Direito Civil
Comentado - Art. 944, 945, 946 - continua
Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art.
233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art.
944 a 954) Capítulo II – Da Indenização
–
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade
da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Como sugere Cláudio
Luiz Bueno De Godoy, o artigo representa importante inovação no sistema da
responsabilidade civil, muito embora não no seu caput, que continua a acentuar a indiferença do grau de culpa para
a fixação da indenização cuja função é recompor a lesão sofrida pela vítima, na
extensão do prejuízo que lhe foi causado, com as observações, a que se remete,
contidas no comentário ao CC 947. Mas justamente esse princípio da indiferença
do grau de culpa, estabelecido desde a Lei Aquília (Lex Aquilia et levíssima
culpa venit), é que agora passa a encontrar mitigação, contida no parágrafo
único, aproximando, inclusive, o sistema civil do penal, em que o grau de culpa
influencia a dosagem da pena.
Pois a partir do CC/2002, e malgrado não como regra geral, mas sim
excepcionalmente, a indenização poderá ser reduzida por consequência de uma
conduta havida com grau mínimo de culpa, todavia desproporcional ao prejuízo
por ela provocado. A inspiração do preceito é, de novo aqui, e ainda como
expressão do princípio da eticidade, elemento axiológico muito caro à nova
normatização, que pretende, no caso, corrigir situações em que uma culpa mínima
possa, pela extensão do dano, acarretar ao ofensor o mesmo infortúnio de que
padece a vítima. Ou seja, quer-se evitar, com o dispositivo, como salienta
Silvio Rodrigues, que haja apenas uma transferência da desgraça de um para o
outro, como quando, no seu exemplo, alguém, no vigésimo antar de um edifício,
distraidamente encosta na vidraça que se desprende e mata um pai de família que
transitava pela rua, circunstância em que, com indenização medida pela extensão
do dano, uma inadvertência mínima pode trazer a ruína do ofensor, assim apenas
transmitindo-se-lhe a desgraça das vítimas reflexamente atingidas com o
falecimento (Direito civil, 19 ed.
São Paulo, Saraiva, 2002, v. IV, p. 188).
Se é assim, desde logo se afasta a incidência do parágrafo quando
não haja um dano desproporcional a uma culpa que ademais não seja leve ou
levíssima, apreciada conforme as condições pessoais do ofensor, muito embora
sem simplesmente olvidar o exame de qual a diligencia média que o caso
requeria, nem as circunstâncias objetivas de local, tempo e época do evento.
Cumpridos esses pressupostos, considera-se com ressalva que adiante se fará,
que seja imperativa a redução equitativa da indenização, ao menos no sentido de
que não contida na simples discricionariedade do juiz. E isso a despeito da
utilização no, no preceito, do verbo poder, mas a rigor erigindo-se verdadeiro
direito subjetivo do lesante. Por outra, quer-se dizer que não se permite ao
juiz, se preenchidos os requisitos legais, indeferir a redução frise-se, apenas
com base na suposição de que ela encerre uma pura faculdade, uma potestade.
Na fixação de quanto se reduzirá a indenização, omisso o CC/2002,
determina, por exemplo, o Código Civil português, que contém semelhante regra
(art. 494) que se atente ao grau de culpabilidade do agente, à situação
econômica das partes e às demais circunstâncias do caso. Se é assim, impende
indagar se, diante da situação financeira do ofensor, em especial, pode-se
negar a redução. Imagine-se lesante abastado, para quem o pagamento da indenização
medida pela extensão do dano nenhum risco de ruína ou de desgraça representa.
Em casos tais, deve-se indenizar completamente a vítima ou apenas efetuar menor
redução do montante da indenização? Na primeira hipótese, estar-se-ia
desigualando o lesante abastado daquele carente? Mas alguma diferenciação não
se faz, de toda sorte, quando se vai medir, ao menos, a extensão da redução da
indenização? Tem-se aqui, embora discutível a matéria, que se o princípio é o
da integral reparação da vítima e se a sua exceção se inspira na intenção de
evitar que se transfira a desgraça de um a outro, então se a situação pessoal
do ofensor lhe permite, sem maior risco, pagar integralmente a indenização,
esta deverá ser a solução.
Afinal, não parece ser justo e equitativo que alguém que causa
prejuízo a outrem não o indenize completamente, sem maior risco, pagar
integralmente a indenização, esta deverá ser a solução.
