quarta-feira, 29 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 944, 945, 946 - continua Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 944, 945, 946 - continua
Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 944 a 954) Capítulo II – Da Indenização
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Como sugere Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o artigo representa importante inovação no sistema da responsabilidade civil, muito embora não no seu caput, que continua a acentuar a indiferença do grau de culpa para a fixação da indenização cuja função é recompor a lesão sofrida pela vítima, na extensão do prejuízo que lhe foi causado, com as observações, a que se remete, contidas no comentário ao CC 947. Mas justamente esse princípio da indiferença do grau de culpa, estabelecido desde a Lei Aquília (Lex Aquilia et levíssima culpa venit), é que agora passa a encontrar mitigação, contida no parágrafo único, aproximando, inclusive, o sistema civil do penal, em que o grau de culpa influencia a dosagem da pena.

Pois a partir do CC/2002, e malgrado não como regra geral, mas sim excepcionalmente, a indenização poderá ser reduzida por consequência de uma conduta havida com grau mínimo de culpa, todavia desproporcional ao prejuízo por ela provocado. A inspiração do preceito é, de novo aqui, e ainda como expressão do princípio da eticidade, elemento axiológico muito caro à nova normatização, que pretende, no caso, corrigir situações em que uma culpa mínima possa, pela extensão do dano, acarretar ao ofensor o mesmo infortúnio de que padece a vítima. Ou seja, quer-se evitar, com o dispositivo, como salienta Silvio Rodrigues, que haja apenas uma transferência da desgraça de um para o outro, como quando, no seu exemplo, alguém, no vigésimo antar de um edifício, distraidamente encosta na vidraça que se desprende e mata um pai de família que transitava pela rua, circunstância em que, com indenização medida pela extensão do dano, uma inadvertência mínima pode trazer a ruína do ofensor, assim apenas transmitindo-se-lhe a desgraça das vítimas reflexamente atingidas com o falecimento (Direito civil, 19 ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. IV, p. 188).

Se é assim, desde logo se afasta a incidência do parágrafo quando não haja um dano desproporcional a uma culpa que ademais não seja leve ou levíssima, apreciada conforme as condições pessoais do ofensor, muito embora sem simplesmente olvidar o exame de qual a diligencia média que o caso requeria, nem as circunstâncias objetivas de local, tempo e época do evento. Cumpridos esses pressupostos, considera-se com ressalva que adiante se fará, que seja imperativa a redução equitativa da indenização, ao menos no sentido de que não contida na simples discricionariedade do juiz. E isso a despeito da utilização no, no preceito, do verbo poder, mas a rigor erigindo-se verdadeiro direito subjetivo do lesante. Por outra, quer-se dizer que não se permite ao juiz, se preenchidos os requisitos legais, indeferir a redução frise-se, apenas com base na suposição de que ela encerre uma pura faculdade, uma potestade.

Na fixação de quanto se reduzirá a indenização, omisso o CC/2002, determina, por exemplo, o Código Civil português, que contém semelhante regra (art. 494) que se atente ao grau de culpabilidade do agente, à situação econômica das partes e às demais circunstâncias do caso. Se é assim, impende indagar se, diante da situação financeira do ofensor, em especial, pode-se negar a redução. Imagine-se lesante abastado, para quem o pagamento da indenização medida pela extensão do dano nenhum risco de ruína ou de desgraça representa. Em casos tais, deve-se indenizar completamente a vítima ou apenas efetuar menor redução do montante da indenização? Na primeira hipótese, estar-se-ia desigualando o lesante abastado daquele carente? Mas alguma diferenciação não se faz, de toda sorte, quando se vai medir, ao menos, a extensão da redução da indenização? Tem-se aqui, embora discutível a matéria, que se o princípio é o da integral reparação da vítima e se a sua exceção se inspira na intenção de evitar que se transfira a desgraça de um a outro, então se a situação pessoal do ofensor lhe permite, sem maior risco, pagar integralmente a indenização, esta deverá ser a solução.

Afinal, não parece ser justo e equitativo que alguém que causa prejuízo a outrem não o indenize completamente, sem maior risco, pagar integralmente a indenização, esta deverá ser a solução.

