sem causa era previsto no Direito Romano, no
Digesto: Iure naturae aequum est neminem cum alterius detrimento et iniuria
fieri locupletiorem (“É justo, por direito natural, que ninguém se
enriqueça em detrimento ou prejuízo de outrem”; D. 50.17.206).
A primeira
teorização do instituto coube a Hugo Grotius, seguido por Wollf, que o
consideraram um princípio de direito natural.
O Código Civil
francês de 1804, o Código Civil português de 1867 e o Código Civil brasileiro
de 1916 não disciplinaram o enriquecimento sem causa. O instituto era tido como
vago e propiciador de incertezas jurídicas.
Três teorias buscam
explicá-lo: a doutrina unitária (tradicional), que o define a partir de seus
elementos: enriquecimento + empobrecimento + ausência de causa, a teoria da
ilicitude e a teoria do conteúdo da destinação.
O instituto é tido
como um princípio informador da ordem jurídica, fundado na equidade (aequitas)
e a regra (cláusula geral) que o positiva (CC 884) como um “travão”, pois
somente pode ser invocado subsidiariamente (CC 886). Como princípio, o
enriquecimento sem causa é concretizado por muitos institutos. Impugnação
pauliana (CC 165); invalidade do negócio jurídico (CC 182); cessão de crédito
(CC 295 e 297); libera o devedor de pagar se seu crédito correspectivo se torna
impossível (CC 477); obsta a devolução no mútulo a menor incapaz (CC 588);
obriga o dono da obra a pagar acréscimos na empreitada (CC 619, parágrafo
único); gestão de negócios (CC 868, parágrafo único; 869, 871 e 872); dá ao
possuidor de boa-fé direito à indenização por benfeitorias (CC 1.219); avulsão
(CC 1.251); acessões (CC 1.254 a 1259).
Das espécies: a)
enriquecimento por prestação (impugnação de negócio jurídico). Exemplos:
pagamento indevido (CC 876 a 883); pagamento de indenização de seguro de furto
ou roubo seguido de retomada da posse da coisa pelo segurado (cessação da
causa); cumprimento de prestação em contrato cuja contraprestação venha a se
tornar impossível em razão de caso fortuito ou força maior (CC 393); b)
enriquecimento por intervenção de terceiro ou do próprio enriquecido. Exemplos:
devedor que paga a credor putativo (CC 309); alienação de imóvel a non
domino (CC 879); frutos colhidos antecipadamente (CC 1.214, parágrafo
único, 2ª parte); c) enriquecimento resultante de fenômeno natural. Exemplos:
avulsão (CC 1.251); direito de o possuidor de boa-fé se ressarcir de gastos
úteis (CC 1.214, parágrafo único, 1ª parte); animal que se alimenta de coisa
alheia (CC 936) e d) por desconsideração de um patrimônio interposto. Exemplo:
fraude contra credores.
Em
suposta exceção, pode-se afirmar não haver enriquecimento sem causa no caso de
usucapião; prescrição extintiva; obrigação natural. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 30.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 885. A restituição é devida, não só quando
não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta
deixou de existir.
Ora, Hamid Charaf Bdine Jr, de
acordo com o disposto neste artigo, a restituição é devida não só quando não
houver causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixar de
existir. Assim, mesmo que, de início, o enriquecimento estivesse justificado, a
partir do momento em que deixa de haver causa para sua permanência, a
restituição será possível.