Afinal, não parece ser justo e equitativo que alguém que causa
prejuízo a outrem não o indenize completamente se, assim fazendo, não corre
nenhum risco de ruína, mesmo tendo agido com grau mínimo de culpa. Veja-se a
propósito que o Código Civil argentino (art. 1.069) e o Código Suíço das
Obrigações (art. 44, § 2º), sintomaticamente, ordenam que atente o juiz, na
redução equitativa, à situação econômica do lesante. Isso tudo apesar de não se
entrever nenhuma inconstitucionalidade na previsão da redução que se ostentasse
por conta do disposto no art. 5º, V e X, da CF/1988, contemplativo do princípio
da indenização ilimitada, sempre à consideração de que a fixação equitativa da
indenização, com seus requisitos específicos, e dado o espírito que anima,
encerra imperativo de justiça (equilíbrio) e solidarismo também
constitucionalmente impostos às relações entre as pessoas (art. 3º, I). Mas não
é menos certo que, se o sistema se volta à reparação completa, a mitigação no
dispositivo contida deve ser interpretada de maneira restritiva, por isso, aí
sim, permitindo-se ao juiz que negue a redução equitativa quando, mesmo diante
de grau mínimo de culpa com que se portou, possa o ofensor indenizar a vítima
por completo, sem nenhum risco maior a seu patrimônio ou, antes, à mantença de
seu padrão de vida digno.
Outro problema que a norma suscita está, como se tem sustentado,
na sua inaplicabilidade aos casos de fixação de dano moral, porquanto despido
de natureza ressarcitória ou reparatória. Com efeito, o dano que se prefere
denominar extrapatrimonial consubstancia vulneração a direitos da personalidade
e reclama fixação indenizatória que represente uma compensação à vítima, da
mesma maneira que, simultaneamente, deve representar um desestímulo ao ofensor,
ainda que, no caso concreto, se pondere o grau de culpabilidade do agente, se
afinal não se arbitra o quantum indenizatório
pela extensão de um prejuízo que não é materialmente mensurável. É, de resto, o
quanto se pretende inserir no CC/2002, acaso aprovado o Projeto de Lei n.
276/2007 de reforma, para o fim de constar § 2º no dispositivo presente,
assentando aqueles parâmetros de fixação da indenização moral, sempre arbitrada
pelo juiz e, nunca, a priori, por
limites, faixas ou mesmo quantias determinadas que a lei pretenda impor, aqui
sim, de forma insustentável, diante da irrestrição contida na Lei Maior,
conforme alhures já se defendeu, de forma mais minudente (ver Godoy, Cláudio
Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e
os direitos da personalidade. São Paulo, Atlas, 2001, p. 118-20).
Por fim, tratando-se a regra do parágrafo único, ora em comento,
como de interpretação restritiva, tal qual se viu, e contemplativa de redução
em caso de culpa mínima do agente, nega-se sua aplicação às hipóteses de
responsabilidade objetiva, porquanto independente de culpa, tal como se levou a
enunciado na Jornada de Direito Civil, realizada no Superior Tribunal de
Justiça em 11 de setembro de 2002 (Enunciado n. 46). Em sentido contrário,
portanto defendendo a redução mesmo em casos de responsabilidade objetiva, ver:
Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito
civil, v. 2. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 401). (Cláudio
Luiz Bueno De Godoy, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 952-53 -
Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Como explica a doutrina
de Ricardo Fiuza, segundo o Código Civil de 1916, adotava-se a teoria da
extensão do dano, como critério para a fixação da indenização cabível em caso
de prejuízo material. Assim, o quantum indenizatório independia da existência
de dolo, vontade deliberada de causar o prejuízo, ou de culpa no sentido
estrito, que, por sua vez, divide-se em grave — na qual o agente, embora sem a
vontade deliberada de causar o dano, atuou como se o tivesse desejado —, leve —
ausência de diligência média, observada por um homem normal em sua conduta — e
levíssima — falta de diligência, tomada acima do padrão médio do ser humano (v.
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil Maria Helena Diniz, Curso
de direito civil brasileiro. 7 ed. São Paulo. Saraiva. 1999. v. 7. p. 35;
Rui Stoco, Responsabilidade civil e este artigo, em seu parágrafo único,
adota a teoria da gradação da culpa, a influenciar o quantum indenizatório, mas
somente possibilita sua diminuição diante de desproporção entre a gravidade da
culpa e o dano.
O dispositivo é, no
entanto, insuficiente, já que seu caput se adapta somente ao dano material e não
está adequado ao dano moral.
O critério para a fixação
do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do
que efetivamente perdeu. Já que o evento danoso interrompe a sucessão nonnal
dos fatos, a reparação de danos deve provocar um novo estado de coisas que se
aproxime tanto quanto possível da situação frustrada, ou seja, daquela situação
que, segundo a experiência humana, em caráter imaginário, seria a existente se
não tivesse ocorrido o dano (v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade
civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 407).