Afinal, não parece ser justo e equitativo que alguém que causa prejuízo a outrem não o indenize completamente se, assim fazendo, não corre nenhum risco de ruína, mesmo tendo agido com grau mínimo de culpa. Veja-se a propósito que o Código Civil argentino (art. 1.069) e o Código Suíço das Obrigações (art. 44, § 2º), sintomaticamente, ordenam que atente o juiz, na redução equitativa, à situação econômica do lesante. Isso tudo apesar de não se entrever nenhuma inconstitucionalidade na previsão da redução que se ostentasse por conta do disposto no art. 5º, V e X, da CF/1988, contemplativo do princípio da indenização ilimitada, sempre à consideração de que a fixação equitativa da indenização, com seus requisitos específicos, e dado o espírito que anima, encerra imperativo de justiça (equilíbrio) e solidarismo também constitucionalmente impostos às relações entre as pessoas (art. 3º, I). Mas não é menos certo que, se o sistema se volta à reparação completa, a mitigação no dispositivo contida deve ser interpretada de maneira restritiva, por isso, aí sim, permitindo-se ao juiz que negue a redução equitativa quando, mesmo diante de grau mínimo de culpa com que se portou, possa o ofensor indenizar a vítima por completo, sem nenhum risco maior a seu patrimônio ou, antes, à mantença de seu padrão de vida digno.

Outro problema que a norma suscita está, como se tem sustentado, na sua inaplicabilidade aos casos de fixação de dano moral, porquanto despido de natureza ressarcitória ou reparatória. Com efeito, o dano que se prefere denominar extrapatrimonial consubstancia vulneração a direitos da personalidade e reclama fixação indenizatória que represente uma compensação à vítima, da mesma maneira que, simultaneamente, deve representar um desestímulo ao ofensor, ainda que, no caso concreto, se pondere o grau de culpabilidade do agente, se afinal não se arbitra o quantum indenizatório pela extensão de um prejuízo que não é materialmente mensurável. É, de resto, o quanto se pretende inserir no CC/2002, acaso aprovado o Projeto de Lei n. 276/2007 de reforma, para o fim de constar § 2º no dispositivo presente, assentando aqueles parâmetros de fixação da indenização moral, sempre arbitrada pelo juiz e, nunca, a priori, por limites, faixas ou mesmo quantias determinadas que a lei pretenda impor, aqui sim, de forma insustentável, diante da irrestrição contida na Lei Maior, conforme alhures já se defendeu, de forma mais minudente (ver Godoy, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo, Atlas, 2001, p. 118-20).

Por fim, tratando-se a regra do parágrafo único, ora em comento, como de interpretação restritiva, tal qual se viu, e contemplativa de redução em caso de culpa mínima do agente, nega-se sua aplicação às hipóteses de responsabilidade objetiva, porquanto independente de culpa, tal como se levou a enunciado na Jornada de Direito Civil, realizada no Superior Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2002 (Enunciado n. 46). Em sentido contrário, portanto defendendo a redução mesmo em casos de responsabilidade objetiva, ver: Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, v. 2. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 401). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 952-53 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica a doutrina de Ricardo Fiuza, segundo o Código Civil de 1916, adotava-se a teoria da extensão do dano, como critério para a fixação da indenização cabível em caso de prejuízo material. Assim, o quantum indenizatório independia da existência de dolo, vontade deliberada de causar o prejuízo, ou de culpa no sentido estrito, que, por sua vez, divide-se em grave — na qual o agente, embora sem a vontade deliberada de causar o dano, atuou como se o tivesse desejado —, leve — ausência de diligência média, observada por um homem normal em sua conduta — e levíssima — falta de diligência, tomada acima do padrão médio do ser humano (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro. 7 ed. São Paulo. Saraiva. 1999. v. 7. p. 35; Rui Stoco, Responsabilidade civil e este artigo, em seu parágrafo único, adota a teoria da gradação da culpa, a influenciar o quantum indenizatório, mas somente possibilita sua diminuição diante de desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

O dispositivo é, no entanto, insuficiente, já que seu caput se adapta somente ao dano material e não está adequado ao dano moral.

O critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu. Já que o evento danoso interrompe a sucessão nonnal dos fatos, a reparação de danos deve provocar um novo estado de coisas que se aproxime tanto quanto possível da situação frustrada, ou seja, daquela situação que, segundo a experiência humana, em caráter imaginário, seria a existente se não tivesse ocorrido o dano (v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 407).

Vê-se, assim, que o critério da extensão do dano aplica-se perfeitamente à reparação do dano material — que tem caráter ressarcitório.

No entanto, na reparação do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade etc. (v. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 57-65; Yussef Said Cahali, Dano moral, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 42; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 148 e 149). Por conseguinte, não basta estipular que a reparação mede-se pela extensão do dano.  

Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Insere-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido como ilícito (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 221).  

Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas  práticas lesivas, de modo a “inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade”, traduzindo-se em “montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo” (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 247 e 233; v., também, Yussef Said Cahali, Dano moral, cit., p. 33-42; e Antonio Jeová Santos, Dano moral indenizável, 3. ed., São Paulo, 2001, p. 174-84; v. acórdãos em JTJ, 199/59; RT, 742/320).

Ao juiz devem ser conferidos amplos poderes, tanto na definição da forma como da extensão da reparação cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e seguro, sendo estabelecidos em lei, inclusive para que se evite, definitivamente, o estabelecimento de indenizações simbólicas, que nada compensam à vítima e somente servem de estimulo ao agressor.

Note-se que os critérios sugeridos têm caráter genérico e abrangente, a serem aplicados conforme as circunstâncias do caso concreto, a exemplo do Código Civil português (arts. 494 e 496) e do Código Civil italiano (arts. 2.056, 2.057, 2.058, 2.059, 1.223, 1.226 e 1.227).  

Assim, os critérios taxativos que ainda existem em leis específicas devem vigorar somente nos casos nelas regulados, como ocorre na Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67, arts. 51 e 52). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 485-86, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como parâmetro de fixação da indenização, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo consagra a regra de que a indenização mede-se pela extensão do dano. Ou seja, não pode a indenização ser fixada em montante inferior à diminuição patrimonial sofrida pelo ofendido sob pena de deixar parte do dano sofrido sem a respectiva reparação, mas também não pode superar esse limite a ponto de transformar-se em meio de enriquecimento sem causa. Nesse sentido, são valiosos os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira: “É também princípio capital, em termo de liquidação das obrigações, que não pode ela transformar-se em motivo de enriquecimento. Apura-se o quantitativo do ressarcimento inspirado no critério de evitar o dano (de damno vitando), não porém para proporcionar à vítima um lucro (de lucro capiendo). Ontologicamente subordina-se ao fundamento de restabelecer o equilíbrio rompido, e destina-se a evitar o prejuízo. Há de cobrir a totalidade do prejuízo, porém, limita-se a ele (Karl Larenz, Oblicaciones, vol. I, p. 194; de page, traité, vol. II, n. 1.092)” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol III, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 314).

Da Redução equitativa da indenização em razão do grau de culpa do agressor, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, esclarece haver casos em que mesmo inequivocamente caracterizado o dever de indenizar, a correspondente indenização que deveria ser fixada venha a se mostrar desproporcional ao grau de culpa do agressor, hipótese em que não deixaria de haver uma certa dose de injustiça em relação ao agressor. Neste caso, poderá o juiz equitativamente reduzir o montante da indenização. Ao dizer que poderá haver uma redução equitativa da indenização, o legislador expressamente liberou o julgador de aplicar a regra do caput de que a indenização se mede pela extensão do dano. Silvio de Salvo Venosa afirma que equidade “não é só o abrandamento de uma norma em um caso concreto, como também sentimento que brota no âmago do julgador”. (Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: parte geral, 8ª ed. São Paulo, Atlas, 2008, p. 25. No mesmo sentido: Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 132).

Selma Ferreira Lemes esclarece que a equidade tem vários significados, dentre os quais a “atenuação, modificação efetuado no Direito, na lei, em consideração às circunstâncias particulares; moderação, razoabilidade na aplicação do Direito” (Selma Maria Ferreira Lemes. A arbitragem e a Decisão por Equidade no Direito Brasileiro e Comparado, in: Arbitragem Estudos em Homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, In memorian. São Paulo, Atlas, 2007, p. 193), ou, até mesmo, uma “maneira de solucionar o litígio fora das regras do Direito, seguindo critérios, tais como a razão, a utilidade, o amor à paz, a moral etc.” (Selma Maria Ferreira Lemes. A arbitragem... op. cit., p. 193.).