Giovanni Ettore Nanni, ao comentar
o presente dispositivo, apresenta como exemplo o bem alheio cujo uso foi
consentido por negócio jurídico regular que, após o período estabelecido, deixa
de ter justa causa, gerando enriquecimento sem causa. (Enriquecimento sem
causa. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 264). Acrescenta, ainda, ocaso dos
esponsais, observando que, ainda que não acolhidos no Direito brasileiro, geram
efeitos jurídicos, inclusive o de postulação de perdas e danos (idem, ibidem). (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 903 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/03/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na
doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, havendo o enriquecimento desmotivado,
por não ter causa que o justifique, a devolução sempre é devida, inclusive se a
causa deixou de existir. Artigo sem correspondente no Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 457, apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
De
acordo com os estudos de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
adquirente de um bem pode vir a perdê-lo em razão de evicção. No momento em que
realizou o pagamento do preço da aquisição, o negócio possuía causa, tanto que
a propriedade lhe foi transmitida. Depois, quando o verdadeiro proprietário
obtém a vitória na ação em que reivindica o bem, o adquirente perde a
propriedade e o negócio que originariamente tinha causa de atribuição
patrimonial a perde. O ganho preço recebido pelo alienante passa à condição de
enriquecimento sem causa, uma vez que a transferência da propriedade ao
adquirente não foi garantida a este. Portanto, conforme este exemplo, é
possível que um negócio que, originariamente, possuía causa de atribuição
patrimonial, venha a se tornar sem causa, dando ensejo à repetição do pagamento
do preço. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 30.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento,
se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
Finalizando com Hamid
Charaf Bdine Jr., a ação fundada no enriquecimento sem causa só é
cabível quando não houver ação específica, tendo em vista seu caráter
subsidiário. Se o interessado deixa prescrever a ação específica, não poderá
valer-se da ação de enriquecimento ilícito, ou todas as demais ações seriam
absorvidas por ela. Vale dizer, aquele que dispunha de determinada ação
específica para receber seu crédito e deixa sua pretensão prescrever não poderá
invocar o enriquecimento injusto para postular indenização correspondente ao
crédito prescrito. Se houver ação específica, esta é que deve ser utilizada.
Giovanni Ettore Nanni observa que “o conceito
básico que predomina a respeito da subsidiariedade é que a ação de
enriquecimento deve ser entendida como um remédio excepcional, cujo exercício é
condicionado à inexistência de outra solução prevista na lei” (Enriquecimento
sem causa. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 268) e prossegue, anotando que “a
verificação da subsidiariedade não deve ser feita abstratamente, a priori,
mas analisada em concreto, conforme as particularidades da questão submetida a
julgamento, em que se averiguará a possibilidade ou não da existência de outros
meios disponíveis ao demandante para recompor a perda sofrida” (idem, p. 270).
A rigor, como o insigne monografista pondera, o que se pretende é evitar que a
ação de enriquecimento sem causa seja utilizada para viabilizar violação ou
fraude à lei, possibilitando que se alcance por via oblíqua o que é vedado pela
lei (idem, ibidem). Por outro lado, sempre que outra demanda for suficiente
para restabelecer o equilíbrio da situação, não haverá necessidade da ação de
enriquecimento sem causa, sob pena de ela ser admitida em praticamente todas as
hipóteses de pedido condenatório, como verdadeira panaceia. Giovanni Ettore Nanni,
porém, pondera que não se deve fazer uma análise meramente formal da
subsidiariedade, devendo o intérprete admitir essa ação em todos os casos em
que, mesmo concorrendo com outra ação, a demanda preencha os seus requisitos específicos (idem, p. 273). (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 904 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/03/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Para Fiuza,
existindo na lei outros meios que sirvam para ressarcir o prejuízo sofrido pelo
lesado, não há que se falar em restituição por enriquecimento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 457,
apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 30/03/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No conceito de
Guimarães e Mezzalira, o enriquecimento sem causa, como se viu nos comentários
ao CC 884, tem natureza principiológica e, como princípio, encontra-se na base
de inúmeros instituto jurídicos: impugnação pauliana, invalidade do negócio
jurídico, liberação do devedor de pagar se seu crédito correspectivo se torna
impossível...
A variedade é tão
grande que a permissão de utilização livre do instituto poderia ocasionar a
utilidade prática das regras que regulam todos os muitos institutos que têm o
enriquecimento sem causa como base, com prejuízo para as nuances e condições
específicas que cada qual prevê.
Desse modo, embora
tenha entendido conveniente positivar o instituto que, por sua abrangência e
generalidade, havia sido omitido no Código Civil de 1916, a lei em vigor
estabelece que o mesmo somente pode ser aplicado se a lei não conferir outros
meios ao lesado para este se ressarcir do prejuízo sofrido.
A
impossibilidade de o interessado fazer uso de outro instituto jurídico pode
advir da prescrição da pretensão relativa a ele. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.03.2020, corrigido e aplicadas
as devidas atualizações VD).
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