Vê-se, assim, que o
critério da extensão do dano aplica-se perfeitamente à reparação do dano material
— que tem caráter ressarcitório.
No entanto, na reparação
do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar
o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta,
na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida,
integridade física, honra, liberdade etc. (v. Carlos Alberto Bittar, Os
direitos da personalidade, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária;
Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1999, p. 57-65; Yussef Said Cahali, Dano moral,
2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 42; Regina Beatriz Tavares
da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São
Paulo, Saraiva, 1999, p. 148 e 149). Por conseguinte, não basta estipular que a
reparação mede-se pela extensão do dano.
Os dois critérios que
devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e
o desestímulo ao lesante. Insere-se nesse contexto fatores subjetivos e
objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa
do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação
econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido como ilícito (v.
Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 221).
Em suma, a reparação do
dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação
compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a “inibir
comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da
sociedade”, traduzindo-se em “montante que represente advertência ao lesante e
à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo”
(cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais,
cit., p. 247 e 233; v., também, Yussef Said Cahali, Dano moral, cit., p.
33-42; e Antonio Jeová Santos, Dano moral indenizável, 3. ed., São
Paulo, 2001, p. 174-84; v. acórdãos em JTJ, 199/59; RT, 742/320).
Ao juiz devem ser
conferidos amplos poderes, tanto na definição da forma como da extensão da
reparação cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e
seguro, sendo estabelecidos em lei, inclusive para que se evite,
definitivamente, o estabelecimento de indenizações simbólicas, que nada
compensam à vítima e somente servem de estimulo ao agressor.
Note-se que os critérios
sugeridos têm caráter genérico e abrangente, a serem aplicados conforme as
circunstâncias do caso concreto, a exemplo do Código Civil português (arts. 494
e 496) e do Código Civil italiano (arts. 2.056, 2.057, 2.058, 2.059, 1.223,
1.226 e 1.227).
Assim, os critérios taxativos que ainda
existem em leis específicas devem vigorar somente nos casos nelas regulados,
como ocorre na Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67, arts. 51 e 52). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
485-86, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Como parâmetro de fixação
da indenização, Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo consagra a regra de que a
indenização mede-se pela extensão do dano. Ou seja, não pode a indenização ser
fixada em montante inferior à diminuição patrimonial sofrida pelo ofendido sob
pena de deixar parte do dano sofrido sem a respectiva reparação, mas também não
pode superar esse limite a ponto de transformar-se em meio de enriquecimento
sem causa. Nesse sentido, são valiosos os ensinamentos de Caio Mário da Silva
Pereira: “É também princípio capital, em
termo de liquidação das obrigações, que não pode ela transformar-se em motivo
de enriquecimento. Apura-se o quantitativo do ressarcimento inspirado no critério
de evitar o dano (de damno vitando), não
porém para proporcionar à vítima um lucro (de lucro capiendo). Ontologicamente
subordina-se ao fundamento de restabelecer o equilíbrio rompido, e destina-se a
evitar o prejuízo. Há de cobrir a totalidade do prejuízo, porém, limita-se a
ele (Karl Larenz, Oblicaciones, vol. I, p. 194; de page, traité, vol. II, n.
1.092)” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições
de Direito Civil, vol III, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 314).
Da Redução equitativa da
indenização em razão do grau de culpa do agressor, Luís Paulo Cotrim Guimarães
e Samuel Mezzalira, esclarece haver casos em que mesmo inequivocamente
caracterizado o dever de indenizar, a correspondente indenização que deveria
ser fixada venha a se mostrar desproporcional ao grau de culpa do agressor,
hipótese em que não deixaria de haver uma certa dose de injustiça em relação ao
agressor. Neste caso, poderá o juiz equitativamente reduzir o montante da
indenização. Ao dizer que poderá haver uma redução equitativa da indenização, o
legislador expressamente liberou o julgador de aplicar a regra do caput de que a indenização se mede pela
extensão do dano. Silvio de Salvo Venosa afirma que equidade “não é só o abrandamento de uma norma em um
caso concreto, como também sentimento que brota no âmago do julgador”. (Sílvio
de Salvo Venosa, Direito Civil: parte
geral, 8ª ed. São Paulo, Atlas, 2008, p. 25. No mesmo sentido: Maria Helena
Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro Interpretada. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 132).