Nas palavras de Carlos Alberto Carmona, “quando se recorre ao juízo de equidade, tem-se em conta esta exigência, e habilita-se o juiz a superar a barreira da lei escrita, a criar uma norma que seja adequada à particularidade do caso a resolver” (Carlos Alberto Carmona. Arbitragem e Processo... op. cit., p. 66 (grifou-se e destacou-se). E arremata concluindo que “quando autorizado a julgar por equidade, o julgador pode com largueza eleger as situações em que a norma não merece mais aplicação, ou porque a situação não foi prevista pelo legislador, ou porque a norma envelheceu e não acompanhou a realidade, ou porque a aplicação da norma causará injusto desequilíbrio entre as partes” (Arbitragem e Processo: Um comentário à Lei n. 9.307/96, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 65.).

Objetivamente, portanto, a regra de que a indenização se mede pela extensão do dano não comporta exceções. Há apenas situações de manifesta desproporcionalidade em que o julgador está autorizado a não aplicar essa regra, estando liberado para fixar a indenização em patamares inferiores ao dano causado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 29.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

No lecionar de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito traz, para o texto positivo do CC/2002, a consagração, há muito presente na jurisprudência, da concorrência de culpas, aliás a revelar que o grau de culpa do ofensor não foi sempre indiferente à fixação da indenização civil. No caso, tem-se o evento danoso resultante de conduta culposa de ambas as partes nele envolvidas. Lesante e lesado o são reciprocamente, de modo que as indenizações por eles devidas haverão de ser fixadas com a consideração do grau de culpa com que concorreram ao fato. E isso sem que a repartição se faça necessariamente em partes iguais, ao argumento de que, se a indenização se mede, como regra, pela extensão do dano, assim, havendo culpas comuns, só restaria reduzir a indenização pela metade. Há que ver que, também no preceito em comento, a ideia foi de atuação da equidade como fundamento de fixação de uma indenização que deve tomar em conta, no fundo, o grau de causalidade, ou seja, o grau de cooperação de cada qual das partes à eclosão do evento danoso. E esse grau de cooperação pode ser diferente, maior ou menor, para cada uma das partes, justamente, como imperativo de equidade, o que o juiz deve avaliar. Por isso é que se pode proporcionalizar a indenização devida a cada um dos lesados de forma desigual.

Algum conflito se põe acerca da aplicação da regra aos casos de responsabilidade sem culpa. Mas não se há de negá-la se, como se disse, a questão toda envolve o nexo de causalidade subjacente ao evento. Envolve, mais, inclusive um padrão de conduta leal e solidária que a boa-fé objetiva impõe, de resto também como revelação da eticidade. Afinal, não seria leal imaginar que alguém que houvesse agido com culpa, malgrado não exclusiva, para a eclosão do evento, pudesse se ver ressarcido integralmente, sem nenhuma redução, em nome de uma responsabilidade objetiva da outra parte. Na justa observação de João Calvão da Silva (Responsabilidade civil do produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 733-4), admitir que alguém pudesse reclamar indenização cabal, integral, mesmo havendo contribuído para o evento lesivo, seria um verdadeiro venire contra factum proprium que, na sua função de limitação de direitos, a boa-fé objetiva repudia. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 953-54 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando sua doutrina, para Ricardo Fiuza, a concorrência de culpas do agente causador do dano e da vítima, que, segundo este artigo, deve ser levada em conta na fixação da indenização, não era prevista no Código Civil de 1916, mas já estava consagrada na doutrina e na jurisprudência brasileiras. Assim, outras formas de expressão do direito já mencionavam que, “se houver concorrência de culpas, do autor do dano e da vítima, a indenização deve ser reduzida” (cf. Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 7ª ed. São Paulo, Saraiva, 1971, v. 5, p. 414; v. Rui Stoco, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 4ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 68 e 69); “Se a vítima não age com a cautela necessária para atravessar a rua em local apropriado, vindo a ser atropelada, justificável a redução proporcional do valor indenizatório, em razão da culpa concorrente” (Ri’, 609/112); “A partilha dos prejuízos, que se impõe nos casos de concorrência de culpas, deve guardar proporção ao grau de culpa, com que cada protagonista concorreu para o evento. Reconhecida a igualdade na proporcionalidade das culpas dos agentes, deve cada parte responder pela metade dos prejuízos causados à outra, e a partilha dos prejuízos não se faz através de vera compensação dos danos, que podem ser diversos e desproporcionais” (Ri’, 588/188); “Lendo ambas as partes concorrido para o evento danoso, a responsabilidade deve ser dividida” (Ri’, 567/104); “A culpa concorrente não altera a natureza da indenização, mas apenas restringe parcialmente a responsabilidade (Ri’, 599/260).