Selma Ferreira Lemes
esclarece que a equidade tem vários significados, dentre os quais a “atenuação, modificação efetuado no Direito,
na lei, em consideração às circunstâncias particulares; moderação,
razoabilidade na aplicação do Direito” (Selma Maria Ferreira Lemes. A arbitragem e a Decisão por Equidade no
Direito Brasileiro e Comparado, in: Arbitragem Estudos em Homenagem ao Prof.
Guido Fernando da Silva Soares, In memorian. São Paulo, Atlas, 2007, p.
193), ou, até mesmo, uma “maneira de
solucionar o litígio fora das regras do Direito, seguindo critérios, tais como
a razão, a utilidade, o amor à paz, a moral etc.” (Selma Maria Ferreira
Lemes. A arbitragem... op. cit., p.
193.).
Nas palavras de Carlos
Alberto Carmona, “quando se recorre ao
juízo de equidade, tem-se em conta esta exigência, e habilita-se o juiz a
superar a barreira da lei escrita, a criar uma norma que seja adequada à
particularidade do caso a resolver” (Carlos Alberto Carmona. Arbitragem e Processo... op. cit., p. 66
(grifou-se e destacou-se). E arremata concluindo que “quando autorizado a julgar por equidade, o julgador pode com largueza
eleger as situações em que a norma não merece mais aplicação, ou porque a
situação não foi prevista pelo legislador, ou porque a norma envelheceu e não
acompanhou a realidade, ou porque a aplicação da norma causará injusto
desequilíbrio entre as partes” (Arbitragem
e Processo: Um comentário à Lei n. 9.307/96, 3ª ed., São Paulo, Atlas,
2009, p. 65.).
Objetivamente,
portanto, a regra de que a indenização se mede pela extensão do dano não comporta
exceções. Há apenas situações de manifesta desproporcionalidade em que o
julgador está autorizado a não aplicar essa regra, estando liberado para fixar
a indenização em patamares inferiores ao dano causado. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 29.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o
evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de
sua culpa em confronto com a do autor do dano.
No lecionar de Cláudio Luiz Bueno De
Godoy, o preceito traz, para o texto positivo do CC/2002, a consagração, há
muito presente na jurisprudência, da concorrência de culpas, aliás a revelar
que o grau de culpa do ofensor não foi sempre indiferente à fixação da
indenização civil. No caso, tem-se o evento danoso resultante de conduta culposa
de ambas as partes nele envolvidas. Lesante e lesado o são reciprocamente, de
modo que as indenizações por eles devidas haverão de ser fixadas com a
consideração do grau de culpa com que concorreram ao fato. E isso sem que a
repartição se faça necessariamente em partes iguais, ao argumento de que, se a
indenização se mede, como regra, pela extensão do dano, assim, havendo culpas
comuns, só restaria reduzir a indenização pela metade. Há que ver que, também
no preceito em comento, a ideia foi de atuação da equidade como fundamento de
fixação de uma indenização que deve tomar em conta, no fundo, o grau de
causalidade, ou seja, o grau de cooperação de cada qual das partes à eclosão do
evento danoso. E esse grau de cooperação pode ser diferente, maior ou menor, para
cada uma das partes, justamente, como imperativo de equidade, o que o juiz deve
avaliar. Por isso é que se pode proporcionalizar a indenização devida a cada um
dos lesados de forma desigual.
Algum conflito se põe acerca da aplicação da regra aos casos de
responsabilidade sem culpa. Mas não se há de negá-la se, como se disse, a
questão toda envolve o nexo de causalidade subjacente ao evento. Envolve, mais,
inclusive um padrão de conduta leal e solidária que a boa-fé objetiva impõe, de
resto também como revelação da eticidade. Afinal, não seria leal imaginar que
alguém que houvesse agido com culpa, malgrado não exclusiva, para a eclosão do
evento, pudesse se ver ressarcido integralmente, sem nenhuma redução, em nome
de uma responsabilidade objetiva da outra parte. Na justa observação de João
Calvão da Silva (Responsabilidade civil
do produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 733-4), admitir que alguém pudesse
reclamar indenização cabal, integral, mesmo havendo contribuído para o evento
lesivo, seria um verdadeiro venire contra
factum proprium que, na sua função de limitação de direitos, a boa-fé
objetiva repudia. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 953-54 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Lecionando sua doutrina, para Ricardo Fiuza, a concorrência de culpas
do agente causador do dano e da vítima, que, segundo este artigo, deve ser
levada em conta na fixação da indenização, não era prevista no Código Civil de
1916, mas já estava consagrada na doutrina e na jurisprudência brasileiras.
Assim, outras formas de expressão do direito já mencionavam que, “se houver
concorrência de culpas, do autor do dano e da vítima, a indenização deve ser
reduzida” (cf. Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 7ª
ed. São Paulo, Saraiva, 1971, v. 5, p. 414; v. Rui Stoco, Responsabilidade
civil e sua interpretação jurisprudencial, 4ª ed. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1999, p. 68 e 69); “Se a vítima não age com a cautela necessária
para atravessar a rua em local apropriado, vindo a ser atropelada, justificável
a redução proporcional do valor indenizatório, em razão da culpa concorrente” (Ri’,
609/112); “A partilha dos prejuízos, que se impõe nos casos de concorrência de
culpas, deve guardar proporção ao grau de culpa, com que cada protagonista
concorreu para o evento. Reconhecida a igualdade na proporcionalidade das
culpas dos agentes, deve cada parte responder pela metade dos prejuízos
causados à outra, e a partilha dos prejuízos não se faz através de vera
compensação dos danos, que podem ser diversos e desproporcionais” (Ri’, 588/188);
“Lendo ambas as partes concorrido para o evento danoso, a responsabilidade deve
ser dividida” (Ri’, 567/104); “A culpa concorrente não altera a natureza
da indenização, mas apenas restringe parcialmente a responsabilidade (Ri’, 599/260).
Muito embora vários
julgados sigam o critério da partilha dos prejuízos em partes iguais (Ri’,
564/146. 575/136, 582/94, 585/127), bem estabeleceu este artigo que na fixação
da indenização será levada em consideração a existência de culpas concorrentes,
sob o critério da gravidade da culpa da vítima em comparação com a culpa do
agente causador do dano, cabendo, portanto, ao juiz, na verificação do caso
concreto, estimar o valor da indenização segundo o grau da participação culposa
da vítima. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
488-89, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Referindo-se à redução da indenização diante da culpa concorrente da
vítima, para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não é só o grau de culpa
do ofensor que poderá servir de parâmetro para a redução do montante da dívida.
Caso a vítima tenha concorrido para o evento danoso, deverá a indenização ser
proporcionalmente reduzida em razão do grau de culpa da vítima. Uma vez
reconhecida essa hipótese de culpa concorrente da vítima, não haverá liberdade
para o julgador livremente optar por reduzir ou por não reduzir o montante da
indenização como lhe seria permitido em um juízo de equidade. Havendo culpa
concorrente da vítima, divisão da indenização é impositiva. (Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 29.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na
lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente,
apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual
determinar.
No luzir de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo,
na verdade, redigido de forma mais genérica, pretende substituir as previsões
do antigo art. 1.535, que constavam no CC/1916, do título destinado ao
regramento geral da liquidação das obrigações. E o faz prevendo que, se
indeterminada a extensão da obrigação, deva se dar sua prévia liquidação, nos
termos contidos na lei processual, especificamente nos arts. 509 e seguintes do
CPC/2015 (com redação dada pela Lei n. 11.232/2005). Isso, portanto, sempre que
já não haja prévia determinação do quantum
indenizatório pelas próprias partes, como se dá quando fixam cláusula penal
compensatória – e aí com a ressalva que agora contém o CC 416, parágrafo único,
parte final, a cujo comentário se remete o leitor -, ou quando a lei já não
prefixe indenizações a forfait,
presumindo o dano, como no caso da cobrança indevida de dívidas, e para quem aí
entreveja um importe satisfativo e não uma verdadeira pena privada (ver
comentários aos CC 939 a 941, supra).
(Cláudio
Luiz Bueno De Godoy, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 954 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na balada da Ricardo
Fiuza, Líquida é a obrigação certa quanto à sua existência e determinada
quanto a seu objeto, de modo que, se tiver valor indeterminado, deverá ser
apurada na conformidade da lei processual, que fixa as formas de liquidação da
sentença ou da convenção entre as partes (este texto estava baseado no
CPC/1973, arts. 475-A e ss, com correspondência no CPC/2015, CPC 509 e ss.
Incluído pela Lei 11.232 de 22.12.2005. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 489, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Lecionando Luís Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira, a extensão da obrigação pode ser estipulada
contratualmente, por meio de valor indicado em cláusula penal ilustrativamente,
ou ainda na lei, tal qual se dá, por exemplo, nas hipóteses de cobrança
indevida de dívida (CC 939 e 940).
Nas hipóteses em que nem
o contrato nem a lei estipularem o quantum
deverá ser pago a título de indenização, o importe deverá ser apurado ou
durante a fase de instrução processual ou na fase de liquidação de sentença (este texto estava
baseado no CPC/1973, arts. 475-A e ss, Revogados, com correspondência no CPC/2015, arts. 509
e ss. Incluído pela Lei 11.232 de 22.12.2005, nota VD).
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