Muito embora vários julgados sigam o critério da partilha dos prejuízos em partes iguais (Ri’, 564/146. 575/136, 582/94, 585/127), bem estabeleceu este artigo que na fixação da indenização será levada em consideração a existência de culpas concorrentes, sob o critério da gravidade da culpa da vítima em comparação com a culpa do agente causador do dano, cabendo, portanto, ao juiz, na verificação do caso concreto, estimar o valor da indenização segundo o grau da participação culposa da vítima. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 488-89, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Referindo-se à redução da indenização diante da culpa concorrente da vítima, para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não é só o grau de culpa do ofensor que poderá servir de parâmetro para a redução do montante da dívida. Caso a vítima tenha concorrido para o evento danoso, deverá a indenização ser proporcionalmente reduzida em razão do grau de culpa da vítima. Uma vez reconhecida essa hipótese de culpa concorrente da vítima, não haverá liberdade para o julgador livremente optar por reduzir ou por não reduzir o montante da indenização como lhe seria permitido em um juízo de equidade. Havendo culpa concorrente da vítima, divisão da indenização é impositiva. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 29.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.

No luzir de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo, na verdade, redigido de forma mais genérica, pretende substituir as previsões do antigo art. 1.535, que constavam no CC/1916, do título destinado ao regramento geral da liquidação das obrigações. E o faz prevendo que, se indeterminada a extensão da obrigação, deva se dar sua prévia liquidação, nos termos contidos na lei processual, especificamente nos arts. 509 e seguintes do CPC/2015 (com redação dada pela Lei n. 11.232/2005). Isso, portanto, sempre que já não haja prévia determinação do quantum indenizatório pelas próprias partes, como se dá quando fixam cláusula penal compensatória – e aí com a ressalva que agora contém o CC 416, parágrafo único, parte final, a cujo comentário se remete o leitor -, ou quando a lei já não prefixe indenizações a forfait, presumindo o dano, como no caso da cobrança indevida de dívidas, e para quem aí entreveja um importe satisfativo e não uma verdadeira pena privada (ver comentários aos CC 939 a 941, supra). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 954 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na balada da Ricardo Fiuza, Líquida é a obrigação certa quanto à sua existência e determinada quanto a seu objeto, de modo que, se tiver valor indeterminado, deverá ser apurada na conformidade da lei processual, que fixa as formas de liquidação da sentença ou da convenção entre as partes (este texto estava baseado no CPC/1973, arts. 475-A e ss, com correspondência no CPC/2015, CPC 509 e ss. Incluído pela Lei 11.232 de 22.12.2005. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 489, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lecionando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a extensão da obrigação pode ser estipulada contratualmente, por meio de valor indicado em cláusula penal ilustrativamente, ou ainda na lei, tal qual se dá, por exemplo, nas hipóteses de cobrança indevida de dívida (CC 939 e 940).

Nas hipóteses em que nem o contrato nem a lei estipularem o quantum deverá ser pago a título de indenização, o importe deverá ser apurado ou durante a fase de instrução processual ou na fase de liquidação de sentença (este texto estava baseado no CPC/1973, arts. 475-A e ss, Revogados, com correspondência no CPC/2015, arts. 509 e ss. Incluído pela Lei 11.232 de 22.12.2005, nota VD).

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